Marketing e Economia Solidária no Cooperativismo de Reforma Agrária: um estudo com educandos do ITERRA
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1 Marketing e Economia Solidária no Cooperativismo de Reforma Agrária: um estudo com educandos do ITERRA Cristiane Betanho (UFSCar/FPJ) cris.bet@terra.com.br Rosaura M.C. de Oliveira Eid (UFSCar) rosauraeid@hotmail.com Farid Eid (UFSCar) farid@power.ufscar.br Resumo Este artigo integra uma pesquisa financiada pelo CNPq. Trata-se de uma pesquisa-ação, com intervenção social, em parceria entre um grupo de pesquisadores da UFSCar com técnicos da CONCRAB/MST e educadores do ITERRA. O objetivo é mostrar o processo de ensinoaprendizagem para trabalhadores assentados da reforma agrária. Educandos de uma turma do Curso Técnico em Administração de Cooperativas (2002/2003) receberam capacitação teórica e prática sobre marketing, análise do ambiente, estratégias de segmentação, posicionamento e análise do consumidor para construção do composto mercadológico. Atividades práticas como pesquisa de mercado e análise sensorial possibilitaram, pela comparação entre atributos de produtos concorrentes e produtos do Iterra, que os educandos construíssem uma oferta concreta em termos de produto, preço, promoção e praça. Os educandos concluíram que os conceitos poderiam ser utilizados na construção de ofertas de produtos da Reforma Agrária, e avaliaram que seria necessário que estes fossem adaptados ao contexto da economia solidária. Palavras chave: Marketing, Reforma Agrária, Educadores e Educandos. 1. Introdução O conceito de economia solidária é um dos mais amplamente difundidos na atualidade. Segundo Singer (2003), as especificidades que distinguem um empreendimento solidário de um pautado pelas regras da corrente econômica hegemônica são o estímulo à solidariedade entre os membros via autogestão e a reintegração de trabalhadores que foram expurgados do mercado de trabalho por questões estruturais, advindas do paradigma econômio neoliberal. Provavelmente, a difusão da economia solidária no contexto brasileiro deu-se em função da quebra das forças produtivas nacionais, quando da abrupta abertura dos mercados internos, gerando níveis alarmantes de desemprego. Nas cidades, empresas modernizadas fecharam milhões de postos de trabalho, enquanto que no campo, a mecanização do processo de produção e a dependência de insumos químicos redundou na falência crescente e acelerada da pequena propriedade rural e da agricultura familiar, resultando na exacerbação do êxodo rural, talvez sem precedentes na história da agricultura brasileira. Uma das modalidades clássicas de organização solidária é a cooperativa. Essa forma associativa, que prevê a propriedade conjunta dos meios de produção e o compartilhamento do processo decisório, tem sido a mais utilizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na luta pela terra e viabilização da vida no campo. Em termos de Economia Solidária, redes de consumo solidário podem absorver parte da produção dos empreendimentos; porém, inserir-se no mercado e construir mecanismos para gradualmente competir na economia capitalista parece ser inevitável para a viabilização da produção da propriedade rural advinda da reforma agrária, seja ela coletiva ou individual. Para tanto, este trabalho propõe a utilização do conceito e de ferramentas de marketing para ENEGEP 2003 ABEPRO 1
2 auxiliar na inserção dos produtos da reforma agrária no mercado, através do entendimento do que é demandado, em que quantidade, a que preço e nível de qualidade. 2. Importância de uma economia solidária no Brasil Em diversas regiões do país, algumas com maior intensidade, vêm se desenvolvendo, principalmente nos últimos quinze anos, experiências de geração de trabalho e renda de forma solidária e associativa. Iniciativas isoladas deram lugar a uma realidade que se expande e se dinamiza, motivando a ação de entidades de classe e de políticas públicas no campo popular, orientadas para uma economia alternativa concreta que está em processo de gestação. Gaiger et al. (1999), ao analisarem a viabilidade e as perspectivas da Economia Solidária no estado do Rio Grande do Sul mostraram que, se antes as experiências de geração de trabalho e renda eram consideradas pelos pesquisadores como circunstanciais e efêmeras, de difícil registro, a partir da década de 90, aumenta ano a ano o interesse por investigações científicas sobre iniciativas solidárias, algumas com mais de dez anos de atividade contínua. Isso não quer dizer que dissoluções não ocorram, mas o que se observa de novo, é a busca pela sobrevivência e mesmo o crescimento de algumas, procurando garantir, simultaneamente, o equilíbrio entre o econômico e o social. É nesse sentido que uma nova interpretação sobre experiências solidárias e programas de apoio considera que, para sobreviverem e crescerem, tenderiam a evoluir para ações propositivas, destacando-se o desenvolvimento de novas formas de organização da produção e do trabalho, com reflexos diretos no campo das políticas públicas e da organização da sociedade. Os empreendimentos econômicos solidários (EES) são definidos por Gaiger et al. (1999) como sendo organizações coletivas de trabalhadores voltados para a geração de trabalho e renda, regidos, idealmente, por princípios de autogestão, democracia, participação, igualitarismo, cooperação no trabalho, auto-sustentação, desenvolvimento humano e responsabilidade social. Entende-se por Economia Solidária (ES), segundo Singer (1999), o conjunto de experiências coletivas de trabalho, produção, comercialização e crédito organizadas por princípios solidários, espalhadas por diversas regiões do país e que aparecem sob diversas formas: cooperativas e associações de produtores, empresas autogestionárias, bancos comunitários, clubes de trocas, bancos do povo e diversas organizações populares, urbanas e rurais. Desenvolvem principalmente atividades econômicas, como plantio, beneficiamento e comercialização de produtos primários, prestação de serviços, confecções, alimentação, artesanatos, entre outras. Para viabilizar a expansão da ES, uma série de desafios são enfrentados, desde a criação de novas políticas e instituições públicas e populares voltadas à representação e apoio, à incubação de EES, ao acompanhamento permanente das demandas de formação, crédito, tecnologia, mercado, gestão e outras. 3. O cooperativismo de Reforma Agrária O MST pode ser definido como uma empresa social pelo caráter de seus empreendimentos econômicos solidários (PASQUETTI, 1998). De fato, observamos em nossa pesquisa e como docentes em Cursos Técnicos e de Especialização em Administração de Cooperativas, que as atividades sociais e econômicas, onde existem, estão voltadas, em suas esferas de poder, para a construção de um modelo de gestão democrático e participativo; busca-se o desenvolvimento organizacional, através da motivação coletiva para o trabalho voluntário e remunerado; há o compromisso e disciplina pessoal de seus membros com o cumprimento dos objetivos sociais; na definição das estratégias de crescimento econômico, a busca pelas sobras líquidas não é a referência principal, mas principalmente, o desenvolvimento do ser humano, através do resgate e ampliação da dignidade e da cidadania; geralmente, a propriedade é coletiva e deve beneficiar todos os associados e envolvidos; o cooperativismo para assentados do MST é entendido como um dos caminhos para a emancipação humana (EID et al., 1998). ENEGEP 2003 ABEPRO 2
3 Quanto à sua trajetória, com quase vinte anos de atividades, encontra-se organizado em 23 estados, em 600 assentamentos com cerca de 150 mil famílias. Nesse período, o MST destacase pelas atividades articuladas de cinco setores. O Setor de Produção conta com cerca de 400 associações de produção, comercialização e serviços, 49 cooperativas de produção agropecuária (2300 famílias), 32 cooperativas de prestação de serviços (11 mil sócios), 2 cooperativas regionais de comercialização, 2 cooperativas de crédito (6 mil sócios) e 96 agroindústrias processadoras de frutas, leite, grãos, café, carnes, doces e cana-de-açúcar. O SCA atua em cerca de 700 municípios brasileiros (EID & PIMENTEL, 1999). O Setor de Educação desenvolve pedagogia própria para escolas do campo em cerca de mil escolas públicas de assentamentos, com 75 mil crianças e 2800 professores da rede municipal e estadual. Quanto ao Setor de Comunicação, coordena as atividades do Jornal Sem Terra e acompanha a formação de repórteres populares, programas de rádio e rádio comunitária em assentamentos, divulgação de informações, notícias na página da Internet e via para diversas organizações e grupos de apoio em nível nacional e internacional. O Setor de Direitos Humanos articula uma rede nacional com 60 advogados que trabalham de forma voluntária, em processos que envolvem prisões, assassinatos e outras questões relacionadas com a defesa da Reforma Agrária. O Setor de Relações Internacionais, coordena as atividades internacionais, principalmente em fóruns como a Via Camponesa que agrega 80 organizações camponesas dos 5 continentes (EID & PIMENTEL, 2000). 4. Importância do Marketing na inserção dos produtos no mercado Um olhar retrospectivo para a economia brasileira demonstra que idéias, conceitos e técnicas de marketing sempre encontraram melhor ressonância, e foram implantadas com maior sucesso, em organizações que atuavam em ambientes competitivos de negócios. No entanto, a partir de 1990, com o início do processo de abertura da economia, todas as áreas de negócio foram forçadas a adotar uma perspectiva voltada para o consumidor, ao invés da mentalidade de distribuição em voga na época. O mercados consumidores estavam mudando, e era necessário fornecer valor competitivo. Na busca por resultados significativos, as ferramentas de marketing foram adaptadas para todas as áreas de negócio, a fim de que informações sobre os clientes pudessem orientar as organizações para sua conquista e manutenção. O próprio conceito de marketing pode assumir um caráter gerencial ou social. Para Kotler (2000), pode ser definido gerencialmente como a ciência da escolha de mercados-alvo, e da captação, manutenção e fidelização de clientes por meio da criação, entrega e comunicação de um valor superior para o cliente. Segundo Silva (2001), os conceitos de marketing podem focar os níveis estratégico e operacional. O marketing estratégico analisa constantemente os mercados de referência (ou mercados-alvos) da empresa, identificando produtos e segmentos de mercados atuais e potenciais onde a mesma poderia atuar, considerando fatores como: a atratividade dos diferentes segmentos ou nichos de mercado, o ciclo de vida dos diferentes produtos, as vantagens concorrenciais da empresa. O marketing estratégico visualiza o longo prazo. O segundo conceito, o marketing operacional, ao contrário do estratégico, enfatiza as atividades de curto prazo, orientadas para o atendimento e a manutenção dos mercados atuais, através dos elementos do mix de marketing (produto, praça ou canais de distribuição, preço e promoção ou composto promocional) mais adequados aos objetivos da empresa. Ele se ocupa também dos orçamentos de marketing adequados às atividades comerciais da empresa. A definição social de Kotler (2000) é por ele denominada como orientação de marketing societal. Ela prevê que a busca pelo mercado deve ser realizada de tal forma que preserve ou melhore o bem-estar do consumidor e da sociedade, levando em consideração o interesse público e a ética. Semenik e Bamossy (1995) afirmam que as empresas estão inclusive aceitando seu papel na preservação e não degradação do meio ambiente. Assim, as atividades ENEGEP 2003 ABEPRO 3
4 de criação de ofertas para o mercado devem levar em consideração não apenas a satisfação do cliente no tempo presente, mas no futuro. Para Richers (1994), as atividades de marketing facilitam o fluxo de produtos dos produtores para os clientes, o que pode ter profundas implicações sociais. Sistemas de marketing eficientes podem levar ao aumento do comércio e do desenvolvimento econômico, o que aumenta a base tributária do país. Esses benefícios podem ser rapidamente traduzidos em sistemas de educação e saúde melhores para todos, indo muito além dos objetivos básicos de suprir os clientes com o que querem, quando querem e por um preço que queiram pagar por isso. Esses valores (bem-estar social e preservação ambiental) têm sido utilizados como um forte fator de posicionamento para empresas dos mais variados setores econômicos, visando a ocupar uma posição competitiva distinta e significativa na mente dos consumidores. Vários autores, como Kotler (2000), Toledo e Amigo (1999) e Semenik (1995) afirmam que a criação desse valor, em um contexto adequado de custo/benefício, é o grande desafio a superar para alavancar o desempenho. Uma das formas de aumentar a precisão do marketing dentro de uma organização é segmentar o mercado, identificando grupos com preferências, poder de compra, hábitos de consumo ou localização geográfica semelhantes. Para Kotler (2000), com a segmentação, a organização pode criar produtos a preços apropriados e oferecê-los através de canais de distribuição e comunicação mais adequados, além de enfrentar menor concorrência. Produto, preço, distribuição e comunicação são as variáveis mercadológicas que a empresa utiliza para concretizar uma oferta para o mercado. Na linguagem da área, são denominados os 4P s ou mix de marketing. Mas não basta olhar para o mercado. As organizações devem analisar criticamente seu ambiente interno e o macroambiente. Selecionar determinada estratégia implica escolher os mercados em que a empresa pretende atuar e quais produtos serão utilizados nesta atuação. O diagnóstico estratégico interno (pontos fortes e fracos da empresa) e o diagnóstico externo (ameaças e oportunidades do ambiente) indicam a melhor direção a serem tomadas pelas ações estratégicas (SILVA, 2001). Para Silva (2001), o marketing dentro do contexto do agribusiness utiliza basicamente os mesmos conceitos aplicados a outros setores produtivos, porém deve considerar algumas particularidades das firmas agroalimentares, como: a) natureza dos produtos (perecibilidade, sazonalidade); b) características da demanda (bens de consumo corrente, produtos em ascensão ou estabilizados ou em declínio, sazonalidade); c) comportamento do consumidor (dimensão psicológica: preocupação com a saúde, etc.); d) dispersão do setor de produção agropecuária; e) concentração do setor de distribuição; f) importância das cooperativas no negócio de transformação de produtos de origem agropecuária. 5. O ITERRA e a inserção dos produtos no mercado O Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA) localiza-se na cidade de Veranópolis (RS). Dentre outras atividades, desenvolve cursos de capacitação de nível secundário, como o Técnico em Administração de Cooperativas, Técnico em Saúde, Técnico em Comunicação Popular e o curso superior de Pedagogia. Todos os cursos são modulares, sendo realizados em etapas presenciais e etapas denominadas tempo-comunidade, onde os educandos devem aplicar os conceitos discutidos no tempo-escola e realimentar o processo de construção de um novo modo de produção e de vida solidários. Além da educação formal, o Iterra possui uma planta piloto para a fabricação de conservas de frutas e legumes, a fim de desenvolver técnicas de produção e princípios de boas práticas de manufatura para treinamento de cooperados para agroindústrias ligadas ao MST no Brasil. ENEGEP 2003 ABEPRO 4
5 A execução do projeto de pesquisa Dinâmica organizacional e produtiva em cooperativas de Reforma Agrária: diagnóstico, implementação de estratégias para o desenvolvimento e perspectivas, financiado pelo CNPq, possibilitou o contato com o Iterra e originou o convite para a realização de uma etapa de aulas relacionadas ao assunto Economia e Mercado, cujo objetivo seria a transmissão de conceitos ligados a administração mercadológica para uma turma de formandos. Os vinte educandos da Turma Carlos Marighella receberam 27 horas de instrução prática e teórica sobre marketing. O conteúdo do programa desenvolveu os principais conceitos de marketing, a análise do ambiente e as estratégias de segmentação e posicionamento que derivam da análise do consumidor para a construção do composto mercadológico produto, preço, promoção e praça, ou 4P s. Duas atividades práticas foram realizadas durante o módulo: a pesquisa de mercado e a análise sensorial. O objetivo de ambas as atividades era repassar uma ferramenta de formatação de uma oferta para um mercado-alvo. Através da comparação entre os atributos de produtos concorrentes e produtos fabricados dentro do Iterra, os educandos construíram uma oferta concreta em termos de Produto, Preço, Promoção e Praça. Ao final do período de instrução e construção de conhecimentos, os educandos foram instados a analisar se os conceitos de marketing poderiam ser utilizados na construção de ofertas de produtos da Reforma Agrária, e avaliar se esses conceitos necessitariam de adaptações ao contexto da economia solidária. 6. Metodologia da Investigação Quanto ao método, esta pesquisa pode ser classificada como um estudo de caso, tendo em vista que a falta de amplitude oriunda da análise de uma única experiência não permite extrapolar os dados para o universo dos cooperados da Reforma Agrária. Yin (2001) afirma que os estudos de caso, como os experimentos, são generalizáveis a proposições teóricas, e não a populações ou universos, e que o objetivo do pesquisador que se utiliza do método do caso é expandir e generalizar teorias (generalização analítica), e não enumerar freqüências (generalização estatística). Quanto a abordagem, esta pesquisa é qualitativa, tendo em vista que a discussão dos conceitos e a sua aplicação aos empreendimentos de Reforma Agrária junto aos educandos do ITERRA procurou interpretar particularidades dos comportamentos e atitudes dos indivíduos. De acordo com Oliveira (2001), as pesquisas que utilizam a abordagem qualitativa possuem a facilidade de poder descrever a complexidade de uma determinada hipótese ou problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos experimentados por grupos sociais e apresentar contribuições no processo de mudança, criação ou formação de opiniões de determinado grupo. Esta investigação foi construída com dois vetores de percepções dos educandos: o que entendiam por marketing antes do módulo Economia e Mercado e, após a socialização dos conceitos, como entendiam o marketing e se havia possibilidade de utilizar seus conceitos e ferramentas para a viabilização dos produtos da Reforma Agrária; e verificar a retenção dos conceitos aprendidos, através da aplicação dos conceitos a um caso concreto de produto da Reforma Agrária. 7. O marketing no cooperativismo de Reforma Agrária No início das atividades, após um nivelamento de expectativas, os conceitos elementares de administração mercadológica foram passados. Os alunos perceberam que o conceito tradicional de marketing não era adequado para o contexto da Reforma Agrária. Pelas ENEGEP 2003 ABEPRO 5
6 características de empreendimento solidário e ambientalmente sustentável, o conceito mais adequado era o de marketing societal, como proposto por Kotler (2000). O trabalho prático foi iniciado após explanações sobre a pesquisa de mercado e sua importância em um universo de consumo em constantes mudanças de percepção. Sua primeira etapa foi desenvolvida nos supermercados da cidade por meio de pesquisa explotarória que visou conhecer, dentro de pontos de venda selecionados, as características de alguns produtos em termos de embalagens, quantidade acondicionada, variações, disposição nas gôndolas, quantidade de concorrentes, preço e percepção de valor em relação a preço/qualidade aparente. Para selecionar os produtos que seriam pesquisados, levou-se em consideração o critério de estarem as cooperativas já o produzindo ou pensando em produzi-los, a fim de que o trabalho fosse o mais prático possível. Dessa pesquisa exploratória, desenvolveu-se o processo de construção da oferta física em termos de 4P s. Um dos produtos pesquisados foi selecionado para a realização de uma degustação comparativa entre uma marca comercial e o produto fabricado no ITERRA. Intencionamente foi selecionada uma geléia sabor morango, tendo em vista ser esse um dos produtos de maior saída dentre os produzidos pela planta piloto do ITERRA. Os aspectos avaliados em ambos os produtos foram cor, odor, sabor e textura. A avaliação sensorial foi realizada de forma aberta : os respondentes avaliaram os produtos em suas próprias embalagens e declinaram suas opiniões em público. Os resultados da análise dos 20 educandos quanto a preferência nesses itens encontram-se na Tabela 1. Aspectos Concorrente Iterra Odor Cor Sabor Textura Tabela 1 Resultados da análise da geléia ITERRA versus concorrente. Os educandos perceberam o produto ITERRA como superior ao concorrente em termos de sabor, odor e textura; no entanto, a cor do produto da concorrência lembrava a coloração de morangos frescos, o que o tornava mais atrativo visualmente. Da mesma forma, sua embalagem e o formato de seu rótulo davam a aparência de produto mais nobre e com presença de pedaços de morango, o que não se confirmou durante a análise. A análise sensorial realizada em sala de aula acabou por deflagrar um processo de comparação entre os produtos ITERRA e concorrentes. Aproveitando a oportunidade de apresentar mais uma metodologia para análise sensorial, procedeu-se a uma segunda avaliação, desta vez cega (os respondentes não tinham indicação de procedência das amostras analisadas). O produto escolhido pela engenharia de produtos do ITERRA foi o segundo mais vendido por eles o pêssego em calda. Os aspectos analisados foram textura da fruta, textura da calda, sabor, doçura, aroma, aparência e cor. Novamente o produto Iterra mostrou-se superior ao concorrente, somente perdendo no quesito doçura e empatando tecnicamente no que tange a textura da fruta. Ambos os aspectos estão relacionados a idade do fruto. Durante as aulas expositivas, foram clarificados os conceitos dos 4 P s. Ao final da explanação teórica sobre cada um deles, os educandos eram instados a retornar à análise da geléia e ratificar ou retificar as decisões tomadas quando do lançamento da geléia do ITERRA, propondo melhorias para o composto de marketing do produto. O Quadro 1 ENEGEP 2003 ABEPRO 6
7 sintetiza as impressões dos educandos quanto aos aspectos do mix de marketing para a geléia ITERRA. Produto Preço Promoção Praça - Dar maior visibilidade ao produto; - Melhorar a cor; - Usar o lacre; - Melhorar rótulo: formato, desenho da fruta, expor que o produto não contém conservantes - Deve ser o mais baixo possível para possibilitar o acesso ao produto das classes menos favorecidas; - Deve ser coerente com o público-alvo (quem pode pagar mais, deve fazê-lo) - Usar as mídias do MST e de simpatizantes; - Desenvolver panfletos junto com o doce; - Participar de festas temáticas, feiras e eventos; - Estreitar laços com a comunidade e com a imprensa - Fazer cadastro de clientes para comunicação 1 a 1 - Desenvolver as lojas do MST (canal exclusivo); - Aumentar a distribuição para outros pontos; - Desenvolver o mercado institucional (hotéis, creches, hospitais, escolas) - Melhorar a entrega porta-a-porta Quadro 1 Revisão dos 4P s da geléia do Iterra após a análise sensorial. Os aspectos de posicionamento a serem utilizados na comunicação, segundo os alunos, devem ser ligados a argumentos como qualidade, orgânico, saúde, respeito ao meio ambiente, política e economicamente correto, solidário, leva o homem de volta para o campo. 8. Considerações finais As expectativas iniciais da turma Carlos Marighella sobre o marketing podem ser agrupadas como relacionadas a apreender conceitos, conhecimento do mercado e das estratégias de competição para intervir na realidade dos assentamentos de Reforma Agrária, trazendo viabilidade para as agroindústrias e visibilidade para os produtos. As avaliações após o término do módulo foram positivas quanto a apreensão de um conteúdo básico sobre marketing. De um extremo a outro, as visões vão desde uma visão de marketing operacional (operacionalização do mix) até a visão estratégica do marketing enquanto canalizador do esforço estratégico da organização. Alguns educandos citaram em seus relatos que suas barreiras quanto ao assunto tinham sido derrubadas, reconhecendo poder ser o marketing um ferramenta gerencial de grande importância para a viabilização de produtos e agroindústrias da Reforma Agrária no Brasil. O apoio governamental a Reforma Agrária, efetivo e em grande escala, possibilitará a disponibilização de recursos para a implantação de novas agroindústrias e revitalização das existentes, as quais enfrentaram enormes dificuldades de sobrevivência, e na implementação de práticas mais profissionalizadas de relacionamento com o mercado. No entanto, sem planejamento adequado, esses esforços poderão ser vãos. Daí a importância da sensibilização dos assentados em conceitos de administração de mercado, visando não apenas a presença no mercado, mas, conforme Lisboa (2003) a demonstração de que há outras forças econômicas além da hegemônica, que buscam construir a possibilidade de uma maior democratização da economia e, portanto, da sociedade, alicerçadas num controle genuinamente social sobre os meios de produção, realizado por indivíduos cooperativamente associados. Porém só isso não basta. É fundamental a assistência técnica relacionada à formação integrada ENEGEP 2003 ABEPRO 7
8 e continuidade em três dimensões técnica, administrativa e política. De fato, a lógica da Economia Solidária é oposta à lógica do mercado globalizado. Este, em sua perseguição pelo lucro máximo, separa-se de questões não econômicas. Tradicionalmente a globalização e seus impactos sobre o setor agrário é interpretada como um processo de padronização de políticas de fazenda, aumentando-se a expansão das fronteiras agrícolas, medidas uniformes de proteção ambiental, aumento da competitividade e da produção e comercialização de alimentos com controle cada vez maior, por firmas transnacionais, sobre a cadeia produtiva. Porém, segundo McMichael apud Levi (2000), longe de conduzir à homogeneidade, a globalização pode oferecer a oportunidade de repensar a diversidade local e pode ajudar comunidades locais a encontrarem novos espaços no mercado em uma economia global nova ou resistir às pressões globais. Nem os valores clássicos nem os princípios podem prover meios suficientemente resistentes à ameaça do paradigma neoliberal. Isso implica ir além da doutrina convencional sobre cooperativismo e de recorrer à variedade de formas sociais, culturais e que a comunidade espera que sejam adotadas pelas cooperativas, principalmente as rurais (LEVI, 2000). Referências EID, F. et al. (1998) A dinâmica recente da organização social e produtiva em cooperativas de reforma agrária. In: XXXVI Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural. Poços de Caldas (MG). p EID, F.; PIMENTEL, M.E.B. (1999) A dinâmica da organização da produção em cooperativas de reforma agrária. In: XXXVII Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural. Foz do Iguaçu (PR). EID, F.; PIMENTEL, M.E.B. (2000) Dinâmica da organização social e produtiva em cooperativas de reforma agrária no Brasil. In: X World Congress of Rural Sociology. São Paulo. GAIGER, L. et al. (1999) A economia solidária no RS: viabilidade e perspectivas. Cadernos CEDOPE Série Movimentos Sociais e Cultura. nº 15. KOTLER, P. (2000) Administração de Marketing. Prentice Hall. 10ª edição. São Paulo. LISBOA, A.M. (2003) Mercado Solidário. In: CATTANI, A.D. (org.) A outra economia. Veraz Editores. Porto Alegre. LEVI, Y (2000) Globalization and the cooperative difference. In: X World Congress of Rural Sociology, São Paulo. OLIVEIRA, S.L. (2001) Tratado de metodologia científica. Pioneira Thompson Learning. São Paulo. PASQUETTI, L.A. (1998) O MST como uma empresa social. Estudos 2 UNESP/NERA. Presidente Prudente. nº 12, p RICHERS, R. (1994). Recordando a infãncia do marketing brasileiro um depoimento. Revista de Administração de Empresas. Vol. 34, nº 3, p SEMENIK, R.J. e BAMOSSI, G.J. (1995) Princípios de Marketing: uma perspectiva global. Makron Books. São Paulo. SILVA, A.L. (2001) Marketing estratégico aplicado ao agronegócio. In: BATALHA, M.O. (coord.) Gestão Agroindustrial. GEPAI. Atlas. 2ª edição. São Paulo. SINGER, P. (2003) - Economia Solidária. In: CATTANI, A.D. (org.) A outra economia. Veraz Editores. Porto Alegre. SINGER, P. (1999) Possibilidades da economia solidária no Brasil. In: CUT BRASIL. Sindicalismo e economia solidária: reflexões sobre o projeto da CUT. p TOLEDO, G.L. e AMIGO, R.J.R. (1999). Orientação de mercado e competitividade em mercado industriais. Caderno de Pesquisas em Administração / Programa de Pós-graduação em Administração da FEA/USP. Vol. 1, nº 10, 3º trimestre. YIN, R.K. (2001) Estudo de caso: planejamento e métodos. Bookman. Porto Alegre. ENEGEP 2003 ABEPRO 8
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