A CONSTRUÇÃO DA CAPACIDADE DE AMAR MICHELE GONÇALVES VIDAL

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1 73 A CONSTRUÇÃO DA CAPACIDADE DE AMAR MICHELE GONÇALVES VIDAL A construção da capacidade de amar se dá a partir das primeiras relações do bebê, a criança não ama sua mãe quando nasce, porém possui esta capacidade, e dependendo da experiência de prazer, do tipo de relação estabelecida com a mãe, ou a pessoa que faça a função materna, a capacidade de amar poderá se desenvolver de diferentes formas. O amor surge para diminuir o enfoque sobre o próprio ego, aumentando a ênfase na percepção da relação com os outros e com a comunidade. É intrínseco ao prazer e depende da antecipação deste. OS TIPOS DE CARÁTER E CONSTRUÇÃO DA CAPACIDADE DE AMAR CARÁTER ESQUIZÓIDE - TRAUMA BÁSICO: Rejeição ou hostilidade por parte dos genitores; toque hostil ou ausência de toque, gerando um ego deficiente. - MEDO BÁSICO: Ser inundado, aniquilado, destruído (ameaça sentida no trauma), não agüenta o vínculo por achar que este é perigoso, pode destruí-lo. - DEFESA: congelar: é mental, não corporal. O indivíduo esquizóide estabelece e quebra contato com freqüência, o que gera hostilidade, raiva e rejeição no outro, reativando o trauma. Apresenta aparente rejeição, indiferença e arrogância, que na verdade são manobras defensivas. O amor surge da antecipação do prazer, portanto, quando o bebê passa a ter mais consciência de que a presença da mãe traz experiências agradáveis, surgirão sentimentos afetuosos por ela, e a aproximação da mãe trará ondas de agradável excitação pelo seu corpo. Os recém-nascidos necessitam de um contato quase que ilimitado com a mãe, mas muito poucas estão preparadas para lhe darem todo o seu tempo e atenção. Com freqüência o sentimento da mãe pelo bebê é ambivalente, ela é desejada e não é, simultaneamente. Por não ser a esperada felicidade total, muitas vezes a criança é hostilizada pela mãe, na maioria das vezes de modo inconsciente, através de gestos de aborrecimento, impaciência e olhares irados. Atos de violência contra bebês também não são raros. Se o amor surge da antecipação do prazer, o contrário ódio deverá surgir da antecipação da dor. O instinto do amor maternal depende, para seu pleno funcionamento, do prazer proporcionado normalmente à mulher pela realização instintiva. Se não houver tal prazer, o instinto acaba tornando-se mais fraco. Já o prazer, por outro lado, reforça os atos instintivos, transformando-os em comportamentos conscientes. O instinto, porém nunca poderá desaparecer completamente, apesar do medo de ser mulher, toda mulher percebe em seu corpo que, apenas através da realização de sua natureza feminina conseguirá sentir a alegria de viver. Se as experiências da vida da 73

2 74 mulher atrapalham a percepção da possibilidade de realização pela natureza feminina, isso causará um conflito entre o desejo de amar o filho e a sua hostilidade. Na ausência de prazer atitudes destrutivas em relação à criança serão inevitáveis. Subjacente à emoção do amor existe a necessidade biológica de contato, sendo que através do contato nossos corpos tornam-se estimulados e excitados e na falta de contato tornam-se frios e rígidos. De acordo com Lowen, para se abrir ao prazer, a pessoa está consciente da possibilidade da dor, mesmo com experiências anteriores excelentes, a pessoa reluta em entrar em relações em que não haja a possibilidade de duração, sendo assim, se as experiências anteriores foram de desapontamentos, a vigilância aumenta em relação à antecipação do prazer, diminuindo assim a capacidade de amar e sentir prazer. CARÁTER ORAL - TRAUMA BÁSICO: Abandono ou falta de alimentação emocional segurança básica. Acaba reprimindo o desejo por medo do desapontamento, deixa de procurar o que lhe é negado. Há independência precoce pela frustração da função do buscar, se desenvolvem mais rápido, reprimindo a necessidade de ser cuidado. - MEDO BÁSICO: Ser abandonado, deixado, rejeitado (a experiência interna do oral é a carência afetiva). Rejeita por medo de ser rejeitado. - DEFESA: Passividade, pseudo-tristeza. O oral possui sentimento de privação: ressentido e invejoso, necessitado, quer que o outro o alimente, suga a energia do outro, tem medo de buscar, dificuldades em sustentar pedidos de apoio do outro. Não consegue se segurar nas próprias pernas, usando o outro de muletas, se pendura no outro, ou é o falso independente, pede para o outro, mas como se o outro precisasse, não ele. Não tem agressividade para buscar: Possui grande necessidade de atenção e elogios, exigente, espera receber amor, compreensão, simpatia e é super sensível à frieza do outro, como é impossível ao outro realizar suas necessidades narcísicas, desenvolve sentimentos de rejeição, ressentimento e hostilidade. Possui grande poder de argumentação e capacidade verbal, é lógico, racional, possui clareza intelectual excepcional. Busca interesse, atenção e amor falando de modo favorável a respeito de si mesmo. Entra em relações onde depende do outro para obter suporte financeiro, emocional, energético. Pedem afeto de forma infantil, testam o amor do outro, é um adulto tentando suprir a criança frustrada. Só existe no resultado da relação: está triste porque o outro lhe fez algo, busca segurança e satisfação no outro e não em si. Confunde o amor com a necessidade de contato e proximidade, sendo que esta necessidade é percebida como um sentimento de ansiedade. Para entender melhor podemos comparar tal ansiedade com a fome, e o amor com o apetite. Quando se tem fome come-se qualquer coisa, assim como quando se está só, se aceita qualquer companhia. Já o apetite, ou o amor, dirigem-se a uma fonte específica de prazer. As relações do oral baseiam-se no preciso de você. O amor verdadeiro caracteriza-se pelo preenchimento, prazer, liberdade, espontaneidade, por oferecer amor e prazer. Já o preciso de você, tem como características a falta, a dor, a dependência, o exigir amor e prazer. 74

3 75 A verdadeira emoção vem da antecipação do prazer + a ansiedade biológica do contato e proximidade. O oral em sua grande carência busca apenas o contato pela necessidade. CARÁTER PSICOPÁTICO - TRAUMA BÁSICO: A criança é vítima de sedução, manipulação, dupla mensagem. - MEDO BÁSICO: Ser traído, controlado novamente. - DEFESA BÁSICA: Controlar, manipular tudo. Os pais que amam seus filhos vão querer que eles sejam felizes, aproveitem a vida, terão como principal preocupação as boas sensações e o prazer da criança, possuirão autoridade de forma afetuosa e não arbitrária; baseada na responsabilidade que possuem em relação ao bem estar dos filhos, estabelecendo regras para um bom funcionamento da vida familiar e não baseada no poder e na suposição de que conhecem o melhor, de que dizem não melhor. Isso é o que falta para o psicopático. Neste caso a mãe não aceita o explorar o mundo natural da criança, sente-se abandonada, a criança então tem que negar o desejo de explorar o mundo, sucumbindo ao desejo da mãe. A criança então é elogiada pelo que reprimiu e não pelo que ela é. No caso do menino a função paterna está ausente, ou pode haver um pai violento (que a mãe usa para impedi-lo de fazer sou boa, mas se seu pai souber vai lhe bater ). No caso da menina é o pai que seduz O psicopático não acredita nele mesmo, na realidade, no outro, a essência de sua atitude é a negação do sentimento. Tem necessidade de dominar e controlar quer sempre fazer do seu jeito, está certo e o outro errado, não aceita sugestões. Exerce o domínio de duas formas: TIRANO: É aquele que oprime e atormenta os outros e se a pessoa atormentada não se opuser ao tirano torna-se vítima. Quer ser obedecido, sem se importar com seus sentimentos. SEDUTOR: É aquele que vai debilitando a pessoa por meio de aproximações sedutoras que são muito eficientes com pessoas ingênuas, que caem direitinho nas redes do poder psicopático. Descrente, cético, aceita apenas a sua própria realidade, tem dificuldade em ceder. Com freqüência apresenta graves problemas com autoridade. Sua modalidade normal de operação é a rejeição, coloca o parceiro na posição de desprezado, não consegue se relacionar sem manipular, controlar. Oferece suporte (que lhe falta) em troca de submissão. Convence sem respeitar os sentimentos alheios. Demoram muito para se vincular realmente a alguém, não confia. Seu modo de agir gera a raiva no parceiro, reativando o trauma original. É vulnerável e cria situações ambíguas. Possui ainda grande dificuldade com a separação. Enfatiza auto-segurança, podendo enfraquecer o outro. Não tolera a manipulação sedutora do outro. O amor é a promessa de que o prazer de hoje estará disponível amanhã. Não é uma garantia, nem uma obrigação (LOWEN, 1984). CARÁTER MASOQUISTA 75

4 76 - TRAUMA BÁSICO: A liberdade de expressão e/ou ação foi negada; o processo de separação/individuação foi gravemente impedido. - MEDO BÁSICO: Ter negada a possibilidade de expressão, ser constrangido, humilhado. - DEFESA BÁSICA: Suportar tudo, até que os sentimentos enclausurados se tornem intoleráveis. Então começa a provocação, que se for bem sucedida, justificará uma reação explosiva. No entanto, a culpa vem e então proíbe a expressão de mais conteúdos, resultando num colapso masoquista=círculo vicioso. Quando a emoção não é completamente expressa, a excitação residual não liberada provoca sensações de insatisfação, vazio e mal estar, sensações essas, que podem ser interpretadas como culpa, e a presença da culpa impede a entrega total ao prazer e também a expressão da hostilidade. O masoquista está impedido de libertar-se, expressar-se, expandir-se, ter esperança, fé. Uma de suas características principais é a sensação de sofrimento e infelicidade que se expressa objetivamente na forma de tendência a se queixar (LOWEN, 1977), mas o que diferencia o masoquista é muito mais o modo como se queixa e não o conteúdo propriamente dito. Possui aparente necessidade de sofrer ou de derivar satisfação e prazer da dor ou de experiências que os outros consideram desagradáveis. Vai provocando o outro até que este o machuque, pois aí ele consegue respirar e se expressar, assim a descarga é na reação e não no sofrimento, salvo o caso de ser uma descarga de tristeza. Embora pareça precisar de carinho, ter jeito de coitadinho, não é carencial, ele é suprido, tem energia, quer dizer, está carregado, mas não consegue expressar, pois isso para ele representa ser livre e ele não pode. Aprendeu a não se expressar, a ser passivo, conter as necessidades de protesto e o desejo de independência. Nega a importância de coisas materiais, no entanto sua posse é importante. O sucesso é temido, pois o coloca em evidência, provocando fortes ansiedades ao lado do exibicionismo, então acha que deve falhar, o fracasso justifica sua própria inadequação. Geralmente ganha pouco dinheiro e se ganha mais não se sente no direito de gastar. Forte desejo de receber aprovação, luta para agradar na esperança de que a aprovação lhe traga amor. No entanto, freqüentemente se desaponta. Então tenta conquistar amor em troca de trabalho e esforço. Está confuso com seus desejos, embaraçado ao expressar suas vontades. Algumas vezes possui compulsão a se sobrecarregar de trabalho, ansiedade de encarar o prazer, inabilidade em comprar roupas bonitas e dificuldade em expressar afeição, mas vincula, é presente. De acordo com Lowen (1984), o amor que não está relacionado com o prazer torna-se moral. O masoquista quer que o outro lhe diga o que fazer, entretanto se este o faz lhe impede de ser livre e de assumir a responsabilidade pelos atos, se não faz é como se não ligasse para ele. Costuma fazer provocações para que o outro reaja e ele possa lhe colocar a culpa. Dificilmente aceita ajuda, pois percebe como humilhação, transgressão à sua independência, prefere arrastar o outro para seu pântano a aceitar ajuda para sair dele. CARÁTER RÍGIDO - TRAUMA BÁSICO: Rejeição da sexualidade infantil resultando numa cisão entre coração e genitais, ou seja, entre amor e sexualidade no adulto. 76

5 77 - MEDO BÁSICO: Ser rejeitado, ferido, se sentir sem valor, medo de abrir o coração. - DEFESA BÁSICA: As suas defesas são diversas e altamente organizadas e freqüentemente flexíveis: sedução, dificuldade de sentir e expressar amor, ternura, suavidade e vulnerabilidade, contra as quais vêm a defesa através da raiva, ódio e desprezo; orgulho e arrogância; contenção, que dá a impressão de que o indivíduo está atento mas se recusa a expressar seus sentimentos. Apesar dos sentimentos poderem fluir, é limitado ao tentar expressá-los, fica contido. No caso da histeria possui maior tendência para a sedução, já o fálico narcisista é mais agressivo. É impaciente, fica com raiva de forma defensiva, é arrogante, quando ameaçados exageram na expressão de componentes agressivos ou sedutores. A raiva que utiliza como defesa esconde mágoa, anseio, amor, necessidade, sentimentos suaves. Sua sexualidade é reprimida, possui dificuldade com a expressão verdadeira de amor, mantém um pseudo-contato, devido a dificuldade de um contato real. Precisa obter resultados do outro para compensar a sua baixa auto-estima. Muito vulnerável à rejeição, ao desapontamento. Via de regra, rejeita antes de ser rejeitado, ou apresenta uma performance e se torna tão perfeito que seu parceiro possivelmente não conseguirá rejeita-lo. São bonitos, charmosos, inteligentes e sedutores, mas em seu íntimo não possuem mais de quatro anos de idade, não se desenvolvem, pois dependem do desejo do outro. Sabe o que o outro quer e o faz, mas não sabe olhar para si mesmo e saber o que sente, o que quer, contenta-se em conseguir fazer o que o outro queria. São ambiciosos e competitivos, uma fantasia clássica que possuem é a de que se fizerem dinheiro suficiente ou se forem suficientemente bonitos, tudo ficará bem, ou seja, buscam recuperar a perda do amor através da realização pessoal e do sucesso em vez de buscar um envolvimento verdadeiro, que requer a expressão sexual do amor, pois isto significa arriscar-se à dor caracteriológica original. O rígido possui uma desconexão entre amor e sexo, o que gera uma insatisfação, visto que sexo sem amor proporciona um prazer mínimo, é uma experiência que não oferece possibilidade de desenvolvimento criativo. Já o amor, que não é satisfeito biologicamente através da relação sexual, trata-se de ilusão, devaneio ou fantasia. Amor e atração sexual estão intimamente ligados. O amor é uma promessa que deve ser satisfeita pela ação. O sexo é a satisfação que renova a promessa (LOWEN, 1984). De acordo com Lowen, tanto o amor como o sexo, refletem a necessidade de união e intimidade entre os seres. O amor, entretanto, ocupa uma posição antitética em relação ao sexo. O sentimento de amor eleva-se pelo corpo buscando o contato externo. No sexo, a sensação desce, carregando os órgãos genitais. O amor aumenta a tensão do relacionamento, elevando o nível de excitação. O sexo diminui a tensão descarregando a excitação. O amor é estimulante; seu prazer é antecipado. O sexo é atuante; seu prazer satisfaz. Pela lógica pareceria que com o prazer do sexo acabaria a sensação do amor, mas na verdade o que acontece é exatamente o contrário. Assim como as profundas sensações de amor aumentam o prazer do sexo, o prazer da descarga sexual reforça o amor que se sente pelo parceiro (LOWEN, 1984). Na prática nem sempre os indivíduos possuem um caráter puro, eles se misturam, embora exista a predominância de um ou outro em determinados aspectos da personalidade. O caráter é formado por pseudo-representações, que a pessoa desenvolve para organizar suas angústias. O caráter amortece, diminui impactos, mas impede a descarga. O fato de o indivíduo ter um determinado caráter não quer dizer que não possa mudar ou agir de formas diferentes nunca, a terapia está aí para isso, 77

6 78 para que a pessoa se conscientize de seus padrões de comportamento e possa mudar, flexibilizar aqueles que não lhe agradam, não lhe trazem prazer... O amor surge do prazer, se procurarmos as raízes do prazer dentro de nós mesmos, encontraremos no fenômeno do amor. O amor e a alegria são reações corporais a uma excitação que abre o coração. Para Lowen (1990), quem ama parece irradiar alegria, os olhos tornam-se iluminados, a pele fica mais brilhante, isto não apenas devido ao fluxo de sangue que se direciona para a superfície do corpo, mas também a uma onda de excitação que flui energizando até os tecidos, que passam a pulsar com maior intensidade. REFERÊNCIAS INSTITUTO REICHIANO DE PSICOLOGIA CLÍNICA. Apostila do Curso de Formação e Especialização em Psicologia Corporal. LOWEN. A. Amor, sexo e seu coração. São Paulo: Summus, LOWEN. A. O corpo em terapia: a abordagem bioenergética. São Paulo: Summus, LOWEN. A. Prazer: uma abordagem criativa da vida. São Paulo: Summus,