UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO AUTONOMIA NO TRABALHO NA PERSPECTIVA DE UM GRUPO DE PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS: UM ESTUDO FENOMENOGRÁFICO Ana Luiza Szuchmacher Verissimo Lopes Rio de Janeiro 2012

2 ii Ana Luiza Szuchmacher Verissimo Lopes AUTONOMIA NO TRABALHO NA PERSPECTIVA DE UM GRUPO DE PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS: UM ESTUDO FENOMENOGRÁFICO Tese de Doutorado apresentada ao Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Administração. Orientadora: Prof. Ursula Wetzel Rio de Janeiro 2012

3 iii FICHA CATALOGRÁFICA L864a Lopes, Ana Luiza Szuchmacher Verissimo Autonomia no trabalho na perspectiva de um grupo de profissionais especializados: um estudo fenomenográfico / Ana Luiza Szuchmacher Verissimo Lopes. -- Rio de Janeiro: UFRJ, xiii, 260 f.: il.; 31 cm. Orientadora: Ursula Wetzel Tese (doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, Organização. 2. Relações de trabalho. 3. Administração - Teses. I. Wetzel, Ursula. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. III. Título. CDD: 658.4

4 iv Ana Luiza Szuchmacher Verissimo Lopes AUTONOMIA NO TRABALHO NA PERSPECTIVA DE UM GRUPO DE PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS: UM ESTUDO FENOMENOGRÁFICO Tese de Doutorado submetida à Banca Examinadora do Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Administração. Aprovada por: Prof a. Ursula Wetzel, D.Sc. Orientadora (COPPEAD/UFRJ) Prof a. Letícia Moreira Casotti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) Profª Sandra Regina da Rocha Pinto, D.Sc. Co-orientadora (IAG/PUC-RJ) Prof. Valmíria C. Piccinini, D.Sc. (PPGA/EA/UFRGS) Profª Isabel de Sá A. da Costa, D.Sc. (Estácio de Sá) Rio de Janeiro 2012

5 v Ao Zé *, com carinho. ( * José Roberto Gomes da Silva in memoriam)

6 vi AGRADECIMENTOS À Ursula Wetzel, pela sempre presente e competente orientação. Ao professor John Bowden, pela receptiva supervisão. Aos membros da banca, pelas relevantes contribuições. Aos professores Sandra Pinto, Pamela Green, Gerlese Akerlind, Jô Mackenzie e Keith Trigwell, pelas interessantes conversas fenomenográficas. Aos entrevistados, por compartilharem comigo suas experiências. Ao COPPEAD/UFRJ, ao CNPQ, à CAPES e à Swinburne, pelo apoio institucional. A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho.

7 vii RESUMO LOPES, Ana Luiza S. V. AUTONOMIA NO TRABALHO NA PERSPECTIVA DE UM GRUPO DE PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS: UM ESTUDO FENOMENOGRÁFICO. Tese de Doutorado. Instituto Coppead de Administração. Universidade Federal do Rio e Janeiro, Rio de Janeiro, O presente estudo teve por objetivo contribuir para a discussão sobre autonomia no âmbito do trabalho de duas formas: primeiro, investigando a variedade de percepções e entendimentos sobre autonomia no trabalho na perspectiva de um grupo de profissionais especializados (skilled workers); segundo, abordando o tema de forma abrangente, isto é, considerando tanto os profissionais empregados quanto os autônomos. Seguindo as definições metodológicas da Fenomenografia, uma abordagem de pesquisa qualitativa, realizaram-se vinte e seis entrevistas semiestruturadas com trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro. Emergiram da análise dos dados quatro modos qualitativamente diferentes Categorias de Descrição de vivência da autonomia no trabalho (Atividade de Trabalho; Influência na Instituição; Trajetória Profissional; Papel no Mundo), que variam entre si em torno de sete Dimensões de Variação (Tipo de decisão; Amplitude das decisões; Fronteira das decisões; Vontade subjacente; Tempo e Espaço; Normas e Figuras de Autoridade; Fatores Promotores e Limitadores). Esse conjunto de Categorias de Descrição e Dimensões de Variação, denominado Espaço de Resultados, e todos os aspectos relevantes identificados sobre a experiência de autonomia no trabalho foram descritos no capítulo de resultados. Além de propor novas definições para autonomia no trabalho, autonomia na atividade de trabalho (um caso específico da anterior) e trajetória profissional, este estudo proporciona uma visão holística e aprofundada sobre o tema. Palavras-chave: autonomia no trabalho, fenomenografia, pesquisa qualitativa, profissionais especializados.

8 viii ABSTRACT LOPES, Ana Luiza S. V. PROFESSIONAL AUTONOMY IN THE PERSPECTIVE OF A GROUP OF SKILLED WORKERS: A PHENOMENOGRAPHIC STUDY. D. Sc. Thesis in Business Administration. The COPPEAD Graduate School of Business. Universidade Federal do Rio e Janeiro, Rio de Janeiro, This study aimed to contribute to the discussion about professional autonomy in two ways: first, investigating the variety of perceptions and understandings of 'professional autonomy from the perspective of a group of skilled workers, and second, addressing the issue broadly, that is, considering both the employees and the self-employed. Following the methodological definitions of Phenomenography, a qualitative research approach, twenty-six semi structured interviews were conducted with workers of the city of Rio de Janeiro. Emerged from data analysis four qualitatively different ways - Categories Description - of experiencing professional autonomy (Work Activity; Influence in the Institution; Professional Path; Mission in Life), which are related according to seven Dimensions of Variation (Type of decision; Range of decisions; Boundary of decisions; Underlying will; Time and Space; Rules and Authority Figures; Promoters and Constrains Factors). This set of Categories of Description and Dimensions of Variation - the Outcome Space - and all relevant aspects identified about experiencing professional autonomy were described. Besides proposing new definitions for 'professional autonomy', 'autonomy in work activity' (a special case of the former) and 'professional path', this study provides a holistic and comprehensively view on the subject. Key-words: professional autonomy, skilled workers, phenomenography, qualitative research.

9 ix LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: MODELO TEÓRICO RELACIONANDO DIMENSÕES CENTRAIS DO TRABALHO, ESTADOS PSICOLÓGICOS CRÍTICOS E RESULTADOS NO TRABALHO (MODERADOS PELA FORÇA DA NECESSIDADE DE CRESCIMENTO DO EMPREGADO). FONTE: ADAPTADO DE HACKMAN AND OLDHAM (1975, P. 161) FIGURA 2: AS DUAS DIMENSÕES DA BOUNDARYLESS CAREER. FONTE: ADAPTADO DE SULLIVAN E ARTHUR (2006, P. 22) FIGURA 3: O FOCO DE PESQUISA EM TRÊS ABORDAGENS DISTINTAS FIGURA 4: OBJETO DE ESTUDO EM FENOMENOGRAFIA. FONTE: BOWDEN (2005, P. 18) FIGURA 5: OBJETO DE ESTUDO EM FENOMENOGRAFIA, ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA FIGURA 6: EXEMPLO DE APRESENTAÇÃO DA SÍNTESE DO ESPAÇO DE RESULTADOS FIGURA 7: EXEMPLO DE UMA ESTRUTURA HIERÁRQUICA INCLUSIVA FIGURA 8: O PROCESSO DE PLANEJAMENTO DA PESQUISA FENOMENOGRÁFICA. FONTE: ADAPTADO DE BOWDEN (2000, P. 7) FIGURA 9: AUTONOMIA NO TRABALHO NA PERCEPÇÃO DE UM GRUPO DE PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS FIGURA 10: PERCEPÇÃO DO GRAU DE AUTONOMIA POSSÍVEL EM UM DETERMINADO CONTEXTO

10 x LISTA DE QUADROS QUADRO 1: RESUMO DAS DEFINIÇÕES DE AUTONOMIA TRATADAS NA ESCOLA DE RELAÇÕES HUMANAS E NAS TEORIAS DE DESENHO DE CARGOS QUADRO 2: ABORDAGENS SOBRE EMPOWERMENT (FONTE: ADAPTADO DE HERRENKOHL ET AL (1999)) QUADRO 3: COMPARAÇÃO ENTRE AS CARREIRAS PROTEAN E TRADICIONAL. FONTE: ADAPTADO DE HALL (2004, P.4) QUADRO 4: POSSIBILIDADES DE AUTONOMIA NO TRABALHO. FONTE: KOVACS (2006, P. 55) QUADRO 5: ESTUDOS FENOMENOGRÁFICOS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO. FONTE: ADAPTADO DE GIBBINGS (2008) QUADRO 6: ESTUDOS FENOMENOGRÁFICOS NA ÁREA DE CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO. FONTE: ADAPTADO DE STOODLEY (2009) QUADRO 7: ESTUDOS FENOMENOGRÁFICOS RELACIONADOS AO CAMPO DA ADMINISTRAÇÃO QUADRO 8: ARTIGOS E TRABALHOS ACADÊMICOS NA ÁREA DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS QUE UTILIZARAM A FENOMENOGRAFIA. FONTE: CHERMAN, QUADRO 9: TÉCNICAS PARA GARANTIR A QUALIDADE DA PESQUISA CONSTRUTIVISTA. FONTE: INSPIRADO EM LINCOLN E GUBA (1985) E SHAH E CORLEY (2006) QUADRO 10: CRITÉRIOS DE VARIEDADE IDADE, GÊNERO E GRAU DE VÍNCULO ORGANIZACIONAL QUADRO 11: DISTRIBUIÇÃO DOS ENTREVISTADOS DE ACORDO COM OS CRITÉRIOS DE VARIEDADE QUADRO 12: ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS ENTREVISTADOS QUADRO 13: CATEGORIAS DE DESCRIÇÃO E DIMENSÕES DE VARIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA DE AUTONOMIA NO TRABALHO QUADRO 14: AUTONOMIA, TEMPO E ESPAÇO QUADRO 15: AUTONOMIA, NORMAS E FIGURAS DE AUTORIDADE QUADRO 16: MODOS DE COMPREENSÃO DOS FATORES PROMOTORES E LIMITADORES QUADRO 17: AUTONOMIA NO TRABALHO UMA PROPOSTA DE DEFINIÇÃO QUADRO 18: AUTONOMIA NA ATIVIDADE DE TRABALHO UMA PROPOSTA DE DEFINIÇÃO

11 xi Sumário 1. INTRODUÇÃO REVISÃO DE LITERATURA SEMÂNTICA DA PALAVRA AUTONOMIA E HISTÓRICO DO CONCEITO EM FILOSOFIA O CONCEITO DE AUTONOMIA NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS ESCOLA DE RELAÇÕES HUMANAS E DESENHO DE CARGOS EMPOWERMENT: O DISCURSO GERENCIALISTA DA DÉCADA DE CRÍTICAS À ABORDAGEM INSTRUMENTAL DA NOÇÃO DE AUTONOMIA AUTONOMIA E RELAÇÕES DE TRABALHO DO FORDISMO AO PÓS-FORDISMO CARREIRA E AUTONOMIA PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS METODOLOGIA PARADIGMA DE PESQUISA A ABORDAGEM QUALITATIVA DE PESQUISA A ESCOLHA DA ABORDAGEM DE PESQUISA FENOMENOGRAFIA APLICAÇÕES DO MÉTODO RELAÇÃO ENTRE PESQUISADOR, SUJEITOS E OBJETO EM FENOMENOGRAFIA TIPOS DE FENOMENOGRAFIA SOBRE A EXPERIÊNCIA COM O FENÔMENO CATEGORIAS DE DESCRIÇÃO E DIMENSÕES DE VARIAÇÃO ESPAÇO DE RESULTADOS COLETA DE DADOS

12 xii ANÁLISE DE DADOS CRITÉRIOS DE QUALIDADE OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA PLANEJAMENTO DA PESQUISA EXECUÇÃO DA PESQUISA PILOTO A COLETA DOS DADOS ANÁLISE DE DADOS CRITÉRIOS DE QUALIDADE DISCUSSÃO DE RESULTADOS ESPAÇO DE RESULTADOS CATEGORIAS DE DESCRIÇÃO DIMENSÕES DE VARIAÇÃO ESTRUTURA HIERÁRQUICA INCLUSIVA DISCUSSÃO APROFUNDADA DAS VARIAÇÕES NÃO CRÍTICAS TEMPO E ESPAÇO NORMAS E FIGURAS DE AUTORIDADE FATORES PROMOTORES E LIMITADORES RESULTADOS DA PESQUISA FENOMENOGRÁFICA E REVISÃO DE LITERATURA PARA ALÉM DA FENOMENOGRAFIA: TÓPICOS IMPORTANTES IDENTIFICADOS NOS RELATOS DOS SUJEITOS E PRESENTES NA REVISÃO DE LITERATURA CONCLUSÕES MODELO FINAL DE VARIEDADE DE PERCEPÇÕES SOBRE AUTONOMIA NO TRABALHO PROPOSTAS DE DEFINIÇÃO PROPOSTA DE DEFINIÇÃO DE AUTONOMIA NO TRABALHO PROPOSTA DE DEFINIÇÃO DE AUTONOMIA NA ATIVIDADE DE TRABALHO

13 xiii PROPOSTA DE DEFINIÇÃO DE TRAJETÓRIA PROFISSIONAL A MINHA EXPERIÊNCIA COM A FENOMENOGRAFIA CONTRIBUIÇÕES SUGESTÕES PARA ESTUDOS FUTUROS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXOS APÊNDICE

14 1 1. Introdução Este estudo investiga a experiência de autonomia no trabalho, com foco na variedade percepções, de um grupo de profissionais especializados 1. A principal pergunta de pesquisa pode ser assim enunciada: quais são os modos qualitativamente diferentes de os profissionais especializados vivenciarem a experiência de autonomia no trabalho?. Adota-se uma abordagem qualitativa, indutiva e interpretativa, utilizando-se a Fenomenografia como metodologia de pesquisa. Objetivos Este estudo tem como objetivos: Investigar a variedade de percepções e entendimentos sobre autonomia no trabalho, considerando a perspectiva de profissionais empregados e autônomos que atuam dentro e/ou fora do contexto organizacional. Explorar o potencial de uma pesquisa fenomenográfica para investigar um tema complexo e multifacetado como autonomia no trabalho. Contribuir para a prática em administração ao proporcionar aos gerentes uma visão holística da variedade de percepções sobre autonomia que deve ser considerada na gestão de empregados e contratados. Assim como, pretende-se auxiliar trabalhadores empregados e autônomos a refletirem sobre a própria condição profissional no mercado de trabalho atual. 1 No presente estudo, profissionais especializados é um termo utilizado para identificar trabalhadores que exercem atividades que exigem conhecimentos, habilidades ou atributos específicos. Incluem-se nesta definição três tipos de profissionais: (1) o capacitado cujos conhecimentos e habilidades foram desenvolvidos na prática do trabalho; (2) o qualificado que recebeu formação teórica e prática em uma instituição acadêmica; (3) o habilitado é o qualificado que cumpriu as exigências ou pré-requisitos formais para o exercício da profissão, responde a um Conselho de classe (como, por exemplo, CREA e CREMERJ) e possui registro profissional. Ressalta-se que, apesar da possibilidade do desenvolvimento de uma expertise sem a formação escolar ou acadêmica, serão excluídos deste estudo os profissionais que não possuem ao menos o ensino médio completo. E, ainda, como na realidade brasileira existe uma relação entre formação em curso superior e desenvolvimento de carreira (PESQUISA SEMESP, 2008), serão priorizados os sujeitos qualificados com esse nível de escolaridade.

15 2 Justificativa Diante das mudanças ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas (RANSOME, 1999; HARVEY,1992), a noção de autonomia no trabalho passou a ser uma das características fortemente presentes no discurso organizacional (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005). No contexto das relações de trabalho, as práticas de flexibilização dos contratos (KOVACS, 2006) implicam a coexistência de diversas formas de vínculos com a organização temporários, trabalhadores em tempo parcial, subcontratados, terceirizados, autônomos. Diante desse quadro, a questão da autonomia no trabalho não fica restrita ao âmbito organizacional, passando a ser uma das dimensões presentes na vida profissional do indivíduo fora das organizações. Segundo Hughes (2003), na literatura em administração, o trabalho autônomo é analisado de duas formas distintas. De um lado, argumenta-se que o trabalhador autônomo é uma vítima da flexibilização das formas de contrato que precariza as condições de trabalho. Nesse caso, a autonomia seria uma imposição do mercado, que exige mais independência e responsabilidade do indivíduo com relação à sua vida profissional. As pessoas com menos qualificação seriam as mais afetadas pelas incertezas do mercado de trabalho (HUGHES, 2003). Outra visão sobre o trabalho autônomo sugere que esta condição seria impulsionada pela possibilidade de uma vida mais autônoma e livre, isto é, seria o resultado da vontade individual por maior controle da vida profissional, sem vínculos de subordinação a uma organização. Kovacs (2006), ao analisar essas duas vertentes, argumenta que, isoladamente, nenhuma delas daria conta de descrever a totalidade do quadro atual. A autora afirma que não estaria ocorrendo uma generalização da autonomia (todos sendo livres e independentes) ou falta completa desta (todos em condição precária), mas perante o aumento da diferenciação e das condições de trabalho em geral, haveria tipos e graus de autonomia muito diferentes, que devem ser levados em consideração e que merecem investigação. A respeito do conceito de autonomia, os primeiros trabalhos na literatura em administração que procuraram defini-lo e medi-lo de forma sistemática foram desenvolvidos, na década de 1970, por Hackman e Oldham(1975); Hackman e Lawler (1979). A teoria por eles desenvolvida fazia parte da área de estudos sobre Desenho de Cargos e por isso o conceito foi abordado dentro de uma perspectiva que se preocupava com as características das tarefas executadas pelos empregados e a autonomia era tratada como uma de suas possíveis

16 3 componentes. Neste contexto, Hackman e Lawler (1979, p.162) definem autonomia como o grau em que o trabalho provê considerável liberdade, independência para o empregado organizar o trabalho e determinar os processos a serem usados em sua execução. A importância desses trabalhos iniciais é marcante, sendo ainda hoje uma referência para qualquer pesquisador que se aventure a estudar o tema da autonomia em administração. Dos trabalhos desenvolvidos desde as pesquisas sobre Desenho de Cargos podem ser destacados os trabalhos de Breaugh (1985, 1989), que expandiram a definição de autonomia feita por Hackman e Lawler (1979): o grau de controle e ponderação que um trabalhador é capaz de exercer com relação aos métodos de trabalho, programação do trabalho e critério do trabalho (p. 556). Fora do contexto organizacional, apesar de a noção de autonomia estar presente na literatura sobre gestão de carreira e da vida profissional (ALEXANDRE-BAILLY, 2001) e na condição de profissional autônomo na qual o indivíduo não possui um vínculo empregatício com organização alguma (GOLD e FRASER, 2002), ainda não foi desenvolvida uma conceituação sistemática para autonomia (ALEXANDRE-BAILLY, 2001) e são escassos estudos preocupados em realizar tal definição (TREMBLET et al., 2008). A ausência de uma conceituação de autonomia fora do âmbito organizacional, a tendência mundial para a flexibilização das relações de trabalho e o consequente aumento do número de pessoas na condição de profissionais autônomos apontam para a relevância do desenvolvimento de teorias que abordem esse conceito e que considerem grupos de profissionais com diferentes tipos de vínculo empregatício. Delimitação do objeto de estudo Esta pesquisa pretende explorar a noção de autonomia no nível individual. Não faz parte do escopo deste trabalho a investigação da autonomia nos níveis de equipes de trabalho, da organização (como, por exemplo, a autonomia de filiais com relação às empresas centrais), nem da sociedade (como, por exemplo, a autonomia relacionada à economia e à política). O objeto de estudo diz respeito à variedade de percepções de um grupo de profissionais sobre autonomia no trabalho. É importante destacar que esta pesquisa não se preocupa com os atributos pessoais dos sujeitos que percebem o fenômeno (como, por exemplo, estado mental ou aspectos psicológicos), nem com os aspectos específicos do fenômeno. Em vez de focar na pessoa ou no fenômeno, é investigada a experiência do sujeito com relação ao fenômeno.

17 4 Lista de termos desenvolvidos pela pesquisadora Indivíduos na instituição este termo é utilizado para designar os indivíduos que estão atuando em alguma instituição, temporariamente ou no longo prazo. Incluem-se nesta classificação os sujeitos vinculados a uma organização por meio de um contrato de trabalho empregados, terceirizados, consultores, trabalhadores temporários, assim como pessoas com outro tipo de vinculação, temporária ou não associados, afiliados, matriculados, inscritos. Possibilidade para os objetivos deste estudo, o termo possibilidade refere-se a o quanto o sujeito pode definir aspectos relacionados ao seu trabalho e é determinado pelo resultado da tensão entre a vontade e atitude do sujeito e os fatores promotores e limitadores da autonomia em um determinado contexto. Uma breve descrição dos fatores promotores e limitadores é apresentada nos subitens Categorias de Descrição e Dimensões de Variação e uma análise mais extensa sobre a dinâmica da relação entre autonomia e os fatores promotores e limitadores é descrita no subitem Fatores Promotores e Limitadores. Profissionais com vinculação mista este termo refere-se a profissionais que possuem um vínculo empregatício com uma instituição, mas também trabalham como autônomo, como por exemplo, um médico que trabalha em um hospital como funcionário, ao mesmo tempo que possui um consultório para atender seus pacientes particulares. Profissionais especializados é um termo utilizado para identificar trabalhadores que exercem atividades que exigem conhecimentos, habilidades ou atributos específicos. Incluemse nesta definição três tipos de profissionais: (1) o capacitado cujos conhecimentos e habilidades foram desenvolvidos na prática do trabalho; (2) o qualificado que recebeu formação teórica e prática em uma instituição acadêmica; (3) o habilitado é o qualificado que cumpriu as exigências ou prérequisitos formais para o exercício da profissão, responde a um Conselho de classe (como, por exemplo, CREA e CREMERJ) e possui registro profissional. Organização da tese No próximo capítulo, Capítulo 2. Revisão de Literatura, a revisão de literatura está organizada em torno de três grandes temas. O primeiro aborda a semântica e o histórico do

18 5 conceito autonomia em Filosofia. Este subitem tem como objetivo apresentar a origem do termo e mostrar as definições do conceito em um campo do conhecimento tradicionalmente preocupado em discutir o tema. Na segunda parte do capítulo apresentam-se estudos em Administração que investigaram o conceito ou a noção de autonomia nas organizações. E, por último, discute-se a autonomia nas relações de trabalho. Este capítulo foi desenvolvido com o objetivo de localizar na literatura existente a pesquisa realizada. No Capítulo 3. Metodologia, são discutidos os aspectos metodológicos do presente estudo. O capítulo inicia com a apresentação do paradigma de pesquisa dentro do qual este trabalho será desenvolvido. Em seguida é apresentada e justificada a escolha do método qualitativo e da Fenomenografia como abordagem de pesquisa. No quarto item a Fenomenografia, suas características, aplicações e métodos são explorados. E por fim, são descritos os critérios de qualidade utilizados como referência na realização desta investigação. O Capítulo 4. Operacionalização da Pesquisa é dedicado à descrição das etapas de planejamento e execução da pesquisa: realização de entrevistas piloto, seleção dos sujeitos, coleta de dados, análise dos dados e aplicação dos critérios de qualidade. No Capítulo 5. Discussão de Resultados apresenta-se os resultados da análise de dados. Na primeira parte do capítulo é apresentado o Espaço de Resultados, conforme as orientações da Fenomenografia. Na segunda parte é aprofundada a discussão sobre alguns dos aspectos da experiência de autonomia no trabalho. Em seguida, os resultados da análise Fenomenográfica são comparados com o conteúdo apresentado no capítulo de Revisão de Literatura. E, por fim, são discutidos alguns tópicos importantes identificados na análise dos dados e na literatura. No Capítulo 6. Conclusões são feitas considerações finais sobre os resultados da pesquisa e suas contribuições, assim como são sugeridos temas para estudos futuros.

19 6 2. Revisão de Literatura A revisão de literatura está organizada em torno de três grandes temas. O primeiro aborda a semântica e o histórico do conceito autonomia em Filosofia. Este subitem tem como objetivo apresentar a origem do termo e mostrar as definições do conceito em um campo do conhecimento tradicionalmente preocupado em discutir o tema. Na segunda parte do capítulo apresentam-se estudos em Administração que investigaram o conceito ou a noção de autonomia nas organizações. E, por último, é discutida a autonomia nas relações de trabalho. Este capítulo foi desenvolvido com o objetivo de localizar na literatura existente a pesquisa que será realizada. O conteúdo desta revisão será retomado posteriormente, no item Capítulo 5.3. Resultados da Pesquisa Fenomenográfica e Revisão de Literatura, em uma comparação entre a literatura e os resultados empíricos encontrados nesta investigação. 2.1.Semântica da palavra Autonomia e Histórico do conceito em Filosofia Etimologicamente, autonomia é uma palavra de origem grega e, em um sentido geral, refere-se à condição de uma pessoa ou coletividade determinar ela mesma a lei à qual se submete (LALANDE, 1988). O Dicionário Etimológico, de BUENO (1968), define o termo como governo próprio, independência. O mesmo dicionário define autônomo como independente, que se governa a si próprio. Autos significaria por si mesmo, nomos lei, norma, regra. O Dicionário Oxford de Filosofia define autonomia como a capacidade de autodeterminação. Um agente é autônomo quando suas ações são verdadeiramente suas. Historicamente, segundo Schramm (1998), o conceito de autonomia nasceu na cultura política grega para indicar as formas de governo autárquicas. Renaut (2004) afirma que certo número de textos faz referência à autonomia quando trata de liberdade e ambas as expressões encontrar-se-iam associadas para definir a condição de uma cidade não submissa à dominação externa, isto é liberdade política de uma sociedade capaz de governar-se por si mesma e de forma independente, quer dizer, com autodeterminação. (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2006, p. 22)

20 7 Ainda segundo Renaut (2004), existiria uma linha de interpretação na qual a mesma ideia de autonomia seria aplicada não só à cidade, mas também às pessoas que nelas viviam: os cidadãos. No entanto, somente a partir do humanismo da Idade Moderna, que culminou no Iluminismo do século XVIII, que o conceito de autonomia passou a ser aplicado ao indivíduo (SCHRAMM, 1998). Kant é quem apresenta a primeira formulação sistemática do conceito de autonomia aplicado ao indivíduo 2. Kant procurou desenvolver uma filosofia moral fundamentada em um princípio autônomo de autolegislação em oposição às explicações que ele considerava baseadas em princípios heterônimos como os apelos teológicos à vontade de Deus (dogmatismo 3 ) e a importância do costume na ação humana para Montaigne (ceticismo 4 ) (CAYGILL, 2000). A lei moral autônoma seria aquela escolhida racionalmente e que tem na vontade boa 5 seu fundamento e legitimidade, sendo o único princípio fundamental da moralidade (SCHRAMM, 1998). autonomia da vontade é aquela sua propriedade à qual ela é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer). O princípio da autonomia é portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal (Kant, 1971, p. 238). 6 Logo, uma vontade 7 autônoma seria distinta de uma vontade heterônima cuja lei seria dada pelo objeto (CAYGILL, 2000). A heteronomia seria a ausência da moralidade, pois essa se embasaria na vontade má e na irracionalidade (SCHRAMM, 1998). 2 Vale ressaltar que Kant considera o sujeito moral como um indivíduo racional e livre (SCHRAMM, 1998). 3 Toda atitude de conhecimento que consiste em acreditar estar de posse da certeza ou da verdade antes de fazer crítica da faculdade de conhecer (Japiassú e Marcondes, 2006, p. 78) 4 Concepção segundo a qual o conhecimento do real é impossível à razão humana. Portanto, o homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo sobre as coisas e submeter toda afirmação a uma dúvida constante. (...) Na concepção cética, portanto, a especulação filosófica retornaria ao senso comum e à vida prática (Japiassú e Marcondes, 2006, p. 42) 5 Kant descreve o único bom sem limitações como sendo uma vontade boa (...) Argumentou que as virtudes tradicionais da filosofia moral [até então], como coragem e determinação, temperança e autodomínio, a par de talentos tais como argúcia de espírito e capacidade de julgar, [e de] dons de fortuna como poder e riqueza, podem todos, em certas circunstâncias, ser usados para fins maus (...) a vontade boa é determinada pela forma universal de lei como tal, e não por qualquer fim previsto pela lei. Isso requer que a ação seja determinada de acordo com o imperativo categórico, ou que a máxima da vontade se converta numa lei universal (CAYGILL, 2004, p. 320). 6 Uma outra tradução para o português do mesmo trecho facilita sua compreensão: escolher sempre de maneira que, na volição, as máximas da escolha estejam, ao mesmo tempo, presentes como uma lei universal (Kant apud Caygill, 200, p. 43). 7 Kant infere que, na medida em que a vontade pode determinar a capacidade de escolha, ela é, de fato, a própria razão prática (CAYGILL, 2004, p. 319).

21 8 quando a vontade busca a lei, que deve determiná-la, em qualquer outro ponto que não seja a aptidão das suas máximas para a sua própria legislação universal, quando, portanto, passando além de si mesma, busca essa lei na natureza de qualquer dos seus objetos, o resultado é então sempre heteronomia. Não é a vontade que então dá a lei a si mesma, mas sim o objeto que dá a lei à vontade pela sua relação com ela (Kant, 1971, p. 239). Ainda, o princípio de autonomia só seria possível com a pressuposição da liberdade 8 da vontade. Isso significaria que a vontade deve querer a sua própria autonomia e que sua liberdade residiria em ser uma lei para si mesma (CAYGILL, 2000). Em poucas palavras, Kant vê a autonomia como a lei moral criada pelo indivíduo, resultado exclusivo do exercício da razão. Japiassú e Marcondes (2006) apresentam um bom resumo da definição de Kant: Em Kant, a autonomia é o caráter da vontade pura que só se determina em virtude de sua própria lei, que é a de conformar-se ao dever ditado pela razão prática 9 e não por um interesse externo: A autonomia da vontade é essa propriedade que tem a vontade de ser por si mesma sua lei (...). Uma característica marcante do pensamento de Kant é o fato de a autonomia ser o resultado de uma deliberação puramente racional, da qual deve ser excluída a vida afetiva do sujeito (paixões, emoções, instintos, sentimentos, desejos, pulsões). Segundo Caygill (2000), a purificação da vontade em Kant, que a exime de qualquer princípio ou objeto heterônomo, tem sido criticada desde Hegel, em particular por Nietzche e Scheler. Tal autonomia teria sido interpretada como vazia, formalista e irrelevante, e ainda como tirânica. Para Schramm (1998), na disciplina da Ética, a verdadeira crise da ética Kantiana só veio a acontecer no século XX quando a ética se torna ética aplicada, ou seja, quando os princípios absolutos como garantia de legitimidade moral são abandonados e substituídos por princípios (ou valores) não absolutos e dependentes do contexto em que ocorrem os conflitos morais. Atualmente, o modelo de Kant é visto como uma forma de conceituação ideal, não aplicada à prática (SCHRAMM, 1998). Entretanto, apesar de todas as críticas, pode-se dizer que a definição de Kant continua sendo a principal referência para a abordagem do conceito de autonomia. 8 liberdade é definida como a independência da capacidade de escolha de coerções oriundas de impulsos dos sentidos (CAYGILL, 2004, p. 318). Impulso dos sentidos pode ser entendido com as ações guiadas pelas paixões humanas, emoções, instintos, desejos ou impulsos. 9 Razão prática: a razão tal qual aplicada no campo da ação humana, permitindo que o homem tome suas decisões ao agir baseado em princípios. Para Kant, é a razão prática que corresponde à pergunta o que devo fazer?, estabelecendo os princípios morais que regem a ação humana (Japiassú e Marcondes, 2006, p. 235)

22 9 Isso tampouco quer dizer que não houve uma evolução da conceituação do termo. A partir do final do século XIX e no século XX, novas descobertas científicas e filosóficas, como, por exemplo, a descoberta do inconsciente e a explicação freudiana para o funcionamento das paixões humanas, a descoberta da relatividade, o nascimento da sociologia e da antropologia contribuem com novos elementos e explicações para os fenômenos naturais e humanos (ALEXANDRE-BAILLY, 2001). Como exemplo de uma conceituação de autonomia que inclui as novas descobertas científicas, pode-se citar Castoriadis que define indivíduo autônomo 10 psicanalíticos de Freud: a partir dos termos Freud propunha como o máximo da psicanálise onde era o ID, será o Ego. Ego é aqui, numa primeira aproximação, o consciente em geral. O Id, propriamente falando origem e lugar das pulsões ( instintos ), deve ser tomado nesse contexto como representando o inconsciente no sentido mais amplo. Ego, consciência e vontade, deve tomar o lugar das forças obscuras, que em mim, dominam, agem por mim (...) Essas forças não são simplesmente as puras pulsões, libido ou pulsão de morte; são sua interminável, fantasiosa, e fantástica alquimia, são também, e sobretudo, as forças de repressão inconscientes, o Superego e o Eu inconsciente (...) O Ego deve tomar o lugar do Id isso não pode significar nem a supressão das pulsões, nem a eliminação ou reabsorvição do inconsciente. Trata-se de tomar seu lugar na qualidade de instância de decisão. A autonomia seria o domínio do consciente sobre o inconsciente (CASTORIADIS, 1982, p.123) Observa-se que Castoriadis (1982) faz uma complementação da definição de autonomia com a ideia de heteronomia, atribuindo ao inconsciente o papel do outro, o qual poderia exercer um papel regulador, a lei do outro que não eu (p.124). Castoriadis (1982) cita Lacan que define o inconsciente como o discurso do outro. Nesse sentido a autonomia seria a substituição do discurso do outro (que fala por mim) pelo meu discurso. Mas essa substituição, de acordo com o autor, não deveria (nem poderia) ser entendida como a eliminação do discurso do outro, mas como o estabelecimento de outra relação entre o discurso do outro e o do sujeito. Isto é, o sujeito ao explicitar a origem e o sentido desse discurso, negá-lo-ia ou afirmá-lo-ia de acordo com a verdade própria do sujeito. Em outras palavras, o sujeito seria capaz de reconhecer aquele discurso como sendo do outro e incorporá-lo-ia ou não ao discurso do eu, de acordo com sua avaliação. Ainda segundo o autor, esta negociação de discursos não poderia ser entendida como um estado final, mas ser compreendida como uma situação ativa: uma pessoa real, que não para seu movimento de retomada do que havia sido adquirido, do discurso do Outro, que é capaz de revelar seus fantasmas como fantasmas e não se deixar finalmente dominar por eles a menos que assim o deseje (...) essas características não constituem em uma tomada de consciência efetuada para sempre, mas sim em uma outra relação entre consciente e inconsciente (...) 10 Apesar de definir a autonomia individual e acreditar em sua viabilidade, Castoriadis (1982) defende a busca da autonomia como uma empreitada coletiva, na qual haveria a possibilidade da constituição de uma sociedade composta por instituições que favorecem a autonomia.

23 10 em uma outra atitude do sujeito relativamente a si mesmo (...) em uma modificação profunda da mistura atividade-passividade (Castoriadis, 1982, p.126). Castoriadis (1982) também considera o outro em sua concepção de sujeito: o sujeito em questão não é, pois o momento abstrato da subjetividade filosófica, ele é o sujeito efetivo totalmente penetrado pelo mundo e pelos outros (Castoriadis, 1982,p.128). Em última análise, comparando a definição de Kant para autonomia com a de Castoriadis pode-se observar que este último faz uma abordagem que uma relação entre autonomia e heteronomia, representada pelo Outro. Esse elemento heterônimo seria ao mesmo tempo essencial para a constituição da autonomia do sujeito e a ameaça constante desta. Este tipo de abordagem conceitual seria considerada por Schramm (1998) uma concepção complexa de autonomia. Isto é, autonomia e heteronomia fariam parte de um mesmo conjunto complexo, cujos elementos são, em princípio, distinguíveis (para evitar confusão) e inseparáveis (para evitar o reducionismo) (SCHRAMM, 1998, p.30). 2.2.O conceito de Autonomia nos Estudos Organizacionais Diferentemente das reflexões morais e éticas, presentes nas discussões filosóficas sobre autonomia, no campo de estudos e na prática da Administração este conceito é tratado de forma bastante pragmática e instrumental. Neste item a noção de autonomia nos estudos organizacionais será abordada a partir de duas perspectivas distintas: instrumental e crítica. A primeira é representada por uma revisão do conceito de autonomia dentro da linha de pesquisa sobre Desenho de Cargos, desenvolvida a partir do final da década de 1960, e nas discussões sobre o empowerment, presente no discurso gerencial da década de A segunda perspectiva é representada pela apresentação de algumas críticas à abordagem instrumental da autonomia no discurso organizacional Escola de Relações Humanas e Desenho de Cargos No início do século XX, a teoria de administração tinha como principal linha de pesquisa a Administração Científica, sendo Frederick Winslow Taylor ( ) seu principal precursor. Dentro da linha de pensamento desta teoria, o trabalhador era visto como um ser racional, preguiçoso, cuja única motivação para o trabalho seria o dinheiro (WARR e WALL, 1979). A organização do trabalho era baseada em pesquisas que buscavam simplificar, padronizar e rotinizar as tarefas (HACKMAN, 1979).

24 11 A partir dos anos 1930 e 1940, críticos da Administração científica apontaram para a incapacidade da organização racionalista resolver problemas de integração social (REED, 2006) O clássico estudo Administração e o trabalhador de Roethlisberger e Dickson (1939) e os escritos de Mayo (1933; 1945) acusaram o racionalismo e a visão do trabalhador como ser racional e puramente econômico de ignorar as qualidades naturais das formas sociais geradas pela industrialização. A preocupação com a maneira como as organizações modernas combinavam autoridade com um senso de comunidade entre seus membros caracterizava a questão central da emergente Escola de Relações Humanas (REED, 2006). Para este movimento organicista, a organização como um sistema social facilitava a integração de indivíduos na comunidade mais ampla, assim como facilitava a adaptação desta às mudanças técnico-sociais (REED, 2006, p.70). Mais especificamente sobre a estruturação do trabalho dentro das organizações, estudiosos já influenciados pelas novas visões da organização começaram a questionar os resultados trazidos pela simplificação do trabalho dado os altos índices de absenteísmo e rotatividade e as dificuldades de gestão e argumentaram que estes maus resultados estariam associados com a insatisfação do trabalhador ao executar tarefas simples e rotineiras (HACKMAN, 1979). As linhas de pesquisas sobre a organização do trabalho que vieram em seguida passaram a levar em consideração aspectos intrínsecos dos indivíduos, como satisfação e motivação. Com a atenção voltada para como o indivíduo percebe seu trabalho (e o impacto desta percepção em seu comportamento), alguns psicólogos organizacionais desenvolveram importantes teorias motivacionais como Maslow e sua Teoria da Hierarquia das Necessidades, e Herzberg e sua Teria de Dois Fatores. Ao mesmo tempo, outros estudiosos se preocuparam em explorar como a organização do trabalho e das tarefas poderia influenciar a motivação, satisfação e performance dos empregados. Em 1955 o conceito de Job Design, ou Desenho de Cargos, foi introduzido por Davis e Canter (DAVIS, 1979). Segundo Davis (1979), Desenho de Cargo seria definido como a organização (ou estruturação) de um cargo para satisfazer aos requerimentos técnico-organizacionais do trabalho a ser cumprido e aos requerimentos humanos da pessoa que executa o trabalho (p.30). Logo, o indivíduo se encaixaria em uma estrutura já formulada e a contribuição do empregado para o aumento da produtividade seria levada em consideração. Entre os conceitos tratados em estudos sobre desenho e redesenho de cargo destacamse: (1) alargamento dos cargos (carga horizontal): neste processo o ciclo de trabalho seria

25 12 aumentado pela adição de mais tarefas no mesmo nível hierárquico; (2) enriquecimento dos cargos (carga vertical): neste processo haveria uma mudança qualitativa no trabalho, trabalhos anteriormente realizados pelo supervisor passariam a ser realizados pelos níveis hierárquicos inferiores (HERTOG, 1979). Os pesquisadores de Desenho de Cargos produziram uma série de novas teorias, e esse movimento não ficou isento de críticas logo em seu início. Bolweg (1979) faz uma revisão sobre a receptividade das teorias de desenho e redesenho de cargos na sociedade e no meio acadêmico naquela época. Entre outros pontos, ele observa que não haveria um consenso sobre o suposto benefício trazido por esta prática pelo fato de pesquisas realizadas, pelo governo dos E.U.A, sobre a satisfação dos trabalhadores, apontarem que a maior parte dos trabalhadores entrevistados estaria satisfeita com seu trabalho. O que tornaria, na opinião desses críticos, irrelevante a exploração de outras formas de garantir a satisfação dos empregados. Um segundo ponto de discussão estaria relacionado à relevância do conteúdo e à centralidade do trabalho, pois, para um grupo de estudiosos e até na visão dos sindicatos, o trabalho seria só um meio para fins externos ao âmbito do trabalho, como o lazer, por exemplo. O Desenho de Cargos também foi criticado em sua fase inicial por não levar em consideração a influência das mudanças do ambiente externo na organização (DAVIS, 1979) e por, em muitas vezes, ter seus estudos limitados ao cargo, não considerando a estrutura e o desenho organizacional (BOLWEG, 1979). Entretanto, apesar das críticas recebidas, pesquisadores desta linha realizaram trabalhos pioneiros sobre a organização do trabalho e deixaram estudos, instrumentos e conceituações importantes, utilizados até os dias de hoje como referência, principalmente para o conceito de autonomia explorado na presente pesquisa Os estudos de Hackman e o Job Diagnostic Survey (JDS) Hackman e Lawler (1971, apud Hackman e Lawler, 1979) fizeram uma revisão das teorias motivacionais existentes e propuseram uma forma de conceitualizar o impacto das características do trabalho nas atitudes e comportamentos de trabalho dos indivíduos. Os autores basearam-se nas teorias motivacionais da época para retirar cinco proposições relacionadas com a questão de desenho de cargos e motivação. Segundo estas proposições:

26 quando um indivíduo antecipa a obtenção de uma recompensa valiosa para ele (intrínseca, sentimento de realização ou extrínseca, bem material) como consequência do cumprimento de uma ação, esta recompensa pode ser considerada um incentivo para o engajamento em uma ação; 2 - recompensas são valorizadas pelo indivíduo na medida em que satisfazem as suas necessidades fisiológicas ou psicológicas, ou ainda, na medida em que levam a outras recompensas que possam satisfazer tais necessidades; 3 - condições de trabalho podem ser organizadas de modo que os empregados possam satisfazer suas próprias necessidades ao trabalhar para os objetivos organizacionais. Existiria uma correlação entre satisfação das necessidades do indivíduo e de produtividade, objetivo da organização; 4 - a maior parte das necessidades de baixo nível (fisiológicas e de segurança) pode ser considerada relativamente satisfeita na sociedade contemporânea e não serve de estímulo motivacional. Portanto, devem ser usadas como estímulo algumas necessidades de alto nível como necessidade de crescimento e desenvolvimento. Os autores ressaltam que nem todos os empregados reagiriam às oportunidades de satisfazer níveis mais altos de necessidades; 5 - indivíduos que são capazes de satisfazer níveis altos de necessidades experimentam esta satisfação quando aprendem que conquistaram algo como resultado de seus esforços e de acordo com o que acreditam ser valioso e significativo. E a partir dessas proposições, os autores identificaram três características gerais que possuiriam propriedades motivadoras para o trabalhador: autonomia, variedade (variedade, identidade e significância) e feedback. Estas dimensões serão explicadas mais adiante. É interessante pontuar que os autores avaliam a satisfação com a atividade em si, e não levaram em consideração as condições de contexto como salário e relação com a supervisão. Seguindo a conceituação teórica apresentada anteriormente, Hackman e Oldham (1975) propuseram um instrumento para a mensuração de (a) características objetivas do trabalho; (b) estados psicológicos individuais provenientes destas características; (c) reações afetivas dos empregados em relação à estruturação do trabalho e das atividades e (d) força da necessidade de crescimento pessoal. Para tal, os autores incrementaram o trabalho inicial de Hackman e Lawler (1971, apud Hackman e Lawler, 1979) e apresentaram o quadro teórico que serviu como base para a elaboração do instrumento, conforme ilustrado na Figura 1.

27 14 DIMENSÕES CENTRAIS DA TAREFA ESTADOS PSICOLÓGICOS CRÍTICOS RESULTADOS PESSOAIS E NO TRABALHO Variedade de Habilidade Identidade da Tarefa Significado da Tarefa Autonomia Feedback Experiência de Significado do Trabalho Experiência de Responsabilidade pelos Resultados do Trabalho Conhecimento sobre os Resultados do Trabalho Alta motivação interna para o trabalho Alta qualidade na performance de trabalho Alta satisfação com o trabalho Baixo absenteísmo e rotatividade NECESSIDADE DE CRESCIMENTO DO EMPREGADO Figura 1: Modelo teórico relacionando dimensões centrais do trabalho, estados psicológicos críticos e resultados no trabalho (moderados pela força da necessidade de crescimento do empregado). Fonte: adaptado de Hackman and Oldham (1975, p. 161). As dimensões do trabalho, já abordadas por Hackman e Lawler (1971, apud Hackman e Lawler, 1979), seriam: (1) variedade de habilidades o grau de variedade de atividades executadas em um trabalho que envolva o uso de diferentes habilidades e talentos do empregado; (2) identidade da tarefa o quanto a tarefa executada é identificada como sendo parte de uma tarefa maior. O empregado perceberia que executa uma tarefa do início ao fim e veria os resultados destas; (3) significado da tarefa o quanto o trabalho executado tem impacto na vida ou no trabalho do empregado; (4) autonomia o grau em que o trabalho provê considerável liberdade, independência para o empregado organizar o trabalho e determinar os processos a serem usados em sua execução (p.162); e (5) feedback, dividido pelos autores em três tipos: (5a) feedback sobre o trabalho o grau em que o empregado obtém, a partir da execução e dos resultados de seu trabalho, informação sobre seu desempenho; (5b) feedback realizado por agentes o grau em que o empregado recebe informação sobre seu desempenho através de colegas e supervisores; (5c) feedback pela interação interpessoal o grau em que o trabalho requer que o empregado lide com outras pessoas para realizar suas atividades. Essas dimensões do trabalho formariam o Motivation Potencial Score (MPS) e a presença das características citadas acima criaria, conforme ilustrado na Figura 1, os estados

28 15 psicológicos críticos: (1) experiência de significado do trabalho o quanto o empregado vivencia o trabalho como algo significativo, valioso e compensador; (2) experiência de responsabilidade pelo resultado do trabalho o quanto o empregado se sente pessoalmente responsável pelos resultados do trabalho que executa; (3) conhecimento dos resultados o quanto o empregado toma conhecimento e entende a eficiência do seu desempenho no trabalho. Os resultados positivos obtidos por meio desses estados psicológicos seriam: (1) motivação interna o quanto o empregado é automotivado para realizar bem o seu trabalho; (2) qualidade do trabalho executado; (3) satisfação com o trabalho o quanto o empregado está satisfeito com o trabalho em geral e o quanto ele está satisfeito com a segurança no trabalho, com o pagamento, com as relações sociais do trabalho e com a supervisão; (4) baixo absenteísmo e rotatividade. É interessante observar que é levada em consideração a necessidade de crescimento do indivíduo no modelo teórico, pois, segundo os autores, pessoas que não valorizam o crescimento e a realização pessoal podem considerar um trabalho que valorize isso uma fonte de ansiedade e estresse (HACKMAN E OLDHAM, 1975). Sobre a característica de autonomia Hackman e Lawler (1979) indicam que autonomia na tarefa não estaria relacionada com o controle do seu resultado. Não fica claro no artigo a que se refere esta ausência de controle. Sobre a dimensão de variedade, os autores sinalizam que variedade demais na tarefa poderia causar estresse muscular e mental, podendo reduzir o nível de satisfação do empregado. O instrumento proposto pelo artigo foi chamado de Job Diagnostic Survey (JDS). Os autores defendem que o instrumento desenvolvido seria capaz de diagnosticar as propriedades motivacionais do trabalho. Vale pontuar que Hackman e Lawler (1979) ressaltaram que o importante em suas pesquisas seria medir o quanto o indivíduo percebe que o trabalho tem as características citadas e não o quanto de variedade, autonomia e feedback a atividade realmente possui. O instrumento elaborado por Hackman e Oldham (1975) foi desenvolvido com a mesma preocupação e mensuraria a percepção do indivíduo sobre os resultados positivos descritos e não os resultados de fato. O JDS foi o primeiro instrumento a medir a dimensão de autonomia com relação ao trabalho e tornou-se uma importante referência para os pesquisadores seguintes que abordaram a questão da autonomia com relação ao trabalho.

29 Os estudos de Sims e o Job Characteristic Inventory (JCI) Sims et al (1976) desenvolveram um instrumento para medir as características do trabalho: Job Characteristic Inventory (JCI), Anexo 1. O trabalho desenvolvido por estes pesquisadores foi inspirado no trabalho de Hackman e Oldham (1975), isto é, a elaboração do questionário do JCI foi realizada com base na exclusão e inclusão de perguntas a partir do questionário do JDS. O JCI mediria: características da tarefa variedade, autonomia, identidade da tarefa, feedback, relação com os outros e oportunidades provenientes de amizades; satisfação com o trabalho satisfação com o trabalho em si, com a supervisão, com os colegas de trabalho, com o pagamento e com as oportunidades de promoção; desempenho quantidade e qualidade do trabalho, conhecimento sobre o trabalho e pontualidade; e expectativas crença do indivíduo na relação entre o esforço realizado, o desempenho e as recompensas obtidas. A dimensão autonomia foi definida por Sims et al (1976, p.197) como a extensão com que os empregados têm forte influência na definição do horário de trabalho, na seleção dos equipamentos que vão utilizar e na decisão dos procedimentos a serem seguidos. Uma definição similar à realizada por Hackman e Oldham (1975). Essas duas escalas JDS e JCI tornam-se os instrumentos de referência para qualquer pesquisador que quisesse tratar da mensuração de autonomia no trabalho (BREAUGH, 1999). Roberts e Glick (1981) afirmam que, principalmente, os trabalhos de Hackman foram uma importante contribuição para as pesquisas em Job Characteristics. Entretanto, os autores apontam que os estudos subsequentes na área não contribuíram para que o conhecimento saísse do estágio exploratório iniciado por Hackman. Isto é, os autores argumentam que houve pouco questionamento sobre o modelo inicial, suas definições e conclusões, pelos pesquisadores posteriores a Hackman e Sims. Entre alguns dos problemas do JDS, abordados por Roberts e Glick (1981), estariam as definições teóricas e a operacionalização estatística do modelo. Jackson et al. (1993) argumentam que o desenvolvimento da área de Job Design em torno de uma teoria predominante, Job Characteristics, apresentaria aspectos positivos pela acumulação de conhecimento, porém, traria, ao mesmo tempo, implicações negativas. O aspecto negativo ressaltado pelos autores seria a preocupação excessiva com fatores predeterminados teoricamente que levou à negligência de outros importantes fatores. Vale ressaltar que Sims et al. (1976) já demonstravam a preocupação em chamar atenção para características não abordadas em seu estudo como complexidade, responsabilidade ou

30 17 desafio da tarefa que poderiam ser fatores importantes de trabalhos em diferentes organizações. Sobre a mensuração de autonomia, as escalas JDS e JCI foram desenvolvidas dentro da abordagem de Job Characteristics e estas faziam apenas uma medida global, visto que não haveria interesse destes pesquisadores em investigar as diferentes facetas da autonomia (BREAUGH, 1985). Para Breaugh (1985), haveria a necessidade do desenvolvimento de instrumentos que medissem aspectos específicos do conceito de autonomia. Diante das limitações identificadas nas pesquisas sobre autonomia, Breaugh (1985) e Jackson et al. (1993) desenvolveram novos instrumentos para medir diferentes variáveis dentro do conceito de autonomia Outras escalas de mensuração de autonomia Os estudos de Breaugh Além de se propor a tratar das diferentes variáveis presentes em autonomia, Breaugh (1985) avaliou a definição feita por Hackman e Oldham (1975) e observou que a forma como estes autores trataram o conceito não excluía a noção de independência/dependência isto é, autonomia e independência estariam sendo tratadas dentro do mesmo constructo. Para Breaugh (1985) os constructos de independência/dependência e autonomia deveriam ser conceitualizados e operacionalizados de formas distintas. Essa análise do autor foi inspirada em um trabalho elaborado por Moses Kiggundu (1981, 1983) sobre o conceito de interdependência da tarefa. Para Kiggundu (1983) autonomia estaria relacionada com a experiência de responsabilidade de uma pessoa sobre os resultados do trabalho que executa; interdependência, por outro lado, estaria relacionada com a experiência de responsabilidade pelo resultado de um trabalho executado por outras pessoas. Ele define interdependência da tarefa como a interconexão entre atividades de tal modo que a performance de uma depende do sucesso na performance de outra (p. 146). Para este autor, a interdependência da tarefa, além da autonomia, seria um importante aspecto do trabalho, com efeitos motivacionais. A partir desta diferenciação de conceitos, Breaugh (1985) concentrou seus esforços em trabalhar a definição conceitual e a mensuração de autonomia. Ele identificou três facetas deste conceito uma estaria relacionada ao método, outra à programação (scheduling) e por fim, ao critério de avaliação (criteria). E definiu autonomia como o grau de controle e

31 18 julgamento que um trabalhador é capaz de exercer com relação aos métodos de trabalho, programação do trabalho e critério de avaliação do trabalho (p. 556). Ainda conforme Breaugh (1985), a autonomia sobre: o método do trabalho seria o grau de escolha individual sobre os procedimentos (métodos) utilizados em seus trabalhos; a programação do trabalho seria o quanto o trabalhador sente que tem controle sobre a programação/sequenciamento/timing das atividades de seu trabalho; o critério do trabalho seria o grau de habilidade dos trabalhadores de modificar ou escolher os critérios usados para avaliar seu desempenho. A escala elaborada por Breaugh para medir estas três dimensões encontra-se no Anexo 2. Os estudos de Jackson et al. Diante das limitações observadas nos trabalhos de Hackman e Sims, Jackson et al. (1993) propuseram um novo modelo teórico com novos fatores de análise para investigar a autonomia. Os autores apresentaram 5 constructos: (1) controle do tempo (timing control) que se referiria à oportunidade individual de programar seu trabalho; (2) controle do método (method control) seria a escolha individual de como realizar uma tarefa delegada; (3) demanda de monitoração (monitoring demand) seria o grau de demanda de monitoração; (4) demanda de solução de problemas (problem-solving demand) equivaleria a demanda mais ativa de processos cognitivos para a prevenção e recuperação de erros; (5) responsabilidade pela produção (production responsability) seria o custo de erros em termos de perda de produção e/ou dano em equipamentos caros. Os constructos de controle do tempo e controle do método apresentariam similaridade com os as dimensões de autonomia sobre o método e sobre a programação do trabalho tratados por Breaugh (1985). Breaugh (1999) ressalta que um estudo comparando estas dimensões seria importante para o desenvolvimento da pesquisa de ambos os autores. Tanto Breaugh (1985), quanto Jackson (1993) contribuíram para uma maior compreensão do conceito de autonomia no contexto de trabalho.

32 19 Outras escalas de autonomia Além dos importantes estudos já citados, outros pesquisadores continuaram se envolvendo no desenvolvimento de instrumentos que, entre outros aspectos, incluíam a mensuração de autonomia. DeCottis e Koys (1980, p. 173), que investigaram dimensões presentes no clima organizacional, definiram autonomia como a percepção de auto-determinação com relação a procedimentos, objetivos e prioridades do trabalho. Gardel (1997) desenvolveu a medida D-S level (discretion e skil) para medir a autonomia associada a um trabalho específico. Lumpkin et al. (2009) fizeram uma revisão das escalas usadas para medir autonomia, e citam também: Gullowsen (1972) e Little (1988) que se propuseram a medir autonomia em equipes de trabalho; Hart (1991) cujo instrumento desenvolvido possui sete de 25 itens para medir a autonomia dos atores organizacionais; Shane et al. (1995) que desenvolveram uma escala multidimensional para medir o nível de autonomia de grupos; Taggart (1996) desenvolveu uma escala de autonomia para medir a autoridade de decisão de empresas subsidiárias; a escala desenvolvida por Spprig et al (2000) foi baseada no trabalho de Jackson et al (1993) e Little (1998) com o objetivo de medir fatores relacionados a ações de grupos de trabalho. Lumpkin et al. (2009) definiram e desenvolveram uma escala para a medir autonomia dos trabalhadores dentro do contexto de EO (entrepreneurial orientation). O instrumento apresentado por estes autores foi a contribuição mais recente para a literatura sobre este tópico Autonomia e Participação Um trabalho que aborda e ajuda na compreensão da diferença entre os conceitos de autonomia e participação é a investigação de Evans e Fischer (1992) sobre o quanto participação e autonomia estariam relacionadas à percepção de controle pelo trabalhador. Esses autores usaram a definição de Gardell (1977) para autonomia e de Monge & Miller (1988) para participação. Gardell (1977) investigou a relação entre autonomia e participação e definiu autonomia como sendo o nível de discretion e skill (D-S level,), em português julgamento e habilidade, associado com um trabalho específico. A medida conteria características como o exercício da

33 20 decisão baseada em julgamento próprio com relação ao ritmo, método e impacto de produção sobre o trabalho e requerimentos com relação a habilidades manuais e sociais. Segundo Monge & Miller (1988, apud Evans e Fischer, 1992), participação seria o grau de envolvimento dos empregados em decisões. Para Evans e Fischer (1992) participação poderia ser classificada como forçada ou voluntária, forma ou informal, direta ou indireta. Participação também variaria em relação ao escopo: de um projeto até todos os aspectos relacionados ao trabalho; em relação ao envolvimento: de uma simples consulta até a autoridade de tomar a decisão. Como consequência destas variações, as medidas de participação também seriam variadas. A partir da revisão de definição de participação Evans e Fischer (1992) propõem um modelo hierárquico de segunda ordem para medir as três dimensões: autonomia, participação e percepção de controle sobre o próprio trabalho. Evans e Fischer (1992) destacam que participação seria distinta de autonomia, pois a primeira estaria relacionada ao processo decisório em conjunto, no qual participa mais de uma pessoa, enquanto a segunda enfatiza o poder de tomar decisões sobre o próprio trabalho. Logo, participação teria um elemento interpessoal, não presente no conceito de autonomia. Em outro estudo, Spector (1986) associou controle percebido pelos empregados, a dimensão de autonomia estudada em Job Design e as variáveis estudadas em gestão participativa. A partir destes elementos, o autor (p. 1006) definiu autonomia como o quanto o empregado, individualmente, pode estruturar e controlar quando e como fazer suas tarefas de trabalho. Spector (1986) argumenta ainda que o quanto um indivíduo acredita que pode afetar diretamente um ambiente tem impacto considerável nas percepções sobre este ambiente e nas reações a este, mesmo que o indivíduo não tenha de fato controle sobre o ambiente. Spector (1986) e Evans e Fischer (1992) contribuem para a compreensão do conceito de autonomia ao afirmarem que esta implicaria um determinado grau de controle objetivo sobre o domínio específico do processo e da realização de uma tarefa. Além de participação, centralização foi outro conceito discutido por pesquisadores quanto às suas semelhanças e diferenças com relação ao conceito de autonomia.

34 Autonomia, Processo Decisório e Centralização Diferentemente de Hackman e Oldham (1975) e de Breaugh (1985), que olham a autonomia associada à tarefa, Dill (1958) e Brock (2003) tratam autonomia como um fator do processo decisório. Dill (1958) fez um estudo em duas empresas norueguesas para investigar como a autonomia dos gerentes poderia ser afetada pela acessibilidade e interpretação de informações sobre o ambiente externo à organização. Sobre a autonomia, para Dill (1958) existiria a upward autonomy que seria a possibilidade de tomar decisões sem o aval de superiores e a horizontal autonomy que seria a possibilidade de decidir sem depender dos pares. Para o autor, um gerente seria considerado autônomo com relação a seus pares e superiores, isto é, livre de influência para agir, na medida em que seus subordinados fossem independentes na formulação e execução de tarefas. Nos resultados de seu estudo, Dill (1958) sugere que uma maior autonomia seria possível quando os indivíduos tivessem que lidar com as seguintes situações: uma tarefa de menor complexidade, decisões associadas a baixos riscos, maior controle sobre o fluxo de informações disponíveis e quando as interações com outras pessoas fossem mais formalizadas. Brock (2003) parece seguir a mesma linha de pensamento de Dill e define autonomia como o grau no qual uma pessoa pode tomar decisões significativas sem o consentimento de outros (p.48). Brock (2003), porém, analisa com maior profundidade a relação entre autonomia e centralização. Este autor fez uma revisão do uso dos termos autonomia e centralização na literatura de administração. Para diferenciar os dois conceitos Brock (2003) afirma que autonomia referirse-ia ao grau de autoridade e liberdade de tomada de decisão de um determinado cargo, pessoa ou organização; enquanto centralização estaria relacionada com o quanto o processo decisório está concentrado ou difuso pela organização, isto é, o grau de (des)centralização estaria relacionado com o nível mais baixo da estrutura organizacional no qual decisões são tomadas. A revisão feita por Brock (2003) destaca os estudos de Pugh et al, (1968) e Inkson et al, (1970), que utilizaram autonomia para medir o grau de centralização de uma organização e o grau de concentração de autoridade, respectivamente. O autor ressalta que estes trabalhos foram bem sucedidos em diferenciar autonomia e centralização: centralização foi medida pelo mapeamento do nível no qual decisões eram tomadas e autonomia foi a medida de quantas

35 22 decisões poderiam ser tomadas em uma determinada posição hierárquica. Ainda, segundo Brock (2003), em uma estrutura com o nível mais alto de autonomia e descentralização tanto os gerentes quanto os funcionários do nível mais baixo da pirâmide organizacional teriam poder de decisão para resolver questões no seu nível hierárquico. As definições apresentadas por Hackman e Lawler (1979) e seus sucessores, descrevem autonomia, essencialmente, como a experiência de decisão sobre os elementos relacionados ao tempo, organização e execução de uma tarefa de trabalho (BREAUGH, 1986; DECOTTIS e KOYS, 1980; GARDELL, 1977; HACKMAN e LAWLER, 1979; JACKSON et al., 1993, SIMS et al., 1976; SPECTOR, 1986). Alguns desses autores incluem outros aspectos na definição do termo, como, por exemplo, a determinação dos objetivos da atividade (BREAUGH, 1986; DECOTTIS e KOYS, 1980), a influência sobre os critérios de avaliação do trabalho (BREAUGH, 1986), o julgamento sobre as habilidades necessárias para a execução de uma tarefa (GARDELL, 1977), e a responsabilidade sobre os resultados do trabalho (HACKMAN e LAWLER, 1979; KIGGUNDU, 1983; JACKSON et al., 1993) Algumas Considerações Observa-se, no geral, que esse grupo de autores preocupou-se em explorar autonomia de forma restrita, com foco na execução das tarefas de trabalho. Verifica-se, também, que a abordagem do tema se restringe ao ambiente organizacional. Nota-se, ainda, que esses estudos não aparentam levar em consideração a realização de tarefas complexas, nem níveis mais altos de qualificação dos trabalhadores envolvidos. As pesquisas de Hackman (precursor na investigação sistematizada sobre autonomia nas empresas), por exemplo, são visivelmente inspiradas nas mudanças que estavam ocorrendo, nas décadas de 1960 e 1970, nas tecnologias de produção e, portanto, estão voltadas para os desafios da gestão da produção. O resumo das definições de autonomia abordados neste item é apresentado no Quadro 1.

36 23 Autores Hackman e Lawler (1979, p.162) Sims et al (1976, p.197) Gardell (1977) Definição de autonomia o grau em que o trabalho provê considerável liberdade, independência para o empregado organizar o trabalho e determinar os processos a serem usados em sua execução a extensão com que os empregados têm forte influência na definição do horário de trabalho, na seleção dos equipamento que vão utilizar, e na decisão dos procedimentos a serem seguidos a autonomia seria o exercício da decisão baseada em julgamento próprio com relação ao ritmo, método e impacto de produção sobre o trabalho e requerimentos com relação a habilidades manuais e sociais. DeCottis e Koys (1980, p. 173), a percepção de auto-determinação com relação a procedimentos, objetivos e prioridades do trabalho Kiggundu (1983) Breaugh (1985, p.556) Spector (1986. p.1006) Jackson et al. (1993) Brock (2003, p.48) a autonomia estaria relacionada com a experiência de responsabilidade de uma pessoa sobre os resultados do trabalho que executa o grau de controle e julgamento que um trabalhador é capaz de exercer com relação aos métodos de trabalho, programação do trabalho e critério de avaliação do trabalho o quanto o empregado, individualmente, pode estruturar e controlar quando e como fazer suas tarefas de trabalho (1) timing control que referiar-se-ia com a oportunidade individual de programar seu trabalho; (2) method control seria a escolha individual de como realizar uma tarefa delegada; (3) monitoring demand seria o grau de demanda de monitoração; (4) problem-solving demand equivaleria a demanda mais ativa de processos cognitivos para a prevenção e recuperação de erros; (5) production responsability seria o custo de erros em termos de perda de produção e/ou dano em equipamentos caros. o grau no qual uma pessoa pode tomar decisões significativas sem o consentimento de outros Quadro 1: Resumo das definições de autonomia tratadas na Escola de Relações Humanas e nas teorias de Desenho de Cargos Nas décadas de 1980 e 1990, a abordagem da noção de autonomia passa a ser realizada nas discussões sobre autogerenciamento (self-management) e autoliderança (self-leadership). Diferentemente da definição de autonomia nos estudos na área de Desenho de Cargos, a de auto-gerenciamento constitui um debate na literatura (PAULSSON, 2011). No entanto, a distinção feita por Markham e Markham (1995, p.346) entre autogerenciamento e autoliderança ajuda na compreensão desses dois termos: a aplicação das técnicas de autogerenciamento tende a permitir significativa auto-influência com relação a como realizar uma tarefa e atender a um padrão (definido pelo sistema), ao passo que autoliderança contempla o quê e porquê deve ser feito, em adição ao como fazê-lo. Segundo Markham e Markham (1995), ainda, enquanto o autogerenciamento necessita de uma descrição de cargo e função, isso não ocorreria no caso da autoliderança. Os autores apontam ainda que enquanto no primeiro o foco está voltado para as recompensas extrínsecas provenientes dos resultados da tarefa, o segundo considera a satisfação intrínseca na realização da atividade de trabalho. Segundo Norris (2008), a autonomia (provida pela organização) e a autoeficácia seriam elementos essenciais para a autoliderança. De uma forma geral, ao se comparar os estudos de autonomia nos trabalhos de Hackman e Lawler (1979) e seus sucessores e as discussões sobre autogerenciamento e

37 24 autoliderança, observa-se uma mudança na atenção dos pesquisadores que passou do foco nas características do trabalho para a abordagem das características de gestão da organização, dos aspectos intrínsecos aos trabalhadores (natureza das motivações, habilidades, características de personalidade) e da gestão de grupos de trabalho. Outro conceito que tangencia o de autonomia é o Empowerment. Honold (1999) afirma que uma das origens deste conceito estaria relacionada com a ideia de enriquecimento do trabalho (dentro das teorias de Desenho de Cargos) e com a literatura de autonomia no trabalho, como a tratada por Hackman e Oldham (1975); Hackman e Lawler (1979). Outras abordagens precursoras da ideia de empowerment estariam relacionadas com liderança, poder e controle, alienação e participação (HONOLD, 1999) Empowerment: o discurso gerencialista da década de 1990 Empowerment é um conceito complexo, e amplamente utilizado em diferentes áreas do conhecimento, como educação, saúde, psicologia (CARVALHO, 2004); e também nas áreas sociais, como trabalho social e desenvolvimento comunitário (D'ANNUNZIO-GREEN e MACANDREW, 1999). Em administração, antes da década de 1990, o termo empowerment ou employee empowerment era encontrado em alguns poucos estudos que discutiam tópicos como gerência participativa, qualidade total, desenvolvimento individual, círculos de qualidade e planejamento estratégico (HONOLD, 1999). A partir de 1990, o número de artigos que abordavam employee empowerment como tópico central aumentou consideravelmente, tornando a década de 1990 a empowerment era (HARDY e SULLIVAN, 1998). O empowerment foi visto como um solucionador dos problemas de rigidez, burocracia organizacional e desmotivação de empregados. A nova prática transformaria as organizações em negócios flexíveis, dinâmicos e empreendedores (FOY, 1994). Entretanto, apesar do apelo sedutor disseminado pelos autores populares, que vendiam uma solução simples, o empowerment mostrou-se uma prática complexa, repleta de dificuldades e problemas inerentes ao seu processo (D'ANNUNZIO-GREEN e MACANDREW, 1999). Os problemas não estariam relacionados somente com a sua operacionalização prática, mas antes disso, haveria uma dificuldade teórica em se trabalhar o conceito. Na revisão da literatura sobre o tema, percebe-se a complexidade do conceito pela diversidade de definições

38 25 e abordagens, ao mesmo tempo que seu entendimento se mostra limitado, pouco claro (SMITH e MOULY, 1998) e ambíguo (COLLINS, 1999). Vale pontuar que essas dificuldades não estariam restritas ao campo da administração. Carvalho (2004) aponta, por exemplo, a ambiguidade encontrada na própria tradução do termo para o português e o espanhol na literatura em saúde. Enquanto alguns autores traduzem empowerment como empoderamento (sinônimo de tomar posse, dominar), outros traduzem como emancipation (sinônimo de tornar-se livre, independente). Em psicologia, Fishman (1998) afirma que a teoria de empowerment assume que empowerment toma diferentes formas para diferentes pessoas, devido a sua natureza multifacetada. Diferença que pode levar a múltiplas interpretações das teorias estudadas e desenvolvidas Definições do termo Herrenkohl et al (1999) fazem uma definição simplificada de empowerment: refere-se aos empregados serem mais proativos e autosuficientes ao ajudar uma organização a atingir seus objetivos (p. 374) e em seguida apresentam uma revisão das abordagens encontradas na literatura, é resumida a seguir no Quadro 2: Bardwick, 1991; Block, 1993; Davidon & Malone, 1992 consideram empowerment como um meio de compartilhar poder ou passar poder para aqueles que estão fazendo o trabalho Champy, 1995; Karsten, 1994 utilizam expressões como redistribuição de autoridade e controle tratam do compartilhamento da responsabilidade pelos resultados Frey, 1993 entre empregados e gerentes falam da maximização da contribuição dos empregados para a Jaffee & Scott, 1993 contribuição do sucesso organizacional abordam a participação dos trabalhadores e líderes no processo Shutz, 1994 decisório falam da busca de uma visão e propósitos compartilhados por meio Senge, 1990 do esforço em equipe visão do empowerment como a auto-motivação, que se desenvolveria por meio de um entendimento completo das Tracy, 1990 responsabilidades e autoridade Mohrman, Cohen, &Mohrman, 1995 falam a capacidade de fazer a diferença no alcance de objetivos tratam da interação sinergética entre indivíduos, que enfatiza Vogt & Murrell, 1990 cooperação e leva a expansão do poder para o grupo Champy, 1995; Jaffee & Scott, 1993; Senge, 1990; Tracy, 1990 ressaltam o papel do processo de aprendizagem Quadro 2: abordagens sobre empowerment (Fonte: adaptado de Herrenkohl et al (1999))

39 26 Herrenkohl et al (1999), após fazerem uma extensa revisão (ver Quadro 2) argumentam que definições operacionais de empowerment são raras e se propõem a desenvolver uma. Os autores levaram em consideração tanto a ação dos trabalhadores quanto o suporte organizacional para tais ações. Eles definiram quatro dimensões que caracterizariam um ambiente que encorajaria os indivíduos a tomarem iniciativas: a primeira dimensão seria a visão compartilhada; a segunda seria uma estrutura organizacional e de governança de suporte ao conhecimento; aprendizagem seria a terceira; e a última seria reconhecimento institucional. Nos resultados de sua pesquisa empírica com as dimensões definidas, Herrenkohl et al (1999) ressaltam a importância da responsabilidade para tomar decisões sobre como o trabalho deve ser executado e do sistema de reconhecimento para a criação de um ambiente que estimule o empregado a tomar iniciativas e agir para ajudar a organização. Vale pontuar que estas duas características citadas são próximas ao que Hackman e Oldham (1975) definiram como autonomia e feedback duas das cinco características do trabalho, que quando presentes, levariam à motivação e à satisfação do indivíduo com o trabalho e à qualidade da tarefa executada. Entretanto, enquanto Hackman e Oldham (1975) estavam preocupados com as características da tarefa, Herrenkohl et al (1999) se mostram preocupados com o ambiente organizacional em geral. A partir de outra abordagem, a que considera empowerment como uma prática de passagem ou compartilhamento de poder, D'Annunzio-Green e Macandrew (1999) citam a definição elaborada por Neumann (1993, p. 25): passagem de poder e autoridade para empregados abaixo na hierarquia ; e por Shackleton (1995, p.130): uma filosofia de dar mais responsabilidade e autoridade de tomada de decisão para pessoas mais juniores na organização. Os autores também fazem uma diferenciação entre delegação e empowerment: delegação é quando um gerente decide passar parte de seu trabalho para outra pessoa por uma razão específica, por exemplo, para liberar tempo, para ajudar a desenvolver o subordinado, ou porque a tarefa tem um risco baixo. Empowerment, por outro lado, é uma filosofia que aumenta a responsabilidade associada a tarefa, sem necessariamente mudá-la (D'ANNUNZIO-GREEN E MACANDREW 1999, p. 259/260) Empowerment, como foi definido por esses autores, também se aproxima do conceito de autonomia (liberdade para tomar decisão sobre determinada tarefa) de Hackman e Oldham (1975). Duvall (1999, p.204) faz outra definição do termo que leva em consideração a contribuição individual para a organização e o ambiente organizacional: empowerment é o

40 27 processo sinergético de desenvolvimento individual através do qual a base de influência em uma organização é aumentada. Para este autor o objetivo do empowerment é o de assegurar o sucesso do indivíduo dentro do quadro de missão, visão e estratégia organizacionais. E para tal o ambiente organizacional deveria apoiar três práticas: liberdade para agir uma organização que entende as expectativas dos indivíduos por meio de corresponsabilidade sobre os resultados, que provê os recursos necessários e tolera erros; comprometimento seria a aceitação dos membros de sua responsabilidade pelas consequências de seu comportamento; colaboração o envolvimento simultâneo dos indivíduos com o processo de seu próprio sucesso e dos outros. Smith e Mouly (1998) fazem outra revisão e citam definições que não abordam o empowerment no sentido de transferência de poder, mas como uma ativação do poder já existente nos empregados: Conger e Kanungo (1988, p.474) definem empowerment como um processo que ressalta sentimentos de autoeficácia entre os membros da organização por meio da identificação e remoção de condições que promovem powerlessness, tanto por práticas organizacionais formais, quanto por técnicas que provêm informações eficazes ; Wellins et al. (1991) propõem que a organização dá empowerment às pessoas quando permite que os empregados tenham mais responsabilidade e façam mais uso do que sabem e do que podem apreender; para Randolph (1995, p.20) empowerment seria o reconhecimento e permissão, dentro da organização, do poder que as pessoas já possuem de conhecimento útil e motivação interna. Smith e Mouly (1998) realizaram dois estudos de caso, com a intenção de mapear o que os empregados e gerentes de duas firmas entendem por empowerment. Esta abordagem subjetiva, pouco recorrente na literatura do tema, leva os autores a observações muito interessantes. Os autores ressaltam a diferença entre duas respostas que obtiveram quando perguntado aos empregados sobre o significado de empowerment. Um empregado teria respondido (p. 73): Eu acho que empowerment significa dar às pessoas a oportunidade de fazer o melhor que podem, dando assistência da melhor maneira possível, enquanto outro respondeu Significa dar às pessoas o direito de decidirem sozinhas, além de serem responsáveis pelas decisões que fazem. Para Smithe Mouly, enquanto a primeira definição fala de

41 28 desenvolvimento pessoal, a segunda fala de transferência de responsabilidade. Entendimentos bem distintos de um mesmo conceito e representativos da diversidade de interpretações existentes. Smith e Mouly (1998) ainda pontuam que a maioria dos respondentes percebia o empowerment como uma cessão dos gerentes de autoridade, poder, direito, oportunidade, e/ou responsabilidade para os empregados. O que sugeriria, segundo os autores, que este conceito poderia ser entendido de forma superficial e unilateral. No entanto, eles apontam para outros dados do campo que sugerem uma visão de bilateralidade do processo, isto é, uma percepção na qual não bastaria o gerente ceder poder seria necessário que o empregado tivesse a escolha e a vontade de fazer uso deste poder. Smith e Mouly (1998) chegaram a outras conclusões interessantes em seus estudos: o empowerment estaria relacionado ao contexto no qual ele ocorre (Collins, 1999, faz a mesma observação); o quanto uma pessoa se sente empowered seria influenciado por experiências anteriores e por outros membros da organização; e principalmente, empowerment parece ser um conceito fortemente subjetivo e intangível, que não permite uma definição clara, por ser baseado em percepções individuais (p. 79). Observa-se que delegação de tarefas, aumento de controle sobre o trabalho, aumento de controle e responsabilidade sobre o trabalho, desenvolvimento do empregado e passagem de poder são práticas utilizadas para definir empowerment, ao mesmo tempo que podem significar coisas bem distintas. Collins (1999, p. 212) afirma que: linguisticamente empowerment desafia ser definido. Qualquer tentativa de definir empowerment, então, não produz uma definição, mas uma série de ideias e definições. De forma resumida, Collins (1999) considera a prática como um mecanismo para aumentar o comprometimento dos empregados com os resultados. Hardy e Sullivan (1998) afirmam que seria mais uma prática que busca o maior envolvimento dos funcionários nas decisões organizacionais, só que com agora a dimensão do poder estaria incluída no processo. Alguns autores (D'ANNUNZIO-GREEN e MACANDREW, 1999; HARDY E SULLIVAN, 1998; HONOLD, 1999) fizeram a revisão e classificação das abordagens encontradas na literatura. Essas classificações ajudam a entender melhor a abrangência da discussão sobre o tema.

42 Revisões da Literatura de Empowerment Honold (1999) faz uma revisão da literatura sobre empowerment em administração e a divide em cinco grupos: (a) os que tratam empowerment como uma dimensão da liderança; (b) os que consideram o empowerment sob uma ótica individual; (c) os que associam o empowerment ao trabalho colaborativo; (d) os que relacionam o empowerment às questões de mudança estrutural e processual; e por fim (e) os que abordam empowerment em uma perspectiva multidimensional, a qual engloba a maior parte dos elementos das quatro categorias anteriores. O papel do líder em criar um contexto de empowerment esta seria a perspectiva mais recente e focaria em como o líder altera o ambiente de trabalho para permitir que os empregados tenham mais poder. Uma organização empowered seria aquela em que os gerentes delegam mais decisões aos subordinados e agem como coaches; os empregados por sua vez, teriam mais responsabilidades. A autora ressalta, porém, que a delegação de apenas mais atividades não seria vista como empowerment pelos subordinados. Haveria a necessidade do desenvolvimento individual para que o empregado se sentisse com mais controle sobre o trabalho que executa. Seria a diferença entre Delegação e Empowerment descrita por D'Annunzio-Green e Macandrew (1999). Outro ponto destacado por Honold (1999) seria o fato de que as oportunidades proporcionadas pelos líderes não seriam suficientes para o empregado assumir mais poder, os empregados deveriam, antes, fazer a escolha de se engajar nessas opções. Para abordar o empowerment sob a ótica individual, a autora cita três definições de empowerment: (1) a de Murriel (Vogt e Murrell, 1990), que definiu empowerment como um ato de construir, desenvolver e aumentar o poder, trabalhando com os outros, e tendo a habilidade de influenciar o comportamento próprio (self-empowerment); (2) um estado cognitivo de controle percebido, competência percebida e internalização de objetivos (Menon, 1995, p. 30); (3) processo de ganho de influência sobre eventos e resultados com importância para um indivíduo ou grupo (Foster-Fishman e Keys, 1995). Nesta perspectiva, quanto maior o empowerment, maior a motivação interna e satisfação com o trabalho, menor o estresse e maior o envolvimento e comprometimento organizacional. Sobre a perspectiva que aborda trabalho colaborativo como empowerment, esta prática estaria relacionada com o gerenciamento das organizações por meio da colaboração, cooperação e participação dos trabalhadores.

43 30 Os autores que relacionam o empowerment às questões de mudança estrutural e processual veriam a mudança nos processos de trabalho como um fator crítico para alcançar o empowerment. A autora sugere que esta abordagem estaria relacionada com a defesa de práticas como TQM e ESOPs. E por último haveria a perspectiva multidimensional. Os autores desta perspectiva acreditariam que o empowerment para ser entendido e aplicado de forma eficiente deveria ser abordado de forma multidimensional. Isto é, tanto a dimensão individual, quanto a organizacional deveriam ser consideradas e estudadas. Na dimensão individual são tratadas as características pessoais que facilitam o empowerment, como por exemplo, autoconfiança, pensamento crítico, competência. Na dimensão corporativa, são destacadas as características e os mecanismos que fazem com que a organização seja empowering, como por exemplo, ter um ambiente que permita que os empregados participem como parceiros, tomem iniciativa e tenham autoridade para tomar decisões; ser um lugar no qual o indivíduo se sinta assistido; ser um lugar com uma liderança que facilite a participação. Honold (1999) finaliza a sua revisão defendendo a abordagem multidimensional, que incluísse como o líder lidera, como os indivíduos reagem, como os pares interagem, e como o trabalho está estruturado. A autora ressalta ainda que a implementação do empowerment seria um processo evolucionário com resultados no longo prazo. Hardy e Sullivan (1998), à semelhança de Honold, também fazem uma revisão sobre o conceito de empowerment e apontam que este é trabalhado de duas formas. A primeira, Relacional, teria como objetivo a redução da dependência, que dificulta a realização do trabalho, por meio da delegação de poder e autoridade. Nesta ótica, o poder seria descentralizado permitindo que o funcionário faça parte do processo decisório, tome riscos e aja em busca do benefício organizacional. O controle para que os funcionários não usem o poder em benefício próprio seria realizado pela limitação do poder de ação destes indivíduos por meio de políticas e procedimentos gerenciais. O alinhamento estratégico, o sistema de recompensas, a avaliação de desempenho, o incentivo de trabalho, entre outros, seriam mecanismos de controle e de estímulo ao comprometimento organizacional. A segunda abordagem, Motivacional, seria baseada em práticas que envolveriam menos delegação de poder e mais ênfase na comunicação aberta e no estabelecimento de objetivos inspiracionais para estimular o comprometimento e o envolvimento dos funcionários. O objetivo principal seria o de proporcionar sentimentos de posse, responsabilidade e capacidade. O empowerment, nessa ótica, é pensado como uma forma de aumentar a

44 31 autoeficácia crença individual da capacidade de realizar um trabalho. E a autoeficácia estaria relacionada com bom desempenho. Para Hardy e Sullivan (1998) os programas de empowerment recomendados pela literatura gerencial, representam, em última análise, um conjunto complexo de mudanças na organização, independentemente da abordagem utilizada para a sua implementação. D'Annunzio-Green e Macandrew (1999) fazem outra revisão da literatura e uma divisão um pouco diferente da de Honold (1999), e Hardy e Sullivan (1998). Esses autores dividem a literatura de empowerment em popular e crítica. A abordagem popular se refere aos livros populares de gestão que apresentariam a ideia de empowerment como solução para todos os problemas da organização. Estes livros tenderiam a ser simples e acessíveis e seriam desenvolvidos para ajudar executivos a implementarem a prática em suas empresas. Alguns textos viriam em forma de conselho, outros com os famosos passos de implementação, ou ainda ilustrados por estudos de caso de sucesso. O termo seria utilizado para se referir a qualquer ação que envolvesse delegação de responsabilidade, aumento de autonomia ou responsabilidade. D'Annunzio-Green e Macandrew (1999) argumentam que a abordagem popular trata o empowerment de forma supersimplificada, apresentando somente os aspectos positivos da prática e desconsiderando a complexidade, variedade e dificuldades inerentes ao empowerment. Collins (1999) descreve que a literatura gerencial (ou popular) faz uma abordagem universalista, considerando a prática apropriada para qualquer organização em qualquer circunstância. A abordagem chamada de crítica por D'Annunzio-Green e Macandrew (1999) seria representada pelo textos que criticam a visão simplista do empowerment e falam sobre os problemas e dificuldades que podem ocorrer na implementação da prática, além de criticarem a pouca transferência de poder para os empregados. Para D'Annunzio-Green e Macandrew (1999) o empowerment seria um conceito sedutor, mas para a sua aplicação de uma forma bem sucedida não se poderia ignorar a sua complexidade e variedade Empowerment um conceito fadado a falhar? No final da década de 1990, após o início da realização de pesquisas empíricas sobre a prática de empowerment, alguns autores começam a apontar as limitações desta prática. Cunningham e Hyman (1999) descrevem uma análise de 13 empresas em processo de

45 32 introdução do employee empowerment, na qual foi constatado que o poder de tomar decisões ou o aumento de comprometimento era limitado. Ainda, teriam sido encontrados poucos sinais de aumento de poder dos empregados. Collins (1999) afirma que como o termo é ambíguo, e como os gerentes precisam comunicar um discurso claro e engajador, em uma visão simplista o empowerment inevitavelmente falharia. Para Smith e Mouly (1998) a falha na implementação do empowerment seria causada pela relutância (por falta de habilidade ou vontade) de funcionários em ter mais responsabilidades, ao mesmo tempo que os gerentes teriam medo em perder poder ou, simplesmente, não teriam habilidades para desenvolver seus subordinados. Sobre esta limitação na percepção e comportamento dos gerentes, é interessante observar o recente aumento da importância e do número de trabalhos acadêmicos sobre liderança. No portal da Capes (visitado em janeiro de 2010) são listados 23 títulos com o termo leadership. Desses 23 periódicos, 13 disponibilizam trabalhos referentes aos anos 2000; 9 disponibilizam produções realizadas a partir da década de 1990, e somente uma revista disponibiliza publicações de antes de Já sobre as limitações das pessoas em se engajarem em ações mais autônomas pouca pesquisa foi desenvolvida. Mesmo a literatura motivacional, que abordaria os aspectos humanos, estaria mais preocupada em estudar fatores ambientais que influenciam determinado comportamento (e isso de modo a gerar teorias prescritivas e gerais), do que analisar fatores internos e individuais que levam as pessoas a agirem de forma diferente. Hardy e Sullivan (1998) examinam o poder por trás do empowerment para abordar as falhas da prática em atender às expectativas de gerentes e empregados. Para tal, os autores apresentam um modelo de quatro dimensões do poder e discutem como este é mobilizado pelos atores mais poderosos sobre seus subordinados. Na primeira dimensão, o ator dominante usaria recursos para influenciar as decisões de um ator subordinado. Na segunda dimensão, o ator mais poderoso controlaria o processo de tomada de decisão, limitando o acesso ao poder e a abrangência dos assuntos discutidos. Na terceira dimensão, haveria uma gestão do significado das ações para criar legitimidade e evitar conflito. Na quarta dimensão, enquanto alguns atores podem obter vantagens a partir das relações de poder do sistema, não poderiam nem controlá-lo ou fugir dele. Para Hardy e Sullivan (1998), nas primeiras duas dimensões, o poder seria exercido em um nível mais superficial, enquanto que nas duas últimas o poder seria exercido em um nível mais profundo.

46 33 Para os autores, as práticas atuais de empowerment nas organizações estariam sendo baseadas mais na terceira dimensão de poder manipulação do sentido com a redução de conflitos pela ênfase em consenso, cooperações e por meio de termos como colaboradores, membros de equipe, coaches. Com uma visão crítica, Hardy e Sullivan (1998) sugerem que programas de empowerment com a ausência da passagem de poder para os subordinados seria uma prática que apenas aumenta o controle sobre o empregado Críticas ao empowerment O empowerment foi introduzido nas organizações como parte de um pacote maior de mudanças nas estruturas organizacionais, na tecnologia, nos métodos de trabalho e na cultura (COLLINS, 1999; D'ANNUNZIO-GREEN e MACANDREW, 1999). As pressões por maior competitividade teriam aumentado a atratividade do empowerment (CUNNINGHAM e HYMAN, 1999). Em um contexto mais amplo, seu surgimento foi marcado por mudanças políticas, pela globalização da economia e pela introdução de novas tecnologias (COLLINS, 1999). Em um contexto mais restrito, o empowerment foi um conceito introduzido quando ocorriam mudanças profundas nas relações de trabalho e na estrutura organizacional. As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas com a prática dos grandes downsizings, nos quais as organizações se reestruturaram com a eliminação de níveis hierárquicos e com a demissão de um número considerável de empregados (APPLEBAUM, 1999). As relações de trabalho, por sua vez, estavam se tornando cada vez mais fragmentadas, instáveis e contingenciais (CLAYDON e DOYLE, 1996). Para Claydon e Doyle (1996), essas mudanças foram realizadas para permitir o máximo de desenvolvimento e exploração do capital humano, particularmente as capacidades de criatividade e solução de problemas. Os autores ressaltam que essa realidade faz aumentar a demanda sobre o indivíduo (agência) de autoregulação e aceitação de responsabilidades e traz, consequentemente, a necessidade de novas formas de controle para lidar com essa maior liberdade. Algumas dessas formas seriam: monitoramento de performance; estabelecimento de objetivos claros, relatórios sobre clientes, trabalho em equipe, entre outros. Nesta lógica, o autodesenvolvimento deixaria de ser uma oportunidade e viraria uma obrigação para os trabalhadores se manterem empregáveis.

47 34 Logo, a sofisticação das formas de controle das ações individuais também teriam contribuído para a implementação de formas de gestão que permitissem maior liberdade de ação dos funcionários (HARDY e SULLIVAN, 1998). Dentro dessa visão mais crítica, a abordagem do employee empowerment como forma de gerenciar uma organização é percebida como uma nova forma de manipulação dos empregados, dado o grau limitado de tomada de decisão e controle por parte dos empregados (HARDY, 1998; HONOLD, 1999). Collins (1999) ressalta que o discurso de empowerment pode ser usado como parte de um processo ideológico no qual os gerentes usam a definição que lhes convêm para alcançar os objetivos planejados, privilegiando uma interpretação particular do termo sobre as outras, não abrindo espaço para discussão e usando o nome empowerment para refazer a imagem do ambiente de trabalho, ao invés de transformá-lo de fato. Collins (1999) argumenta, ainda, que o empowerment, como outras práticas gerenciais, é apresentado como sendo algo vantajoso para os dois lados (empresa e empregado). No entanto, na análise de dois estudos de caso, ele aponta para a fragilidade e limitação da manutenção desta ideia. Enquanto o empowerment encontra-se apenas no discurso, seria difícil contrariá-lo, visto que seria difícil compreender todo o seu significado. A bilateralidade das práticas que buscam dar mais autonomia ou responsabilidade para os empregados isto é, a necessidade do funcionário/indivíduo querer/poder ter as oportunidades oferecidas (D'ANNUNZIO-GREEN e MACANDREW, 1999; HACKMAN, 1979; HONOLD, 1999; SMITH, 1998) é um ponto que parece ser desconsiderado na aplicação dos modelos atuais de gestão. Para Claydon e Doyle (1996) o empowerment expressaria o antagonismo das relações de trabalho: o capital que continua precisando controlar os trabalhadores enquanto demanda por maior cooperação com a produção. Logo, seria exigido do trabalhador ser ao mesmo tempo comprometido como um sujeito produtivo e dispensável como commodities. Em um estudo de caso, os autores identificaram como parte da visão negativa dos funcionários de uma empresa sobre o empowerment: a percepção de não colaboração de alguns gerentes com as novas ideias, a percepção de abuso de alguns gerentes das relações de poder, e o fato de o empowerment estar inevitavelmente associado ao corte de pessoal. Apesar de poder servir como ferramenta de manipulação e de exploração dos trabalhadores, para alguns autores, mesmo para os mais críticos (CLAYDON e DOYLE, 1996; HARDY, 1998; SMITH e MOULY, 1998;), a prática de empowerment pode beneficiar os empregados, seja pela oportunidade de crescimento pessoal e profissional, ou por abrir um

48 35 espaço para o reconhecimento, contestação e nova examinação das relações organizacionais, do papel do gerente e das limitações de qualquer estratégia organizacional (CLAYDON e DOYLE, 1996) Algumas Considerações sobre o empowerment Mesmo com a fervorosa discussão sobre o tema na década de 1990, empowerment não parece ter continuado como foco das atenções acadêmicas na década de Na base Emerald, uma pesquisa, realizada em janeiro de 2010, sobre o número de publicações com o termo empowerment nas palavras-chave mostra que a produção de textos caiu de algo em torno de 760 na década de 1990 para 390 na década de No portal da Capes (visitado em janeiro de 2010), apenas duas revistas possuíam o nome empowerment no título, sendo que ambas já saíram de circulação. Em 1993 começou a Empowerment in Organizations, que em 1999 passou a se chamar Participation and Empowerment, que em 2000 se incorporou à Leadership & Organization Development Journal. O conceito empowerment perdeu sua força, mas outros, como liderança, por exemplo, apareceram como instrumento gerencial para obtenção do maior envolvimento por parte do trabalhador. De maneira geral o que se observa é a crescente preocupação (e fortalecimento) da literatura gerencial e, muitas vezes acadêmica, em mobilizar os aspectos intrínsecos dos trabalhadores para o aumento da produtividade. Reflexões sobre autonomia e empowerment As definições de autonomia (Desenho de Cargos) e empowerment se sobrepõem em algumas abordagens. No entanto, apesar de algumas semelhanças, empowerment (até pelas inúmeras definições que recebeu) parece ser um conceito mais abrangente e complexo quando comparado ao de autonomia. Enquanto autonomia foi inicialmente muito bem definida por Hackman e também nos trabalhos posteriores, seu entendimento é mais simples e visivelmente inspirado nas mudanças que ocorriam nas tecnologias de produção e, portanto, voltado para a gestão da produção - o grau em que o trabalho provê considerável liberdade, independência para o empregado organizar o trabalho e determinar os processos a serem usados em sua execução (HACKMAN E LAWLER, 1979, p.162. Empowerment, por outro

49 36 lado, começou a ser discutido nos textos gerenciais e seu surgimento ocorreu dentro de um contexto de mudanças extremas na estruturação das organizações e das relações de trabalho. Ainda, sua aplicação não parece ter sido restrita a um nicho organizacional, mas usado em todos os níveis hierárquicos e atividades das empresas. Tanto na literatura sobre autonomia nas empresas, quanto aquela sobre employee empowerment existem poucos estudos que abordam o tema de forma subjetiva e qualitativa (para um exemplo desse tipo de estudo ver Smith e Mouly (1999)). E este fato ocorre mesmo quando os autores como Hackman (em Hackman e Oldham, 1975) ressaltam que o mais importante é a percepção dos indivíduos sobre as dimensões discutidas, do que como as dimensões são de fato. Mesmo Hackman e seus colegas limitaram-se a desenvolver instrumentos quantitativos para mapear essas percepções Críticas à abordagem instrumental da noção de autonomia A revisão sobre o conceito de autonomia em administração e de conceitos similares que contém esta noção, como é o caso do empowerment aponta para a abordagem constante da ideia de autonomia em um sentido instrumental. Observa-se que diferentemente do apelo à emancipação humana, presente na discussão filosófica do termo, a autonomia é considerada em gestão como um meio para a realização dos objetivos organizacionais. Esta noção instrumental de autonomia enfatizada no discurso organizacional que, em última análise, sugere aos indivíduos se virarem na execução de suas atividades (ALEXANDRE-BAILLY, 2001), ao mesmo tempo que devem manter o foco na eficiência da organização, recebe críticas substanciais na literatura nacional (COSTA e CAMPOS, 2006; FREITAS, 1999; MOTTA, 1997) e internacional (ALEXANDRE-BAILLY, 2001; DEJOURS, 2007; ENRIQUEZ, 2006; KOVACS, 2006; PAGÈS et al.,1987; SENNETT, 1999). Sennett (1999) chama a atenção para o lado negativo do discurso organizacional que celebra a independência e autonomia. Para Sennett (1999), a exaltação de um comportamento mais independente é tão grande que a dependência passou a ser vista como uma condição vergonhosa, despertando um senso de vulnerabilidade nas pessoas. Sennett (1999, p. 167/169/170) argumenta que dependência não deve ser vista como um defeito, mas como uma parte constituinte da autonomia: a pessoa realmente autosuficiente não se revela de modo algum tão independente quanto supõe os estereótipos (...) ela é capaz de depender de outras quando a ocasião exige, e sabe em quem convém confiar.

50 37 E completa com uma crítica social: a vergonha da dependência tem uma consequência prática. Corrói a confiança e compromisso mútuos, e a ausência desses laços ameaça o funcionamento de qualquer empreendimento coletivo. Sennett (1999) ressalta, ainda, que a propaganda de maior liberdade para os trabalhadores, presente no discurso organizacional, seria na prática uma liberdade enganosa. Para o autor, apesar da menor supervisão direta sobre os indivíduos, novas formas de poder e controle foram criados para garantir o comprometimento com a eficiência organizacional: maior demanda por resultados, estabelecimento de metas difíceis, uso de tecnologia para controle de frequência dos empregados, entre outros. Na visão de Dejours (2007, p. 49): o autocontrole (...) constitui um acréscimo de trabalho a um sistema diabólico de dominação autoadministrado, o qual supera em muito os desempenhos disciplinares que se podiam obter pelos antigos meios convencionais de controle. Para o autor, os trabalhadores se submeteriam ao discurso da autogestão por medo da demissão, e este tipo comportamento acarretaria na precarização e intensificação do trabalho, neutralização da mobilização coletiva, silêncio e destruição da reciprocidade. O poder do discurso organizacional em moldar o comportamento dos indivíduos sem que seja necessário o uso de estratégias autoritárias é chamado por Sennett (1999) de controle invisível e por Dejours (2007) de distorção comunicacional. Kovacs (2006) analisa a questão da autonomia a partir da lógica da racionalização. Para a autora, a difusão de novas formas de organização do trabalho, entre elas a valorização da autonomia, seria um movimento ligado a objetivos econômicos. No contexto atual de intensificação da competitividade global, a autonomia não estaria relacionada com a realização de programas de mudança com base em valores de humanização do mundo do trabalho, mas com uma nova voga de racionalização, a racionalização flexível. A autora interpreta a descentralização e maior responsabilização dos trabalhadores por suas tarefas como um meio para o aumento da eficiência e da redução de custos. Kovacs (2006) assim como Boltanski e Chiapello (2005), Dejours (2007), e Sennett (1999) percebe a individualização da gestão como um mecanismo organizacional para impedir a mobilização coletiva dos trabalhadores, que pode colocar em risco a rentabilidade das empresas. Kovacs (2006) aponta, ainda, para a contradição manifestada pela imposição da autonomia. Segundo a autora, a flexibilização organizacional associada ao baixo grau de importância ao fator humano moldaria uma autonomia outorgada, na medida em que esta

51 38 reflete uma ordem a ser obedecida. A autora ressalta que uma autonomia real estaria ligada à criação e à improvisação, enquanto a autonomia outorgada remeteria para a prescrição e previsões para que a ação seja uniformizada e garanta a qualidade do trabalho executado. E, ainda, qualquer ganho em termos de autonomia real seria largamente ultrapassado pela intensificação do trabalho, insegurança e estresse. Numa perspectiva crítica, Kovacs (2006) afirma que estamos lidando com uma autonomia subordinada e controlada, ligada à autoexploração e à autoservidão. Tende a prevalecer, não o individualismo-emancipação proporcionador de mais liberdade, autonomia e capacidade de ação, mas um individualismo-fragilização que torna o indivíduo um ser isolado submetido à insegurança, à desfiliação e à fragilização do laço social (KOVACS, 2006, p. 47) Alexandre-Bailly (2001) destaca que apesar do paradoxo inerente à autonomia outorgada, o discurso da autonomia seria inatacável pelo fato de representar valores universais atuais. As pessoas não poderiam dizer oficialmente que se recusam em ser autônomos. Segundo a autora, a imposição da autonomia não só não permitiria a autonomia real, como também impediria uma reação livre a esta imposição. Nessa situação, o discurso oficial da autonomia seria constantemente confirmado por um comportamento de conformidade: eu ajo como se fosse autônomo e cheio de iniciativas, e isso é aceito (p.60). Em síntese, pode-se afirmar que, entre outros aspectos, as críticas à noção funcionalista/instrumental de autonomia chamam a atenção para instrumentalização de sua aplicação de acordo com os objetivos das empresas, para o discurso organizacional que mobiliza o tipo de comportamento desejado, para a contradição da autonomia compulsória e para a individualização da questão trabalhista. Em outras palavras, observa-se que ao invés do discurso de autonomia nas organizações ser utilizado como um veículo de emancipação humana ou valorização da ação de acordo com a vontade e o julgamento individual, como abordado nas discussões em Filosofia sobre o termo, a autonomia é invocada pela gestão em busca da conformidade do comportamento em prol dos objetivos organizacionais, normalmente de eficiência e lucro. Para Ramos (1989) não haveria a possibilidade de autonomia ou autorealização individual nas organizações definidas pela racionalidade instrumental ou funcional que se relaciona à otimização dos meios para que se possa chegar a metas especificadas pois não haveria abertura nestes espaços organizacionais para a ação, só para o comportamento. O autor define ação como: a ação é própria de um agente que delibera sobre coisas porque está consciente de suas finalidades intrínsecas. Pelo reconhecimento dessas finalidades, a ação constitui uma forma ética de conduta. A

52 39 eficiência social e organizacional é uma dimensão incidental e não fundamental na ação humana. Os seres humanos são levados a agir, a tomar decisões e a fazer escolhas, porque causas finais e não apenas causas eficientes influem no mundo em geral (p.51). Ramos (1989) define comportamento como uma forma de conduta que se baseia na racionalidade funcional ou na estimativa utilitária das consequências (p.51). Segundo Ramos (1989), este termo começou a ser usado por volta de 1490 e significava conformidade a ordens e costumes ditados pelas conveniências exteriores. Mesmo em nossos dias, a palavra não teria perdido seu significado original. Comportamento continua sendo uma categoria de reconhecimento da conformidade. Para Ramos (1989), o foco no comportamento, e não na ação ou subjetividade humana, é uma característica marcante no forma de gestão das organizações que têm a eficiência como valor primordial. Para Kovacs (2006), um espaço para a autonomia real do indivíduo pode ser criado a partir de um modelo no qual a flexibilidade organizacional esteja associada ao alto grau de importância atribuída ao fator humano. 2.3.Autonomia e Relações de Trabalho Apesar da literatura em administração não ter desenvolvido uma conceituação sistemática para autonomia fora do contexto organizacional, a noção de autonomia está fortemente presente nas condições atuais de trabalho nas quais o indivíduo passa a ser responsável pela gestão de sua carreira e de sua vida profissional (ALEXANDRE-BAILLY, 2001). A ideia da autonomia também é manifestada na condição de profissional autônomo, na qual o indivíduo não possui um vínculo empregatício com nenhuma organização (GOLD e FRASER, 2002). Neste item serão abordadas, inicialmente, as principais transformações na economia moderna a passagem do Fordismo para o Pós-Fordismo (RANSOME, 1999) e suas consequências nas relações de trabalho e nas formas de gestão. A apresentação destas mudanças visa contextualizar as relações de trabalho atuais, caracterizadas, entre outros aspectos, pela flexibilização nas formas de contratação e pela individualização da situação do trabalho (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005). Em seguida, é apresentada uma revisão de literatura sobre as novas formas de carreira. E por fim é discutida a questão do trabalho autônomo e da relação do indivíduo com o contexto socioeconômico.

53 Do Fordismo ao Pós-Fordismo O Fordismo, modo de organização da sociedade industrial, era caracterizado basicamente pelo princípio da racionalização (RANSOME, 1999); produção e consumo em massa (HARVEY, 1992; RANSOME, 1999); grandes corporações hierarquicamente organizadas com uma separação clara entre gerência, concepção, controle e execução (HARVEY, 1992); aumento do padrão de vida por meio da aquisição de bens manufaturados (RANSOME, 1999); e pela ideia moderna do progresso humano como sendo o resultado do desenvolvimento social. Segundo Ransome (1999), este modelo de sociedade prevaleceu do final do século XIX e início do século XX até a década de 1960, quando começaram a ocorrer mudanças nas estruturas sociais, na economia e no desenho do sistema ocupacional. Harvey (1992) explora essas mudanças recentes na economia política do capitalismo como uma transição no regime de acumulação e no modo de regulamentação social 11 e política a ele associado, e analisa esta transição através do papel do Estado, do Capital, e da organização do Trabalho. Segundo Harvey (1992), o Fordismo atingiu sua maturidade e expansão após a Segunda Guerra Mundial devido aos compromissos e reposicionamentos assumidos pelo Estado, Capital (poder corporativo) e Trabalho Organizado (sindicatos). O compromisso assumido pelo Estado foi o de construir novos poderes institucionais para controlar os ciclos econômicos com a combinação de políticas fiscais e monetárias; implementar políticas dirigidas para as áreas de investimento público como o transporte, por exemplo para a garantia de empregos e consumo; complementar os salários dos trabalhadores com gastos de seguridade social, assistência médica, educação, habitação; além de garantir acordos salariais e direito dos trabalhadores. O poder corporativo estava comprometido em assegurar o crescimento sustentado de investimentos que aumentassem a produtividade, garantissem o crescimento e elevassem o padrão de vida, enquanto mantinham uma base estável para a realização de lucros. Os grandes investimentos eram realizados em capital fixo, a administração era científica e as decisões eram tomadas com base no crescimento do consumo de massa. 11 Segundo Harvey (1992), o regime de acumulação descreveria a estabilização, por um longo período, da alocação do produto líquido entre consumo e acumulação; ele implica em alguma correspondência entre a transformação tanto das condições de produção como das condições de reprodução de assalariados. O modo de regulamentação seriam os hábitos, leis, redes de regulamentação que garantem a unidade do processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução.

54 41 Neste período, os Sindicatos ganharam poder e adquiriram direitos em troca da adoção de uma atitude mais cooperativa no tocante às técnicas fordistas de produção e às estratégias de aumento de produtividade. Também era seu papel resistir a todas as incursões excessivas do poder capitalista no interior das fábricas. Ainda para Harvey (1992), o Fordismo do pós-guerra foi fortemente caracterizado pela internacionalização do mercado, isto é, sua expansão dependia dos fluxos de comércio mundial e de investimento internacional. A Europa Ocidental, o Japão e o Terceiro Mundo eram os grandes mercados consumidores internacionais da produção americana. Após seu apogeu, o Fordismo enfrentou problemas sérios nos meados dos anos 1960 e nos anos Nos anos 1960, a saturação no mercado interno da Europa Ocidental e do Japão e as políticas de substituição de importação em muitos países do Terceiro Mundo causaram um enfraquecimento da demanda efetiva nos EUA. Além disso, a Europa Ocidental e o Japão, já reestruturados, começaram a ameaçar a hegemonia econômica americana (HARVEY, 1992). Na década de 1970, a crise mundial no mercado imobiliário, o aumento do preço do petróleo pela OPEP e as dificuldades nas instituições financeiras levaram a estagflação (estagnação na produção de bens e alta da inflação) da economia americana. Harvey (1992) e Ransome (1999) argumentam que, segundo a escola da regulação, a crise de 1970 significou, em última análise, que os métodos tradicionais de produção e organização estrutural da economia, que permitiam a acumulação de capital nos anos 1950 e 1960, tinham chegado a um fim. Em outras palavras, a configuração de poder e relações dos três atores (Trabalho, Capital, Estado) não garantiam mais a acumulação de capital e havia a necessidades de mudanças nos níveis da produção, do social e do político (RANSOME, 1999). O fim da década de 1970 e principalmente a década de 1980 foi um período de transição marcado pela reestruturação econômica e reajustamento social e político. As organizações passaram por reestruturações: na tecnologia, com a introdução da microeletrônica e da Tecnologia da Informação (TI); na produção, com a automação e busca por novas linhas de produtos e nichos de mercado; na organização do trabalho com a introdução de novos métodos de trabalho; e por reestruturações na própria estrutura organizacional com práticas dos downsizings (HARVEY, 1992; RANSOME, 1999). Esse período de transição seria a passagem para um regime de acumulação totalmente novo, o de acumulação flexível (HARVEY, 1992) ou Pós-Fordismo (RANSOME, 1999), como confronto com a rigidez do Fordismo.

55 42 Este novo regime se apoia na flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. Nesta nova lógica surgem novos setores de produção, novas maneiras de fornecimento de serviço financeiro, novos empregos no chamado setor de serviços, novos mercados e altas taxas de inovação tecnológica, comercial e organizacional (HARVEY, 1992; RANSOME, 1999). A transição no regime de acumulação pode ser traduzida em mudanças nos papéis e nas relações entre Estado, o Capital e o Trabalho, conforme é descrito por Harvey (1992). Na organização do Trabalho, houve um enfraquecimento do poder sindical. Houve também a imposição de regimes de trabalho mais flexíveis, com a redução do emprego regular, e com o aumento do uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. Para Harvey (1992) a acumulação flexível parece implicar níveis relativamente altos de desemprego estrutural, rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos de salários reais e retrocesso do poder sindical. Sobre o poder corporativo, as grandes corporações passaram a dividir seu espaço com pequenos empreendedores. Entretanto, isto não fez com que perdessem poder na economia, visto que os grandes negócios continuavam a manter poder e vantagem competitiva sobre os pequenos (KOVACS, 2006, HARVEY, 1999). A produção tornou-se mais flexível e inovadora, suportando a fabricação em pequena escala (RANSOME, 1999). O tempo de giro foi reduzido (just-in-time) na produção e no consumo. As novas condições forçaram os governos a se tornarem mais preocupados em proporcionar um clima favorável aos negócios, mantendo a força de trabalho organizada e os movimentos sociais contidos. As reduções fiscais e a erosão do compromisso social entre sindicatos e governo se tornaram lemas de todos os Estados do mundo capitalista avançado. Por outro lado, governos não intervencionistas foram forçados a ser mais presentes na economia. Em outras palavras, o Estado passou a exercer atividades em duas frentes opostas, pois ao mesmo tempo que regula as atividades do capital corporativo no interesse da nação, é forçado a criar um bom clima de negócios para atrair o capital financeiro transacional e global, contendo a fuga destes para lugares mais lucrativos. Ainda, o papel do Estado como credor ou operador de último recurso se tornou muito mais crucial (HARVEY, 1992). Para Harvey (1992) a flexibilidade conseguida na produção, nos mercados de trabalho e no consumo seria um resultado da busca de soluções financeiras para as tendências da crise do capitalismo.

56 43 Harvey (1992) conclui a discussão sobre o novo equilíbrio de forças na acumulação flexível afirmando que no equilíbrio entre Estado e poder financeiro, o Capital ficou mais forte Mudanças nas formas de gestão e nas relações de trabalho No período industrial, a necessidade de coordenar organizações complexas e garantir a presença das habilidades necessárias fez com que as empresas estabelecessem uma relação de longo prazo com a força de trabalho (RANSOME, 1999). Segundo Cappelli (1999), essa forma de relação tinha três propósitos: primeiro, facilitar o investimento em treinamento e a compreensão dos sistemas organizacionais; segundo, produzir lealdade e comprometimento, que seriam essenciais pela dificuldade de mensurar performance individual; terceiro, a motivar os empregados a um custo relativamente baixo com a possibilidade de promoção. Estas relações de longo prazo entre empresa e empregado, com as características descritas a cima, são referidas na literatura em administração como relações de trabalho tradicionais. E, segundo Rousseau (1995), os três fundamentos básicos que as guiavam eram: controle administrativo sobre os empregados, desenvolvimento de uma relação de longo prazo e proximidade física entre trabalhador e empresa. Neste tipo de relação de trabalho tradicional havia uma expectativa de desenvolvimento profissional dentro da própria organização. Privilegiava-se a perspectiva de um mercado de trabalho interno, no qual existia a possibilidade de encarreiramento. Treinamentos com o desenvolvimento de habilidades necessárias à organização eram constantemente realizados, assim como se esperava a assimilação, pelo indivíduo, da cultura organizacional (CAPELLI, 1999). Com as mudanças iniciadas na década de 1980 que continuaram na década de 1990 com a implementação de novos métodos e técnicas tais como: just-in-time, terceirização, downsizings 12, qualidade total, empowerment, entre outros (KOVACS, 2006), houve uma transformação nas organizações e nas relações de trabalho. Tais mudanças significariam o fim da lógica da relação tradicional de trabalho, baseado no longo prazo, na lealdade e no comprometimento em troca de estabilidade e segurança. A nova forma de gestão das empresas passa a ser caracterizado pelo declínio do desenvolvimento interno de carreira, diminuição no investimento em treinamentos o

57 44 empregado passa a ser o responsável pelo desenvolvimento de suas habilidades, aumento da demanda por performance, transferência de responsabilidades para os empregados (CAPPELI, 1999), maior instabilidade do emprego e aumento dos riscos que o empregado deveria assumir, não só na execução de suas tarefas, mas também na gestão de sua vida profissional (ATKINSON, 2002). O trabalhador, convivendo em um ambiente competitivo e instável, passa a ter como única conexão direta para a segurança de emprego o nível de habilidade que ele pode oferecer. Enquanto aqueles com habilidades essenciais para uma empresa ou com habilidades vendáveis no mercado apresentam relativa segurança, aqueles com habilidades intermediárias e baixas não a possuem (RANSOME, 1999). Estes trabalhadores têm pouca estabilidade de emprego e também pouca oportunidade de movimentação interna ou no mercado. A necessidade é crítica para aqueles que possuem menos habilidade (HANDY, 1995, p.173). Ainda, as relações de trabalho, definidas antes principalmente pelo contrato de trabalho formal entre empregado e empregador, seguiram a lógica da flexibilização e passaram a ser caracterizadas pela multiplicidade de contratos de trabalho (temporários, trabalhadores em tempo parcial, subcontratados, terceirizados, autônomos) e pelo aumento do desemprego (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005; CAPPELLI, 1999). Cappelli (1999) resume as mudanças ocorridas destacando alguns pontos das novas formas de gestão e de relações de trabalho. Primeiramente, o autor ressalta que nas novas relações houve o declínio na segurança de emprego em uma única organização e que esta foi substituída pela noção de empregabilidade, isto é, pela habilidade do indivíduo em manter-se empregado. Em um segundo comentário, Cappelli (1999) aponta para a tendência das empresas em contratarem no mercado profissionais e serviços com determinadas habilidades, ao invés de desenvolvê-las internamente. Em seguida, o autor aponta para o aumento da variabilidade da remuneração visto que esta passou a ser mais relacionada com a performance. Cappelli (1999) também destaca a intensificação da prática da terceirização em todos os níveis da organização como uma característica marcante da nova lógica do mercado. Cappelli (1999) enfatiza ainda os impactos da nova ordem organizacional para os gerentes médios. O autor destaca a vulnerabilidade do grupo gerencial nas reestruturações, dado que estes são os primeiros a serem demitidos quando a estrutura organizacional é 12 No Brasil, a prática de downsizing tornou-se comum no período das privatizações, na década de Ao estudar a percepção daqueles que participaram de um processo de downsizing, Wetzel (2000) retratou a mudança em algumas empresas brasileiras.

58 45 alterada, ao mesmo tempo que as organizações demandam comprometimento e desenvolvimento de habilidades específicas à organização. Outro ponto ressaltado pelo autor é o aumento da responsabilidade dos gerentes que, dentro do novo contexto, passam a incorporar atividades de gestão de pessoas, antes exercidas pelo departamento de Recursos Humanos. Por fim, Cappelli (1999), conclui que a principal característica da nova relação entre empresas e trabalhadores é o fato de o mercado de trabalho, e não mais a empresa, ser o gestor desta relação. Isto é, as empresas não teriam mais o controle e o poder de determinar as atitudes e comportamentos de seus trabalhadores (satisfação, comprometimento, turnover voluntário, absenteísmo, disciplina), pois estes passam a ser determinados pelas demandas do mercado. O mercado exerceria forte influência sobre o poder de barganha nas negociações entre empregados e empregadores. Outra forma de abordar a transformação no mundo do trabalho foi realizada por Boltanski e Chiapello (2005) que trataram do tema a partir da investigação da mudança, durante os últimos 30 anos, no que eles denominam de espírito do capitalismo. Espírito do capitalismo seria, segundo os autores, a ideologia dominante que permeia as representações mentais e que proporciona o comprometimento indispensável para a expansão do capitalismo. Em poucas palavras, seria o discurso que legitima as ações, que coloca as regras do jogo. Para realizar tal análise, Boltanski e Chiapello (2005) selecionaram a literatura gerencial de dois períodos distintos, 1960 e 1990, e compararam o conteúdo entre estes dois períodos. Os textos gerenciais foram escolhidos pelo fato dos autores acreditarem que estes são veículos de difusão e popularização de modelos normativos na empresa (teriam efeitos práticos e morais). Entre os vários resultados dessa análise, o estudo mostrou que nos textos da década de 1960 são enfatizados termos como eficiência, desempenho, progresso, resultados e segurança. Nos anos 1990 estes termos não deixam de existir no mundo corporativo, mas haveria uma nova lógica manifestada nos discursos voltados para a classe gerencial. Nos textos da década de 1990, termos como rede, mobilidade e autonomia foram identificados como fortemente presentes neste período. Autonomia, habilidades de comunicação, maleabilidade e abertura para os outros surgiriam como critérios de seleção e promoção em detrimento da senioridade. Ainda, dos mecanismos propostos pela literatura gerencial para que as empresas enfrentassem os desafios daquele momento desenvolvimento econômico mais difícil e forte competição econômica, encontraram-se predominantemente discursos que podem ser resumidos da seguinte forma: empresas lineares, trabalhando em redes com múltiplos

59 46 participantes, organizando o trabalho na forma de equipes ou projetos, com o objetivo de garantir a satisfação do cliente, e contando com a mobilidade dos trabalhadores e com a visão de seus líderes (p.73). Com o uso destes mecanismos as empresas se tornam flexíveis, inovadoras e altamente eficientes (p. 75), obtendo sucesso em suas ações. Boltanski e Chiapello (2005) observam que, tanto nos anos 1960 quanto nos anos 1990, há uma crítica à burocracia e à hierarquia. Porém, enquanto nos anos 1960 se buscava uma burocracia mais flexível para a gerência, nos anos 1990 se buscava uma subversão dos princípios hierárquicos e burocráticos para todos os trabalhadores. A diminuição da hierarquia proporcionaria maior flexibilidade, igualdade e respeito pelas liberdades individuais (p.71). Sobre a autonomia, segundo Boltanski e Chiapello (2005), esta seria uma das dimensões atrativas nos discursos dos dois períodos, no entanto, de formas diferentes. Enquanto no discurso da década de 1960 autonomia referir-se-ia a uma maior descentralização e aumento de poder de decisão por parte da gerência, na década de 1990 autonomia é tratada como a genuína autonomia (p.90), que seria baseada no autoconhecimento e na autorealização (e não aquela autonomia limitada do período anterior) e na qual o indivíduo estaria livre de chefia (já que trabalharia com pares em projetos), livre para criar e livre por ter mobilidade na sua vida profissional. Este novo discurso organizacional da década de 1990, alinhado ao modelo de acumulação flexível, não é isento de críticas, conforme as apresentadas no item anterior sobre a noção instrumental de autonomia Carreira 13 e autonomia Com a individualização da inserção no mercado de trabalho, houve também a individualização da carreira (LEMOS, 2006). O indivíduo passou a ser visto como o responsável pelo desenho de sua trajetória profissional, pela definição de metas e expectativas e pelo seu fracasso ou sucesso. 13 Segundo uma revisão do conceito realizada por Coelho (2006), Carreira proveria da palavra latina estrada que significaria o curso sobre o qual qualquer pessoa ou coisa passa. A partir do século XIX o termo carreira passaria a ser aplicado ao caminho que uma pessoa toma na vida e, posteriormente, no final do mesmo século, passaria a ser associado a vida profissional ou emprego como oportunidade de progresso no mundo. Dentro deste enfoque, Hall (1976, p.8) define carreira como a sequência individualmente percebida de atitudes e comportamentos associados a expriências e atividades profissionais ao longo da vida da pessoa.

60 47 Este aumento da responsabilidade individual sobre a vida profissional está inserido em um contexto de mudanças profundas no formato das carreiras, que passa a não se restringir mais ao ambiente de uma única organização Boundaryless Careers Este padrão de carreira não restrita a uma única organização recebe o nome de boundaryless careers na literatura em administração. Arthur (1994) destaca seis diferentes significados que definem o termo: (1) quando uma carreira atravessa a fronteira de diferentes empregadores; (2) quando uma carreira tem valor fora do empregador atual; (3) quando uma carreira é suportada por redes de relacionamento e de informação externos à organização; (4) quando uma carreira quebra com os padrões tradicionais organizacionais de hierarquia e progressão; (5) quando envolve a rejeição de uma oportunidade de trabalho por motivos pessoais e familiares; (6) e o sexto significado estaria relacionado com a percepção individual de um futuro boundaryless independentemente das limitações estruturais. Estes significados, segundo o autor, teriam em comum o sentido de independência e não mais dependência com relação aos princípios tradicionais de carreira organizacional. Sullivan e Arthur (2006) destacam o que eles chamam de competências de carreiras que poderiam ser aplicadas para obtenção de boas oportunidades. Estas seriam descritas em três tipos de saber ( knowing ): knowing-why envolveria motivação e identidade pessoais, seriam competências ligadas à energia e identificação que uma pessoa possui com relação às tarefas, projetos e culturas com as quais lida; knowing-how envolveria habilidade e especialização, seriam competências relacionadas com habilidades e conhecimentos necessários para a execução de uma tarefa ou trabalho; knowing-whom envolveria relacionamentos e reputação, seriam competências referentes às relações com os colegas, associações profissionais e amigos, que proporcionariam acesso a novas oportunidades e informações. Um ponto interessante ressaltado por Arthur (1994) é a sugestão de uma relação de interdependência entre carreira e organização, isto é, as carreias dos indivíduos seriam influenciadas pelas organizações, assim como as organizações seriam influenciadas pelas carreiras. Esta afirmação pode ser interpretada de modo a considerar que a relação com as organizações ainda constituiria um elemento fundamental para a experiência profissional do indivíduo descrito por esta teoria, independentemente do lado que possui maior ou menor grau de influência sobre o outro. E que, apesar de vivenciar uma carreira mais flexível e

61 48 independente, este trabalhador ainda seria diretamente influenciado pela dinâmica interna e externa das organizações. Outro ponto relevante para o presente estudo e que não é abordado na conceituação de boundaryless careers seria a exploração dos guias utilizados pelos indivíduos como fonte de orientação de suas carreiras. A partir do momento em que estes não seguem mais os princípios de carreiras organizacionais tradicionais, quais seriam as novas referências para o trabalhador? Seriam internas, isto é, a partir dos valores e crenças individuais ou continuariam a ser definidas por elementos externos? Em termos das competências de carreiras descritas, qual seria a principal competência orientadora das escolhas profissionais, knowing-why ou knowing-whom? Como Arthur (1994) não entra nesta discussão, uma possível interpretação seria assumir que o indivíduo passou a fazer suas escolhas profissionais de acordo com seus próprios interesses. Outra visão seria a de que as pessoas continuariam orientando suas carreiras a partir de fenômenos externos. E, apesar de não seguirem mais as diretrizes de uma única organização, os trabalhadores passariam a se orientar pelas diretrizes estabelecidas pelo mercado, nem sempre explícitas ou fáceis de identificar. Logo, dentro desta última interpretação da abordagem de boundaryless careers, os guias da carreira continuariam sendo determinados a partir de orientações externas ao indivíduo. Algumas das orientações profissionais existentes seriam, então, encontradas em revistas populares sobre administração, no discurso e práticas organizacionais, no conteúdo dos cursos de formação gerencial, ou ainda, na troca informal de informação com colegas de trabalho. Pode-se inferir, ainda, que alguns indivíduos queiram moldar suas carreiras em função das expectativas de progresso e desenvolvimento pessoal e profissional, mas, em muitos casos, pela necessidade de manterem-se no mercado de trabalho, tendem a se sujeitar às oportunidades existentes (MOTTA, 2006). Devido a alguns desentendimentos na aplicação do conceito desde sua exposição na década de 1990, Sullivan e Arthur (2006) aperfeiçoaram a definição de boundaryless career apresentando um modelo que define o conceito a partir do grau mobilidade de uma carreira através de duas dimensões: física (ou objetiva) e psicológica (ou subjetiva). As mobilidades física e psicológica foram definidas pelos autores, respectivamente, como a transição entre fronteiras e a percepção da capacidade de realizar tal transição. Ainda segundo Sullivan e Arthur (2006), um dos motivos do uso de uma definição que destaque estas duas dimensões estaria relacionada ao fato de a maioria dos estudos realizados com esta teoria terem focado a mobilidade física relacionada aos significados 1 e 4

62 49 apresentados anteriormente e pouco teria sido pesquisado sobre a mobilidade através de limites psicológicos relacionada aos significados 2,3,5 e 6. O modelo proposto é ilustrado pela Figura 2: Alto Quadrante 3 Quadrante 4 Mobilidade Psicológica Quadrante 1 Quadrante 2 Baixo Baixo Mobilidade Fisica Alto Figura 2: As duas dimensões da boundaryless career. Fonte: adaptado de Sullivan e Arthur (2006, p. 22). Neste modelo, cada um dos quadrantes representaria um tipo puro de carreia, e as dimensões de mobilidade física e psicológica seriam reconhecidas. Com o uso desse modelo uma carreira não seria mais restrita a uma classificação dual: se é ou não boundaryless, mas definida a partir de uma escala gradual de mobilidade. Para apresentar cada quadrante Sullivan e Arthur (2006) limitaram-se a expor exemplos de carreiras. Esta nova abordagem do conceito mostra uma forte preocupação de Sullivan e Arthur (2006) em entender a carreira no sentido de sua mobilidade, seja uma mobilidade concreta física, ou na possibilidade de uma mobilidade psicológica. Apesar de expandir a definição do conceito e enfatizar uma dimensão denominada psicológica, pouca referência é feita às motivações internas do indivíduo para a construção de sua carreira. Já a teoria sobre protean career 14, por outro lado, destaca a orientação da carreira que parte do indivíduo. 14 Segundo Hall e Mirvis (1996), o termo protean foi inspirado no nome do Deus grego Proteu, que poderia mudar de forma conforme sua vontade.

63 Protean Career O termo protean career foi apresentado por Douglas Hall na década de 1970 e significaria: [Protean Career] descreve uma orientação de carreira na qual a pessoa, e não a organização, está no comando, onde os valores pessoais centrais estão direcionando suas decisões sobre a carreira, e onde o principal critério de sucesso é subjetivo (sucesso psicológico 15 ) (HALL, 2004, p.1). Briscoe et al (2006, p.31) complementam a ideia de protean career: uma pessoa que não possui atitudes protean seria mais inclinada a pegar emprestado padrões externos, em oposição a desenvolvê-los internamente, e seria mais inclinado a procurar direções e assistência externas na gestão de sua carreira em oposição a ser mais proativo e independente. O Quadro 3 mostra uma comparação entre as características da protean career e da carreira considerada tradicional : Questão Carreira Protean Carreira Tradicional Quem está no comando? O indivíduo A organização Valores centrais Crescimento da liberdade Promoção Grau de mobilidade Alto Baixo Critério de Sucesso Sucesso psicológico Cargo, salário Satisfação com o trabalho, Principais atitudes comprometimento profissional Comprometimento organizacional Quadro 3: Comparação entre as carreiras protean e tradicional. Fonte: adaptado de Hall (2004, p.4). Briscoe e Hall (2006) argumentam que a percepção de uma pessoa sobre sua carreira pode manifestar-se em menores ou maiores graus de orientação protean. O que, segundo os autores, seria similar a uma atitude, que possui componentes cognitivos, avaliativos e comportamentais. Os autores ressaltam, entretanto, que a orientação protean (protean mindset) de uma carreira não implicaria um comportamento particular, como mobilidade, por exemplo. Seria mais uma mentalidade, ou atitude, com relação à carreira, que refletiria liberdade, autodirecionamento, e escolhas baseadas em valores pessoais. 15 Hall e Mirvis (1996, p.26) definem sucesso psicológico como o sentimento de orgulho e realização pessoal que provém do reconhecimento pessoal de ter feito o seu melhor. Os autores acrescentam ainda que a auto-estima é tanto um resultado do sucesso psicológico como a causa ou motivador de atividades futuras relacionadas a carreira.

64 51 Sobre o perfil do indivíduo engajado em uma protean career, o autor ressalta a abertura para novas experiências, o aprendizado contínuo e certa dose de individualização. Duas metacompetências individuais estariam relacionadas com a atitude protean: adaptabilidade e identidade 16 (ou autoconhecimento), que segundo o autor devem ser desenvolvidas em conjunto. O desenvolvimento de somente uma das duas metacompetências acarretaria problemas nas escolhas de vida e de profissão. Ao utilizar um instrumento para medir a orientação protean, Hall identificou dois principais fatores desta medida. Um fator (values-driven) descreveria o quanto as decisões de carreira de uma pessoa são conduzidas por valores pessoais em oposição a fatores extrínsecos como dinheiro, promoções ou oportunidades de emprego. O segundo fator (self-directed) refletiria o quanto a pessoa se sente independente e no comando de sua carreira, tendo a habilidade de ser adaptativo de acordo com as demandas de performance e aprendizado. Sobre a dificuldade de se desenhar uma protean career, Hall e Mirvis (1996) afirmam que para algumas pessoas esta experiência pode ser difícil e até mesmo apavorante, no entanto os autores se restringem a comentar sobre as pessoas que sofreram mudanças profundas na carreira devido às transformações do antigo modelo de relação de trabalho. Os autores reconhecem ainda que para vivenciar este modelo de carreira, que exige um aprendizado contínuo, é exigido um nível de desenvolvimento cognitivo maior do que a maioria das pessoas possui. 17 Logo, a protean career parece uma abordagem interessante e instigante para a relação do indivíduo com a sua carreira. Porém, diante da demanda por algumas características pessoais, competências e metacompetências, não poderia ser um modelo de carreira universal, aplicável a todos os tipos de trabalhadores. Ainda, diante das características listadas, este parece ser mais um modelo aplicável a profissionais com alto grau de autonomia na carreira, no sentido de usarem as referências internas (valores) como o principal guia orientador de sua carreira profissional, em detrimento a referências e guias externos. Essas duas abordagens sobre os novos formatos de carreira (boundaryless e protean) apesar de suas diferenças claras de conceituação 18 foram usadas em muitos estudos como 16 Para Peel e Inkson (2004) a ocupação ou a indústria seria uma base segura para o senso de indentidade. 17 Os autores basearam-se nos estudos de Robert Kegan (1994) sobre os níveis de desenvolvimento cognitivo de trabalhadores adultos nos EUA. 18 A particularidade marcante da definição de protean career de Hall é o destaque a uma orientação que parte do indivíduo, isto é, a uma orientação interna. A discussão sobre boudaryless career, apesar de ressaltar a maior independência do indivíduo, não aborda de forma sistemática esta questão. Briscoe e Hall (2006, p.16) apontam a diferença entre as duas abordagens em poucas palavras: enquanto a abordagem boudaryless enfatiza oportunidade (...) a abordagem protean enfatiza a agência.

65 52 sendo similares (BRISCOE ET AL, 2006) e reduzidas a simples análise de mobilidade na carreira (BRISCOE ET AL, 2006). No sentido de esclarecer melhor cada constructo, suas diferenças e semelhanças, Briscoe et al (2006) fizeram um estudo empírico e desenvolveram escalas para a mensuração tanto da atitude de protean career (protean mindset), descritas anteriormente, quanto da atitude de boundaryless career (boundaryless mindset). Os questionários aplicados na pesquisa encontram-se nos Anexos 3 e 4 e são uma ilustração de cada teoria, além de deixarem clara a diferença entre estas. Os resultados desta pesquisa apontaram para a distinção dos constructos, apesar de ser reconhecida a existência de alguma relação entre estes. Os autores também ressaltam que mobilidade não deveria ser usada como representação para atitudes ou resultados de carreiras tanto boundaryless ou quanto protean. Além desses dois tipos de abordagem sobre o tema apresentados até agora, outro ponto que esta ganhando importância na literatura em administração é a autogestão da carreira. A seguir serão abordados alguns estudos que ilustram este tópico Autogestão da carreira Hall (1976) elaborou um grupo de estratégias de planejamento de carreira que orientava para: (i) desenvolvimento de competências ligadas à carreira autoconhecimento, planejamento, solução de problemas; (ii) escolha cuidadosa da organização; (iii) escolha de um trabalho inicial desafiador; (iv) desenvolvimento de mobilidade profissional; e (v) procura de ajuda para o gerenciamento da carreira. Estudos acadêmicos brasileiros recentes também abordam o tema. Coelho (2006) aponta que dois aspectos se tornam essenciais para autogestão da carreira: a construção de uma rede de relacionamentos e a obtenção de informações confiáveis sobre o mercado. Lemos (2006) destaca que a autogestão da carreira deve ser construída em seis pilares: adequação vocacional, competência profissional, idoneidade, saúde física e mental, reserva financeira, e relacionamentos. Costa e Campos (2006), na conclusão de seu estudo sobre como os indivíduos fazem sentido de suas trajetórias profissionais através de diversas organizações, identificam alguns traços em comum, presentes em indivíduos altamente qualificados e com trajetórias de carreiras não usuais ou retilíneas.

66 53 O primeiro, denominado pelas autoras de abertura ao acaso, representaria a aceitação de uma vida profissional que não segue uma rota pré-estabelecida. Ao invés do planejamento, o indivíduo estaria aberto e seria capaz de responder a oportunidades não previstas. O segundo traço identificado foi a disposição para construir a si mesmos que seria a vontade de aprender e a crença da possibilidade de construção daquilo que se é. O terceiro, motivação para vir a ser, se manifestaria pelos vínculos transitórios, pelo desinteresse pelo pertencimento organizacional e liberdade da dependência. O quarto traço, lealdade a si mesmos, estaria relacionado com o compromisso com o prazer pessoal e com agradar a si mesmo. A conclusão do estudo faz ainda um contraponto entre a questão da autogestão da carreira e da provável impossibilidade de planejá-la. Costa e Campos (2006) chamam atenção para a necessidade de: indagar as reais possibilidades de a carreira seguir o itinerário idealizado por um indivíduo consciente de seus desejos, capaz de conhecer e refletir de forma estruturada sobre seus objetivos de curto, médio e longo prazos, num mundo de escolhas voluntárias e opções infinitas Algumas Considerações sobre as teorias de carreiras e autonomia Após esta revisão de algumas teorias em administração sobre carreiras, alguns pontos importantes para a presente pesquisa podem ser destacados. Entre as duas abordagens boundaryless e protean, a protean, conforme sinalizado anteriormente, apresentaria uma visão mais autônoma da relação do indivíduo com sua carreira. Vale ressaltar, porém, e isso fica bem evidente ao se verificar o Anexo 3, que a autonomia abordada por esta teoria é direcionada e específica para as decisões sobre carreira. Não são consideradas (e nem é proposta do modelo considerar) questões relacionadas à organização e estruturação do trabalho em si. É relevante ressaltar ainda que esta abordagem, protean, foca sua teoria no estudo da atitude, e não do comportamento ou personalidade. Este ponto é fortemente destacado em Briscoe et al (2006). Ainda, apesar de Hall e seus colegas descreverem em seus trabalhos alguns traços do perfil do indivíduo engajado em uma orientação protean, um destaque maior é dado às competências relacionadas à carreira.

67 Profissionais autônomos Os estudos sobre carreiras fazem uma contribuição significativa ao abordar as atitudes individuais diante das novas configurações de trajetória profissional. Contudo, e conforme destacado por Briscoe e Hall (2006), estes estudos ainda não teriam tratado da relação do indivíduo, responsável por sua uma carreira, com o contexto social e econômico mais amplo. O mercado de trabalho pode ser considerado um elemento constituinte do contexto econômico-social mais amplo e a literatura em administração relacionada a condição de profissional autônomo (self-employment) e empregabilidade abordam a dinâmica da relação do indivíduo com este contexto. Nesses estudos são discutidas questões sobre vínculo empregatício, poder de barganha nas relações de trabalho, motivações para a autonomia e manutenção desta condição, trabalho informal, entre outras. Esses pontos serão apresentados neste item Definições Neste item são apresentadas e explicadas algumas terminologias referentes a profissionais que, de alguma forma, se relacionam com a condição de trabalhador autônomo. Trabalho por Portfólio Enquanto as teorias de carreiras boundaryless referem-se mais à trajetória profissional do indivíduo que trabalha nas organizações (mesmo que em mais de uma), geralmente como empregado formal, a noção de trabalho por portfólio tem sido mais associada às trajetórias nas quais os indivíduos prestam serviços em diferentes organizações como autônomos, sem vínculo de emprego (SILVA, 2008). Segundo Gold e Fraser (2002), este tipo de trabalhador, que presta serviço para as empresas, não é empregado, mas seria dependente de uma organização para ganhar seu sustento. A organização também não determinaria as pretensões de carreira do sujeito. Em outras palavras: trabalhadores por portfólio são (...) economicamente dependentes de uma ou mais organizações, mas psicologicamente independente destas (...) eles devem assumir a responsabilidade por gerar objetivos e ambições que sejam significativas para eles sem um padrão organizacional preestabelecido (p.589). Para estes autores, os profissionais seriam responsáveis pelo seu sucesso psicológico (HALL, 2004).

68 55 Uma característica diferencial do trabalhador por portfólio seria a privilegiada formação, qualificação e o conhecimento (high-skill) (GOLD E FRASER, 2002; SMEATON, 2003, PEEL E INKSON, 2004). Logo não seria uma opção disponível a todos. Embora Gold e Frasier (2002) estejam se referindo a profissionais autônomos, diante das diversas formas de contratação de serviços terceirizados, valeria a pena dedicar algumas linhas para tentar distinguir precisamente o grupo de profissionais ao qual as discussões de trabalho em portfólio se referem. A classificação dos trabalhadores externos à organização proposta por Rousseau (1995) Pooled workers e Independentes ajudam em tal esclarecimento. Pooled workers seriam indivíduos externos à instituição contratados para trabalhar por um período determinado na empresa. Porém, eles poderiam ficar vinculados à mesma organização por anos consecutivos devido à renovação periódica do contrato. Ou seja, apesar de externos a organização, isto é, sem um contrato tradicional de trabalho, estes profissionais estabelecem uma relação de longo prazo com a empresa contratante. Muitas vezes os Pooled workers, executam funções similares, especializadas (high skill) ou manuais (low skill), às dos funcionários; isto é, a gestão e controle do trabalho cotidiano são realizados pela organização. Porém, o término da relação é mais rápido e menos oneroso para a empresa. Os Independentes seriam trabalhadores temporários que estabelecem um contrato de curto prazo e exercem atividades bem específicas. Eles trabalham por conta própria e possuem uma carreira constituída dentro de uma profissão como, por exemplo, consultoria e contabilidade. Esses profissionais especializados e qualificados vendem serviços especializados, explicitados por meio de contrato, para a empresa contratante. Observa-se que diferentemente dos Pooled workers, os Independentes não exercem funções similares às dos funcionários e a empresa não controla as suas atividades diárias. De acordo com a definição proposta por Rousseau (1995), e com as características descritas por Gold e Fraser (2002), pode-se relacionar o grupo de profissionais Independentes ao de profissionais autônomos que trabalham por portfólio. Ainda, sobre a distinção entre dependência econômica e independência psicológica sugerida por Gold e Frasier (2002), apesar de ser conceitualmente interessante, na prática deve-se atentar para como e se de fato os profissionais autônomos conseguem vivenciar tal distinção. Em estudo realizado por Lopes e Silva (2008) sobre o contrato psicológico (ROUSSEAU, 1995) de profissionais de TI terceirizados, que se encaixavam no perfil de pooled workers, a inexistência de um vínculo de trabalho padrão (empregado formal) não

69 56 implicou necessariamente a independência psicológica do profissional com relação à organização. Por outro lado, conforme observa Silva (2008), mesmo pessoas vinculadas formalmente a uma organização, por meio de contrato tradicional, podem se perceber como autônomos, na medida em que não se sentem dependentes da estrutura na qual estão inseridas para o direcionamento de sua trajetória profissional. Diante do exposto, um ponto que mereceria maior reflexão e investigação seria a relação entre vínculo emocional (incluindo dependência emocional) e a ausência de vínculo contratual tradicional de trabalho do trabalhador por portfólio. Definições sobre a condição de autonomia na literatura de self-employment Para Uusitalo (2001) a autonomia seria a forma mais simples de empreendedorismo. Bradley e Roberts (2004) afirmam que nem sempre o indivíduo autônomo pode ser considerado empreendedor, porém os autores ressaltam que autonomia e empreendedorismo estariam ligados no imaginário popular. No entanto, apesar de reconhecerem que há uma diferença, estes autores, como outros (por exemplo, UUSITALO, 2001; HENLEY, 2004; BURKE ET AL, 2008; HUGHES, 2003), não fazem uma diferenciação clara entre estes dois termos e os usam de forma indistinta. Para Hakim (1994) ser autônomo seria mais uma questão de atitude pessoal do que uma questão de vínculo empregatício, que se caracterizaria pela consciência de responsabilidade pelo desenvolvimento e gerenciamento da trajetória profissional, pela identificação das habilidades, valores e desejos pessoais, pela intenção de colaborar com os outros, pela mudança de mentalidade de empregado para fornecedor de serviços, pelo comprometimento com aprendizado contínuo e crescimento pessoal, pela valorização do próprio trabalho e com isso vender e negociar as habilidades profissionais no mercado, e pela intenção de criar um trabalho significativo para si e para os outros. O profissional autônomo em Direito Neste estudo, assim como é feito na literatura sobre as novas relações de trabalho, a noção de autonomia será associada à condição de profissional autônomo (SILVA, 2008). E para obter-se uma melhor compreensão do grupo estudado, foi realizada uma revisão sobre a definição de profissional autônomo em Direito, assim como foram analisadas as diferenças e semelhanças com outros grupos de profissionais, como empregados, profissionais liberais e

70 57 trabalhadores informais. Poloni (2003) ao discutir as diferenças essenciais entre trabalhadores autônomos e empregados em Direito, cita Délio Maranhão, que define profissional autônomo como: aquele que trabalha por conta própria, sem ser empregado. Trabalhador autônomo é aquele que exerce, habitualmente e por conta própria, atividade profissional remunerada. Não é empregado. A autonomia da prestação de serviços confere-lhe uma posição de empregador em potencial: explora em proveito próprio a força de trabalho. Está amparado pela Previdência Social. Poloni (2003) complementa esta definição afirmando que este trabalhador, autônomo, caracterizar-se-ia pela autonomia na prestação de serviços a uma ou mais empresas, sem a existência de uma relação de emprego. Logo este trabalhador trabalharia por conta própria. Sobre o empregado, o autor cita a Consolidação das Leis Trabalhistas CLT que no artigo 3º considera empregado toda a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a um empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Segundo Poloni (2003), a relação de emprego poderia ser caracterizada com a presença de apenas alguns requisitos como, por exemplo, subordinação, exclusividade e remuneração ajustada e periódica, entre outros. O autônomo, pelo contrário, teria total liberdade para executar o seu trabalho durante o tempo que achar necessário, podendo ainda começar e parar de prestar o serviço a qualquer momento. O autor conclui sua discussão afirmando que a diferença fundamental entre estes dois grupos (autônomos e empregados) seria a subordinação. Enquanto o empregado é subordinado jurídica e economicamente, o autônomo é independente. E ainda, quanto maior for a regulamentação feita pelo tomador dos serviços em relação ao prestador dos serviços, maior será a possibilidade da existência do elemento subordinação, caracterizando o contrato de trabalho. Esta discussão sobre a distinção entre os dois grupos ganha relevância recente no setor jurídico, pois com o aumento das práticas de terceirização, algumas empresas, com o objetivo de reduzir custos, contratam trabalhadores como profissionais autônomos, ou ainda, contratam uma pessoa que possui uma empresa no nome dela (logo estariam contratando um serviço de outra firma, pessoa jurídica PJ e não um indivíduo, pessoa física PF), mesmo quando as características da relação de trabalho definiriam uma relação empregador-empregado. Vale destacar ainda, que, segundo Piccinini (2004), um trabalhador que se associa a uma cooperativa associação autônoma de pessoas que se uniram voluntariamente para fazer frente às necessidades e aspirações econômicas, sociais e culturais comuns por meio de uma empresa de propriedade conjunta e democraticamente controlada (IRION, 1997 apud PICCININI, 2004) é considerado, pela lei, como profissional autônomo.

71 58 Outro tipo de profissional que vale a pena ser definido neste estudo é o profissional liberal. Pasquini (2005) faz uma revisão histórica sobre este grupo e destaca alguns critérios, estabelecidos por Vasconcelos (2003), que definiriam o que é um profissional liberal: a) habitualidade aquele modo de vida adotado pelo profissional, que faz da sua profissão algo inerente à sua maneira de viver; b) regulamentação mais do que um simples regulamento, exige-se a normatização da atividade; c) habilitação deve-se entender que o exercício profissional pressupõe uma habilitação prévia; d) presunção de onerosidade a presença da remuneração na relação contratual ou de consumo é de fundamental importância para definir o caráter oneroso do exercício profissional; e)autonomia técnica mesmo assumindo a obrigação de prestação de serviços, ou até de natureza laboral, o profissional só deve ter subordinação de ordem jurídica, nunca de emprego ou de trabalho; f) vinculação a alguma corporação ou sindicato determinadas profissões exigem filiação obrigatória à entidade de classe ou sindicato, outras deixam ao livre arbítrio do profissional. Para Pasquini (2005) a condição de profissional liberal estaria diretamente associada à habilitação obtida em curso acadêmico, técnico ou profissionalizante. Os profissionais sem tal habilitação seriam considerados trabalhadores autônomos. O autor ressalta ainda, que habilitação obtida em determinado curso, como, por exemplo, engenharia, não poderia ser considerada como elemento para caracterizar um profissional liberal caso ele exercesse uma atividade distinta, como por exemplo, administração. Pasquini (2005) define o profissional liberal como: a pessoa que, mediante uma formação em curso universitário, técnico ou profissionalizante, adquiriu habilitação para desenvolver uma atividade específica de serviço, regulamentada ou não por lei, com total autonomia técnica, podendo, até mesmo, ser assalariado. 19 Um ponto deve ser destacado nesta definição: a possibilidade deste profissional, apesar de denominado liberal, poder ser subordinado a um patrão. Para Pasquini (2005), diante das atuais mudanças sociais e econômicas, nem sempre a opção pelo exercício autônomo da profissão (no sentido de não haver o vínculo empregatício) garante uma renda estável para o profissional liberal. O vínculo a grandes empresas proporcionaria esta estabilidade de renda, além dos outros benefícios previstos por lei. O autor enfatiza ainda que mesmo empregado, o profissional liberal não deve cumprir ordens que estejam em desacordo com seus princípios éticos e profissionais (normalmente 19 Pasquini (2005) cita algumas das profissões liberais existentes: Administrador (de empresas, hospitalar, escolar, financeiro, rural), advogado, aeronauta, agente autônomo de investimentos, agrônomo, analista de sistemas, analista clinico, antropólogo, arquiteto, artista (ator, autor, teatrólogo, produtor fonográfico, radialista, manequim, modelo, técnico em diversões, músico, etc.), assistente social, artista plástico, atuário, auditor, bibliotecário, biólogo, cabeleireiro, contabilista, corretor de fundos públicos, corretor de imóveis, corretor de seguro, dermatologista, engenheiro (civil, ambiental, da computação, de alimentos, de controle e automação, de produção, elétrico, telecomunicações, eletrônico, físico, florestal, mecânico, metalúrgico, naval, sanitário, têxtil), farmacêutico (bioquímico, industrial), filosofia, físico, fisioterapeuta, terapeuta educacional, fonoaudiólogo, fotógrafo, geógrafo, geólogo, jornalista, leiloeiro, massagista, médico, médico veterinário, nutricionista, odontologista, publicitário, propagandista, relações públicas, pedagoga,

72 59 estabelecidos pela organização corporativa de cada profissão Ordem, Conselho, Sindicato, Associação) e a autonomia técnica deve ser preservada. Ainda, independentemente do tipo de vínculo empregatício, Pasquini (2005) ressalta que a relação profissional liberal-cliente é uma relação de natureza cliente-fornecedor, sujeita às normas previstas pelo Código de Defesa do Consumidor. De forma resumida, observa-se que o profissional liberal pode tanto ser um profissional autônomo, quanto um empregado. Um profissional autônomo, entretanto, não é necessariamente um profissional liberal. Para finalizar a discussão sobre os grupos de trabalhadores fora da esfera de contratação tradicional, não se pode deixar de citar o trabalhador informal, que não possui registro do contrato em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CASTRO, 2008) e que constitui uma grande proporção dos trabalhadores brasileiros (MENEGATTI, 2004). Algumas características do mercado de trabalho informal do Brasil serão discutidas mais adiante. Empreendedorismo e autonomia Conforme abordado anteriormente, apesar de muitos autores (como por exemplo, BRADLEY e ROBERTS, 2004; BURKE AT AL, 2008; HENLEY, 2004; HUGHES, 2003; UUSITAL, 2001) reconhecerem que há uma diferença entre autonomia e empreendedorismo, esta distinção não é apresentada de forma clara e os dois termos são usados de forma alternada. Este item tem por objetivo explorar um pouco das semelhanças e diferenças, presentes na literatura, entre autônomos e empreendedores. De acordo com uma definição restrita de empreendedorismo, na qual empreendedorismo é a criação de organizações. O que diferencia empreendedores de nãoempreendedores é que empreendedores criam organizações, enquanto não-empreendedores não o fazem (GARTNER, 1988, p. 11). Schjoedt (2009) considera que qualquer autônomo, que não cria um negócio novo o que incluiria pessoas que compram ou herdam negócios, freelancers, prestadores de serviços, entre outros não seria um empreendedor. E conclui que empreendedores seriam um tipo de profissional autônomo, mas ser autônomo não significaria necessariamente ser um empreendedor. psicólogo, químico, radialista, secretária executiva, sistema de informação, sociologia, tecnologia ambiental, telecomunicações, teologia, tradutor e intérprete, zootecnista entre várias outras.

73 60 Segundo esta lógica de Schjoet (2009), além do autônomo que trabalha sozinho, existiria o que possui uma empresa e empregados. Logo empresários e comerciantes seriam considerados integrantes do grupo de autônomos. Esta é uma visão próxima às duas categorias de autônomo apresentadas por Cowling et al. (2004): o autônomo individual e o autônomo com empregados (ou gerador de empregos). Diante desta definição e da revisão que foi feita sobre os autônomos em Direito, o profissional autônomo seria, então, um tipo de autônomo individual, que não é um empresário ou comerciante. Apesar desta distinção apontada por Schjoet (2009), poucos estudos abordam a diferença entre aqueles que desejam abrir um negócio novo e aqueles de desejam comprar um negócio já montado (SHOOK et al., 2003). Desde o seu início, o campo de empreendedorismo teria evoluído de uma preocupação com as características das pessoas que abrem novos negócios para estudos que abordassem temas como oportunidade e entreprising individual (SHANE e VENKATARAMAN, 2000; SHOOK et al., 2003; ECKHARDT, 2003; SHORT et al., 2009). Isto é, os estudos passaram a focar no processo de formação da intenção empreendedora 20 (SHOOK et al., 2003); descoberta, avaliação e exploração de oportunidades; assim como o grupo de indivíduos que descobrem, avaliam e exploram estas oportunidades (SHANE e VENKATARAMAN, 2000; SHOOK et al., 2003). Trabalhos sobre modos de organização que seriam estratégias e sistemas que permitiriam a transformação de uma oportunidade em um serviço ou produto viável, e sobre o ambiente que aborda os níveis cultural, econômico e mercadológico, também são encontrados na literatura (BUSENITZ et al., 2003). Já dentro desta visão que relaciona empreendedorismo à oportunidade, Shane e Venkataraman (2000, p. 220) definem oportunidades como situações em que novos produtos, serviços, matéria prima, e métodos de organização podem ser introduzidos e vendidos a um preço maior do que o custo de produção (...) requer a descoberta de novas relações entre os meios e os fins, logo a ideia de oportunidades estaria ligada à ideia da 20 Sobre intenção empreendedora, que seria a intenção de criar um negócio, Shook et al. (2003) fizeram uma revisão sobre o tema. Ao se examinar esta revisão, observa-se que assim como a literatura sobre selfemployment (mais especificamente sobre a transição para a condição de profissional autônomo, que será abordada mais adiante), os trabalhos sobre intenção empreendedora estariam focando na percepção individual sobre a possibilidade, vontade e suportes sociais para o início de um novo negócio. Em ambos os temas a autonomia, as características demográficas e a auto-eficácia são apresentados como fatores importantes para tanto a percepção individual sobre a condição de autônomo quanto para o desenvolvimento da intenção empreendedora. Tal similaridade pode ser decorrente da pouca preocupação de muitos autores em separar o grupo de autônomos individuais dos empreendedores, ou de fato haveria uma semelhança de aspectos mobilizadores para os dois grupos em determinada etapa de sua trajetória. De qualquer modo, este seria um ponto interessante de investigação.

74 61 criação de algo novo. Para esses autores, empreendedorismo não requer a criação de um novo negócio e poderia ocorrer dentro de uma organização já existente. Seguindo esta lógica, empregados poderiam ser empreendedores. Autônomos seriam empreendedores caso criassem algo (serviço ou produto) novo, sem necessariamente abrir um negócio. Logo, poderia existir um autônomo individual, sem empregados, sem um negócio, empreendedor. Condição não possível segundo a concepção de Schjoet (2009). Sobre o conceito de autonomia na literatura de empreendedorismo, observa-se que o termo aparece nos textos de empreendedorismo, embora sem uma definição clara. Autonomia é relacionada com um objetivo a ser alcançado pelo empreendedor (SHORT et al., 2009); ou é identificada como uma motivação para a criação de um novo negócio (SHOOK et al., 2003); ou aparece como uma das dimensões do empreendedorismo (LUMPINK et al., 2009). qualificado Autonomia do trabalhador qualificado versus autonomia do trabalhador pouco Kovacs (2006) afirma que na era dos mercados globalizados, o trabalho autônomo altamente qualificado coexiste com o trabalho rotineiro e pouco qualificado. Esta dicotomia encontra-se na literatura em administração na forma do debate pushpull. Hughes (2003) esclarece que enquanto alguns autores argumentam que as pessoas escolhem a condição de autônomos pelo desejo de mais independência, flexibilidade, e oportunidade logo, seriam pulled (puxados, atraídos), outros argumentam que as pessoas tornam-se autônomas, não porque escolheram, mas porque foram forçadas a esta situação devido à impossibilidade de obterem um emprego seguro logo, seriam pushed (empurrados, forçados) para a condição de profissional autônomo. Para o primeiro grupo, ser autônomo seria definido pela escolha individual ou agência, enquanto que para o segundo, o trabalho autônomo seria o resultado de downsizings, reestruturações e práticas de flexibilização do emprego. Este último grupo seria vítima das mudanças estruturais nas organizações e na economia. Hughes (2003) ressalta que uma grande limitação dos estudos que fazem esta abordagem é a tendência a polarizar a escolha individual no sentido de determinar se esta foi pushed ou pulled. Para este autor nem sempre seria possível a delimitação precisa entre estas duas classificações e, provavelmente, uma decisão envolveria elementos de ambas. Diante deste argumento, o autor defende o uso de uma tipologia que considere diversas formas de combinação de oportunidades e ameaças na decisão sobre o trabalho autônomo.

75 62 Estas abordagens dicotômicas sobre as razões que levam o indivíduo à condição de autônomo mostram-se alinhadas com a polarização existente na literatura nas décadas de 1980 e 1990 sobre a explicação para aumento da autonomia: crescimento do empreendedorismo versus a marginalização do trabalhador (SMEATON, 2003). Segundo Smeaton (2003) esta discussão teria ressurgido com outros termos: trabalhadores por portfólio versus trabalhadores marginalizados 21. Kovacs (2006), ao analisar estas duas vertentes, argumenta que isoladamente nenhuma delas daria conta de descrever a totalidade do quadro atual. A autora afirma que não estaria ocorrendo uma generalização de autonomia 22 (todos sendo livres) ou falta completa desta (todos em condição precária), mas aponta que, diante do aumento da diferenciação do trabalho e das condições de trabalho em geral, haveria tipos e graus de autonomia muito diferentes. Kovacs (2006) sistematiza as diferenças nos graus de autonomia com relação às condições de trabalho de acordo com o grau de formação/qualificação e com o grau de estabilidade do emprego, conforme no Quadro 4: Quadro 4: Possibilidades de autonomia no trabalho. Fonte: Kovacs (2006, p. 55). 21 Sobre os profissionais marginalizados e autonomia existem diversos estudos que abordam questões relacionadas a: imigrantes em países desenvolvidos (BLUME, 2009; RAIJMAM, 2001; CLARCK E DRINKWATER, 2010), gênero (LEE E RENDALL, 2001; LIVANOS ET AL, 2009), de raça (LEE E RENDALL, 2001; NAKHAIE ET AL, 2009), etnia (AGUILERA, 2009; CLARCK E DRINKWATER, 2010), trabalho informal (FIESS ET AL 2010; SILVA, 1997), profissionais maduros (D AMOURS, 2009). Outros estudos dentro do campo das relações de trabalho sobre formas de emprego não convencionais (non-standard employment) também investigam a questão da marginalização dos trabalhadores. 22 Kovacs (2006, p. 41) defende o uso de uma abordagem mais ampla do conceito de autonomia e o define como: um espaço de decisão e intervenção nos processos de trabalho, abrangendo também a possibilidade de autocontrole e auto-avaliação, e ainda, a participação na organização e no funcionamento da empresa, bem como a oportunidade de influenciar as decisoes sobre mudanças na organização do trabalho e nas condições de trabalho em geral. Embora a autora apresente uma definição mais ampla, essa parece estar ainda restrita ao âmbito organizacional.

76 63 A situação 1 seria referente às formas mais precárias de emprego. Seriam as situações em que a empresa recorre à flexibilidade numérica, isto é, mantém um número de empregados fixos e contratam temporários em períodos de maior demanda de trabalho (RANSOME, 1999). Este grupo acumularia uma série de desvantagens, tais como: trabalho menos interessante, baixo nível de autonomia, rendimento baixo e incerto, falta de investimentos (individuais ou por parte da empresa) na formação e falta de perspectivas profissionais, entre outras. Sobre os grupos nas situações 2 e 4, a autora afirma que os níveis de satisfação com o trabalho e satisfação com a participação na tomada de decisões seria maior em trabalhadores com situação de emprego mais estáveis quando comparados com os trabalhadores em situação de emprego flexível. Na situação 3 estariam os altamente qualificados flexíveis, que procuram novas experiências, mais enriquecedoras em termos de autonomia e um trabalho com interesse. Segundo Kovacs (2006), esse grupo seria uma minoria. Observa-se que na literatura há uma forte associação entre conhecimento (no sentido de qualificação e habilidade skill) (GOLD e FRASER, 2002; PEEL e INKSON, 2004; SMEATON, 2003) e vantagens na condição de autônomo e até mesmo a associação entre maior conhecimento e maior desejo de autonomia (SMEATON, 2003) Estudos sobre os autônomos em administração Os estudos em administração sobre profissionais autônomos abordam questões como aspectos demográficos, motivacionais, de personalidade e de satisfação com o trabalho. Algumas das características analisadas por estes estudos são apresentadas neste item. Aspectos demográficos Os estudos que abordam os aspectos demográficos tratam da relação entre a propensão à condição autônoma e características como organização familiar, gênero, idade, histórico profissional. Sobre a relação entre as características familiares do indivíduo e a propensão de ele tornar-se um autônomo, as pesquisas de Singh e DeNoble (2003) apontam para uma forte influência da presença de parentes próximos na percepção do indivíduo sobre o trabalho por conta própria. Hundley (2006) destaca a discussão na literatura na qual homens com pais

77 64 autônomos com alta renda, ou com ocupações que requerem atividades similares aos negócios independentes, teriam maior probabilidade de serem autônomos. Burke et al. (2008) sugerem, a partir de seus dados, que existiriam três tipos de pessoas: as que nunca tentaram trabalhar por conta própria, as que passam toda a sua carreira como autônomos (die-hard) e pessoas que transitam entre o trabalho formal e a ausência de vínculo empregatício. Diante desta constatação, os autores investigaram os fatores relacionados com a persistência na condição de trabalhador autônomo. Estes fatores seriam a experiência de trabalho autônomo no início da carreira e os altos níveis de educação. O desemprego no início da carreira, e o desemprego como motivo para o trabalho como autônomo, por outro lado, seriam fatores negativamente relacionados com a persistência nesta condição. Os autores também encontraram diferenças entre gêneros: pais autônomos, por exemplo, tendem a influenciar mais os homens do que as mulheres; o aspecto financeiro influenciaria os homens só marginalmente, enquanto para as mulheres este seria um fator importante para persistência na condição de trabalhador autônomo. Sobre a questão do gênero, para Hundley (2000), a conhecida diferenciação entre gêneros no mercado de trabalho, que acarreta diferenças de oportunidades e renda, seria mais evidente para o trabalho autônomo. Este autor afirma que a renda das mulheres autônomas diminuiria proporcionalmente com o casamento, com o aumento da família e com a quantidade de horas dedicada ao trabalho doméstico. Já para os homens está relação seria inversa, isto é, a renda aumentaria com o casamento e com o aumento da família. Hundley (2000) também destaca que as mulheres tenderiam a escolher o trabalho por conta própria para conciliar o trabalho com as responsabilidades domésticas, enquanto os homens buscariam um aumento na renda. Para Connelly (1992), a flexibilidade de tempo e a oportunidade de trabalhar em casa tornam o trabalho autônomo uma opção mais atrativa do que o emprego convencional para as mulheres que possuem filhos. Para Georgellis e Wall (2005) a autonomia pode ser visto pelas mulheres como um substituto mais próximo para o emprego de tempo parcial ou desemprego. Já para Lombard (2001), apesar da importância da flexibilidade, o aumento dos ganhos potenciais para as mulheres seria um fator impulsionador para o aumento do número de mulheres autônomas. Georgellis e Wall (2005) realizaram uma pesquisa empírica sobre as diferenças entre gêneros nas decisões relacionadas à transição para o trabalho autônomo e concluíram que os homens seriam mais suscetíveis a diferença de renda entre as condições de empregado e autônomo; as ameaças de perda de recursos seriam importantes para os homens cogitarem a autonomia, mas não para as mulheres; e a influência do pai autônomo na propensão do filho

78 65 seguir esta escolha foi constatado no caso dos homens (conforme apontado por Hundley, 2006) e não das mulheres. Por fim, os autores concluem que as mulheres tenderiam a achar o trabalho autônomo mais atraente pela flexibilidade e por aspectos intangíveis que não poderiam ser capturados diretamente pela diferença de renda ou por variáveis econômicas. Sobre a relação entre trabalho autônomo e idade, alguns autores, como Singh e DeNoble (2003), observam um aumento na taxa de trabalho por conta própria em trabalhadores mais velhos. Zissimopoulos e Karoly (2007) destacam que, nos Estados Unidos, a taxa de profissionais autônomos aumenta progressivamente entre profissionais com até 60 anos, sendo que a partir dessa idade o aumento seria bem mais expressivo. D Amours (2009) identificou três perfis relacionados a trabalhadores com mais de cinquenta anos atuando sem o contrato tradicional: os que se aposentaram muito cedo e continuam trabalhando; os trabalhadores competitivos, que ainda são requeridos pelo mercado; e os trabalhadores vulneráveis, que continuam trabalhando por necessidade. Ao estudar os fatores associados com a transição para o trabalho autônomo entre profissionais com mais de cinquenta anos, Zissimopoulos e Karoly (2007) identificaram que alguns profissionais buscam a autonomia pela redução das horas de trabalho; para outros, com problemas de saúde, o trabalho autônomo permitiria a continuidade da vida profissional, o que não seria viável na situação tradicional de emprego; a estabilidade financeira também influenciaria positivamente a transição. Os autores destacam ainda que os profissionais acostumados a usufruir de maior flexibilidade no emprego tradicional teriam maior propensão de se tornarem autônomos. Por outro lado, a existência de benefícios na condição de empregado, como por exemplo, plano de saúde e plano de pensão, e a consequente perda destes em uma transição, reduziriam a propensão ao trabalho autônomo. Zissimopoulos e Karoly (2007) ressaltam ainda que as políticas públicas, as questões previdenciárias e a tecnologia afetam o crescimento ou a redução das taxas de trabalho autônomo em idades mais avançadas. Parker e Rougier (2007), a partir de um estudo sobre a aposentadoria de profissionais autônomos no Reino Unido, apontam que maiores ganhos reais ou potenciais implicam uma menor taxa de aposentadoria entre os autônomos. Ainda, para este grupo, em contraste com os profissionais empregados, gênero, saúde ou circunstâncias familiares não parecem afetar as decisões relacionada à aposentadoria. Zissimopoulos e Karoly (2007) também constataram uma menor taxa de aposentadoria entre os profissionais autônomos quando comparado com os empregados tradicionais.

79 66 Motivações e Personalidade Sobre as motivações que levariam as pessoas a optarem pela condição de autônomo (dentro do grupo que pôde fazer esta escolha), estariam: a busca por maior autonomia em termos de tarefa, ritmo e escopo de trabalho (SMEATON, 2003); apreciação pelo sentimento de estar trabalhando para si mesmo 23 (PEEL e INKSON, 2004); liberdade de supervisão e controle (PEEL e INKSON, 2004; SMEATON, 2003); busca de satisfação no trabalho (GOLD e FRASER, 2002; SMEATON, 2003); potencial de ganho financeiro (PEEL e BOXALL, 2005); flexibilidade de tempo para conciliar atividades e interesses não relacionados ao trabalho (PEEL e BOXALL, 2005); busca por desenvolvimento pessoal e profissional (PEEL e INKSON, 2004); e, finalmente, adaptação às oportunidades existentes no mercado (PEEL e BOXALL, 2005). Rocha-Pinto, Silva e Soares (2010), ao investigarem um grupo de pessoas que mudaram da condição de empregado para empreendedor, apresentam aspectos do trabalho nas organizações apontados pelos entrevistados como fatores propulsores para a transição. Entre os aspectos, citados como negativos, estariam: a insatisfação com o estilo de gerência (autoritária e centralizadora), as restrições nas tomadas de decisão, a limitação do crescimento profissional e da remuneração pela estrutura organizacional, a falta de reconhecimento profissional, a falta de clareza nos critérios de promoções e o excesso de rotina. Entre os fatores vistos como uma influência positiva da experiência corporativa para a transição estariam: a rede de relacionamento construída, a vivência profissional constituída e o desenvolvimento de conhecimento técnico. Uusitalo (2001) afirma que o profissional autônomo seria mais comum em algumas ocupações, como por exemplo, psicoterapeutas e médicos. Logo, para este autor a condição de autônomo seria influenciada, mas não determinada, pela escolha da profissão. Alguns autores argumentam que a personalidade é um antecedente importante do trabalho autônomo (SINGH E DENOBLE, 2003; UUSITALO, 2001; ZHAO et al., 2010). Uusitalo (2001) destaca o dinamismo, a autoconfiança e certa abertura para o risco como características de personalidade do autônomo. 23 Segundo Peel e Inkson (2004) a percepção de autonomia teria três componentes: habilidade para controlar como o trabalho deve ser executado, habilidade para controlar quando e onde se trabalha, e por um sentimento mais geral de autonomia que viria do fato de se trabalhar para si mesmo.

80 67 Para investigar a relação entre personalidade e trabalho autônomo 24, dois estudos empíricos (SINGH E DENOBLE, 2003; ZHAO et al., 2010) utilizam cinco características de personalidade ( The Big Five ): extroversão, afabilidade, consciência, abertura e controle emocional. Extroversão seria a tendência a ser sociável, comunicativo, assertivo, energético e dominante em situações sociais. Extrovertidos tenderiam a ganhar energia ao falar, socializar e trabalhar com outras pessoas. Eles também vivenciariam emoções mais positivas e seriam mais otimistas. Pessoas introvertidas, por outro lado, prefeririam atividades mais solitárias e dividiriam seu tempo com alguns poucos amigos. Afabilidade seria a tendência em ser agradável, cooperativo, cuidadoso com o outro, amigável e acessível. Pessoas afáveis demonstrariam simpatia e preocupação com as necessidades dos outros e tenderiam a ceder em situações de conflito. Pessoas com pouca afabilidade seriam mais focadas nos interesses próprios e podem ser vistas como frias e manipuladoras. Consciência seria a tendência em ser aplicado, organizado, persistente e orientado por conquistas. Pessoas conscienciosas seriam responsáveis e demonstrariam as qualidades atribuídas a bons trabalhadores. Abertura seria a tendência a ser criativo, curioso, original e receptivo a novas experiências. Seriam pessoas que buscam novas ideias, valores e padrões estéticos. Indivíduos com pouca abertura seriam convencionais e estariam confortáveis com métodos e tópicos já estabelecidos. Controle emocional. Pessoas estáveis emocionalmente seriam mais calmas, estáveis, equilibradas e fortes. Pessoas com baixa estabilidade emocional seriam mais tensas, inseguras, mais suscetíveis ao estresse e com tendência a depressão e a baixa autoestima. Singh e DeNoble (2003) apontam que extroversão e abertura impactariam positivamente na percepção sobre a autonomia, enquanto a baixa estabilidade emocional influenciaria negativamente. Afabilidade não apresentaria nenhuma relação com a visão sobre o trabalho autônomo. Sobre a intenção de se tornar autônomo, Singh e DeNoble (2003) afirmam que esta seria negativamente relacionada com a extroversão e com a baixa estabilidade emocional. A habilidade de reconhecer novas ideias estaria positivamente relacionada com abertura. 24 Vale ressaltar que estes dois estudos usam de forma alternada os termos autônomo e empreendedorismo, fato comum na literatura sobre o tema.

81 68 Indivíduos conscienciosos seriam menos propensos a fazer a transição de um emprego estável para o trabalho autônomo. Mais recentemente, Zhao et al. (2010) identificaram uma relação positiva entre consciência, abertura, estabilidade emocional, extroversão e a intenção de se tornar autônomo 25. Fatores para o sucesso Gold e Fraser (2002), ao estudar um grupo de tradutores que passaram para a condição de trabalhadores autônomos, apontam alguns requisitos que seriam importantes para o sucesso na transição e manutenção da nova condição. Um deles seria o que os autores chamaram de safety nets ou redes de segurança, que, como o próprio nome diz, seria uma forma de segurança, proteção no início do processo de transição. Esta proteção poderia ser financeira (por exemplo, ter uma poupança com o equivalente a dois anos de salário), estar em um emprego seguro ao mesmo tempo que se inicia uma nova atividade autônoma, ou poderia ser o suporte da família e dos parceiros. Henley (2004) fez uma pesquisa quantitativa sobre o quanto a estabilidade inicial (como por exemplo, estar empregado) ajudaria o indivíduo a optar pelo trabalho autônomo e em sua conclusão, essa estabilidade (que ele chamou de inércia) seria uma importante influência tanto para a escolha da condição, quanto para o status do autônomo. Outro requisito para o sucesso seria o já conhecido networking, sendo que Gold e Fraser (2002) identificaram a importância do pertencimento a uma instituição profissional, que seria uma agência que busca desenvolver uma determinada profissão como, por exemplo, no caso dos profissionais que trabalham como coaches, a ICF (International Coaching Federation). O pertencimento a esta instituição seria importante para contato profissional, obtenção de trabalho e, principalmente, por ajudar a formar uma identidade profissional e uma imagem de boa reputação no mercado. Um terceiro fator seria a especialização em um determinado serviço. No caso dos tradutores, os autores apontam que seria interessante a obtenção de qualificações adicionais em línguas pouco conhecidas (GOLD E FRASER, 2002). 25 A diferença dos resultados de Singh e DeNoble (2003) e Zhao et al. (2010) sobre a relação entre extroversão e a intenção de se tornar auto-empregado, poderia ser explicada pelos sub-componentes da característica de extroversão que foram analisados, conforme ressaltado por Singh e DeNoble (2003, p. 276).

82 69 Gold e Fraser (2002) verificaram ainda que os indivíduos na situação de autônomos não organizariam sua vida profissional em torno de uma ideia de carreira, alguns nem mesmo reconheceriam que possuiriam uma carreira. Os princípios organizadores identificados por estes autores seriam o senso de profissionalismo, a flexibilidade, a independência, o desenvolvimento do espírito empreendedor e a busca de realização também por meio do engajamento em outros tipos de atividades, tais como trabalho voluntário. É interessante ressaltar, ainda, que o grupo estudado por Gold e Fraser (2002) não demonstrou interesse por uma carreira empreendedora, isto é, por abrir um negócio. Satisfação no trabalho Bradley e Roberts (2004) argumentam que a satisfação dos autônomos seria influenciada, em parte, por características de personalidade que fariam dos autônomos mais predispostos a avaliar seus trabalhos de forma positiva. Essas características seriam a autoeficiência e baixos níveis de sintomas gerais de depressão. A autoeficiência referir-se-ia a crença de uma pessoa em sua capacidade de executar determinada tarefa, ou de forma mais ampla, de exercer controle sobre sua vida (p.41). A segunda característica de personalidade seria a depressão. Segundo os autores, pessoas deprimidas teriam dificuldade de tomar decisões, iniciar ações, experimentariam fadiga, teriam uma visão pessimista e sem esperança sobre o futuro. Nos resultados da pesquisa realizada, os autores confirmaram que a satisfação com o trabalho estaria positivamente relacionada com a autoeficiência e negativamente relacionada com a depressão. Bradley e Roberts (2004) observam ainda que, em geral, os autônomos tendem a reportar níveis mais altos de satisfação quando comparado com outros grupos, no entanto, esta diferença seria modesta. Benz e Frey (2006) argumentam que o processo de trabalho seria um fator importante para satisfação no trabalho. Segundo estes autores, como o profissional autônomo não precisa lidar com hierarquias, burocracias e políticas institucionais, ele teria um nível de satisfação maior do que os empregados. Hyytinen e Ruuskanen (2007), no entanto, apontam que os autônomos trabalham mais horas e sofrem mais pressão de tempo do que os empregados. Peel e Inkson (2004) enfatizam ainda que por mais que o autônomo persiga um ideal de agência, ele estará sempre combatendo as ameaças da estrutura e ainda a escolha por esta condição estaria acompanhada por uma série de trade-offs, como por exemplo, a troca de uma possível relação de longo prazo com uma única empresa e um grupo de colegas de trabalho

83 70 por uma série de relações com diferentes ambientes e colegas de trabalho. Para Bradley e Roberts (2004) qualquer benefício que possa existir para o autônomo seria conquistado ao custo de um aumento no risco. Bradley e Roberts (2004) ressaltam que o trabalho autônomo é estressante, requer trabalho duro, longas horas, energia emocional para lidar com ambiguidade e risco. Em alguns casos os clientes podem impor uma disciplina de trabalho mais intensa do que alguns empregadores (PEEL e INKSON, 2004), mas para alguns, mesmo com maior demanda, a maior liberdade traria maior satisfação no trabalho (SMEATON, 2003). O conceito de autonomia e o trabalho autônomo Estudos sobre profissionais autônomos, e mais especificamente sobre o tema da autonomia são escassos. Tome-se como exemplo o estudo realizado por Trembley et al. em 2008 sobre a percepção de autonomia de um grupo de prestadores de serviços em Tecnologia da Informação (TI), em que os autores usaram como referência a mesma noção de autonomia proposta por Hackman e Oldham (1975); Hackman e Lawler (1979). A conclusão deste estudo enfatiza a necessidade do desenvolvimento de novas teorias sobre a autonomia notadamente no caso de profissionais externos às organizações Trabalhador autônomo e mercado informal de trabalho no Brasil Conforme apresentado anteriormente, a legislação trabalhista brasileira reconhece a existência do trabalhador autônomo e do profissional liberal autônomo. Entretanto, dado que no Brasil muitas vezes autonomia é associada à informalidade, não se pode deixar de falar do expressivo mercado informal de trabalho, não regulado ou protegido pelas leis trabalhistas. Trabalho informal: histórico do termo Segundo Machado da Silva (2002), a noção de informalidade surgiu no início da década de 1960 como referência aos problemas ligados à incorporação produtiva de crescentes contingentes de trabalhadores que se deslocavam para as cidades nos países subdesenvolvidos. Em outras palavras, esta noção teria surgido como uma categoria analítica para o entendimento do problema da integração social desses trabalhadores ao setor moderno da economia (DRUCK e OLIVEIRA, 2008).

84 71 Em um primeiro momento, o debate sobre o tema foi marcado pelo confronto entre duas posições polares que compartilhavam certos pressupostos em comum. De um lado a teoria da modernização defendia que o baixo nível de capitalização dos países subdesenvolvidos criava um desequilíbrio na estrutura do emprego urbano. No entanto, esta situação era vista como transitória e provisória, caracterizando uma espécie de incorporação prévia dos contingentes migrantes ao trabalho assalariado. Nessa mesma linha surgia a teoria da marginalidade que enfatizava as consequências do processo de modernização das economias dos países em desenvolvimento que geravam uma estratificação social na qual os trabalhadores não incorporados ao processo produtivo estariam fadados às situações de trabalho marginal no longo prazo. Dentro da ótica destas duas teorias, o trabalho informal era considerado marginal, desintegrado da estrutura econômica e produtiva da sociedade. Ainda, estas duas teorias operariam dentro de uma perspectiva dualista que opõem tradicional e moderno, marginal e integrado (DRUCK e OLIVEIRA, 2008; MACHADO DA SILVA, 2002). Na outra ponta do debate estava a crítica marxista que enfatizava a contradição inerente ao desenvolvimento da acumulação de capital geradora de um excedente de trabalho necessário para a reprodução do sistema. Segundo este pensamento, a unidade de exploração capitalista seria toda a classe trabalhadora e não apenas os trabalhadores inseridos na condição de empregados assalariados, pois mesmo as formas de trabalho informais estariam subordinadas à lógica do capital e contribuiriam para o processo de acumulação e reprodução da força de trabalho (DRUCK e OLIVEIRA, 2008). Druck e Oliveira (2008, p.3) resumem este primeiro momento da trajetória do conceito de informalidade: a configuração do debate se estruturou basicamente em torno de duas questões: as formas de inserção dos trabalhadores informais à estrutura produtiva e o grau de integração das atividades informais à estrutura produtiva. Ainda para esses autores, embora o debate sobre o tema fosse polarizado, a questão do pleno emprego foi um dos principais pontos de consenso entre as diferentes abordagens. Isso porque no Brasil a discussão tinha como referência a tendência ao assalariamento nos países centrais. Na década de 1980, com a crise do Fordismo, a discussão sobre o tema se modifica. A visão de pleno emprego, como meta viável, não era mais sustentável. Em outras palavras, as mudanças no enquadramento analítico e na relevância cognitiva da informalidade estão relacionadas à perda de confiança na viabilidade histórica do pleno emprego (MACHADO

85 72 DA SILVA, 2002, p.91). A noção de informalidade é generalizada para os países centrais, perdendo a exclusividade de ser uma questão dos países subdesenvolvidos (DRUCK e OLIVEIRA, 2008). A análise, antes focada na integração do processo produtivo, passa a privilegiar a dimensão dos conflitos de legitimidade e o quadro político-institucional que regulam as atividades laborais. Isto é, o campo empírico do estudo da informalidade passa a ser o conjunto de atividades, ou formas de produção, e as relações de trabalho que escapam à regulação do Estado, sejam tributárias, trabalhistas, e de qualquer outro tipo. O papel do Estado e sua capacidade de intervir na economia passam a ser o eixo central do debate sobre a informalidade (DRUCK e OLIVEIRA, 2008). Na década de 1990 ocorre uma redefinição da problemática da informalidade como consequência da reestruturação produtiva e da adoção de políticas neoliberais no país. Neste momento a mudança do campo analítico tem como quadro de referência principal a problemática da flexibilização e precarização do trabalho (DRUCK e OLIVEIRA, 2008). Para Machado da Silva (2002) o termo informalidade se universaliza, sendo também sinônimo de flexibilização e desregulação, e não somente de clandestinidade. Sobre o estatuto da informalidade na atualidade, Machado da Silva (2002) e Druck e Oliveira (2008) apresentam opiniões distintas. Para Machado da Silva (2002) o conceito de informalidade teria se esgotado e se esvaziado, e estaria sendo substituído por outro: o par empregabilidade/empreendedorismo, que apontaria para os novos modos de exploração capitalista, caracterizados pela individualização e subjetivação dos controles que organizam a vida social. O autor enfatiza que diferentemente do papel crítico que representou a noção de informalidade, o par empregabilidade/empreendedorismo seria um mecanismo de convencimento ideológico no sentido de construir uma cultura do trabalho adaptada ao desemprego, ao risco e à insegurança. Druck e Oliveira (2008) discordam de Machado da Silva (2002) sobre o esgotamento do conceito de informalidade. Para esses autores, a abordagem atual não trataria de um esvaziamento, mas de um deslocamento radical do estatuto informalidade, pois aquilo que antes representava uma situação transitória na estrutura do mercado de trabalho, apresenta-se na atualidade como uma situação permanente. Nesta nova visão da informalidade como sinônimo de flexibilidade e precarização do trabalho, todas as características que tradicionalmente constituíram as estratégias de sobrevivência dos trabalhadores informais são transferidas para a personificação do novo trabalhador flexível.

86 73 Para ilustrar esta semelhança entre o perfil do trabalhador informal tradicional e as exigências do discurso atual de empregabilidade, Druck e Oliveira (2008) citam um trecho do trabalho de Machado da Silva, realizado no início da década de 1970, no qual ele descreve o biscateiro : Na medida em que os biscateiros dependem fortemente da personificação das relações de trabalho, há um fator de natureza psicosocial que desempenha papel relevante na qualidade dos contatos e, portanto, no próprio controle do mercado. Trata-se do que se poderia chamar de personalidade. Com este termo procura-se englobar um conjunto de características psicológicas socialmente relevantes, relacionadas às expectativas culturais em torno do comportamento do trabalhador. Tais características incluiriam a simpatia, extroversão, bom humor, etc. que influem sobre a facilidade de estabelecer boas relações primárias; e também autoconfiança, iniciativa, etc., que afetam a agressividade na procura de serviços... Qualidades dessa natureza são significativas em qualquer caso, mas afetam mais profundamente as situações em que a confiança interpessoal é fator básico (MACHADO DA SILVA, 1971, p.77). Druck e Oliveira (2008) finalizam afirmando que o trabalho informal seria a máxima do trabalho flexível, cuja única chance de estabilidade para o trabalhador seria a sua empregabilidade, ou seja, a sua capacidade de se virar em meio às incertezas. Definições e classificações de informalidade Machado et al. (2008) ressaltam que existem várias definições para o setor informal na literatura sobre o mercado de trabalho. Segundo estes autores a mais utilizada associa a informalidade à regulamentação do trabalho. Nesse caso, tratar-se-ia como trabalhador formal os assalariados com carteira assinada e, como informal, os assalariados sem carteira assinada. Outra definição considera a organização da produção de acordo com o proposto pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O setor informal no trabalho da OIT (1972) foi definido segundo uma abordagem denominada subordinação. Nesta abordagem o setor informal compreenderia a pequena unidade de produção na qual não ocorreria dissociação do proprietário dos meios de produção do processo de trabalho. O mercado informal englobaria pequenas empresas familiares, o trabalhador autônomo (excluindo profissional liberal) e o serviço doméstico remunerado em moeda ou espécie (MACHADO et al., 2008). A partir dessas duas classificações, Machado et al. (2008) sugerem outras duas definições para a segmentação formal/informal do mercado de trabalho. A primeira seria uma mescla da abordagem de regulação do trabalho com a de subordinação e considera como setor informal os trabalhadores que se declaram na posição de ocupação trabalhador por conta própria, excluindo os profissionais liberais, e os empregados sem carteira assinada. O

87 74 mercado formal, nessa categorização, seria constituído pelos empregados assalariados com carteira assinada, funcionários públicos, militares, empregadores e profissionais liberais. A segunda definição proposta por Machado et al. (2008) seria mais atrelada à concepção de subordinação e abrangeria, apenas, os trabalhadores por conta própria no setor informal. O setor formal seria constituído pelos ocupados assalariados, funcionários públicos e militares, empregadores e profissionais liberais. Observa-se que diferentemente da primeira definição, esta última considera os ocupados assalariados (não necessariamente com carteira assinada) como parte integrante do setor formal. Machado et al. (2008) adotam estas definições com o objetivo de distinguir a heterogeneidade presente no mercado informal, que se refletiria nas estratégias ocupacionais. Os autores destacam que ao se tratar de estratégia ocupacional, existiriam duas associações básicas. A primeira refletiria a falta de oportunidades de emprego formal, o que levaria as pessoas a serem empurradas para a informalidade. No segundo tipo de estratégia, os trabalhadores por conta própria que valorizam o fato de não ter chefe, de terem maior flexibilidade na jornada de trabalho, e de poderem alcançar um maior nível de rendimento, poderiam inserir-se no mercado informal por escolha. Embora haja uma similaridade na dicotomia empurrados-atraídos na literatura internacional sobre o trabalho autônomo e na literatura nacional sobre mercado informal, a opção pela informalidade difere, em alguns aspectos, da discussão sobre a escolha pela autonomia. Conforme apresentado anteriormente, nos textos internacionais sobre trabalho autônomo, há uma forte associação entre vantagens da autonomia e qualificação (SMEATON, 2003), já no caso do Brasil, a opção do indivíduo por auto-empregar no setor informal pode ser o resultado de uma estratégia dos menos escolarizados, e das pessoas com idade mais avançada (DRUCK e OLIVEIRA, 2008), em obter maior rendimento como autônomo do que como assalariado com carteira assinada, pela ausência de qualificação requerida no setor formal (MACHADO et al., 2008). Ou ainda, os mais ricos, por receberem rendimentos mais altos, preferem a não-contribuição para a previdência, visto que teriam uma renda liquida menor se participassem da seguridade social (MACHADO et al., 2008). Vale ressaltar que a opção pela informalidade não exclui a busca individual por maior flexibilidade e autonomia, mas esta busca englobaria diferentes níveis de qualificações, renda e de motivações. Um exemplo do grupo de trabalhadores por conta própria com pouca escolaridade que optam pela informalidade por acreditarem ter mais oportunidades neste setor do que no mercado formal é abordado por Sorj (1993) em seu estudo sobre vendedores ambulantes. Sorj

88 75 (1993) afirma que o comércio ambulante não seria a primeira experiência de trabalho de seus praticantes, visto que uma representativa maioria deste grupo já esteve engajada em outros empregos. Segundo esta autora, a insatisfação destes trabalhadores com os baixos salários (que não ultrapassariam o salário mínimo), a rigidez com os horários, o controle das chefias, a inexistência de sistemas da carreira e promoções, a necessidade de viver de vale ao longo do mês seria contrastada com os atrativos da atividade de ambulantes como a possibilidade de ascensão social, a autonomia, os ganhos diários, o maior rendimento e a flexibilidade de horários. Logo, o desligamento do emprego formal e a opção pela atividade informal seria o resultado de uma busca para melhorar de vida. Sorj (1993) destaca que seus entrevistados consideravam suas expectativas atendidas pela nova ocupação. Sorj (1993) ressalta ainda que a baixa qualidade dos empregos urbanos oferecidos seria a principal razão que torna atividade de vendedor ambulante altamente atraente. A autora finaliza a sua discussão afirmando que o mercado de vendedores ambulantes trata-se de um segmento econômico altamente dinâmico, no qual trabalhadores encontraram uma oportunidade de ascensão social e na qual pretendem permanecer. Conforme abordado anteriormente, o setor informal é heterogêneo e, embora a atividade de vendedor ambulante seja uma escolha para alguns, para outros esta é uma imposição do contexto de trabalho. Druck e Oliveira (2008), em um estudo sobre o trabalho informal nas ruas de Salvador, identificaram o desemprego e a precarização do trabalho como justificativas dos trabalhadores para o ingresso na informalidade. A atividade informal seria uma alternativa para a subsistência, a princípio provisória, mas que se tornaria permanente devido às poucas oportunidades de emprego formal para esses trabalhadores. Esses autores perguntaram aos 191 trabalhadores entrevistados se eles pretendiam continuar na atividade que exerciam. Nos resultados 58% afirmaram que queriam continuar e 42% afirmaram que não queriam continuar na atividade informal. Ao analisar as justificativas apresentadas pelos trabalhadores que gostariam de permanecer, Druck e Oliveira (2008) apontam que 44,2% pretendiam continuar por causa da falta de oportunidade de emprego; 35,6% queriam continuar por estarem satisfeitos com a atividade que exerciam, pois era a forma que eles tinham que garantir o sustento; e 9,6% pretendiam continuar pela autonomia que a atividade proporcionava (trabalhar para si próprio ). Os autores ressaltam ainda que os trabalhadores que queriam continuar seriam os mais velhos e menos escolarizados, isto é, os grupos com mais desvantagens no mercado de trabalho. Nesta mesma pesquisa Druck e Oliveira (2008) constataram que 72% dos entrevistados gostariam de mudar para emprego com carteira assinada e os 28% restantes não gostariam.

89 76 Entre as razões para a mudança estariam: ter direitos trabalhistas, ter trabalho certo e seguro, ter salário certo, melhor renda e melhores condições de trabalho. Para os autores, estes motivos expressariam o lado negativo do trabalho informal. Entre as razões apresentadas por aqueles que não gostariam de mudar para o emprego formal estariam: não querer ter patrão, salário insuficiente, desalento por idade, não adaptação ao emprego com carteira assinada. Druck e Oliveira (2008) concluem afirmando que as justificativas apresentadas pelos trabalhadores estudados mostra que há uma parcela que está ciente da impossibilidade de inserção no mercado formal, assim como, tem consciência de possuir um habitus do trabalho informal incompatível com as regras institucionalizadas e com a disciplina do trabalho assalariado. A heterogeneidade e complexidade do setor informal não é restrita à dicotomia empurrados-atraídos. Mesmo quando o trabalho por conta própria é uma opção, dependendo da atividade escolhida e das habilidades profissionais (e técnicas) de cada trabalhador, a dinâmica da estruturação do trabalho pode variar bastante. Antes foi abordado o exemplo dos vendedores ambulantes (SORJ, 1993) como um grupo de trabalhadores que não possuem necessariamente qualificação ou habilidade técnica e buscam no setor informal mais oportunidades de renda e ascensão social. Machado da Silva (1971, p.43) denomina de trabalhador por conta própria os trabalhadores mais qualificados de sua profissão (embora a atividade exercida possa ser rudimentar, sem exigência de escolarização ou treinamento formal). O trabalho por conta própria seria realizado por indivíduos com treinamento ótimo em profissões de alta procura e baixa oferta: mecânicos de automóveis, eletrotécnicos, marceneiros, entre outros. Na classificação de Machado da Silva (1971), este seria o grupo com maior habilidade e estabilidade no mercado informal, e ainda, este tipo de trabalhador teria condições em optar entre o emprego formal e a informalidade. No entanto, por terem boas condições de barganha no mercado e alto grau de autonomia, haveria uma tendência à opção pela ocupação informal. Sobre o grau de autonomia deste grupo, Machado da Silva (1971, p. 68) ressalta que a posição altamente favorável proporcionada pelo nível de qualificação e o treinamento em profissões de alta procura, fazem com que a subordinação pessoal e a dependência dos patrões sejam reduzidas. (...) a própria forma de tratamento dos fregueses demonstra essa independência. Na medida em que as oportunidades de trabalho são amplas, o trabalhador por conta própria pode dar-se ao luxo de realizar uma seleção dos contatos [clientela]. Longe da pretensão de esgotar as discussões, definições e classificações presentes no tema sobre informalidade no mesmo trabalho de Machado da Silva (1971), por exemplo, ainda são encontradas outras classificações como biscateiros e trabalhadores domésticos,

90 77 esta breve revisão teve como objetivo mostrar a complexidade e heterogeneidade deste setor, e ao mesmo tempo, abordar o trabalhador autônomo em uma realidade muito particular do país no qual esta pesquisa será desenvolvida Algumas Considerações sobre o trabalho autônomo Após esta revisão sobre o trabalho autônomo, alguns pontos importantes para a presente pesquisa podem ser destacados. Segundo a literatura sobre os autônomos, dentro do grupo que pôde optar por esta condição, há uma intenção forte por parte do indivíduo de que a sua vida profissional seja definida por uma lógica própria, interna e, a princípio, sem um vínculo emocional ou formal com nenhuma empresa. Para este grupo também não haveria expectativa de ter como base de orientação profissional as diretrizes ditadas pelas instituições para as quais prestam serviços (caso seus clientes sejam instituições). Ou, nos termos Gold e Fraser (2002), estes trabalhadores teriam outros princípios organizadores para suas vidas profissionais. A literatura também aponta que esta intenção de maior liberdade e autonomia estaria sempre sendo constrangida por fatores externos, como por exemplo, os trade-offs as e as imposições dos clientes apontados por Peel e Inkson (2004) e o estresse e trabalho duro ressaltados por Bradley e Roberts (2004). Dada a concepção atual de autonomia em filosofia, conforme visto no início deste capítulo, na qual autonomia e heteronomia fazem parte do mesmo conjunto complexo no qual o elemento heterônimo é ao mesmo tempo essencial para a constituição da autonomia e a ameaça constante desta a presença de elementos que, a principio, limitariam a autonomia do profissional seria parte de uma dinâmica natural, que não impede, entretanto, que o indivíduo tenha como premissa principal o exercício de sua autonomia (no sentido de poder definir sua vida profissional), mesmo que não possa exercê-la em todas as ocasiões de trabalho. Outro ponto presente na discussão sobre o trabalho autônomo e que mereceria atenção em estudos futuros seria a influência das instituições profissionais na identidade profissional do indivíduo e sua contribuição para sua condição autônoma. Sobre a definição do grupo de autônomos, constata-se na literatura em administração a falta de uma distinção clara entre profissional autônomo e empreendedor. Ainda, na literatura nacional sobre trabalho informal observa-se um amplo campo de discussões em potencial para os estudos em administração, bem como se constatam certas

91 78 particularidades do mercado de trabalho nacional, que fogem às explicações analíticas propostas pela literatura internacional. Por fim, observa-se que na literatura sobre as relações de trabalho a noção de autonomia está associada mais a uma condição de ausência de vínculo empregatício, do que de fato a vivência de uma experiência autônoma pelo indivíduo, dado que autônomo é um termo usado tanto para identificar profissionais que possuem um alto grau de liberdade e independência, quanto para tratar de profissionais marginalizados.

92 79 3. Metodologia Este estudo investiga a experiência de autonomia no trabalho, com foco na variedade percepções, de um grupo de profissionais especializados 26. A principal pergunta de pesquisa pode ser assim enunciada: quais são os modos qualitativamente diferentes de os profissionais especializados vivenciarem a experiência de autonomia no trabalho?. Este estudo pretende enriquecer a compreensão do fenômeno investigado ao abordar o tema da autonomia no trabalho de forma abrangente, considerando a perspectiva de profissionais especializados empregados e autônomos. Este capítulo inicia-se com a apresentação do paradigma de pesquisa dentro do qual este trabalho será desenvolvido. Em seguida é apresentada e justificada a escolha do método qualitativo e da Fenomenografia como abordagens de pesquisa. No quarto item a Fenomenografia, suas características, aplicações e métodos são explorados. E por fim, são descritos os critérios de qualidade utilizados como referência para a realização desta pesquisa. 3.1.Paradigma de Pesquisa Os paradigmas de pesquisa são caracterizados pela forma com que lidam com as questões de natureza ontológica (natureza da realidade), epistemológica (teoria sobre o conhecimento) e metodológica (forma com que o pesquisador obtém o conhecimento). O presente trabalho será desenvolvido de acordo com a perspectiva do paradigma construtivista (GUBA, 1990), e suas principais características são apresentadas neste item. No paradigma construtivista (ou paradigma interpretativo), o conhecimento é uma construção humana e não uma verdade absoluta e imutável. A pesquisa dentro deste paradigma não se preocupa com o controle ou previsão de variáveis, e tem como objetivo compreender, reconstruir a realidade na mente do pesquisador. 26 No presente estudo, profissionais especializados é um termo utilizado para identificar trabalhadores que exercem atividades que exigem conhecimentos, habilidades ou atributos específicos. Incluem-se nesta definição três tipos de profissionais: (1) o capacitado cujos conhecimentos e habilidades foram desenvolvidos na prática do trabalho; (2) o qualificado que recebeu formação teórica e prática em uma instituição acadêmica; (3) o habilitado é o qualificado que cumpriu as exigências ou pré-requisitos formais para o exercício da profissão, responde a um Conselho de classe (como, por exemplo, CREA e CREMERJ) e possui registro profissional.

93 80 Sobre sua ontologia, os construtivistas são relativistas, isto é, as realidades são consideradas como múltiplas e existentes na mente das pessoas (GUBA, 1990). Para o construtivista, a realidade é construída, dinâmica e contextualizada. Ao pesquisá-la, esta é observada sem intervenções experimentais e sem tentativas de controlar as variáveis (REES, 2008). A epistemologia deste paradigma é subjetivista. As descobertas são criadas por meio do processo de interação entre o pesquisador e o objeto de pesquisa. Assim, para o paradigma construtivista, o pesquisador está inserido em um contexto histórico-social e toda a observação da vida humana é construída e subjetiva (REES, 2008). Os construtivistas se interessam por processos, pessoas e eventos. A metodologia empregada neste paradigma permite ao pesquisador identificar as diversas construções individuais, elucidá-las e refiná-las hermeneuticamente, e compará-las dialeticamente com o objetivo de gerar uma construção na qual haja forte consenso (TORRES, 2009). A hermenêutica está relacionada com a identificação das construções individuais de forma mais precisa possível e a dialética consiste na comparação de todas as construções individuais (inclusive a do próprio pesquisador) para se chegar a uma construção sofisticada e informada (GUBA, 1990). No construtivismo, como a metodologia é interpretativa, o pesquisador procura entender o comportamento humano do ponto de vista do sujeito. Os preconceitos dos pesquisadores estão presentes e fazem parte do processo da pesquisa (REES, 2008). Ainda, os pesquisadores neste paradigma desenvolvem indutivamente uma teoria ou padrão de significados, ao contrário das pesquisas positivistas e pós-positivistas que desenvolvem pesquisas dedutivas. Dentro do paradigma construtivista é mais comum a utilização da abordagem qualitativa de pesquisa A abordagem qualitativa de pesquisa Creswell (1998, p.15) define a pesquisa qualitativa como: um processo de investigação do conhecimento baseado em tradições metodológicas distintas que exploram um problema social ou humano. O pesquisador constrói uma figura complexa e holística, 27 Vale ressaltar que os métodos de pesquisa qualitativo e quantitativo podem ambos ser utilizados em pesquisas do paradigma pós-positivista ou construtivista, sendo que há uma grande diferença no papel do investigador e nos resultados obtidos ao se aplicar o método escolhido dentro de cada paradigma (interpretado de Lincoln e Guba, 2000).

94 81 analisa palavras, reporta de forma detalhada a visão dos informantes, e conduz o estudo no ambiente natural O autor ainda ressalta que uma diferença chave entre os trabalhos de pesquisa quantitativos e qualitativos: enquanto nos primeiros o pesquisador trabalha com poucas variáveis e muitos casos, nos qualitativos o pesquisador trabalha com muitas variáveis e poucos casos. Creswell (2003) lista as características principais da investigação qualitativa: geralmente os pesquisadores realizam a pesquisa no ambiente natural dos participantes, isto é, ele vai até a casa ou escritório para realizar sua investigação; o uso de vários métodos e fonte de coleta de dados que são interativos e humanísticos como observação, entrevistas, s, entre outros; a pesquisa não é rigorosamente configurada previamente, isto é, vários aspectos surgem durante o processo de investigação e o pesquisador deve adaptar constantemente o seu trabalho; a pesquisa é emergente no sentido de ter como objetivo formar teorias ou padrões de entendimento ao longo da pesquisa; a análise de dados é interpretativa: o pesquisador faz uso de sua lente pessoal para a interpretação dos dados; o estudo proporciona uma visão holística do fenômeno analisado; o pesquisador não é separado da pesquisa: seus valores, interesses, modo de pensar são reconhecidos como parte inseparável do processo investigativo; Com relação ao presente trabalho, dado o interesse da pesquisadora em explorar a questão da autonomia no trabalho de forma indutiva e a escolha do paradigma de pesquisa como sendo construtivista, a abordagem qualitativa de pesquisa se mostra apropriada para o estudo em questão A escolha da abordagem de pesquisa Dentro da abordagem de pesquisa qualitativa, quatro abordagens de pesquisa foram consideradas para o presente estudo: Grounded Theory (Glaser e Strauss, 1967); Fenomenologia Descritiva (Edmund Husserl ( )); Fenomenologia Interpretativa

95 82 (Heidegger ( )); e Fenomenografia (Bowden e Walsh, 2000; Bowden e Green, 2005; Marton, 1981; Marton, 1986; Marton e Booth, 1997). Conforme definido por seus precursores (Glaser e Strauss, 1967), a Grounded Theory tem como objetivo a construção de modelos teóricos explicativos sobre os fenômenos analisados. Segundo Charmaz (2006) este método teria o estudo da ação como tema central e enfatizaria a investigação de processos conjunto de sequências temporais que se revelam gradualmente e que possuem demarcações identificáveis. Dado que a presente pesquisa não pretende investigar um processo, conforme definido por Charmaz (2006), a Grounded Theory não se mostrou a melhor alternativa de metodologia para este estudo. A seguir a Fenomenologia Descritiva, a Fenomenologia Interpretativa e a Fenomenografia serão apresentas e analisadas em conjunto. A Fenomenologia como abordagem de pesquisa é subdivida em uma grande diversidade de correntes de pensamento (PINTO e SANTOS, 2008). Para o processo de escolha de metodologia para a este estudo as Fenomenologias Descritiva (transcendental) e Interpretativa (hermenêutica) foram consideradas. A Fenomenologia Descritiva ou Transcendental, que possui como principal referência Edmund Husserl ( ), busca descrever um fenômeno a partir de sua manifestação na consciência das pessoas (MOUSTAKAS, 1994). Esta metodologia pressupõe que existam características essenciais universais que representariam a natureza do fenômeno estudado (MOUSTAKAS, 1994) e que o resultado da pesquisa fenomenológica representaria esta verdadeira natureza (LOPEZ e WILLIS, 2004). Na execução de seu trabalho, o pesquisador fenomenológico deve procurar alcançar o que Husserl denominou de subjetividade transcendental, que seria a neutralidade da influência do pesquisador no objeto de estudo (ROCHA-PINTO, FREITAS e MAISONNAVE, 2010). A Fenomenologia Interpretativa (hermenêutica), que teve Heidegger ( ) como precursor, vai além da descrição de conceitos centrais e essenciais e se preocupa com o significado atribuído pelo sujeito ao mundo ao seu redor, suas emoções e sentimentos, e como este significado influencia as escolhas feitas por este indivíduo (LOPEZ e WILLIS, 2004). O foco da análise seria a experiência do indivíduo e seu significado implícito e não o conhecimento consciente do indivíduo (LOPEZ e WILLIS, 2004). Neste tipo de investigação os contextos social, natural, cultural, político, entre outros, são levados em consideração. A preocupação central desta abordagem está, portanto, no estudo do indivíduo no ambiente em que ele vive, ou seja, no homem como um ser no mundo (PINTO e SANTOS, 2008).

96 83 Diferentemente do que é exigido na Fenomenologia Descritiva, o pesquisador interpretativo não precisa assumir uma postura neutra com relação ao objeto de pesquisa e há um reconhecimento de que o resultado de pesquisa encontrado é sempre uma mistura dos significados articulados tanto pelo pesquisado quanto pelo pesquisador (LOPEZ e WILLIS, 2004). A Fenomenografia foi originalmente desenvolvida por um grupo de pesquisadores educacionais da Universidade de Gothenburg, na Suécia, durante a década de Ference Marton, um dos precursores do método, afirma que o propósito da pesquisa Fenomenográfica é o de descrever formas qualitativamente diferentes de se experimentar vários fenômenos (MARTON, 1997). Segundo Marton e Booth (1997) o objetivo central da Fenomenografia é o de extrair e representar a variedade, isto é, neste tipo de pesquisa se busca a descrição das diferentes formas com que um grupo de pessoas percebe e lida com um determinado fenômeno. Diferentemente da Fenomenologia Interpretativa, a Fenomenografia não tem como objeto de pesquisa o indivíduo no mundo, mas as diferentes percepções sobre o mundo (MARTON, 1981). A Fenomenografia não se preocupa com os atributos pessoais dos sujeitos que percebem o fenômeno (como, por exemplo, estado mental ou aspectos psicológicos), nem com os aspectos específicos do fenômeno. Ao invés de focar na pessoa ou no fenômeno, é investigada a experiência do sujeito com relação ao fenômeno (MARTON, 1981). E ainda, diferentemente da Fenomenologia Descritiva, a Fenomenografia não tem como objeto de estudo o fenômeno e não busca identificar sua essência. Seu objeto de estudo são as diferentes percepções sobre um determinado fenômeno. A diferença entre as três abordagens de pesquisa descritas anteriormente pode ser ilustrada a partir da diferença do foco de pesquisa, conforme apresentado na Figura 3:

97 84 Fenomenologia Descritiva Fenomenologia Interpretativa Fenomenografia Este método busca descrever a essência de um determinado fenômeno. Os depoimentos das pessoas são só um meio de se chegar até a essência do fenômeno analisado. Este método busca descrever os significados dados pelos sujeitos a um determinado fenômeno. Busca pela subjetividade da Experiência do indivíduo. Este método busca descrever, analisar e sistematizar as diferentes percepções (concepção, modo de entendimento) das pessoas sobre determinado fenômeno. Foco na perspectiva do grupo e não na do indivíduo. Figura 3: O foco de pesquisa em três abordagens distintas Com relação ao tema do presente estudo, pode-se dizer que, enquanto o pesquisador da Fenomenologia Descritiva está interessado em saber mais sobre autonomia no trabalho, o pesquisador da Fenomenologia Interpretativa está interessado nos significados (cognitivos, emocionais, psicológicos) atribuídos pelo indivíduo à autonomia no trabalho em suas práticas cotidianas. O Fenomenográfico, por sua vez, está interessado em saber mais sobre a diversidade de percepções sobre a experiência de autonomia no trabalho a partir da vivência de um grupo de pessoas. Observa-se que as três abordagens produziriam pesquisas relevantes sobre o tema da autonomia no trabalho. O critério de escolha, portanto, baseou-se na melhor convergência entre o objetivo do presente estudo e o foco da abordagem de pesquisa, além de terem sido levadas em consideração as características metodológicas inerentes a cada uma das abordagens e o paradigma de pesquisa construtivista. Dado que esta pesquisa está situada dentro do paradigma construtivista, o fundamentalismo e a neutralidade, característicos da Fenomenologia Descritiva, não permitem a adequação do uso desta abordagem no presente estudo. Sobre a Fenomenologia Interpretativa, apesar de esta abordagem possuir características compatíveis com o paradigma construtivista, o seu aprofundamento na investigação da experiência do sujeito mostra-se menos contributiva para o objetivo principal desta pesquisa o de explorar e descrever a variedade das percepções sobre a experiência de autonomia no trabalho do que a Fenomenografia que aprofunda a investigação na experiência com o fenômeno, em geral, e foca na variedade de experiências e percepções.

98 85 A maior abrangência da Fenomenografia pela busca das possíveis variações nas percepções e seu foco na experiência com relação a um determinado fenômeno neste caso, a autonomia no trabalho, apontam para uma melhor convergência entre o objetivo do presente estudo e o foco desta abordagem. Ainda, apesar de a Fenomenografia ter começado a ser desenvolvida durante a década de 1970, conforme será melhor explorado mais adiante, somente no final da década de 1990 começou a ser desenvolvida uma literatura que descrevesse os requisitos metodológicos apropriados do método: Dall alba e Hasselgren, 1996; Marton e Booth, 1997; special issue do periódico HERD, vol. 16, 1997; Bowden e Walsh, 2000 e Bowden e Green, Antes disso, o método só havia sido abordado de forma consistente nos artigos de Ference Marton: Marton, 1981, Portanto, a pesquisadora está realizando seu trabalho em um momento em que poderá contar com boas fontes literárias sobre o método para conduzir o seu estudo. Este também foi um fator prático importante na escolha desta abordagem. Diante do exposto a Fenomenografia foi selecionada como a abordagem de pesquisa a ser adotada no presente estudo Fenomenografia Segundo Kroksmark (1987, apud Marton e Booth, 1997) o termo fenomenografia é uma combinação das palavras gregas phainomenon e graphein que significam aparência e descrição, respectivamente fenomenografia seria, então, uma descrição de aparências. Esta abordagem de pesquisa foi originalmente desenvolvida por um grupo de pesquisadores educacionais da Universidade de Gothenburg, na Suécia, durante a década de 1970, como uma tentativa de descrever, através da visão dos estudantes, o porquê de algumas pessoas terem um aprendizado melhor do que outras (GIBBINGS, 2008; SANDBERG, 2000). Ference Marton, um dos precursores do método, afirma que o propósito da pesquisa Fenomenográfica é o de descrever formas qualitativamente diferentes de se experimentar vários fenômenos (MARTON, 1997). Marton (1981, p.180) define Fenomenografia como uma pesquisa cujo objetivo é o de descobrir e sistematizar formas de pensamento de acordo com a interpretação das pessoas sobre aspectos da realidade aspectos que são significativos socialmente e supostamente compartilhados pelos membros de um tipo de sociedade, e completa afirmando que o propósito é a descrição, análise e o entendimento de experiências; isto é, pesquisa que é direcionada para a descrição da experiência.

99 86 Segundo Marton e Booth (1997) o objetivo central da Fenomenografia é o de extrair e representar a variedade. O foco deste tipo de pesquisa está na descrição da variação e não na explicação desta variedade (MARTON, 1981; MARTON, 1997). E ainda segundo Marton e Booth (1997) a unidade da pesquisa Fenomenográfica é um modo de vivenciar (experimentar) algo, e o objeto de pesquisa é a variação nos modos de se vivenciar um fenômeno. Dentro da linha de Marton e Booth (1997), mas como uma perspectiva um pouco diferente, Bowden e Green (2005) consideram a relação entre o sujeito e o fenômeno como o objeto de pesquisa em Fenomenografia, conforme ilustrado na Figura Marton (1981) ressalta que diferenças na concepção dos vários aspectos da realidade podem ser encontradas não só entre indivíduos, mas também, um único indivíduo pode possuir diferentes concepções da realidade. O autor afirma ainda que as categorias surgidas (através da análise dos dados) não podem ser usadas como forma de classificação individual, mas como categorias que descrevem modos de perceber o mundo a nossa volta. De forma resumida, Marton (1981) destaca as quatro características principais distintivas da Fenomenografia: o foco na variedade de percepções: diferentemente da Fenomenologia (descritiva) que busca o significado em comum atribuído a um aspecto da realidade, a Fenomenografia defende que um fenômeno pode ser experimentado de formas qualitativamente diferentes. ao invés de focar no indivíduo (como a Fenomenologia Interpretativa) foca na experiência vivida pelo indivíduo. enquanto o resultado de uma pesquisa Fenomenológica (Descritiva) refere-se a algo (something) sobre um fenômeno, o resultado da pesquisa Fenomenográfica refere-se a qualquer coisa (anything) que pode ser dito sobre como as pessoas percebem e conceituam este fenômeno. a Fenomenografia lida tanto com o que é culturalmente aprendido quanto com o que é desenvolvido individualmente na relação eu - mundo. Akerlind (2005d) ressalta que os objetivos da pesquisa fenomenográfica influenciam diretamente na forma de realização dos processos de coleta e análise de dados e isto distinguiria esta metodologia de outras abordagens de pesquisa qualitativas, conforme listado pela autora: 28 Akerlind (2003) destaca que além da variação no modo de vivenciar (experimentar) algo e da relação entre o sujeito e o fenômeno, percepção, entendimento, significado e consciência também são citados na

100 87 Relação entre os significados, não significados independentes no processo de análise de dados os diferentes significados que emergem não devem ser considerados independentemente, mas relacionados com os outros. Nesta lógica, cada significado analisado representaria um fragmento da compreensão humana sobre o fenômeno, e as formas qualitativamente diferentes de vivenciar um fenômeno, descritas ao fim de uma análise fenomenográfica, representariam entendimentos mais ou menos completos sobre o fenômeno, e não modos de entendimento diferentes e não relacionados. Percepção, não crenças em uma perspectiva fenomenográfica, diferentes modos de entendimento de um fenômeno podem ser categorizados de acordo com o grau de consciência de aspectos chave ou dimensões de um fenômeno, no qual a consciência de um aspecto é indicada pela percepção no potencial de variação deste. Falta de consciência (ou percepção) de um aspecto é indicado por uma implícita suposição de uniformidade neste aspecto do fenômeno. Este foco se relaciona com a busca fenomenográfica pelas formas mais ou menos completas ou complexas de entendimento de um fenômeno, no qual entendimentos mais complexos são indicados por um aumento na abrangência de percepção de diferentes aspectos do fenômeno investigado (p.7) Percepção relacionada ao contexto, não constructos estáveis os entendimentos qualitativamente diferentes constituídos em uma análise fenomenográfica não devem ser considerados como independentes do contexto. O mesmo indivíduo pode vivenciar o mesmo fenômeno sob circunstâncias diferentes. Foco interpretativo, não explicativo o objetivo da Fenomegrafia é descrever, não explicar. Experiência coletiva, não individual apesar da coleta de dados ser feita, em muitos casos, por meio de entrevistas individuais, a análise de dados e os resultados focam na experiência coletiva dos sujeitos entrevistados. Descrições sucintas, não longas as descrições dos diferentes modos de vivenciar/entender em Fenomenografia devem representar somente os aspectos críticos do modo de vivenciar um fenômeno. Para Akerlind (2005d) o foco nos aspectos críticos facilita a busca por uma relação lógica entre os diferentes significados identificados no processo de análise de dados. literatura em Fenomenografia como objetos de estudo.

101 88 Desde a sua criação, a Fenomenografia vem se tornando influente principalmente na área da educação, mas também tem ganhado relevância em campos como o da ciência da computação, por exemplo. Segundo Kirk (2002), até 1994, esta metodologia foi utilizada em 50 teses de doutorado e entre 500 e 1000 relatórios de pesquisa pelo mundo 29. Alguns dos trabalhos realizados com a utilização desta metodologia serão abordados a seguir Aplicações do método Com origem na área educacional, a Fenomenografia foi utilizada em uma grande variedade de estudos dentro deste campo. Para Gibbings (2008) os estudos em educação que usam a Fenomenografia têm se preocupado em abordar aspectos pedagógicos, aspectos relacionados às concepções dos estudantes sobre aprendizagem, e mais recentemente, as concepções dos professores sobre ensinar. Entre os vários trabalhos existentes no campo da Educação, Gibbings (2008) destaca: Tema Autores Estudo Marton e Svenson, estudo sobre o efeito do curso de mecânica no entendimento dos 1985 estudantes sobre um fenômeno físico básico Pedagogia Marton, 1984 estudo sobre as diferentes formas de compreensão das forças que atuam em um carro em alta velocidade em uma estrada retilínea Concepção dos professores sobre ensinar Bruce e Gerber, 1995 estudo sobre a aprendizagem dos alunos do ponto de vista dos professores universitários Quadro 5: Estudos fenomenográficos no campo da Educação. Fonte: adaptado de Gibbings (2008). Bowden (2000) ressalta que, apesar de ter tido origem na área educacional, a Fenomenografia pode ser aplicada em outros tipos de pesquisa. Na área de ciências da 29 Em uma pesquisa na internet no mês de julho de 2010 foram encontrados os seguintes sites com publicações envolvendo o termo phenomenography: (neste site foram listadas 37 teses produzidas na Suécia: 20 na área de saúde, 14 em educação, 2 em tecnologia e 1 em física. Todas com a palavra phenomenography nas Key-words. Acesso permitido só ao resumo); (neste site foram listadas 20 teses produzidas na Austrália, com phenomenography no campo subject. Artigos com o mesmo tema também estão listados nesta página. Muitos dos trabalhos estavam disponíveis integralmente); (neste site, que é sobre Fenomenografia, foram listados os resumos de 56 dissertações que utilizaram a metodologia. Nota-se que não é sinalizado se a dissertação é de mestrado ou doutorado).

102 89 computação, a Fenomenografia vem ganhando relevância 30. Stoodley (2009) faz uma breve revisão de alguns desses estudos, conforme apresentado no Quadro 6: Tema Autores Estudo Berglund (2004) estudo sobre aprendizado e colaboração internacional em um curso de computação Variação na perspectiva de estudantes Variação na perspectiva de professores Variação na perspectiva dos pesquisadores Ética em Tecnologia da Informação Cope, 2005 Bruce, Buckingham et al., 2004; Eckerdal, Thuné & Berglund, 2005; Stoodley, Chritie & Bruce, 2004 Eckerdal & Thuné, 2005 Lister, 2007 Lister, Box, Morrison, Tenenberg & Westbrook, 2004 Doyle & Lister, 2007 Kinnunen, McCrtney, Murphy & Thomas, 2007 Bruce, Pham & Stoodley, 2004; Pham et al., 2005 Vartiainen, 2001 Vartiainen, 2005 Stoodley, 2009 estudo sobre a experiência de aprendizado de estudantes de graduação sobre sistemas de informação estudos sobre a experiência dos estudantes aprendendo a programar estudo sobre a concepção dos alunos do primeiro ano sobre programação estudo sobre a forma como acadêmicos na área de computação entendem o que é ensinar estudo sobre a variação na intenção dos professores ao estruturar as informações a serem ensinadas estudo sobre a concepção dos acadêmicos em computação sobre o UNIX estudo sobre a visão dos professores de ciência da computação sobre o sucesso dos alunos estudo sobre a experiência dos pesquisadores em Tecnologia da Informação (TI) estudo sobre a atitude dos estudantes em relação ao uso do computador estudo sobre a percepção de alunos, clientes e instrutores em um curso de projetos o estudo do próprio Stoodely sobre a percepão de Ética dos profissionais de TI Quadro 6: Estudos fenomenográficos na área de ciências da computação. Fonte: adaptado de Stoodley (2009). Ao pesquisar os trabalhos em administração que utilizaram a Fenomenografia, a pesquisadora encontrou algumas teses dentro do campo de Administração ou em outras áreas do conhecimento cujo tema do estudo é, de alguma forma, relacionado com a Administração, conforme apresentado no Quadro 7: 30 Apesar dos estudos serem realizados em outra área, ainda observa-se uma predominância de aplicação em cenários educacionais (STOODLEY, 2009).

103 90 Tipo Autor Titulo Estudo Teses de doutorado em Administração Teses de doutorado com temas relacionados a Administração Ruth Dunkin (1999) Joseph S. Riggio (2005) Andra Diamond (2007) Peter Lamb (2009) Joyce Kirk (2002) Jorge Alberto dos Santos (2008) Ian Stoodley (2009) Making sense of change : the change agents' perspective Towards a Theory of Transpersonal Decision-Making in Human-Systems: a neurolinguistically-modeled phenomenography. The career development and identity of Victorian local government chief executives: is gender a factor? Small Firm Internationalisation: a phenomenographic approach Theorising information use: managers and their work Students' perceptions of the practice firms network learning environment in Brazil : a phenomenographic approach IT professional s experience of ethics and its implications for IT education Neste estudo a autora investigou como os agentes de mudança fazem sentido da mudança organizacional, analisando os papéis e as perspectivas que eles constroem para si e as estratégias de abordagem usadas durante o processo Neste estudo o autor investigou como os fatores transpessoais afetam o processo decisório. Neste estudo foram investigadas as variações nas experiências de desenvolvimento e identidade da carreira em homens e mulheres, CEOs do governo local Vitoriano. Entre os resultados, a autora identificou e descreveu uma diferença significativa na experiência entre homens e mulheres. Neste estudo foi explorado como os donos-gerentes de pequenas empresas entendem e praticam a internacionalização de suas empresas. Nos resultados o autor identificou quatro formas distintas de entendimento deste processo e propôs uma teoria sobre a internacionalização de pequenas empresas. Este é um estudo sobre uso de informação no qual é investigado como gerentes entendem e praticam o uso de informações no trabalho. Neste estudo o autor explorou como estudantes de um ambiente particular de educação em management descrevem a sua relação com este ambiente. O autor sintetizou os resultados encontrados em sete categorias distintas que descrevem o fenômeno explorado. Este estudo aborda a experiência de profissionais de Tecnologia da Informação com a ética. Nos resultados o autor sintetiza seus achados em um modelo conceitual: Modelo de Ética em TI. Quadro 7: Estudos fenomenográficos relacionados ao campo da Administração Cherman (2012) faz uma breve revisão dos artigos e trabalhos acadêmicos na área de Estudos Organizacionais, conforme apresentado no Quadro 8: Tema em Estudos Organizacionais Competências Sandberg Individuais (1991) (Profissionais) e Organizacionais Dall Alba & Sandberg (1996) Autor Título do Artigo Fenômeno Investigado / Resultado Gerber & Velde (1996) Gerber & Velde (1997) Sandberg (2000) Sandberg (2001) Competence as Intentional Achievement: A Phenomenographic Study Educating for Competence in Professional Practice Clerical-Administrative Workers' Conceptions of Competence in their Jobs A Competence Model for Professional Practice in the Clerical Administrative Occupations Understanding Human Competence at Work: An Interpretative Approach Understanding the Basis for Competence Development Não disponível estudo sobre como é desenvolvida competência na prática profissional, na visão da experiência vivida estudo sobre como o conceito de competência é explicado em termos das experiências dos trabalhadores administrativos acerca da competência nos seus ambientes de trabalho estudo sobre concepções de competência para trabalhadores administrativos em posição gerencial e não-gerencial estudo sobre competência no trabalho de otimização de motores em uma indústria automotiva estudo sobre desenvolvimento de competência no trabalho

104 91 Administração Intercultural Políticas e Práticas de RH Autonomia Mudança Organizacional Conhecimento e Aprendizagem Organizacionais Gestão da Internacionalização de Pequenas Empresas Partington & Configuring Knowledge in Practice- Young (2002) Grounded Research Networks: A Contemporary Example Pellegrinelli, Partington & Young (2003) Partington, Pellegrinelli & Young (2005) Chen & Partington (2006) Chen, Partington & Wang (2008) Sandberg (2009) Lupson & Partington (2005) Lupson & Partington (2011) Chen & Partington (2004) Chen, Partington & Qiang (2009) Pellegrinelli & Garagna (2010) Polesie, Frödell & Josephson (2009) Dunkin (2000) Understanding and Assessing Programme Management Competence Attributes and Levels of Programme Management Competence: An Interpretative Study Three Conceptual Levels of Construction Project Management Work Conceptual Determinants of Construction Project Management Competence: A Chinese Perspective Understanding of Work: The Basis for Competence Development Accountability for Public Sector IT Projects and the Senior Responsible Owner: A Theoretical Background and Research Agenda Individual Civil Servants Conceptions Of Accountability: A preliminary Study An Interpretive Comparison of Chinese and Western Conceptions of Relationships in Construction Project Management Work Cross-Cultural Understanding of Construction Project Managers Conceptions of Their Work Facilitating Selection and Development:The Case of the Accidental Professionals : Project and Programme Managers Implementing Standardisation in Medium-Sized Construction Firms: Facilitating Site Managers Feeling of Freedom through a Bottom-Up Approach Using Phenomenography to Study Organisational Change artigo em livro Bruce (1999) Workplace Experiences of Information Literacy Ortenblad (2002) Svensson (2009) Lamb, Sandberg & Liesch (2011) A Typology of the Idea of Learning Organization estudo das competências de gestão na implementação da estratégia em contextos competitivos/ambíguos estudo sobre competências necessárias aos gerentes de projetos para gerenciar programas corporativos de natureza estratégica e complexa estudo sobre o entendimento do que é ser um gerente de projeto e das competências distintivas para o exercício desta função estudo sobre as concepções básicas de trabalho de gestão de projetos, com diferentes atributos de experiência e realização do trabalho estudo sobre as competências dos gerentes de projeto na indústria de construção chinesa estudo sobre o desenvolvimento de competência no trabalho e o que torna o desenvolvimento de competências possível. estudo que compara limitação entre 5 métodos para estudar o papel do SRO, e as vantagens do método fenomenográfico para abordar a questão. Não disponível estudo que faz uma comparação empírica das amostras de gerentes de projetos da indústria de construção chineses e ocidentais quanto a concepção do seu trabalho estudo que faz a comparação dos gerentes de projeto chineses e britânicos, da indústria de construção, acerca das concepções do seu trabalho. estudo sobre as concepções sobre como a experiência profissional formam o pensamento e ação (construtos e atitudes aprendidos pelos profissionais), e servem de base para fundamentar empiricamente um modelo de competência. estudo sobre como são vistos os desafios de gestão nas firmas de construção estudo sobre mudança organizacional, apresentando a perspectiva dos agentes de mudança estudo sobre a experiência de competência informacional entre os vários tipos de profissionais estudo sobre a noção de Organização de Aprendizagem Learning Environments of Employees in estudo sobre aprendizagem em educação Knowledge-Intensive Company Units superior e no trabalho Small Firm Internationalisation estudo sobre os diferentes modos de conceber Unveiled Through Phenomenography internacionalização Quadro 8: Artigos e trabalhos acadêmicos na área de Estudos Organizacionais que utilizaram a Fenomenografia. Fonte: Cherman, 2012.

105 92 Apesar da existência de um número ainda reduzido de trabalhos em Administração, os dados dos Quadros 6 e 7 parecem sugerir que esta abordagem possui um grande potencial para estudos na área que buscam um entendimento mais profundo da percepção de um grupo sobre um fenômeno ou conceito Relação entre pesquisador, sujeitos e objeto em Fenomenografia Sobre a relação entre pesquisador, fenômeno e sujeitos pesquisados na Fenomenografia, Marton (1981) defende a utilização do que ele chama de perspectiva de segunda ordem em preferência a uma perspectiva de primeira ordem. A perspectiva de primeira ordem estaria relacionada com a visão e experiência que nós mesmos temos do mundo à nossa volta. Nesse caso, qualquer afirmação dentro desta lógica seria uma afirmação sobre a realidade. Em uma perspectiva de segunda ordem, nós nos orientaríamos para as ideias de outras pessoas sobre o mundo ou para a experiência dessas pessoas com o mundo. Seguindo esta lógica, qualquer afirmação dentro desta perspectiva seria uma afirmação sobre uma realidade percebida. O autor exemplifica a diferença entre as duas perspectivas, respectivamente, com as seguintes afirmações (p.178): As diferenças de sucesso na escola refletem principalmente diferenças inerentes na inteligência e Existem pessoas que pensam que as diferenças de sucesso na escola refletem principalmente diferenças inerentes na inteligência. Na Fenomenografia, conforme a argumentação de Marton (1981), é utilizada a perspectiva de segunda ordem, na qual é investigada a relação (percepção, compreensão, experiência) entre os sujeitos pesquisados e o fenômeno abordado. É importante destacar que esta abordagem de pesquisa não se preocupa com os atributos pessoais dos sujeitos que percebem o fenômeno (como, por exemplo, estado mental ou aspectos psicológicos, sentimentos e emoções), nem com os aspectos específicos do fenômeno. Ao invés de focar na pessoa ou no fenômeno, investiga-se a experiência do sujeito com relação ao fenômeno (MARTON, 1981). Logo, uma pesquisa Fenomenográfica busca compreender as diferentes formas de se perceber um fenômeno a partir do ponto de vista de um determinado grupo de pessoas que possui experiência com relação a este fenômeno. Através deste tipo de estudo, pessoas externas a um grupo têm acesso à percepção daqueles que fazem parte dele e que vivenciam o fenômeno.

106 93 fenômeno. A Figura 4 ilustra o objeto de pesquisa na Fenomenografia: a relação entre o sujeito e o Pesquisador Relação entre pesquisador e sujeitos Objeto de estudo Relação entre pesquisador e fenômeno Sujeitos Relação entre sujeito e fenômeno Fenômeno Figura 4: Objeto de estudo em Fenomenografia. Fonte: Bowden (2005, p. 18) Considerações sobre epistemologia e ontologia Conforme descrito anteriormente, esta abordagem de pesquisa foi originalmente desenvolvida por um grupo de pesquisadores educacionais da Universidade de Gothenburg, na Suécia, durante a década de Segundo Hasselgren e Beach (1996), este grupo pioneiro de pesquisadores Fenomenográficos aplicava um tipo de pesquisa empírica e pragmática e, portanto, não havia grandes preocupações com comprometimentos filosóficos. Só ao final da década de 1980 começou-se a buscar uma fundamentação filosófica para a Fenomenografia. Em Marton e Booth (1997) a Fenomenografia é definida como uma abordagem cuja ontologia é considerada não-dualista, na qual só existe um mundo, um mundo real que é experimentado e entendido de diferentes formas pelos seres humanos; é subjetivo e objetivo ao mesmo tempo. Uma experiência é a relação entre objeto e sujeito e que abrange os dois (Marton, 1988, p.537 apud Richardson, 1999). Em outras palavras, a única realidade existente é a aquela que se conhece através da experiência (ULJENS, 1996). Segundo Uljens (1996), em termos epistemológicos, a teoria elaborada em uma abordagem não-dualista não está relacionada com o mundo, mas com a experiência do sujeito no mundo. A teoria deve corresponder à experiência e ao entendimento humano e não se preocupar com o quanto isto representa a realidade, pois em uma ontologia não-dualista

107 94 não há distinção entre mente e realidade. A verdade científica é, de acordo com esta posição, absoluta só em sentido relativo (ULJENS, 1996) 31. O autor cita o exemplo de a que a verdade sobre um cavalo seria a soma das observações do jockey, do apostador, do fazendeiro, do veterinário e do autor de livro sobre cavalos. Apesar de ter sido estabelecida uma posição clara quanto a sua ontologia, este mesmo posicionamento não-dualista trouxe à tona questionamentos sobre a epistemologia do método. Algumas destas questões foram colocadas por Richardson (1999). O autor aponta que dentro do contexto de pesquisa em ciências sociais, a Fenomenografia apresenta algumas inconsistências quando analisados em conjunto: o objetivo, a fonte de dados, a ontologia e a interpretação de mundo defendida por seus principais teóricos Marton e Booth (1997). Ao analisar o objetivo da pesquisa Fenomenográfica que seria o de caracterizar as variações nas experiências das pessoas com relação a um fenômeno, em uma perspectiva de segunda ordem (MARTON, 1981) e a fonte de dados utilizada que seria o relato do sujeito sobre a experiência 32, Richardson (1999) critica o fato de os relatos dos entrevistados serem considerados uma representação fiel da experiência do indivíduo com o fenômeno, dado que estes discursos já seriam uma interpretação do indivíduo sobre a experiência com o fenômeno analisado. Para o autor, a Fenomenografia insiste em uma epistemologia dualista que marca a distinção entre experiência de primeira ordem de objetos e eventos e o nosso conhecimento de segunda ordem da experiência das outras pessoas com relação a estes objetos e eventos: Nós aprendemos sobre objetos físicos observando-os, mas aprendemos sobre a experiência de outras pessoas com estes objetos perguntando a elas sobre o assunto[?] (p.67). Marton e Booth (1997, p apud Richardson, 1999) argumentam que as concepções de realidade analisadas seriam aspectos da consciência que já existiam antes do momento da entrevista e que são apenas trazidas a um estado de reflexão através da intervenção do pesquisador no momento da entrevista. Para Richardson (1999) esta é uma interpretação realista dos relatos dos sujeitos (no sentido de ser considerada uma descrição verídica de uma realidade objetiva), na qual as concepções de realidade são entidades 31 Ainda segundo Uljens (1996) a posição não-dualista da Fenomenografia seria uma reação contra uma ontologia dualista na qual se considera a existência de duas realidades inter-relacionadas, porém independentes e uma epistemologia representativa que aceita uma ontologia dualista e se preocupa com a relação entre os dois mundos existentes. 32 Richardson (1999) destaca outras formas de fonte de dados citadas por Marton e Booth (1997, p.132), entre elas: entrevistas em grupo, observação, desenho, respostas escritas, documentos históricos. Ele observa, entretanto, que todas essas formas alternativas de dados tratam de diferentes formas de discurso e que teriam o mesmo status de um relato oral.

108 95 objetivas que desempenham um papel determinante na ação e no comportamento das pessoas. Nesse sentido, Richardson (1999) mais uma vez critica a abordagem Fenomenográfica visto que o pesquisador não possui acesso aos eventos mentais dos sujeitos, só aos relatos verbais. Diante destes problemas epistemológicos, e dado que a entrevista é uma importante fonte de coleta de dados para a Fenomenografia, Richardson (1999) sugere uma alternativa ao tratamento dos relatos dos sujeitos: uma interpretação construtivista das concepções de realidade. De acordo com esta visão, as categorias de descrição não se refeririam à realidade objetiva isto é, ao tipo de realidade que pode de alguma forma ser acessada por meio de observação neutra mas devem ser consideradas como formas de discurso que aparecem nas práticas interpretativas dos sujeitos (RICHARDSON, 1999). Seguindo esta alternativa sugerida por Richardson (1999), a qual considera que o pesquisador não possui acesso direto à relação em entre o sujeito e o fenômeno, só ao discurso interpretativo do sujeito sobre esta relação, no momento da entrevista, a Figura 5 ilustra o objeto de pesquisa em uma interpretação construtivista das concepções de realidade. Pesquisador Objeto de estudo Relação entre pesquisador e sujeitos Relato do sujeito sobre sua relação com o fenômeno Relação entre pesquisador e fenômeno Sujeitos Relação entre sujeito e fenômeno Fenômeno Figura 5: Objeto de estudo em Fenomenografia, abordagem construtivista. Fonte: Elaborado pela autora, adaptado de Bowden (2005, p. 18). É importante observar que diferentemente de Bowden e Green (2005) que consideram a relação entre sujeito e fenômeno como objeto de estudo (ver Figura 4), na Figura 5 o relato do sujeito sobre a sua relação com o fenômeno é identificado como objeto de estudo. Nesta pesquisa o relato do sujeito sobre a sua relação com o fenômeno, no momento da entrevista, foi considerado como objeto de pesquisa.

109 Tipos de Fenomenografia De acordo com Saljo (1997), até o ano de publicação de seu trabalho, a Fenomenografia teria sido aplicada em três diferentes tipos de projetos: (1) os que buscam entender aprendizagem, em geral; (2) os que exploram conceitos acadêmicos (em economia, física, entre outros); (3) e os que os que se preocupam em descrever vários aspectos da realidade das pessoas (como por exemplo, poder político). Este último tipo é chamado por Marton (1986) de pure phenomenography ou fenomenografia pura. Hasselgren e Beach (1996) propuseram uma tipologia alternativa para classificar os tipos de Fenomenografia, baseando-se não no foco de interesse da pesquisa, mas nos diferentes contextos de produção destas e identificaram cinco formas de aplicação do método: Experimental, Discursiva, Naturalista, Hermenêutica e Fenomenológica. Os autores relacionaram a Fenomenografia Experimental com os trabalhos iniciais realizados na década de 1970 pelos pesquisadores da Universidade de Gothenburg. Estes pesquisadores, normalmente em condições rigorosamente manipuladas, pediam para os alunos estudarem textos de livros didáticos e em seguida perguntavam sobre o entendimento do texto lido e sobre como o aluno havia construído o seu entendimento. O interesse central destas pesquisas era o de analisar as formas como os alunos haviam entendido o ponto principal dos textos e como os alunos lidavam com uma tarefa de aprendizagem. Como exemplo de trabalhos que usaram Fenomenografia Experimental, Hasselgren e Beach (1996) citam: o trabalho de Marton (1985) sobre o entendimento de um grupo de 30 estudantes sobre um texto de 1400 palavras; Lars Owe Dahlgren (1975) sobre o aprendizado em educação econômica; Saljo (1975) e seu trabalho sobre a percepção dos estudantes da tarefa de aprender. A Fenomenografia Discursiva também chamada de Fenomenografia Pura por Marton (1986) e Saljo (1994) refere-se a uma pesquisa preocupada a mapear concepções das pessoas sobre vários aspectos da realidade. A entrevista semiestruturada seria a forma de coleta de dados deste tipo de pesquisa. Como trabalhos da Fenomenografia Discursiva, os autores citam: Dahlgren (1979) e sua pesquisa sobre formação de preços; Saljo (1979) e seu estudo sobre concepções de aprendizagem; Marton, Beaty e Dall Alba (1993) também sobre concepções de aprendizagem. Vale ressaltar que Hasselgren e Beach (1996) criticam fortemente esta variação da Fenomenografia, considerando-a a forma menos sofisticada de realizar uma pesquisa

110 97 Fenomenográfica. Esses autores questionam o uso de entrevistas como um meio de produção de discursos livres nos quais os sujeitos expressariam seu entendimento genuíno sobre um fenômeno complexo 33 e ainda chamam a atenção para a possível falta de preparo do pesquisador sobre produção e análise de discurso. A Fenomenografia Naturalista estaria relacionada com a possibilidade de obtenção de dados diretamente de situações autênticas, isto é, segundo Hasselgren e Beach (1996), esta forma de pesquisa não estaria relacionada com a produção de dados por meio de experimentos ou com a extração de informação por meio de entrevistas, mas com o registro do que acontece em uma determinada situação sem a manipulação direta ou intervenção do pesquisador. Como exemplo deste tipo de Fenomenografia, os autores citam o trabalho de Lybeck (1981) no qual foi investigado o que ocorria na sala de aula quando o conceito de densidade (da física) era abordado. A chamada Fenomenografia Hermenêutica seria caracterizada pela interpretação de textos e relatos que não foram originalmente criados para o propósito da pesquisa Fenomenográfica. Um exemplo deste tipo de pesquisa seria o trabalho realizado por Lindblad (1995 apud Hasselgren e Beach, 1996) no qual foram investigadas as descrições de experimentos pedagógicos realizado por professores para uma comissão de ensino no final da década de Sobre o tipo Fenomenografia Fenomenológica, Hasselgren e Beach (1996) não fazem uma definição clara deste tipo de pesquisa. Porém, de acordo com os exemplos citados, uma pesquisa Fenomenográfica Fenomenológica estaria relacionada a trabalhos que de certa forma assumiram uma perspectiva de primeira ordem (e não de segunda ordem como é comum na Fenomenografia) e estariam preocupados com questões sobre a essência das experiências. Hasselgren e Beach (1996) sugerem que os modos de Fenomenografia Hermenêutica e Fenomenologia são os tipos que apresentariam qualidades fenomenológicas e poderiam ser desenvolvidas neste sentido. Os autores concluem afirmando que a Fenomenografia é uma pesquisa produtiva que pode ser desenvolvida de inúmeras formas. Em outros trabalhos, John Bowden 34 e seus colaboradores (BOWDEN e GREEN, 2005; BOWDEN e WALSH, 2000; GREEN e BOWDEN, 2009) introduziram na literatura outro 33 Conforme discutido anteriormente, Richardson (1999) propõe uma abordagem construtivista do método para lidar com a questão do discurso como fonte principal de dados. 34 John Bowden dedica-se à área de educação e aplica suas descobertas em contextos de ensino e aprendizagem, entre outros.

111 98 tipo de Fenomenografia denominada Developmental phenomenography ou Fenomenografia do desenvolvimento. John Bowden (BOWDEN, 2000) argumenta que este tipo de pesquisa busca descobrir como as pessoas vivenciam alguns aspectos de seus mundos, mas, diferentemente da fenomenografia pura, não se limitaria à descrição destas experiências. Para Green e Bowden (2009) a fenomenografia pura seria motivada basicamente pela curiosidade do pesquisador e teria como objetivo a apresentação dos resultados da pesquisa. Na fenomenografia do desenvolvimento, além da apresentação dos resultados, a intenção de resolver um problema ou assunto prático faria parte do objetivo da pesquisa e seria uma característica distintiva deste tipo de Fenomenografia (GREEN e BOWDEN, 2009). Bowden (2000) defende que o resultado da pesquisa voltada para o desenvolvimento deve ser usado como ferramenta de mudança na forma como as pessoas lidam com suas realidades. Nas palavras do autor: minhas razões para realizar uma pesquisa são as de usar seus resultados para influenciar o mundo no qual eu vivo e trabalho (BOWDEN, 2000, p. 3). Como exemplos deste tipo de pesquisa Green e Bowden (2009) citam dois estudos: um sobre o que os pesquisadores universitários entendiam por sucesso em seus projetos de pesquisa (BOWDEN et al, 2005); e outro sobre o porquê dos alunos de física no último ano de faculdade terem aparentemente se esquecido de conceitos básicos aprendidos na escola e no primeiro ano de faculdade (BOWDEN et al, 1992). As características, métodos e procedimentos deste tipo de pesquisa foram detalhadamente descritos por John Bowden, e sua equipe de pesquisadores, em dois livros: Bowden e Walsh (2000) e Bowden e Green (2005); e no artigo Green e Bowden (2009). Para a realização do presente estudo a pesquisadora optou por aplicar a Fenomengrafia, seguindo os métodos e procedimentos usados na Fenomenografia do Desenvolvimento para o planejamento, coleta e análise dos dados. A escolha pela utilização dos métodos da Fenomenografia do Desenvolvimento deuse, principalmente, por dois motivos. Em primeiro lugar, a pesquisadora obteve acesso a certa quantidade de publicações sobre este tipo de Fenomenografia que explicam, de forma bastante didática, as características e os métodos específicos deste tipo de investigação. Por fim, a escolha foi influenciada pelo fato da pesquisadora ter estabelecido contato com três dos principais pesquisadores que utilizam a Fenomenografia do desenvolvimento, o professor John Bowden, a professora Pamela Green e a professora Gerlese Akerlind. Bowden, particularmente, acompanhou e orientou o desenvolvimento da presente pesquisa por até o momento da defesa do projeto de tese e, ainda, recebeu a pesquisadora para um estágio

112 99 de quatro meses no ano de 2011, na universidade de Swinburne em Melbourne, Austrália, para auxiliá-la na fase de análise de dados. Vale ressaltar que apesar do presente estudo não ter como parte de seu objetivo a solução de um problema prático diretamente, a pesquisadora considerou que os métodos e procedimentos usados na Fenomenografia do Desenvolvimento para o planejamento, coleta e análise dos dados não são conflitantes, ao contrário disso, mostram-se adequados para a condução de sua pesquisa. Os conceitos e métodos aplicados na Fenomenografia do desenvolvimento serão mais bem explorados nos próximos itens deste capítulo e no item de Planejamento da Pesquisa no capítulo seguinte Sobre a experiência 35 com o fenômeno Antes de descrever as estruturas analíticas e os métodos da Fenomenografia utilizados neste trabalho, é importante destacar uma importante contribuição de Ference Marton e Shirley Booth (MARTON e BOOTH, 1997) para a compreensão do que seria vivenciar um fenômeno ou, conforme denominado pelos próprios autores, para a compreensão da natureza da percepção (p.82). Em Fenomenografia, vários termos utilizados de forma alternada referem-se à experiência com relação a um fenômeno concepções, experiência, modo de experimentar, entendimento, percepção, apreensão (MARTON e BOOTH, 1997). Segundo Sandberg (2000) o termo conception (aqui tratado como concepção) referir-seia às diferentes maneiras como as pessoas vivenciam e dão sentido ao seu mundo. Marton e Booth (1997) exploram a questão da experiência com um fenômeno a partir da pergunta: o que é necessário para que um fenômeno seja vivenciado de uma determinada maneira?. Para tal, Marton e Booth (1997), a partir da análise dos aspectos estruturantes da consciência e dos fatores que constituiriam uma experiência, descrevem os elementos que estariam presentes na experiência com um fenômeno. Marton e Booth (1997) afirmam que vivenciar (experimentar) um fenômeno (ou algo) é, antes de tudo, discernir este fenômeno de seu contexto. Esse seria o aspecto estrutural da percepção sobre o fenômeno. Os autores dão o exemplo do processo de identificação de um 35 Vale ressaltar que experiência em Fenomenografia não é algo relacionado com funções mentais, mas sim com a forma como o mundo é percebido pelas pessoas (STOODLEY, 2009).

113 100 cervo imóvel em uma floresta à noite, isto é, teríamos que identificar naquilo que vemos o que são as árvores, o que são os arbustos, o que é o cervo, seus contornos e limites. Por outro lado, os autores afirmam que para se ver algo como algo nós temos que discernir este do seu ambiente, isto é, nós temos que dar-lhe um significado (só podemos identificar um cervo no contexto de uma floresta porque antes disso já havíamos atribuído um significado para os elementos cervo, árvores, arbustos e floresta). Esse seria o aspecto relacional da percepção sobre o fenômeno. Para Marton e Booth (1997) significado pressupõe estrutura e estrutura pressupõe significado e, portanto, estes dois aspectos estariam interligados e ocorreriam simultaneamente quando vivenciamos algo. A experiência deve, então, ser analisada sob estes dois aspectos: estrutural e relacional (MARTON, 1997). O aspecto estrutural, de acordo com Marton e Booth (1997), é elaborado a partir da distinção do fenômeno de seu contexto e também da distinção e identificação de suas partes e da relação entre elas. Voltando ao exemplo do cervo, o aspecto estrutural não se limitaria à identificação do contorno do cervo, mas incluiria a identificação das partes de seu corpo: patas, orelhas, chifres e suas relações em termos de distância 36. O aspecto relacional estaria relacionado com o significado atribuído pelos sujeitos à experiência. Vale lembrar que embora a experiência seja subdivida pelo método para fins de análise, os dois aspectos estrutural e relacional são intimamente relacionados e vivenciados simultaneamente (MARTON e BOOTH, 1997). Ainda para Marton e Booth (1997), como a experiência está sempre inserida em um contexto e não podemos estar conscientes de tudo da mesma forma, a nossa percepção é estruturada de tal forma que enquanto alguns elementos então no foco da nossa atenção, outros são relegados ao segundo plano. Os aspectos do fenômeno, e as relações entre eles, que são discernidas e presentes simultaneamente no foco de atenção do indivíduo definem o modo como este indivíduo vivencia o fenômeno (MARTON e BOOTH, 1997). Marton e Booth (1997) afirmam que o modo de vivenciar algo pode, então, ser descrito em termos da estrutura ou organização da consciência em um momento ou em momentos 36 Estas duas partes do aspecto estrutural são denominadas: horizonte externo que seria o modo como o fenômeno é discernido (delimitado) do contexto e relacionado com este (MARTON, 1997), e horizonte interno que seriam as relações internas entre as partes e das partes com o todo (MARTON, 1997).

114 101 específicos. Assim como os modos qualitativamente diferentes de vivenciar algo podem ser entendidos em termos das diferenças na estrutura e na organização da consciência em um dado momento. Os autores ainda sugerem uma relação hierárquica entre os modos de experiência. Dessa forma, um modo particular de vivenciar algo reflete a percepção simultânea de alguns aspectos do fenômeno, enquanto outra forma de vivenciá-lo reflete a simultaneidade de percepção de outros, ou mais, ou menos aspectos do mesmo fenômeno. Modos mais avançados são mais complexos e inclusivos do que os menos avançados. Por avançado os autores referem-se à simultaneidade de percepção de mais partes ou mais os aspectos do todo Categorias de descrição e dimensões de variação Bowden (2000) e Kirk (2002) chamam atenção para a diferença entre os termos concepções e categorias de descrição usados na Fenomenografia e criticam a confusão feita por alguns pesquisadores ao usarem os dois termos. Kirk (2002) cita Johansson et al. (1985, p. 249) ao afirmarem que a diferença entre concepções e categorias de descrição seria: concepções, que é a nossa unidade de análise, referem-se a todas as qualidades das relações do homem com o mundo. Estas também se referem às formas qualitativamente diferentes as quais algum fenômeno ou aspecto da realidade é entendido. Para caracterizar essas concepções, nós usamos algumas categorias de descrição. As categorias não são, entretanto, idênticas às concepções elas são usadas para denotá-las. As categorias de descrição seriam, portanto, as representações analíticas das concepções (ou modos de vivenciar um fenômeno). Segundo Marton e Booth (1997, p.125), uma categoria de descrição é um complexo no qual os aspectos do modo de vivenciar o fenômeno em questão foram expressos. Marton e Booth (1997, p.127) apontam algumas diferenças entre os dois termos. Os autores afirmam que quando se apresenta as diferentes formas de vivenciar algo, as concepções são aquilo que é descrito e as categorias de descrição são o modo como é feita a descrição. E enquanto uma concepção refere-se a algo em termos da percepção individual, as categorias de descrição referem-se a algo no nível coletivo. Os autores consideram ainda que a categoria de descrição, relacionada ao grupo, é mais robusta do que os dados relacionados ao indivíduo (concepções). Akerlind (2005b) ressalta que o pesquisador ao utilizar a Fenomenografia não está procurando representar toda a riqueza de variações possíveis na experiência com um

115 102 fenômeno, mas representar os aspectos críticos que distinguem as formas qualitativamente diferentes da experiência e, por isso, as descrições dos diferentes modos de vivenciar/entender nas categorias devem representar somente os aspectos críticos do modo de vivenciar um fenômeno (AKERLIND, 2005d). Para Akerlind (2005d) o foco nos aspectos críticos facilita a busca por uma relação lógica entre os diferentes significados identificados no processo de análise de dados. Embora algumas variações não críticas possam ser incluídas nas descrições das categorias 37 (AKERLIND, BOWDEN e GREEN, 2005). Akerlind, Bowden e Green (2005) salientam que as categorias de descrição constituídas pelo pesquisador devem sempre ser justificáveis por meio das transcrições das entrevistas. Os elementos presentes na percepção sobre a experiência com um fenômeno são descritos nas categorias de descrição. A diferença entre as categorias decorre da variação ou simultaneidade dos aspectos percebidos sobre mesmo fenômeno. Essas diferenças entre as categorias são chamadas de dimensões de variação que indicam como as várias categorias estão relacionadas entre si. Segundo Akerlind (2003), as categorias de descrição são a descrição dos significados qualitativamente diferentes atribuídos ao fenômeno vivenciado (ou aspecto relacional da experiência com o fenômeno (MARTON e BOOTH, 1997), descrito no item anterior), enquanto as dimensões de variação representam a estrutura dessa variação de significado (ou aspecto estrutural da experiência com o fenômeno (MARTON e BOOTH, 1997)) Espaço de resultados Por ter como um dos objetivos de pesquisa proporcionar ao leitor uma visão holística do conjunto de percepções qualitativamente diferentes de um grupo de sujeitos em relação a um determinado fenômeno (STOODLEY, 2009), a fenomenografia propõe a organização dos resultados de forma sintética, em uma estrutura denominada Espaço de Resultados. Esse espaço seria composto, principalmente, por duas representações analíticas: categorias de descrição - descrição dos significados qualitativamente diferentes atribuídos ao fenômeno vivenciado e dimensões de variação - que indicam como as categorias se relacionam entre si (semelhanças e diferenças) (AKERLIND, 2003). Segundo Akerlind (2003), as categorias de descrição em conjunto não representam um grupo desconectado de diferentes concepções, mas um grupo estruturado, logicamente 37 AKERLIND, BOWDEN E GREEN (2005) denominam variações críticas aquelas que distinguem as diferentes formas de vivenciar o fenômeno, e denominam variações não críticas as variações no significado que

116 103 relacionado entre si. E conjunto de categorias de descrição, que estão relacionadas entre si por meio das dimensões de variação, é denominado em Fenomenografia de Espaço de Resultados. A Figura 6 ilustra como o Espaço de Resultados pode ser sintetizado. Categorias de Descrição Dimensões de Variação Dimensão 1 Categoria 1 Categoria 2 Categoria 3 Categoria 4 Dimensão 2 Dimensão 3 Dimensão 4 Dimensão 5 Figura 6: Exemplo de apresentação da síntese do Espaço de Resultados Logo, o Espaço de Resultados representaria uma conjunto de categorias de descrição relacionadas entre si e constituiria um sistema que descreve um fenômeno a partir da perspectiva de um grupo (STOODLEY, 2009). Nas palavras de Marton (1981. p.177, 198): a totalidade dessas categorias de descrição denotam um tipo de intelecto coletivo (...) um sistema superindividual de formas de pensamento. Akerlind (2005b) ressalta que o pesquisador ao utilizar a Fenomenografia não procura ilustrar toda a riqueza de variações possíveis na experiência com um fenômeno; busca representar os aspectos críticos, discriminadores das formas qualitativamente diferentes da experiência. Por isso, as descrições dos diferentes modos de vivenciar/entender contemplados nas categorias devem representar, de forma sucinta, somente os aspectos críticos do modo de vivenciar um fenômeno (AKERLIND, 2005d). Os resultados obtidos por este tipo de pesquisa, segundo Marton (1981), poderiam ser utilizados para analisar casos concretos no futuro ou as categorias de descrição podem ser aplicadas em casos concretos com o estabelecimento de hipóteses a serem investigadas. Marton e Booth (1997) apresentam três critérios básicos para julgar a qualidade de um espaço de resutados: 1. cada categoria no espaço de resultados deve revelar algo distintivo sobre um modo de entender o fenômeno; ocorrem dentro de um modo particular de vivenciar o fenômeno.

117 as categorias devem ser relacionadas, tipicamente como uma estrutura hierarquia inclusiva; 3. o espaço de resultados deve ser parcimonioso, isto é, a variação critica na experiência observada deve ser representada pelo mínimo de categorias possíveis. A respeito do segundo critério referente à estrutura hierárquica inclusiva Akerlind, Bowden e Green (2005) apontam ainda que a hierarquia é baseada na evidência de que algumas categorias estão incluídas em outras, de acordo com o grau de complexidade isto é, entendimentos mais ou menos completos do mesmo fenômeno (MARTON e BOOTH, 1997). Isto significa que a experiência de autonomia descrita nas últimas Categorias inclui aspectos da autonomia percebida nas primeiras categorias, mas o contrário não ocorre. Neste sentido, enquanto cada nova categoria possui elementos em comum com as categorias precedentes, essas também apresentam algo novo sobre a experiência de autonomia no trabalho. Por exemplo, em um estudo fenomenográfico cujo resultado obtido é representado por quatro categorias de descrição organizadas de acordo com uma estrutura hierárquica inclusiva, a Categoria 2 seria considerada mais completa do que a Categoria 1 por descrever elementos da percepção sobre o fenômeno que estão presentes tanto na Categoria 1 quanto na Categoria 2, embora um parte dos elementos descritos na Categoria 2 não estejam presentes na Categoria 1. Da mesma forma, a descrição da Categoria 3 seria composta por elementos que estão presentes nas Categorias 1 e 2 e por elementos que estariam presentes na Categoria 3, mas não nas Categorias 1 e 2. A Categoria 4, por sua vez, incluiria na sua descrição os elementos das Categorias 1, 2 e 3, além dos elementos que estariam presentes apenas na Categoria 4. A Figura 7 ilustra a organização de quatro categorias de descrição relacionadas em uma estrutura hierárquica inclusiva.

118 105 Categoria 4 Categoria 3 Categoria 2 Categoria 1 Figura 7: Exemplo de uma estrutura hierárquica inclusiva É importante destacar, conforme enfatizado por Akerlind, Bowden e Green (2005), que a hierarquia apresentada no resultado de uma pesquisa fenomenográfica não é baseada em um juízo de valor a respeito da melhor ou pior forma de se vivenciar o fenômeno. O propósito da hierarquização é evidenciar que algumas categorias estão incluídas em outras, de acordo com o grau de complexidade. Akerlind (2005) destaca que nem sempre a estrutura do espaço de resultados deve tomar a forma de uma hierarquia linear; estruturas ou hierarquias ramificadas também são uma possibilidade. Marton e Booth (1997) afirmam, ainda, que um sistema de categorias nunca pode ser considerado um sistema finalizado, o seu objetivo, no entanto, deve ser completo no sentido em que nada da experiência coletiva, manifestada na população investigada, foi ignorado pelo pesquisador Coleta de dados Atualmente as entrevistas representam o meio mais comum de coleta de dados na pesquisa Fenomenográfica (AKERLIND, 2005a). A seguir serão apresentadas algumas das principais características da entrevista Fenomenográfica. A entrevista Fenomenográfica Akerlind, Bowden e Green (2005, p. 80) resumem as principais características da entrevista Fenomenográfica:

119 106 são semiestruturadas, com o pesquisador introduzindo os tópicos da entrevista por meio de um determinado número de perguntas planejadas, mas também fazendo o uso substancial de perguntas de acompanhamento improvisadas para maior investigação das respostas feitas pelos entrevistados às perguntas. Os autores ressaltam que durante a parte não planejada das entrevistas (quando as perguntas de acompanhamento são feitas) os entrevistadores não devem abordar nenhuma ideia sobre o tópico que não tenha sido introduzida anteriormente pelo entrevistado 38. Segundo Akerlind (2005b) a entrevista Fenomenográfica tem como objetivo extrair os significados atribuídos e as atitudes com relação ao fenômeno investigado. Normalmente as informações são obtidas através da exploração de exemplos concretos fornecidos pelos entrevistados. O interesse principal não seriam os detalhes do relato, mas o uso da descrição destas experiências como meio para explorar a forma como o entrevistado pensa, percebe e age sobre o fenômeno. Para que o pesquisador possa ter acesso a este tipo de informação, Akerlind (2005b) ressalta a importância do uso de perguntas que vão além das descrições dos fatos as perguntas sobre o que (o que você faz?) para as perguntas que elucidam o entendimento do entrevistado sobre estes fatos (as perguntas de acompanhamento). Sobre este último tipo de pergunta, Akerlind (2005c) argumenta que enquanto alguns autores (Uljens, 1996; Sandberg, 1994) sugerem somente o uso de questões do tipo o que e como, ela defende o uso de perguntas do tipo por que (por que você faz isso desta forma?). Akerlind (2005c) explica que a razão desses autores evitarem o uso de perguntas do tipo por que está relacionada com a ideia de que estas abordariam explicações causais, e este não é o objetivo da pesquisa Fenomenográfica. No entanto, Akerlind (2005c) afirma que questões do tipo por que quando usadas com o objetivo de esclarecer a atitude e a intenção do entrevistado e não de explorar relações causais, são uma poderosa ferramenta de entrevista. Akerlind, Bowden e Green (2005) destacam ainda que não há a necessidade de inclusão do termo por que diretamente nas perguntas, o importante é que as questões elaboradas ajudem a descobrir porque o entrevistado vê o fenômeno de um modo particular. Sobre a condução das entrevistas, Akerlind (2005c) destaca que, por um lado, o entrevistador tem um papel ativo e de liderança dado que ele define o assunto que está sendo discutido e o foco da discussão; por outro lado, o entrevistador deve ser o mais neutro possível, apenas seguindo as ideias levantadas pelos entrevistados, e apresentando um repertório de perguntas de acompanhamento que ajudem o entrevistado a desenvolver mais o que foi dito, mas sem conduzir este desenvolvimento de ideias em direção alguma.

120 107 Roteiro de entrevista Como a entrevista da pesquisa Fenomenográfica é semiestruturada, o roteiro geralmente é formado por poucas perguntas planejadas. O roteiro de entrevista desta pesquisa foi desenvolvido conforme as orientações dos autores citados no item anterior e será apresentado no próximo capítulo. Seleção de sujeitos Em Fenomenografia, um grupo pequeno de entrevistados (normalmente entre 20-30) que apresentam variação com relação a determinados indicadores chave (como idade, gênero, experiência) é o tradicional (AKERLIND, BOWDEN E GREEN, 2005). Akerlind (2005c) argumenta que o uso de uma seleção de sujeitos baseada na variedade está relacionado com a ideia de aumentar as possibilidades do pesquisador em ter acesso a uma maior variedade de relatos sobre a experiência com o fenômeno. Diante do objetivo do presente estudo e do foco na variedade da metodologia, a pesquisadora optou por entrevistar trabalhadores empregados e profissionais autônomos. Foram adotados quatro principais critérios de variedade: idade, gênero, tipo de vínculo empregatício/grau de vinculação organizacional, atividade profissional. A operacionalização destes critérios será mais explorada no próximo capítulo. Este trabalho será baseado em entrevistas semiestruturadas com sujeitos selecionados Análise de dados A análise de dados na Fenomenografia é um estágio da pesquisa bastante criticado no final da década de 1990 pela ausência de publicações com informações sobre os procedimentos para a realização desta tarefa (HASSELGREN e BEACH, 1996; RICHARDSON, 1999;) e pela ausência de critérios para a realização de uma análise crítica dos procedimentos utilizados e resultados apresentados (HASSELGREN e BEACH, 1996). Richardson (1999) aponta que, devido a essa ausência de orientação metodológica, alguns pesquisadores simplesmente adotaram os métodos utilizados na Grounded Theory para fazer seus estudos Fenomenográficos (por exemplo: Laurillard, 1978, p.65-67; Morgan, 1991; Morgan, Taylor e Gibbs, 1982). 38 Um bom exemplo deste processo é ilustrado em Trigwell (2000).

121 108 Hasselgren e Beach (1996), constatando a ausência de uma clarificação metodológica na época, comparam a Fenomenografia a um tipo de análise de discurso na qual as relações entre produção do discurso e designação de significado são ignoradas. No entanto, recentemente algumas publicações Akerlind, 2005a; Bowden e Walsh, 2000; Bowden e Green, 2005; e até mesmo Marton e Booth, 1997 começaram a discutir mais amplamente e clarificar os procedimentos de análise de dados na Fenomenografia. As principais ideias abordadas por esses autores serão apresentadas neste item. Akerlind (2005a) afirma que, como as entrevistas representam o meio mais comum de coleta de dados, as transcrições das entrevistas passam a ser o principal foco da análise Fenomenográfica. O conjunto de transcrições como um todo representa uma foto das formas de vivenciar o fenômeno por um grupo particular de pessoas em um momento particular e em resposta a uma situação específica (AKERLIND, BOWDEN e GREEN, 2005). Akerlind (2005a) apresenta algumas das características gerais do papel do pesquisador e do processo de análise. Sobre o papel do pesquisador, Akerlind (2005a) destaca que é necessário que ele: mantenha a mente aberta durante o processo de análise no sentido de evitar visões predeterminadas e conclusões precipitadas sobre as categorias desenvolvidas; ajuste constantemente sua visão através da reflexão, da discussão e do surgimento de novas perspectivas; foque nas transcrições e categorias como um todo, ao invés de focar nas transcrições e categorias individualmente; e também mantenha o foco na experiência do grupo e não na do indivíduo. Sobre o processo de análise, Akerlind (2005a) afirma que este geralmente começa com uma busca por significado, ou variação de significado, nos relatos dos sujeitos e que em seguida esta etapa é complementada pela pesquisa da relação entre estes significados. A autora ressalta que nos primeiros estágios a leitura das transcrições é caracterizada pelo alto grau de abertura a possíveis significados. As leituras subsequentes vão se tornando mais focadas em aspectos particulares, isto é, a cada releitura um aspecto diferente é colocado como foco da atenção até que o pesquisador obtenha uma visão do todo. O processo como todo é fortemente interativo e comparativo, envolvendo uma continua classificação e reclassificação dos dados, além da progressiva comparação entre dados e as categorias de descrição desenvolvidas, assim como comparação entre as próprias categorias (AKERLIND, 2005a, p. 324). Ainda segundo Akerlind (2005a), a primeira ação para a constituição das categorias de descrição seria a busca das similaridades e diferenças chave entre as categorias. E isso em

122 109 termos práticos significaria que as transcrições e trechos dos relatos dos sujeitos devem ser agrupados e reagrupados de acordo com as similaridades e diferenças percebidas no critério que foi estabelecido 39. Gibbigns (2008, p. 103), a partir dos trabalhos de Marton (1984, 1988) e Marton e Booth (1997), faz um resumo das etapas da análise de dados na pesquisa Fenomenográfica: 1. baseado no objetivo do estudo, o pesquisador deve selecionar os trechos das transcrições mais significativos; 2. o fenômeno estudado deve ser explorado e interpretado a partir dos trechos selecionados de todas as entrevistas; 3. os trechos são, então, organizados de acordo com o contexto da entrevista da qual foram retirados, pois trechos parecidos podem ter significados diferentes dependendo do contexto no qual foram abordados; 4. em seguida a atenção é desviada da entrevista individual (e do indivíduo) para o significado ou conjunto de significados dos trechos selecionados. Cada trecho passa a pertencer a dois grupos de significados: um proveniente da entrevista original e outro do conjunto de significados desenvolvido na análise. O foco deve estar sempre direcionado ao que é revelado nos trechos sobre como o entrevistado experimenta o fenômeno em questão; 5. pouco a pouco se traça a diferenciação entre os conjuntos de significados para que as categorias de descrição sejam formadas de acordo com as similaridades encontradas. As margens entre as categorias também são examinadas; 6. o critério que define cada categoria é documentado em termos de seus significados centrais; 7. durante toda a análise, os dados são continuamente classificados e reclassificados, com comparações entre dados e categorias e entre categorias. As próprias definições das categorias são constantemente ajustadas. Ao longo do processo o número de mudanças diminui e as descrições das categorias se estabilizam (Marton, 1986 apud Gibbings, 2008). Akerlind, Bowden e Green (2005) destacam que o fim do processo de análise é alcançado quando nada mais emerge das contínuas interações; 8. no final do processo, cada categoria deve ser documentada em termos de seu significado central e de seus limites; 39 Akerlind (2005b) relata ter feito anotações próprias sobre as transcrições como um recurso auxiliar no processo de análise em seu projeto de doutorado.

123 a estrutura hierárquica das relações entre as categorias é desenvolvido e apresentado. Akerlind, Bowden e Green (2005) argumentam que os pesquisadores devem ser fiéis aos dados coletados e não inferir durante a análise o que poderia ter sido dito pelo entrevistado, mas que não foi. No entanto, os autores alertam que essa fidelidade aos dados não pode ser confundida com a ideia que só se pode trabalhar com o que é dito explicitamente, descartando-se o que está implicado nas palavras usadas pelos entrevistados. A análise superficial, puramente linguística, iria contra o esforço que deve ser feito pelo pesquisador em descobrir as variações no sentido/significado atribuído pelo sujeito ao fenômeno. Variações na aplicação do método de análise de dados Akerlind (2005a) discute sobre a variedade com que o processo de análise de dados é aplicado na prática. A autora identificou quatro formas de variação. A primeira estaria relacionada ao tamanho dos trechos das transcrições consideradas para análise, a segunda estaria na ênfase colocada sobre a colaboração de diferentes pesquisadores, em seguida estaria a variação no modo de gerenciamento dos dados e por último a autora identificou diferentes formas na constituição da estrutura dos resultados. Sobre a variação no tamanho dos trechos das transcrições consideradas para análise, Akerlind (2005a) aponta que enquanto alguns pesquisadores defendem o uso da transcrição completa ou de grandes trechos da transcrição (ex.: Bowden, 2005), outro grupo defende a seleção de trechos menores que parecem representar significados relevantes presentes nos dados (ex.: Marton, 1986; o processo descrito por Gibbings (2008,) e apresentado anteriormente, é um exemplo deste tipo de estilo de análise). O argumento dos que usam toda ou grande parte da transcrição é o de que o contexto mais amplo da entrevista é importante para que o pesquisador seja fiel na interpretação dos dados. O argumento dos que usam conjuntos de significado é o de que uma maior descontextualização facilita o foco no significado coletivo, e não no indivíduo (AKERLIND, BOWDEN e GREEN, 2005). Enquanto o risco da prática do primeiro grupo seria a impossibilidade de gerenciamento dos dados, o do segundo seria a possível desconsideração de aspectos importantes do contexto.

124 111 Sobre a variação na ênfase colocada com relação à colaboração de diferentes pesquisadores, Akerlind (2005a) destaca que alguns autores (Bowden, 1994; Walsh, 1994) defendem que a participação de mais de um pesquisador no processo de análise levaria a um resultado de pesquisa mais rico. No entanto, a autora chama a atenção para a existência de um grande número de trabalhos individuais com reconhecida alta qualidade. Sobre a variedade na forma de gerenciar os dados, Akerlind (2005a) identificou seis diferentes focos de atenção nas leituras das transcrições ou nas revisões das categorias de descrição: (1) foco nos componentes estruturais ou referenciais das categorias de descrição; (2) foco nos aspectos estruturais do fenômeno; (3) foco nas similaridades e diferenças intra e entre as categorias e transcrições associadas às categorias; (4) tentativas de resolver ou entender desencontros ou inconsistências entre as interpretações dos diferentes pesquisadores envolvidos no projeto; (5) foco nas transcrições cujos aspectos não se encaixam nas categorias definidas; (6) busca de implicações em todas as categorias de descrição pela mudança em qualquer uma das categorias. Ainda sobre o gerenciamento dos dados durante a análise, Akerlind (2005a) afirma que alguns autores começam a análise usando uma amostra preliminar, que em seguida é reconsiderada com relação às transcrições adicionais, até que todo o conteúdo seja analisado. Em seu outro trabalho Akerlind (2005c) cita Prosser (1994) e Trigwell (2000) que afirmam que entre 10 e 15 é o intervalo entre o número ideal e máximo de transcrições que pode ser analisado de uma vez. Sobre as formas de constituição da estrutura, Akerlind (2005) cita Walsh (1994) que discute a variação na visão dos pesquisadores como: (1) o grau com que a estrutura lógica do espaço de resultados precisa emergir diretamente dos dados e (2) o quanto esta pode refletir de forma mais explícita o julgamento profissional do pesquisador. Walsh (2000) denomina a primeira visão de descobrindo categorias. Este tipo de processo se apoiaria na ideia de que as categorias são estabelecidas pelos dados e independem do processo de análise utilizado pelo pesquisador. Para defender a confiabilidade dos resultados, os pesquisadores confiam na prática de pedir para outros pesquisadores classificarem um conjunto de dados a partir das categorias definidas. Ainda segundo Walsh (2000) este processo seria caracterizado pela ênfase nas similaridades e diferenças nos dados e não na hierarquia das categorias. A segunda visão do processo é denominada por Walsh (2000) de construindo categorias que seria baseada na ideia de que as categorias emergem da relação entre o pesquisador e os dados. Nesta lógica a perspectiva do pesquisador influenciaria as categorias

125 112 formadas. Para Walsh (2000) há neste tipo de processo uma inevitável tensão entre a fidelidade com os dados e a criação pelo pesquisador de uma estrutura explicativa do fenômeno estudado. Para Akerlind (2005) esta seria uma discussão apenas de proporção, pois para a autora o resultado da pesquisa é sempre a soma do que é fornecido pelos dados e da interpretação e construção lógica do pesquisador. 3.5.Critérios de Qualidade Conforme destacado por Akerlind (2005), Lincoln e Guba (1985) e Klave (1995), tradicionalmente ainda é esperado dos pesquisadores qualitativos a aplicação das noções positivistas de validade e confiabilidade em suas pesquisas, mesmo quando é sabido que estas noções são provenientes de uma abordagem preocupada em analisar uma realidade objetiva. Estes autores afirmam que os critérios tradicionais de validade interna e externa, confiabilidade e objetividade perdem significado na pesquisa qualitativa e argumentam que estas noções devem ser contextualizadas novamente, levando em consideração os aspectos epistemológicos e ontológicos usados neste tipo de pesquisa. Para Akerlind (2005) o foco da qualidade deve voltar-se para o quanto os propósitos da pesquisa refletem de forma apropriada os métodos de pesquisa utilizados. Para Lincoln e Guba (1985, p.290) um ponto básico com relação ao que é confiável seria a simples resposta às perguntas: Como pode um pesquisador persuadir sua audiência (incluindo ele mesmo) de que os achados de uma investigação são dignos de receberem atenção ou dignos de serem levados em conta? Quais argumentos podem ser apresentados, quais critérios podem ser invocados, quais questões podem ser perguntadas, para que sejam persuasivos neste ponto? Em um contraponto aos critérios convencionais, Lincoln e Guba (1985) propõem quatro critérios de avaliação da qualidade da pesquisa construtivista: credibilidade (credibility), capacidade de transferência (transferability), fidelidade (dependability) e capacidade de confirmação (confirmability). Os autores oferecem um conjunto de ações que podem ser tomadas para atingir cada um dos critérios de qualidade descritos. Sobre o critério de credibilidade, que seria o substituto do critério tradicional de validade interna, os autores afirmam que para demonstrar a veracidade do seu trabalho, o pesquisador deve mostrar que representou adequadamente as múltiplas construções de realidade estudadas, isto é, ele deve mostrar que as reconstruções as quais ele chegou pelo seu

126 113 processo investigatório têm credibilidade para os construtores das realidades múltiplas originais (os sujeitos investigados). Algumas técnicas para a operacionalização do critério de credibilidade são sugeridas pelos autores, como: a realização de atividades que ajudem na credibilidade dos resultados produzidos; discussão com pares; verificação de adequação referencial; checagem com os membros. Sobre a primeira técnica, referente às atividades que ajudem na credibilidade dos resultados, os autores afirmam que a investigação terá maior credibilidade se o pesquisador: (1) demonstrar um período prolongado de engajamento no campo (para aprender sobre o contexto, minimizar distorções e construir confiança); (2) prover evidências de observação persistente (com o objetivo de identificar fatores salientes e acontecimentos inesperados); (3) fizer triangulação com o uso de diferentes fontes e tipos de dados, métodos e às vezes contar com múltiplos investigadores. A técnica de discussão com os pares seria uma atividade que proporciona uma verificação externa à pesquisa. Neste processo o pesquisador expõe seu trabalho e suas questões para uma pessoa experiente na área de pesquisa e na metodologia com o propósito de explorar aspectos da investigação que, sem tal intervenção, poderiam permanecer implícitos ou confusos na mente do pesquisador. A tarefa do interlocutor (par) é a de garantir que o pesquisador tenha o máximo de consciência possível de sua postura e do processo que está conduzindo, representando em muitos momentos o papel de advogado do diabo. Lincoln e Guba (1985) afirmam que o par não deve ser pouco experiente, pelo risco de não contribuir de forma significativa, nem deve ser sênior, pelo risco de suas sugestões serem consideradas como recomendações mandatórias. No caso específico de uma tese de doutorado os autores recomendam que os membros da banca não sejam selecionados para exercer a tarefa do interlocutor (par). Sobre a terceira técnica para operacionalização do critério de credibilidade, a adequação referencial, os autores sugerem que os resultados e interpretações preliminares sejam checados com dados brutos coletados dados da pesquisa que não sofreram nenhum tipo de análise. A checagem com membros seria um procedimento no qual as categorias analíticas, interpretações e conclusões são testadas com membros dos grupos dos quais os dados foram originalmente coletados. Esta técnica poderia ocorrer de modo formal e informal. O segundo critério alternativo sugerido por Lincoln e Guba (1985), a Capacidade de Transferência, substitui o critério tradicional de capacidade de generalização ou validade

127 114 externa. Segundo os autores, a possibilidade de transferência depende do grau de similaridade entre o contexto original da pesquisa e o no qual a pesquisa será replicada. E ainda, como o pesquisador construtivista não pode especificar outros contextos a não ser o da sua própria pesquisa, sua maior contribuição para outros trabalhos se resumiria em proporcionar uma descrição precisa e detalhada do seu próprio estudo. Em outras palavras, a responsabilidade do pesquisador não está em prover um roteiro de transferência, mas em disponibilizar uma base de dados que torne o julgamento de uma transferência possível por aqueles que gostariam de replicar a pesquisa ou seus resultados. Sobre o critério de Fidelidade, que substitui o de confiabilidade, os autores sugerem a realização de uma auditoria na pesquisa. Neste procedimento, o auditor possui duas tarefas: (1) de examinar o processo de investigação e atestar a sua aceitabilidade; (2) examinar os produtos da pesquisa dados, resultados, interpretações, notas, recomendações e atestar a sua coerência interna. Lincoln e Guba (1985) afirmam que este mesmo procedimento pode ser usado para operacionalizar o quarto critério alternativo: capacidade de confirmação. Ainda sobre o critério de Fidelidade, Shah e Corley (2006) complementam os métodos para operacionalizá-lo e incluem a realização de uma amostragem teórica e proposital e a proteção da confidencialidade dos informantes. A Capacidade de Confirmação, critério alternativo para a objetividade, é apresentado por Lincoln e Guba (1985) por meio de uma listagem de materiais a serem auditados. Shah e Corley (2006) sugerem para os pesquisadores ações como gravação e gerenciamento meticuloso dos dados, transcrição fiel das entrevistas, notas claras nas decisões teóricas e metodológicas e registros corretos de contatos e entrevistas. O Quadro 9, a seguir, resume os critérios alternativos e as ações propostas para se atingir estes critérios.

128 115 Critério tradicional Critério alternativo Métodos para atingir o critério alternativo Validade interna Credibilidade (credibility) Engajamento longo no campo, Observação persistente, Triangulação dos tipos de dados Discussão com pares Adequação referencial Checagem com membros Validade externa Capacidade de transferência (transferability) Descrição detalhada de: Conceitos e categorias Estruturas e processos relacionados Confiabilidade (reliability) Objetividade Fidelidade (dependability) Capacidade de confirmação (confirmability) Auditoria do processo e dos produtos da investigação Amostragem teórica e proposital Proteção da confidencialidade dos informantes Auditoria do processo e dos produtos da investigação Gravação e gerenciamento meticuloso dos dados Transcrição fiel das entrevistas Notas claras nas decisões teóricas e metodológicas Registros corretos de contatos e entrevistas Quadro 9: Técnicas para garantir a qualidade da pesquisa construtivista. Fonte: inspirado em Lincoln e Guba (1985) e Shah e Corley (2006). Por fim, Lincoln e Guba (1985) mencionam uma técnica que poderia contribuir para a qualidade dos quatro critérios alternativos apresentados: a elaboração de um diário de reflexões. Neste diário o pesquisador registraria suas reflexões e as decisões metodológicas realizadas, assim como, as razões de tais decisões. No presente trabalho alguns dos métodos propostos por Lincoln e Guba (1985) foram aplicados. É importante ressaltar que Lincoln e Guba (1985, p. 330), apesar de terem proposto estes critérios e métodos, se posicionam contra o uso ortodoxo destes. Ainda, dado que esta pesquisa segue os procedimentos da Fenomenografia, as recomendações feitas pelos autores que usam esta metodologia também foram consideradas. A aplicação dos métodos neste estudo foi devidamente documentada e é descrita no item Critérios de Qualidade no Capítulo 4. Operacionalização da Pesquisa.

129 Operacionalização da pesquisa Visando a qualidade da pesquisa, Bowden (2000) sugere que todo o processo de investigação seja documentado e apresentado. Seguindo essa recomendação, este capítulo é dedicado à descrição do planejamento e da execução do estudo. No subitem 4.1. Planejamento da pesquisa apresentam-se os tópicos do planejamento do estudo: plano, coleta de dados e análise dos dados. No subitem 4.2. Execução da pesquisa descrevem-se as seguintes fases de pesquisa: entrevistas piloto, seleção dos sujeitos, coleta de dados, análise dos dados e aplicação dos critérios de qualidade. 4.1.Planejamento da pesquisa Neste item apresentam-se os tópicos do planejamento do estudo: plano, coleta de dados e análise dos dados. A Figura 8 resume o processo de planejamento da pesquisa fenomenográfica utilizado como referência para a presente investigação. Plano Processo da pesquisa Fenomenográfica Motivação Propósito Estratégias Coleta de dados De quem? Por que? Como? Relação com propósito Foco Qualidade Análise Como é executada? Quem executa? Relação com o propósito Interpretação Contexto do estudo Contexto da aplicação Figura 8: O processo de planejamento da pesquisa fenomenográfica. Fonte: adaptado de Bowden (2000, p. 7).

130 117 Plano Motivação: este estudo foi motivado por duas questões principais. A primeira refere-se à constatação do aumento do uso do termo autonomia nos discursos organizacionais (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005), ao mesmo tempo que há pouca clareza sobre seu significado nos diferentes contextos em que é utilizado. A segunda questão motivadora estaria associada às mudanças recentes nas relações de trabalho e à tendência de aumento das formas de trabalho mais autônomas, seja pela diminuição da supervisão direta ou pelo estabelecimento de vínculos de trabalho sem a subordinação tradicional de um contrato de trabalho convencional. Logo, um maior entendimento sobre a autonomia no trabalho poderia ajudar na identificação dos elementos importantes para a manutenção do sentimento de autonomia dos indivíduos em uma organização do trabalho de natureza mais independente. Propósito: Este estudo investiga a experiência de autonomia no trabalho, com foco na variedade percepções, de um grupo de profissionais especializados. A principal pergunta de pesquisa pode ser assim enunciada: quais são os modos qualitativamente diferentes de os profissionais especializados vivenciarem a experiência de autonomia no trabalho?. Os principais objetivos são: Investigar a variedade de percepções e entendimentos sobre autonomia no trabalho, considerando a perspectiva de profissionais empregados e autônomos que atuam dentro e/ou fora do contexto organizacional. Explorar o potencial de uma pesquisa fenomenográfica para investigar um tema complexo e multifacetado como autonomia no trabalho. Contribuir para a prática em administração ao proporcionar aos gerentes uma visão holística da variedade de percepções sobre autonomia que deve ser considerada na gestão de empregados e contratados. Assim como, pretende-se auxiliar trabalhadores empregados e autônomos a refletirem sobre a própria condição profissional no mercado de trabalho atual. Estratégia: Adotar uma abordagem qualitativa, indutiva e interpretativa, utilizando-se a Fenomenografia como metodologia de pesquisa. Investigar o conceito de autonomia no trabalho a partir de uma perspectiva baseada na experiência.

131 118 Coleta de dados Como? Seriam realizadas de 24 a 28 entrevistas em profundidade no ambiente de trabalho do entrevistado, respeitando-se o número sujeitos recomendado pela literatura (AKERLIND, BOWDEN e GREEN, 2005). De quem? Profissionais especializados da cidade do Rio de Janeiro. Critérios de seleção dos sujeitos o grupo participante Observa-se na literatura que há uma forte associação entre conhecimento (no sentido tanto de qualificação quanto de expertise skill) (GOLD E FRASER, 2002; SMEATON, 2003, PEEL E INKSON, 2004) e as vantagens da condição de profissional autônomo, mesmo para os trabalhadores inseridos no mercado informal (MACHADO DA SILVA, 1971). Verifica-se, também, uma relação entre maior conhecimento e maior desejo de autonomia (SMEATON, 2003). Considerando-se essa associação positiva entre skill e autonomia, o presente estudo se propôs a investigar a experiência de autonomia de um grupo de profissionais especializados. Para os fins desta pesquisa, entende-se por profissionais especializados os trabalhadores que exercem atividades que exigem conhecimentos, habilidades ou atributos específicos. Incluemse nesta definição três tipos de profissionais: (1) o capacitado cujos conhecimentos e habilidades foram desenvolvidos na prática do trabalho; (2) o qualificado que recebeu formação teórica e prática em uma instituição acadêmica; (3) o habilitado é o qualificado que cumpriu as exigências ou pré-requisitos formais para o exercício da profissão, responde a um Conselho de classe (como, por exemplo CREA, CREMERJ) e possui registro profissional. Ressalta-se que, apesar da possibilidade do desenvolvimento de uma expertise sem a formação escolar ou acadêmica, seriam excluídos deste estudo os profissionais que não possuem ao menos o ensino médio completo. E, ainda, como na realidade brasileira existe uma relação entre formação em curso superior e desenvolvimento de carreira (PESQUISA SEMESP, 2008), seriam priorizados os sujeitos com esse nível de escolaridade. Destaca-se, ainda, que uma maior delimitação do grupo participante de pesquisa decorre dos critérios de variedade adotados e apresentados a seguir.

132 119 Critérios de seleção dos sujeitos os critérios de variedade Diante do objetivo do presente estudo e do foco na variedade da metodologia, seriam adotados quatro principais critérios de variedade: idade, gênero, vínculo empregatício e tipo de atividade profissional. É importante destacar que a seleção de sujeitos baseada na variedade tem como finalidade aumentar as possibilidades de acesso a uma maior variedade de percepções sobre a experiência de autonomia no trabalho. Não é objetivo deste tipo de seleção buscar representatividade estatística do grupo estudado (AKERLIND, 2005c). Os critérios de gênero e idade representam aspectos demográficos constantemente abordados na literatura sobre profissionais autônomos, especificamente, e no campo da Administração, em geral. Os diversos estudos que apontam para diferenças entre gêneros na percepção sobre a condição de profissional autônomo (CONNELLY, 1992; GEOGELLIS e WALL, 2005; HUNDLEY, 2000; LOMBARD, 2001) sugerem que este fator pode exercer uma influência significativa também na percepção sobre autonomia no trabalho. Com relação à idade, embora existam variações significativas, quanto aos limites etários considerados para classificar os trabalhadores maduros (SILVA, WETZEL e LOPES, 2008), na presente pesquisa este critério de variedade seria aplicado considerando dois grupos: jovens (até 50 anos) e maduros (mais de 50 anos). Quanto ao terceiro critério, vínculo empregatício, seriam entrevistados empregados e profissionais autônomos. Os Empregados são os trabalhadores que possuem vínculo empregatício formal, conforme a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Os autônomos são os trabalhadores que executam as suas atividades profissionais sem a relação de emprego (POLONI, 2003). Considerando o quarto critério, tipo de atividade profissional, seriam considerados quatro grupos: profissionais liberais, consultores de empresas, artistas/artesãos e professores. Os Profissionais Liberais são aqueles cuja atividade de trabalho exige habilitação específica, além de ser regulada por um órgão responsável (PASQUINI, 2005). Para Pasquini (2005) a condição de profissional liberal estaria diretamente associada à habilitação obtida em curso acadêmico. O autor ressalta ainda, que habilitação obtida em determinado curso, como, por exemplo, engenharia, não poderia ser considerada como elemento para caracterizar um profissional liberal caso ele exercesse uma atividade distinta, como por exemplo, administração.

133 120 Um profissional liberal empregado pode estar subordinado a um contrato de trabalho, mas deve seguir os princípios éticos estabelecidos pela organização corporativa de cada profissão, além de possuir autonomia técnica no exercício do seu trabalho. Os Consultores de Empresa são representados por profissionais que possuem algum tipo de conhecimento valorizado pelas empresas, como por exemplo, especialistas em tecnologia ou em gestão. No caso destes profissionais a atividade exercida não está diretamente relacionada com a formação obtida em curso acadêmico; isto é, o especialista em gestão pode ser pessoa que cursou um curso de engenharia ou psicologia, mas atua na área da administração. Ainda, eles podem tanto trabalhar como funcionário de uma empresa, quanto prestar serviços como consultores ou terceirizados. Os Artistas e Artesãos aqui considerados são profissionais que exercem atividades ligadas às artes, cujos conhecimentos e habilidades artísticas e/ou manuais podem ser desenvolvidos tanto por meio de uma educação formal quanto pela prática do trabalho. E o último grupo, professores, é representado por professores universitários e do ensino médio. As atividades de trabalho relacionadas a esses quatro grupos de profissionais apresentam potencial de experiências de autonomia visto que tais tipos de profissão demandam dos indivíduos, pelo menos, certo grau de autonomia para o microgerenciamento das atividades cotidianas. Destaca-se, ainda, que esse último critério auxilia na busca pela maior variedade de percepções ao mesmo tempo que permite uma delimitação dos grupos de trabalhadores aqui considerados como profissionais especializados. Ou seja, os profissionais liberais representam os profissionais habilitados; os consultores de empresas e os professores representam os profissionais qualificados e os artistas e artesãos representam os profissionais capacitados. Com estes quatro critérios estabelecidos (idade, gênero, vínculo empregatício e tipo de atividade profissional), a pesquisadora pretendia selecionar sujeitos de diferentes atividades profissionais (médico, engenheiro, marceneiro, artista plástico, entre outras), garantindo assim a variedade na seleção dos sujeitos, exigida pelo método. O Quadro 10 resume o planejamento da seleção dos sujeitos de pesquisa de acordo com os critérios de variedade estabelecidos.

134 121 Profissional Liberal Consultor Artista Artesão Professor Empregado Autônomo Total Homem 1 maduro, 1 jovem 1 jovem Mulher 1 jovem 1 madura, 1 jovem Homem 1 jovem 1 maduro, 1 jovem Mulher 1 jovem 1 maduras, 1 jovem Homem 1 maduro, 1 jovem 1 jovem Mulher 1 jovem 1 madura, 1 jovem Homem 1 jovem 1 maduro, 1 jovem Mulher 1 madura, 1 jovem 1 jovem Quadro 10: critérios de variedade idade, gênero e grau de vínculo organizacional Relação com o propósito: O grupo escolhido, pelas características expostas, procura alinhar-se com o objetivo de explorar e descrever a variedade no sentido dado à autonomia no trabalho a partir da experiência de um grupo de profissionais especializados; e de buscar um maior entendimento sobre autonomia no trabalho dentro e fora do âmbito organizacional. Análise de dados Como seria executada? A análise de dados seria realizada de acordo com os métodos e estruturas analíticas normalmente utilizadas na Fenomenografia do Desenvolvimento (BOWDEN E GREEN, 2005), conforme descrito no capítulo anterior. Quem executaria? A própria pesquisadora. Relação com o propósito: a análise de dados focaria na identificação das diferentes formas de percepção sobre a experiência de autonomia no trabalho Execução da pesquisa Neste item descrevem-se as seguintes etapas de pesquisa: entrevistas piloto, seleção dos sujeitos, coleta de dados, análise dos dados e aplicação dos critérios de qualidade Piloto Um procedimento comum nos estudos Fenomenográficos é a realização de entrevistas piloto antes do início da coleta de dados (AKERLIND, BOWDEN e GREEN, 2005; GREEN, 2005; KIRK, 2002; STOODLEY, 2009). A realização do piloto na Fenomenografia tem como objetivo possibilitar o pesquisador treinar suas habilidades como entrevistador e testar o roteiro de entrevista para a realização de ajustes necessários.

135 122 Na presente pesquisa foram realizadas três entrevistas piloto. O roteiro de entrevista inicial, apresentado no Apêndice 1, foi desenvolvido conforme as orientações dos autores citados no capítulo anterior item Coleta de Dados e foi inspirado, particularmente, no roteiro apresentado por Akerlind (2005c, p. 105). As entrevistas foram gravadas e a pesquisadora ouviu cada gravação repetidamente, observando: a forma como as perguntas eram formuladas, como e se a entrevistadora estimulava os entrevistados a elaborarem o tópico sobre o qual estavam discursando, e se era possível identificar a variação na percepção sobre o tema investigado. A pesquisadora também, ao final de cada entrevista, pedia um feedback aos entrevistados com o objetivo de identificar dificuldades no entendimento das perguntas ou desconforto ao responder algum questionamento. Como resultado deste processo, a pesquisadora realizou algumas mudanças no roteiro inicial e a versão que utilizada para a coleta de dados é apresentada no Apêndice 2. As principais mudanças referem-se ao ordenamento das questões e ao desenvolvimento de novas perguntas de acompanhamento perguntas que ajudam o entrevistado a elaborar mais suas respostas. A pesquisadora considera que estas entrevistas piloto foram essenciais para o treino de suas habilidades como entrevistadora dentro das exigências do método de pesquisa. A realização do piloto também confirmou que as perguntas utilizadas estavam ajudando a extrair variação na percepção sobre autonomia no trabalho nos relatos dos entrevistados A coleta dos Dados Nesta pesquisa utilizaram-se entrevistas como o meio de coleta de dados, seguindo as características da Fenomenografia, descritas no capítulo anterior. O Roteiro de Entrevista O roteiro de entrevista foi desenvolvido conforme as orientações dos autores citados no capítulo anterior item Coleta de Dados e foi inspirado, particularmente, no roteiro apresentado por Akerlind (2005c, p. 105). A versão utilizada é apresentada no Apêndice 2. Durante a condução das entrevistas, foram seguidas as orientações da literatura (AKERLIND, 2005c; AKERLIND, 2005c, AKERLIND, BOWDEN e GREEN, 2005), e a pesquisadora preocupou-se em não abordar nenhuma ideia sobre o tópico que não tivesse sido introduzida anteriormente pelo entrevistado, utilizando somente as perguntas de

136 123 acompanhamento para obter mais informações sobre os significados atribuídos ao fenômeno investigado. Também foi foco de atenção da pesquisadora a fluidez das entrevistas. Embora as perguntas apresentadas no roteiro de entrevista sigam uma ordem, no momento da entrevista, a pesquisadora optou por introduzi-las de acordo o assunto abordado no relato dos sujeitos. Sujeitos entrevistados Respeitando-se o número sujeitos recomendado pela literatura (AKERLIND, BOWDEN e GREEN, 2005) e os critérios de variedade estabelecidos no item de Planejamento da Pesquisa, foram realizadas 26 entrevistas semiestruturas e em profundidade, no ambiente de trabalho dos entrevistados, no período de janeiro a abril de A distribuição dos entrevistados de acordo com os critérios de variedade considerados gênero, idade, vínculo empregatício e grupos profissionais é apresentado no Quadro 11. Profissional Liberal Consultor Artista Artesão Professor Empregado Autônomo Misto Homem 1 maduro, 1 jovem 1 maduro 1 jovem Mulher 1 madura 1 madura, 2 jovens Homem 1 jovem 1 maduro, 1 jovem Mulher 1 jovem 2 maduras, 1 jovem Homem 2 maduros, 1 jovem Mulher 1 madura, 1 jovem Homem 1 maduro, 1 jovem 1 jovem Mulher 1 jovem, 1 madura 1 madura Quadro 11: distribuição dos entrevistados de acordo com os critérios de variedade As entrevistas duraram entre quarenta minutos e uma hora e trinta minutos e foram gravadas com a autorização dos entrevistados. Durante o processo de coleta de dados, houve uma modificação quanto ao terceiro critério de variedade vínculo empregatício. Além dos dois grupos considerados inicialmente empregados e autônomos, outro grupo tornou-se presente: os entrevistados com vinculação mista (empregados e autônomos ao mesmo tempo). Os profissionais considerados aqui com vinculação mista são os profissionais que possuem um vínculo empregatício com uma instituição, mas também trabalham por conta-própria, como por exemplo, um médico que trabalha em um hospital como funcionário, ao mesmo tempo que possui um consultório para atender seus pacientes particulares. Dado que esta pesquisa investiga a variedade no sentido dado à autonomia no trabalho com base na experiência dos sujeitos, o fato de alguns dos entrevistados terem vinculação de

137 124 trabalho mista, assim como o fato de outros, em muitos dos casos, terem passado por diferentes tipos de vínculo empregatício durante suas carreiras, contribuíram para a riqueza de experiências descritas durante as entrevistas. Ainda, devido à variedade nos relatos obtidos, independentemente do vínculo empregatício dos entrevistados no momento da entrevista, a diferença na distribuição dos sujeitos na fase de planejamento e a obtida na fase de coleta de dados isto é, foram entrevistados um número maior de profissionais autônomos do que empregados não se revelou como um fator impactante nas possibilidades de obtenção de uma maior variedade de relatos sobre a experiência com o fenômeno. Logo, o objetivo final da definição dos critérios de variedade (ARKELIND, 2005c) não foi afetado pela alteração na distribuição do número de entrevistados classificados como empregados ou autônomos. O Quadro 12 mostra a atividade profissional, o tipo de vínculo empregatício, o gênero e a idade aproximada de cada um dos entrevistados. Profissional Liberal Consultor de Empresas Artista Artesão Professor Atividade Vínculo Gênero Idade aproximada engenheiro empregado homem 60 anos advogado empregado homem 30 anos médico autônomo homem 60 anos psicanalista autônomo mulher 55 anos médico-pesquisador misto homem 40 anos médica-professora misto mulher 50 anos dentista misto mulher 45 anos fisioterapeuta misto mulher 35 anos especialista em TI 1 empregado homem 40 anos especialista em TI 2 empregado mulher 35 anos consultor de empresas 1 autônomo homem 45 anos consultor de empresas 2 autônomo homem 55 anos coaching autônomo mulher 55 anos consultora de empresas 1 autônomo mulher 55 anos consultora de empresas 2 autônomo mulher 35 anos artista plástico autônomo homem 70 anos restaurador de móveis autônomo homem 60 anos ceramista autônomo homem 45 anos cantora autônomo mulher 55 anos designer de jóias autônomo mulher 25 anos professor 1 empregado homem 50 anos professor 2 autônomo homem 35 anos coordenador acadêmico empregado homem 35 anos professora de inglês misto mulher 70 anos professora universitária 1 empregado mulher 55 anos professora empregado mulher 40 anos Quadro 12: Atividade profissional dos entrevistados Análise de Dados Conforme foi descrito no Capítulo 3. Metodologia, a análise de dados fenomenográfica é um processo no qual o pesquisador deve ler o conteúdo das entrevistas repetidamente, sendo

138 125 que a cada leitura o foco de atenção deve estar voltado para uma questão específica a ser esclarecida sobre como os sujeitos vivem a experiência de autonomia. O processo de análise deste estudo foi realizado em duas fases. A primeira foi feita em um estágio de quatro meses (maio a agosto de 2011), na universidade de Swinburne em Melbourne, Austrália, com o professor John Bowden 40. A segunda fase foi desenvolvida após o estágio, no período de outubro de 2011 a janeiro de 2012, no Brasil. Primeira fase da análise de dados (maio a agosto de 2011): estágio na Austrália A atividade de análise de dados, na Austrália, foi organizada da seguinte forma: a pesquisadora desenvolvia o trabalho de análise de acordo com as definições do professor e reunia-se semanalmente com ele para discutir o andamento de suas tarefas, apresentar dúvidas metodológicas e receber orientações sobre a continuação do trabalho. Participava também das reuniões semanais a professora Pamela Green, pesquisadora e diretora dos estudos de pósgraduação da Universidade de Swinburne, e atuante, junto com John Bowden, em projetos de pesquisa. No caso do presente estudo, como era a primeira vez que a pesquisadora iria realizar a análise fenomenográfica, por orientação do professor John Bowden, o processo foi divido em duas etapas, conforme descrito a seguir. A primeira etapa foi realizada utilizando-se apenas uma parte dos dados coletados e caracterizou-se pela leitura das entrevistas transcritas com o foco de atenção voltado para a busca dos diferentes significados atribuídos à autonomia no trabalho. A principal pergunta condutora do processo de análise nesta etapa pode ser enunciada assim o que este relato me diz sobre o que ele/ela entende por autonomia no trabalho?. Em seguida, os entendimentos observados foram comparados com o intuito de identificar alguma possível relação entre eles. A comparação, em termos práticos, ocorreu por meio do agrupamento e reagrupamento dos trechos das entrevistas de acordo com as diferenças e similaridades chaves entre os entendimentos identificados sobre autonomia no trabalho (como, por exemplo, o tipo de decisão no foco de atenção do sujeito). Após realizar este procedimento algumas vezes, foi iniciada a segunda etapa que se distingue da primeira pela inclusão do restante das transcrições que ainda não haviam sido 40 John Bowden dedica-se à área de educação e aplica suas descobertas em contextos de ensino e aprendizagem, entre outros. Bowden e seus colaboradores (BOWDEN e GREEN, 2005; BOWDEN e WALSH,

139 126 analisadas. A partir daí, o processo foi repetido mais algumas vezes. Ou seja, conforme já havia sido realizado na primeira etapa, as novas transcrições foram lidas com o foco de atenção voltado para os diferentes significados atribuídos à autonomia no trabalho. Por fim, os entendimentos identificados em todas as transcrições foram comparados e agrupados de acordo com determinadas similaridades e diferenças chaves. Este processo durou em torno de três meses (a maior parte do período em que esteve no estágio na Austrália) e resultou na primeira (e temporária) versão das Categorias de Análise e Dimensões de Variação, constituída de cinco Categorias de Descrição e três Dimensões de Variação. Essa versão foi, então, resumida, apresentada e discutida com outros quatro professores australianos, especialistas em Fenomenografia: Gerlese Arkelind, Keith Trigwell, Jo Mackenzie e Gloria Dall Alba. Todos os professores foram muito receptivos e fizeram colaborações importantes para o desenvolvimento posterior do trabalho. A professora Gerlese Arkelind contribuiu ao discutir sobre o processo de construção das Dimensões de Variação. Keith Trigwell fez colocações sobre a relação estrutural hierárquica das Categorias de Descrição e os elementos que compõe uma experiência. A professora Jo Mackenzie discorreu sobre as estruturas analíticas da Fenomenografia e chamou a atenção para a melhor identificação dos elementos que fazem parte da percepção sobre o fenômeno e sobre o contexto. A professora Gloria Dall Alba, além de apresentar uma aula sobre a história da Fenomenografia, comentou sobre as diferentes formas de análise dos dados e sobre a influência da Fenomenologia em suas pesquisas fenomenográficas. Ao fim do estágio, a pesquisadora retornou ao Brasil e iniciou a segunda fase de análise. O contato com o professor John Bowden foi mantido por . Segunda fase da análise de dados (outubro de 2011 a janeiro de 2012): de volta ao Brasil Na segunda fase da análise dos dados, já de volta ao Brasil, a pesquisadora revisou a classificação realizada e incorporou, na medida do possível, as contribuições dos quatro professores australianos. Neste processo também se retornou aos dados com a intenção de avaliar a percepção dos entrevistados sobre alguns elementos particulares que poderiam estar presentes em uma ou mais categorias e que ainda não haviam sido representados nos resultados. Por exemplo, ao 2000; GREEN e BOWDEN, 2009) introduziram um tipo de Fenomenografia denominada Developmental phenomenography ou Fenomenografia do desenvolvimento, descrita no capítulo anterior.

140 127 notar que os relatos associados à Categoria 1 Atividade de Trabalho mencionavam a questão do tempo, a pesquisadora releu as entrevistas analisando se esse tema estava presente em outras categorias, de que forma era percebido e qual a variação existente nas formas de entendimento dentro de uma mesma categoria e entre elas. Este procedimento foi realizado para todos os temas que apresentavam o potencial de descrever as variações críticas entre os diferentes modos de vivência da autonomia, isto é, de se tornarem Dimensões de Variação. Assim, foram identificadas as seguintes Dimensões de Variação: Tempo e Espaço, Normas e Figuras de Autoridade, Fatores Promotores e Limitadores e Vontade Subjacente. As Dimensões Tipo de Decisão, Amplitude das Decisões e Fronteira das Decisões já haviam sido identificadas na primeira fase do processo de análise dos dados. Seus conteúdos, porém, foram ajustados nesse retorno aos dados. A Dimensão Tempo e Espaço decorre da análise de acordo com as seguintes perguntas: o que este conjunto de relatos me diz sobre como os sujeitos percebem a relação entre autonomia, tempo e espaço? ; como esta percepção varia nas categorias e entre as categorias?. A Dimensão Normas e Figuras de Autoridade decorre da análise de acordo com as seguintes perguntas: o que este conjunto de relatos me diz sobre como os sujeitos percebem a relação entre autonomia, normas e figuras de autoridade? ; como esta percepção varia nas categorias e entre as categorias?. A Dimensão Fatores Promotores e Limitadores decorre da análise de acordo com as seguintes perguntas: o que este conjunto de relatos me diz sobre como os sujeitos percebem a relação entre autonomia e os fatores que promovem ou limitam as suas autonomias? ; como esta percepção varia nas categorias e entre as categorias?. A Dimensão Vontade Subjacente decorre da análise de acordo com as seguintes perguntas: o que este conjunto de relatos me diz sobre a relação entre autonomia e a vontade que precede às decisões associadas ao trabalho? ; como esta percepção varia nas categorias e entre as categorias?. Destaca-se que, cada nova Dimensão de Variação constituída implicava na revisão das Categorias de Descrição já definidas, visto que as Dimensões marcam as semelhanças e diferenças entre as Categorias. Ainda, durante a segunda etapa, foi realizada a avaliação da relação hierárquica inclusiva entre as categorias, ou seja, buscaram-se evidências de que algumas categorias estavam incluídas em outras, de acordo com o grau de complexidade isto é, entendimentos mais ou menos completos do mesmo fenômeno (MARTON e BOOTH, 1997).

141 128 Assim, no fim desse processo fortemente iterativo e interativo, emergiram da análise dos dados quatro formas qualitativamente diferentes (Categorias de Descrição) de vivência da autonomia no trabalho, que variam entre si em torno de sete Dimensões de Variação, e que estão relacionadas em uma estrutura hierárquica inclusiva, conforme será apresentado no próximo capítulo. Características do processo de análise de dados A análise dos dados foi realizada seguindo as recomendações de Akerlind (2005a), isto é, foi mantida a mente aberta durante o processo, no sentido de evitar visões predeterminadas e conclusões precipitadas sobre as categorias desenvolvidas; foi executado o ajuste constantemente da visão da pesquisadora por meio da reflexão, da discussão e da aceitação de novas perspectivas; foi dado o enfoque nas transcrições e categorias como um todo, ao invés do foco nas transcrições e categorias individualmente; e também foi mantido, prioritariamente, o foco na experiência do grupo e não na do indivíduo. A respeito das duas últimas características, é importante destacar que, no presente estudo, o foco na experiência do grupo foi mantido durante a maior parte do processo. No entanto, no final da análise, identificou-se, em alguns casos, que a sequencia de decisões do sujeito, classificadas em diferentes Categorias, quando analisadas no contexto de uma única entrevista trazia uma informação adicional sobre o modo de percepção de autonomia no trabalho que ainda não estava presente nos resultados obtidos até então. Por isso, na última etapa do processo, foi realizada uma leitura das entrevistas com foco voltado para o indivíduo e para o que o conjunto de suas percepções, decisões, ações (e não cada uma delas isoladamente) poderia dizer sobre o seu modo de percepção de autonomia, que ainda não houvesse sido identificado. Logo, foram seguidas as recomendações metodológicas de começar análise com foco no indivíduo e depois trabalhar apenas com o foco na experiência com o grupo. Porém, acrescentou-se mais uma etapa ao processo, e, no fim da análise, voltou-se a analisar os dados com o foco no indivíduo para garantir que nenhuma informação sobre a forma como o grupo percebia o fenômeno analisado fosse ignorada. Ressalta-se, no entanto, que apesar do retorno às entrevistas individuais, não se analisou o indivíduo (e seus aspectos psicológicos e emocionais), mas sim o padrão identificável de suas decisões e o quanto isso poderia ajudar a enriquecer a descrição de uma ou mais Categorias de Descrição.

142 129 Arkelind (2005a) descreve quatro formas de variação na realização do processo de análise de dados fenomenográfica: tamanho dos trechos das transcrições consideradas para análise; ênfase colocada sobre a colaboração de diferentes pesquisadores; modo de gerenciamento dos dados; e constituição da estrutura dos resultados. Na presente pesquisa, foram usadas as transcrições completas e trechos longos das transcrições como forma de manter aspectos importantes sobre o contexto dos relatos e assim garantir maior fidelidade na interpretação dos dados. Conforme destacado por Arkelind (2005a), o risco desta prática seria a impossibilidade de gerenciamento dos dados. Embora o uso de softwares não seja praticado ou recomendado por alguns pesquisadores fenomenográficos, o software Atlas ti foi utilizado como o objetivo que auxiliar no gerenciamento dos dados e contornar a possível limitação do uso de longos trechos de entrevistas. Sobre a variação na ênfase colocada na colaboração de diferentes pesquisadores, Akerlind (2005a) destaca que alguns autores (Bowden, 1994; Walsh, 1994) defendem que a participação de mais de um pesquisador no processo de análise levaria a um resultado de pesquisa mais rico. Akerlind (2005a), no entanto, chama a atenção para a existência de um grande número de trabalhos individuais com reconhecida alta qualidade. O desenvolvimento do presente estudo foi desenvolvido com o apoio de experientes pesquisadores, no entanto, foi realizado individualmente. Sobre a forma de gerenciar os dados, destaca-se que, nesta pesquisa, a leitura das transcrições focou nas similaridades e diferenças intra e entre as categorias, e nos componentes estruturais ou referenciais das categorias de descrição. Sobre as formas de constituição da estrutura, este estudo está alinhado com o ponto destacado por Akerlind (2005) de que o resultado da pesquisa é a soma do que é fornecido pelos dados e da interpretação e construção lógica do pesquisador Critérios de Qualidade No presente trabalho alguns dos métodos propostos por Lincoln e Guba (1985), descritos no capítulo anterior, foram aplicados. É importante ressaltar que Lincoln e Guba (1985, p. 330), apesar de terem proposto estes critérios e métodos, se posicionam contra o seu uso ortodoxo. Ainda, dado que esta pesquisa segue os procedimentos da Fenomenografia, as recomendações feitas pelos autores que usam esta metodologia também foram consideradas.

143 130 Com relação ao critério de credibilidade a presente pesquisa aplicou as técnicas de discussão com pares e checagem com os membros, conforme descrito a seguir. Na discussão com os pares, a pesquisadora seguiu a recomendação de Lincoln e Guba (1985) de não fazê-lo com pesquisadores mais seniores ou mais juniores, e realizou esta discussão com duas colegas de doutorado familiarizadas com a investigação do tipo qualitativa. A aplicação desta técnica não descartou a interação com pesquisadores mais experientes, no entanto, esta relação não seguiu as características da discussão com pares e sim de orientação, supervisão e aconselhamento. A checagem com os membros também foi realizada, respeitando, porém, as características da abordagem escolhida. Akerlind, Bowden e Green (2005) ressaltam que como o foco da pesquisa Fenomenográfica se concentra nos participantes como um grupo coletivo e não no indivíduo, a conferência da análise realizada da entrevista por um entrevistado torna-se inapropriada como forma de validação para a análise Fenomenográfica. No entanto, os autores veem como procedimento comum a procura da opinião de representantes da população entrevistada, não necessariamente os entrevistados. Essa técnica foi, então, aplicada de modo informal, durante a interação com pessoas que representavam o grupo estudado. Assim, a pesquisadora apresentou os resultados de pesquisa para quatro pessoas com o perfil de profissionais especializados, mas que não eram sujeitos participantes da pesquisa, e estimulou uma discussão sobre o conteúdo fazendo perguntas do tipo: essa classificação faz sentido para você? ; as descrições das categorias remetem a alguma situação que você vivenciou na sua vida profissional ; você acha que existe alguma situação que não se aplica às descrições feitas?. A pesquisadora ainda estimulou que os interlocutores fizessem perguntas sobre as informações apresentadas. Os comentários e dúvidas desses indivíduos foram considerados na versão final dos resultados. O critério de capacidade de transferência foi aplicado de acordo com Bowden (2005) que recomenda a transparência (documentação) e o uso do rigor demandado pelo método Fenomenográfico em cada um dos estágios do estudo: planejamento, coleta de dados, análise e interpretação. O critério de Fidelidade foi aplicado a partir da seleção dos sujeitos de acordo com a relevância teórica e variabilidade demandada pela metodologia. A proteção da confidencialidade dos informantes foi mantida. Todas as etapas do processo de investigação, assim como todos os produtos da pesquisa, foram devidamente documentados para a realização de uma auditoria por parte da orientadora deste trabalho.

144 Discussão de Resultados Neste capítulo são apresentados os resultados da análise de dados referente à pergunta de pesquisa: quais são os modos qualitativamente diferentes de os profissionais especializados vivenciarem a experiência de autonomia no trabalho? As informações descritas baseiam-se nos relatos obtidos a partir de 26 entrevistas semiestruturadas realizadas entre janeiro e março de 2011, na cidade do Rio de Janeiro, com profissionais especializados. O roteiro de perguntas utilizado nas entrevistas está disponível no Apêndice 2. Na primeira parte do capítulo é apresentado o Espaço de Resultados, conforme as orientações da Fenomenografia. Na segunda parte são discutidas e ilustradas algumas variações não críticas 41 que ajudam na compreensão sobre a vivência de autonomia no trabalho. Em seguida, os resultados da análise Fenomenográfica são comparados com o conteúdo apresentado no capítulo de Revisão de Literatura. E, por fim, são discutidos alguns tópicos importantes identificados na análise dos dados e na literatura Espaço de Resultados A Fenomenografia visa proporcionar ao leitor uma visão holística do conjunto de percepções qualitativamente diferentes de um grupo de sujeitos em relação a um determinado fenômeno (STOODLEY, 2009). Para tal, conforme explicado anteriormente, a metodologia propõe a organização dos resultados de forma sintética, em uma estrutura denominada Espaço de Resultados. Esse Espaço é composto por duas representações analíticas: as Categorias de Descrição que descrevem os significados qualitativamente diferentes atribuídos ao fenômeno vivenciado; e as Dimensões de Variação que indicam como as categorias estão relacionadas (semelhanças e diferenças) 42 (AKERLIND, 2003). 41 AKERLIND, BOWDEN E GREEN (2005) denominam variações críticas aquelas que distinguem as diferentes formas de vivenciar o fenômeno, e denominam variações não críticas aquelas que ocorrem dentro de um modo particular de vivenciar o fenômeno. 42 A descrição mais extensa das Categorias de Descrição, das Dimensões de Variação e Espaço de Resultados foi apresentada no capítulo anterior nos itens Categorias de descrição e dimensões de variação e Espaço de resultados.

145 132 O Espaço de Resultados representa, assim, um conjunto de Categorias de Descrição relacionadas entre si e a totalidade dessas categorias de descrição denotam um tipo de intelecto coletivo (...) um sistema superindividual de formas de pensamento (MARTON, p.177, 198), que descreve um fenômeno a partir da perspectiva de um grupo (STOODLEY, 2009). Na presente pesquisa, o conjunto das Categorias de Descrição apresentado descreve a autonomia no trabalho a partir da perspectiva de um grupo de profissionais especializados. Vale destacar que embora o método divida a experiência em Categorias de Descrição que variam em torno de Dimensões de Variação, todos os aspectos da experiência são intimamente relacionados e vivenciados simultaneamente (MARTON e BOOTH, 1997). No presente estudo emergiram da análise dos dados quatro formas qualitativamente diferentes (Categorias de Descrição) de vivência da autonomia no trabalho que variam entre si em torno de sete Dimensões de Variação 43. Marton e Booth (1997) afirmam ainda que a relação entre as Categorias de Descrição apresenta-se, tipicamente, como uma estrutura hierarquia inclusiva, organizada de acordo com o grau de complexidade, ou seja, entendimentos mais ou menos completos sobre o fenômeno (MARTON e BOOTH, 1997). O Espaço de Resultados será apresentado em três subitens. No subitem Categoria de Descrição são descritos os diferentes modos de vivência de autonomia no trabalho, com ênfase na diferença entre as Categorias de Descrição. No subitem Dimensões de Variação são apontadas tanto as semelhanças quanto as diferenças entre as Categorias de Descrição. E no subitem Estrutura Hierárquica Inclusiva discute-se a relação hierárquica entre as Categorias de Descrição identificadas. As descrições são realizadas de maneira sucinta e em torno dos aspectos críticos que distinguem as formas qualitativamente diferentes de experiência do fenômeno analisado (AKERLIND, 2005d). 43 O Quadro 12, apresentado na página 146, resume as Categorias de Descrição e Dimensões de Variação identificadas nesta pesquisa.

146 Categorias de Descrição Emergiram da análise dos dados quatro formas qualitativamente diferentes (Categorias de Descrição) de vivência da experiência de autonomia no trabalho. Dessas quatro Categorias, duas estão subdivididas em duas subcategorias: Categoria 1 Atividade de Trabalho o 1A Execução o 1B Planejamento Categoria 2 Influência na Instituição Categoria 3 Trajetória Profissional o 3A Opções de Trabalho o 3B Escolhas de Carreira Categoria 4 Papel no Mundo Ressalta-se que um mesmo indivíduo pode perceber a experiência de autonomia de formas distintas. Logo, as experiências e percepções relatadas por um mesmo sujeito podem ser classificadas em diferentes Categorias de Descrição. Vale ressaltar que em Fenomenografia as categorias são compostas por descrições abstratas formuladas pelo pesquisador a partir do processo de análise dos dados. Trechos das entrevistas são utilizados como evidência para ilustrar alguns dos aspectos importantes que definem a Categoria. Destaca-se, no entanto, que estas breves citações ilustrativas não representam a totalidade dos elementos abordados em cada Categoria. Categoria 1 Atividade de Trabalho Esta categoria representa um modo de vivência da autonomia no trabalho, cujo foco de atenção está direcionado para a atividade de trabalho. A autonomia é entendida como a possibilidade 44 de o indivíduo influenciar, definir, ou até mesmo controlar, elementos de sua própria atividade de trabalho, dentro de uma instituição e/ou profissão. É inerente à 44 Para os objetivos deste estudo, o termo possibilidade refere-se a o quanto o sujeito pode definir aspectos relacionados ao seu trabalho e é determinado pelo resultado da tensão entre a vontade e atitude do sujeito e os fatores promotores e limitadores da autonomia em um determinado contexto. Uma breve descrição dos fatores promotores e limitadores é apresentada nos subitens Categorias de Descrição e Dimensões de Variação e uma análise mais extensa sobre a dinâmica da relação entre autonomia e os fatores promotores e limitadores é descrita no subitem Fatores Promotores e Limitadores.

147 134 experiência de autonomia a vontade de ser autor da própria tarefa de trabalho em algum nível. Para fins de análise, as decisões que podem ser tomadas sobre a atividade de trabalho foram divididas em dois tipos: 1A. Execução: definição do como exercer a tarefa de trabalho 1B. Planejamento: definição de objetivos, atividades e responsabilidades Categoria 1A Execução Em alguns relatos a autonomia no trabalho é descrita como a possibilidade de o indivíduo influenciar ou definir o como executar uma tarefa de trabalho de acordo com a maneira que ele julga ser a melhor para alcançar determinado objetivo. Este objetivo pode ter sido definido pelo indivíduo, e/ou pela organização, e/ou pela natureza da profissão. Nos casos em que o propósito foi definido externamente, esse foi comunicado ao indivíduo de forma explícita (descrição de cargos, resultados esperados, regulação profissional) ou de forma implícita (cultura organizacional, melhores práticas). Embora o sujeito não defina o propósito da atividade de trabalho, a atribuição de uma interpretação própria a este objetivo apresenta-se como fator essencial à autonomia. Observa-se, ainda, que os sujeitos demonstram tanto a intenção de atingir o propósito do trabalho da melhor maneira possível, quanto a crença de possuírem a(s) capacidade(s)/habilidade(s) necessária(s) para fazê-lo. Ter autonomia no trabalho significa eu ter liberdade de decidir como vou fazer, me dizem o que que é para fazer, qual o objetivo final, preciso entender qual o propósito, senão tiver propósito não entendo para quê. Mas se eu entendo o propósito, se eu entendo o que se espera, deixa comigo que vou fazer do meu jeito, no meu tempo, na minha hora. Eu vou descobrir quais são os recursos, vou negociar os recursos, vou falar para cima, para baixo, para os lados, eu vou navegar, mas fazendo do meu jeito. Se alguém me disser que tem fazer assim, primeiro aqui, depois vai para direita, depois esquerda, agora vira a pagina, eu piro. É uma construção [minha]. Autonomia é uma construção do seu jeito (coaching, tese_doc1: ). Categoria 1B Planejamento Na Categoria 1 Atividade de Trabalho, a autonomia no trabalho também é descrita como a possibilidade de influenciar ou definir aspectos relacionados ao planejamento do trabalho, tais como atividades, responsabilidades e objetivos do trabalho. Então, eu tenho a autonomia de decidir as coisas que quero fazer, os projetos que quero tocar, com que doença quero trabalhar, com o que vou me envolver (médico-pesquisador, tese_doc1: e )

148 135 lá na XXX eu só faço patologia do trato genital inferior, só faço doença do colo, vagina e útero. Se a paciente está com dor na mama não é para mim. Pronto. (...) eu quero fazer isso, porque tenho uma linha de pesquisa (médica-professora, tese_doc1: ). Uma representação do modo mais completo de percepção de autonomia no trabalho nesta categoria ocorre quando o sujeito define a sua função e assume todas as decisões de planejamento e execução de uma atividade trabalho. Observa-se que a determinação da função ocorre de duas formas distintas. Na primeira, o sujeito delimita sua área de atuação por meio, por exemplo, da definição de um cargo institucional ou da escolha de uma especialidade profissional. Na segunda, a determinação de uma função decorre da atribuição pelo indivíduo de uma interpretação própria ao seu cargo ou à sua atividade profissional. quem faz seu cargo é você, você que cria seu cargo, você recebe e faz dele o que você quiser. Então, eu tenho certeza que transformei a minha gerência de [recrutamento e] seleção numa gerência de consultoria interna (consultora de empresas 1, tese_doc2: ) Ser autônoma me permitiu construir uma odontologia que eu acredito e que não está nos livros, ela é maior (...) Entender que as pessoas são diferentes e que eu não atendo bocas, que eu atendo pessoas. Eu brinco aqui [dizendo] que eu não sou dentista, sou gentista (dentista, tese_doc1: ; ). Uma expressão pontual desse modo mais completo de percepção de autonomia no trabalho é representada pela descrição de projetos idealizados e realizados pelos indivíduos. Nestes empreendimentos os sujeitos definem todo o planejamento (atividades, responsabilidades e objetivos) e execução de um grupo de atividades de trabalho em torno de um propósito específico. Ressalta-se que para os indivíduos nas instituições, as funções e projetos definidos pelo sujeito estão alinhados a um objetivo que beneficiaria a instituição. a fábrica incentivava a formação de clubes que estimulassem a integração entre os trabalhadores. Então aproveitei dessas facilidades que eles ofereciam para montar um clube de pintores na própria fábrica, isso foi uma experiência muito interessante (artista plástico, tese_doc3: ). eu produzo um pouco meu trabalho (...) Então esse projeto que a gente fez para Lei Rouanet, [se] chama MMM, é projeto que eu pretendo convidar só músicos, como se fosse uma Jam session eterna (cantora, tese_doc1: e ). A autonomia também se apresenta associada ao controle das decisões sobre quando e onde realizar a tarefa de trabalho. Neste sentido, os elementos relacionados às noções de tempo e espaço são percebidos prioritariamente como recursos que podem ser administrados pelo sujeito. A autonomia manifesta-se, ainda, no uso do discernimento diante de normas estabelecidas ou na criação de novas regras referentes à própria atividade de trabalho.

149 136 Por fim, faz parte da experiência de autonomia no trabalho a percepção de aspectos que mediam as vontades dos sujeitos e o grau de autonomia possível em um determinado contexto. O foco de atenção apresenta-se voltado, principalmente, para os fatores individuais como, por exemplo, conhecimento, experiência e competência; e para os fatores institucionais como, por exemplo, recursos e infraestrutura. Categoria 2 Influência na Instituição Enquanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho o foco de atenção está voltado para a atividade de trabalho, esta categoria representa um modo de vivência de autonomia no trabalho, cuja atenção está direcionada para as decisões institucionais (administrativas, gerenciais, normativas). Autonomia é entendida como a possibilidade de o indivíduo influenciar a instituição de acordo com o que julga ser o melhor para a organização e seus membros. Foram identificados três modos de influenciar a organização. Primeiro, por meio de expressão de opinião ou de propostas de mudanças. Segundo, por meio de decisões que afetam a ordem e/ou a dinâmica organização em algum nível tais como questões administrativas, gestão de recursos, criação/mudança de projetos e estruturas organizacionais (departamentos, setores), definição/mudança/criação de normas e procedimentos institucionais. Terceiro, por meio de decisões que afetam os membros da organização tais como gestão de pessoas e organização do trabalho. As decisões nesta categoria restringem-se necessariamente ao contexto organizacional. Observa-se que o maior grau de autonomia está associado tanto com o poder de influência do indivíduo na organização, quanto ao impacto, temporário ou definitivo, de suas ações. Eu também sou autônoma no YYY, sabe por quê? Porque para mim em plena concepção de autonomia eu posso ser propositiva. (...) O que é legal é que como eu numa instituição fechada, poderia não ser autônoma... mas depois de dezoito anos eles já creditam em coisas que, se eu não [tivesse proposto], eles jamais acreditariam (dentista, tese_doc1: ). Autonomia mesmo é você ter poder de decisão para mudar alguma coisa, mudar o processo, melhorar (...) Decidir se vai fazer uma mudança de um processo da empresa ou não, se acha melhor aquela mudança, aquele jeito. Poder decidir alguma coisa dentro da empresa (especialista em TI 2, tese_doc2: ). a amplitude das decisões que você pode tomar, para mim autonomia é isso (...) se eu posso demitir ou admitir pessoas. (...) É a quantidade e qualidade das decisões que posso tomar. (...) Quando digo qualidade quero dizer impacto, todos os impactos possíveis (...) [O quanto que com a sua] decisão você está influenciando o outro, uma empresa (consultor de empresas 1, tese_doc2: ; ).

150 137 Embora o poder de decisão e o poder hierárquico de um cargo (aspectos institucionais) sejam percebidos como elementos promotores da autonomia, a existência destes fatores não implica, necessariamente, autonomia do sujeito. Pois, mais do que simplesmente ter o poder de tomar decisões em nome da instituição, a vontade subjacente à experiência de autonomia é a de ser coautor da dinâmica e da ordem organizacional. Neste sentido, qualquer indivíduo na instituição, mesmo àquele sem poder institucional, pode sentir que possui certo grau de autonomia ao perceber que afeta a dinâmica organizacional. Seguindo esta lógica, pessoas com poder hierárquico podem achar que não possuem autonomia quando tem que tomar decisões que não estão de acordo com seus valores, nem com seus julgamentos sobre o que é melhor para a instituição e seus membros. A autonomia também se apresenta associada ao controle das variáveis de tempo e espaço. Neste sentido, os elementos relacionados às noções de tempo e espaço são percebidos prioritariamente como recursos institucionais e a autonomia apresenta-se associada ao controle de tais recursos pelo sujeito. Categoria 3 Trajetória Profissional Esta categoria representa um modo de vivência da autonomia no trabalho, cujo foco está direcionado para a trajetória profissional. A autonomia é entendida como a possibilidade de o indivíduo realizar escolhas de trabalho e/ou carreira, e/ou definir a sua trajetória profissional a partir de referências internas (interesses, princípios, valores, vocação). É inerente à experiência de autonomia a vontade de ser autor da própria trajetória profissional em algum nível. Para fins de análise, as decisões relacionadas a esta categoria foram divididas em dois tipos: 3A. Opções de Trabalho: escolher um trabalho 3B. Opções de Carreira: escolher ou mudar de carreira Categoria 3A Opções de Trabalho Em alguns relatos, a autonomia no trabalho é descrita como a possibilidade de o indivíduo realizar escolhas, pontuais ou sucessivas, de trabalho; isto é, decidir vincularse, desvincular-se, manter-se ou rejeitar um trabalho (emprego formal ou não). Foram identificadas três motivações para as escolhas dos vínculos de trabalho. As decisões podem estar baseadas em questões contingenciais que atendem aos interesses

151 138 pontuais do sujeito (melhores condições de trabalho, maior remuneração, melhor gestão do trabalho). Algumas das escolhas ocorrem não apenas por questões contingências, mas são guiadas por um objetivo profissional. Neste caso, a noção de autonomia está associada à possibilidade de realizar as escolhas de trabalho de acordo um referencial interno, isto é, um interesse específico de carreira do sujeito. E, por último, as decisões apresentam-se associadas a interesses gerais (como, por exemplo, crescimento profissional, desafio intelectual) e princípios (como, por exemplo, busca de mais autonomia no trabalho) que se mantêm relativamente constantes ao longo da carreira profissional do sujeito. nós tivemos uma mudança de diretoria na empresa, chegou outro diretor, assumiu a presidência. Umas das primeiras palestras dele no escritório foi comigo o negócio é assim: hierarquia, pró atividade e conhecimento. (...) A importância em supra-sumo da hierarquia, faz esse tipo de coisa, todo mundo [fica] tolhido, sem iniciativa, para que o controle seja total. Então, [esse] foi até um dos motivos que me fez sair [da empresa] (engenheiro, tese_doc2: ). Entrevistador: Por que é importante para você buscar um lugar para trabalhar com boa reputação? Entrevistado: Porque acho super importante [para] o seu nome, porque quando você é profissional liberal o seu grande produto é você mesmo, então quando você associa seu nome a um bom lugar, [você] valoriza o seu nome. (...) Fica melhor de eu me vender, em todos os sentidos, de eu conseguir mais pacientes, de conseguir cobrar mais caro (fisioterapeuta, teste_doc1: ). Entrevistador: Então só para fechar, esse diretor faleceu e você saiu do curso. Por quê? Entrevistado: (...) acho que é questão de empatia. Tem que haver quando você trabalha. (...) Se não houver empatia não há crescimento profissional. (professora de inglês, tese_doc1: ) Categoria 3B Escolhas de Carreira Na Categoria 3 Trajetória Profissional, a noção de autonomia também está associada à possibilidade de realizar escolhas ou mudanças de carreira de acordo referenciais internos ao sujeito, isto é, seus interesses, suas preferências, suas habilidades, sua vocação profissional 45, seus princípios ou seus valores. nunca me aprofundei nessa área técnica, sempre fiquei usando esse trabalho para sustento, mas o meu ideal, meu sonho era sempre ser um pintor (...) Entrevistador: Por que ser pintor? Entrevistado: Porque adoro, porque o trabalho de pintura para mim é um grande prazer. Ao mesmo tempo em que dá uma grande tensão, dá um grande tesão também. O mundo das cores, das formas, é de um estimulo, de um prazer, é vital, para mim é vida. Esse trabalho de pintura é vida, para mim é isso. Isso que me mantém vivo (artista plástico, tese_doc3: ; ). A expressão de autonomia diante das normas manifesta-se na possibilidade de escolha/influência/definição/modificação/negociação dos termos do contrato de trabalho, 45 Neste estudo, vocação profissional refere-se a um interesse, isto é, preferência ou identificação do sujeito por determinado tipo de ocupação, atividade, trabalho ou profissão (ROE e ESTER, 1999); ou disposição natural e espontânea que orienta uma pessoa no sentido de uma atividade, uma função ou profissão (HOUAISS, 2009). Na presente pesquisa, a consciência e o seguimento de uma vocação apresentamse, em alguns casos, relacionados a uma reflexão do sujeito sobre o sentido de sua existência.

152 139 formal ou informal, relativos à vinculação/afiliação, temporária ou não, do profissional com determinada organização/instituição/pessoa. Verifica-se ainda que enquanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho e na Categoria 2 Influência na Instituição há uma associação entre autonomia e o controle sobre os recursos de tempo e espaço, na Categoria 3 Trajetória Profissional isso não ocorre. Isto é, tempo e espaço não são vistos como recursos administráveis e, ainda, os sujeitos percebem que nem sempre o tempo das decisões de trabalho e carreira estão sincronizadas com tempo das oportunidades existentes no contexto. Ou seja, há uma percepção de ausência de controle sobre quando haverá uma oportunidade de trabalho de acordo com as escolhas realizadas pelo sujeito. Nesta categoria, os fatores extra-institucionais situação da economia, mercado de trabalho, oscilação na demanda de trabalho, incerteza da remuneração foram citados como principais aspectos que limitam as opções de trabalho e carreira dos sujeitos. Os fatores individuais conhecimento, experiência, competência e identidade profissional foram percebidos como elementos que promotores, assim como a ausência desses fatores é percebida como uma limitação à autonomia. Categoria 4 Papel no Mundo Nesta categoria, a autonomia é entendida como a possibilidade de o indivíduo definir sua trajetória profissional de acordo com o sentido e o valor atribuído por ele próprio ao trabalho. Mais do que uma vocação profissional, a atribuição do significado do trabalho está relacionada a uma reflexão do sujeito sobre o sentido de sua existência e sobre o seu papel ou sua missão no mundo. É inerente à experiência de autonomia a ideia de ser coautor, em algum nível, do mundo. Nesse sentido, todas as decisões de carreira profissional, de vínculo empregatício, de ação nas instituições e na sociedade e de atividade de trabalho estão subordinadas ao comprometimento do sujeito com sua missão no mundo. Observa-se que as escolhas de trabalhos e carreiras são baseadas em princípios e valores, não limitados ao contexto de trabalho, que se mantêm mais ou menos constantes ao longo da vida do sujeito. Enquanto na Categoria 3B Escolhas de Carreira o sujeito direciona sua carreira a partir de interesses profissionais e/ou pessoais particulares, na Categoria 4 Papel no Mundo,

153 140 o indivíduo desenha sua trajetória profissional a partir de interesses pessoais que estão alinhados com o que ele acredita ser o seu papel transformador no mundo. Ainda, a associação entre autonomia e as noções de tempo e espaço é percebida da mesma forma que na Categoria 3 Trajetória Profissional. Isto é, tempo e espaço não são vistos como recursos administráveis e os sujeitos não sentem que possuem controle sobre o tempo das oportunidades presentes no contexto. Por fim, o autoconhecimento e a crença na vida manifestam-se como os principais fatores promotores da autonomia. quando você me fala de trajetória profissional, eu não tenho como deixar de separar de uma vocação, (...) de uma maneira de ser no mundo. (...) Porque escolher trabalhar de alguma maneira é se relacionar com o mundo de uma forma produtiva levando o que você tem da sua identidade para construir uma coisa com esse mundo. (...) E sempre houve um anseio, digamos, às vezes mais consciente, às vezes menos, de transformar alguma coisa desse mundo externo. Se eu for pensar em fazer uma geral das minhas sucessivas carreiras (...) é todo um conjunto de movimentos (...) nesse sentido de ajudar essa transformação do ser humano, com ênfase na transformação emocional. (...) [Ter autonomia no trabalho] é você ser guiado pela vida em vez de qualquer outro critério. [Ser] guiado por aquilo que você sente ser a sua inspiração de seu papel no mundo, que você gosta de fazer acima de qualquer coisa. Aquilo que faria mesmo de graça. Isso ser o primordial, acima de qualquer outro interesse utilitário, que restrinja esse seu seguir dessa inspiração vital e essencial. Aí você seria autônomo e estaria cumprindo também a sua responsabilidade com o ser humano. (...) Não é uma profissão para mim, é uma missão, é uma coisa de outro nível (psicanalista, tese_doc2: ; ; ; ) Dimensões de Variação Parte do processo da análise fenomenográfica consiste na identificação de temas que estão presentes em todas as Categorias de Descrição, mas que, no entanto, variam ou demonstram uma expansão da percepção sobre o fenômeno ao longo das Categorias. No presente estudo, os quatro modos qualitativamente diferentes de vivência da experiência de autonomia no trabalho variam entre si em torno de sete Dimensões de Variação, que indicam as semelhanças e diferenças entre as Categorias. Essas Dimensões são descritas a seguir: Tipo de decisão. Os tipos de decisões que expressam a autonomia do sujeito variam entre todas as categorias. Enquanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho são tomadas decisões sobre a execução e o planejamento da atividade de trabalho, na Categoria 2 Influência na Instituição o foco de atenção está voltado para decisões institucionais. Na Categoria 3 Trajetória Profissional, as decisões referem-se às escolhas de trabalho e carreira, e na Categoria 4 Papel no Mundo, todas as decisões de carreira, vínculo empregatício, ação dentro das instituições e de atividade de trabalho são realizadas de acordo com o sentido e valor atribuído pelo sujeito ao trabalho. Estas variações representam uma expansão na percepção dos tipos de decisões, começando com um foco

154 141 restrito à tarefa ou atividade de trabalho (Categoria 1 Atividade de Trabalho), passando por decisões que afetam não somente o trabalho do sujeito, mas as instituições (Categoria 2 Influência na Instituição), incluindo escolhas de trabalho e carreira (Categoria 3 Trajetória Profissional) que são influenciadas pelas decisões que podem ser tomadas sobre as tarefas e sobre as instituições nos diferentes trabalhos/carreiras, até o foco no valor atribuído pelo sujeito ao trabalho e todas as decisões profissionais decorrentes desta atribuição (Categoria 4 Papel no Mundo). A amplitude das decisões varia em termos do quanto as decisões referem-se ao indivíduo e seu trabalho (Categoria 1 Atividade de Trabalho); ou dizem respeito ao indivíduo e seu trabalho, a outras pessoas e seus trabalhos, e à instituição (Categoria 2 Influência na Instituição); ou estão associadas ao indivíduo e sua trajetória profissional (Categoria 3 Trajetória Profissional); ou, ainda, além de todos os elementos citados, incluem o impacto das ações individuais na sociedade/comunidade (Categoria 4 Papel no Mundo). Observa-se em todas as categorias que os sujeitos sentem-se responsáveis pelas consequências das suas decisões. Fronteira das decisões. Enquanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho, na Categoria 2 Influência na Instituição e na Categoria 3A Opções de Trabalho as decisões limitam-se ao contexto de trabalho, na Categoria 3B Escolhas de Carreira e na Categoria 4 Papel no Mundo as decisões tomadas não são apenas profissionais, mas estão relacionadas à escolhas de vida do sujeito. Vontade subjacente refere-se à vontade de ser autor ou coautor, em algum nível, da atividade de trabalho (Categoria 1 Atividade de Trabalho), da dinâmica institucional (Categoria 2 Influência na Instituição), da própria trajetória profissional (Categoria 3 Trajetória Profissional), do mundo (Categoria 4 Papel no Mundo). Tempo e Espaço. Enquanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho e na Categoria 2 Influência na Instituição, tempo e espaço são percebidos como recursos administráveis. Na Categoria 3 Trajetória Profissional e na Categoria 4 Papel no Mundo não é identificada uma relação entre autonomia e o controle dessas variáveis; isto é, tempo e espaço não são vistos como recursos e, ainda, nem sempre o tempo das decisões de trabalho e carreira

155 142 estão sincronizadas com tempo das oportunidades existentes no contexto. Ou seja, há uma percepção de ausência de controle sobre quando haverá uma oportunidade de trabalho de acordo com as escolhas realizadas pelo sujeito. Embora esteja mais presente na Categoria 3 Trajetória Profissional e na Categoria 4 Papel no Mundo, observa-se, em todas as Categorias, a percepção de momentos de decisão e de efetivação da decisão. Seja quando os sujeitos falam das oportunidades ( e eu sempre acho que a gente tem que estar no lugar certo e na hora certa (psicanalista, tese_doc2: e ) ), do timing das decisões ( Aí vou dizer que eu estava na situação de sair [daquela empresa] na melhor janela, e aproveitei aquilo ali, mas isso são detalhes (consultor de empresas, tese_doc2: )), ou do tempo de espera para a efetivação de uma vontade ( Um dia vai sair, entendeu? Entrevistador: Esperando um melhor momento? Entrevistado: Pois é (médico-pesquisador, doc_1:2798:2821)). Esses dois momentos podem ocorrer simultaneamente ou não, dependendo das condições do contexto. Normas e Figuras de Autoridade. Em todas as categorias a representação máxima da autonomia no trabalho manifesta-se quando o sujeito se percebe como uma Figura de Autoridade 46 que usa o seu discernimento diante das normas estabelecidas e/ou que cria regras próprias para a execução e o planejamento da atividade de trabalho (Categoria 1 Atividade de Trabalho), que define ou muda regras que impactam na dinâmica organizacional (Categoria 2 Influência na Instituição), que define a sua trajetória profissional a partir de referências internas (interesses, princípios, vocação), além de influenciar os contratos de trabalho que estabelece (Categoria 3 Trajetória Profissional), e que define sua trajetória profissional de acordo com o sentido e o valor atribuído por ele próprio ao trabalho (Categoria 4 Papel no Mundo). Fatores Promotores e Fatores Limitadores. Em todas as categorias fatores extra-institucionais, institucionais e aspectos individuais foram percebidos como elementos que mediam as vontades dos sujeitos e o grau de autonomia possível em um determinado contexto. O foco de atenção, porém, varia entre as 46 Autoridade é definida como o direito ou poder de ordenar, de decidir, de atuar, de se fazer obedecer (HOUASSIS, 2009) e diz-se que uma pessoa, instituição ou organização tem autoridade quando o poder que exerce é encarado como legítimo (BLACKBURN, 1997). No presente estudo, figura de autoridade refere-se à entidade que detém o poder de tomar decisões que afetam o trabalho do sujeito. Quando um indivíduo se

156 143 categorias. Na Categoria 1 Atividade de Trabalho, esse se apresenta voltado para os fatores promotores e limitadores individuais como, por exemplo, conhecimento, experiência e competência; e para os fatores promotores e limitadores institucionais como, por exemplo, recursos, infraestrutura. Na Categoria 2 Influência na Instituição, o poder de decisão e o poder hierárquico de um cargo (aspectos institucionais) são percebidos como elementos promotores da autonomia no trabalho. Na Categoria 3 Trajetória Profissional, os fatores extra-institucionais oscilação na demanda de trabalho, incerteza na remuneração, mercado de trabalho, situação da economia foram citados como principais aspectos que limitam as opções de trabalho e carreira dos sujeitos. Fatores individuais conhecimento, experiência, competência e identidade profissional foram percebidos como elementos que promotores, assim como a ausência desses fatores é percebida como uma limitação à autonomia. Na Categoria 4 Papel no Mundo, o autoconhecimento e a crença na vida manifestam-se como os principais aspectos promotores da autonomia. De uma forma geral, a necessidade de remuneração apresenta-se como um fator potencialmente limitador da autonomia do sujeito em todas as categorias. O Quadro 13 resume os principais pontos discutidos neste item. reconhece como figura de autoridade, isto significa que ele se percebe como àquele que possui o poder de tomar tais decisões.

157 144 Dimensões de Variação Categorias de Descrição Tipos de Decisão Amplitude das decisões Fronteiras das decisões Vontade Subjacente Tempo e Espaço Normas e Figuras de Autoridade Fatores Promotores e Limitadores Categoria 1 - Atividade de Trabalho Categoria 2 - Influência na Categoria 3 - Trajetória Profissional Instituição 1A 1B 3A 3B decisões sobre atividade de trabalho: execução decisões sobre atividade de trabalho: planejamento e execução decisões institucionais opções de trabalho escolhas de carreira todas as decisões profissionais eu, meu trabalho, os outros, o eu, meu trabalho eu, minha trajetória profissional trabalho dos outros, a instituição Categoria 4 - Papel no Mundo eu, meu trabalho, minha trajetória profissional, os outros, o trabalho dos outros, a insituição, comunidade/sociedade contexto de trabalho contexto de trabalho e de vida "ser co-autor" da dinâmica "ser autor" do meu trabalho "ser autor" da minha trajetória profissional organizacional "ser co- autor" do mundo controle ausência de controle discernimento e/ou definição das normas referentes à atividade de trabalho discernimento e definição das normas que regem a dinâmica organizacional influência nos termos dos contratos de trabalho definição de "sua missão" no mundo Individuais Institucionais Individuais Institucionais Individuais "Extra-Institucionais" Quadro 13: Categorias de Descrição e Dimensões de Variação da experiência de autonomia no trabalho

158 Estrutura Hierárquica Inclusiva Marton e Booth (1997) afirmam que a relação entre as Categorias de Descrição deve apresentar-se como uma estrutura hierarquia inclusiva organizada de acordo com o grau de complexidade, ou seja, entendimentos mais ou menos completos sobre o fenômeno (MARTON e BOOTH, 1997). Isso significa que a experiência de autonomia descrita nas últimas Categorias inclui aspectos da autonomia percebida nas primeiras categorias, mas o contrário não ocorre. Neste sentido, enquanto cada nova categoria possui elementos em comum com as categorias precedentes, essas também apresentam algo novo sobre a experiência de autonomia no trabalho. É importante destacar, conforme enfatizado por Akerlind, Bowden e Green (2005), que a hierarquia apresentada no resultado de uma pesquisa fenomenográfica não é baseada em um juízo de valor a respeito da melhor ou pior forma de se vivenciar o fenômeno. O propósito da hierarquização é evidenciar que algumas categorias estão incluídas em outras, de acordo com o grau de complexidade. No presente estudo, as quatro formas qualitativamente diferentes (Categorias de Descrição) de vivência da autonomia no trabalho estão relacionadas em uma estrutura hierarquia inclusiva. Assim, a experiência de autonomia descrita nas últimas categorias inclui aspectos da vivência da autonomia descritos nas primeiras. Neste sentido, a relação entre as categorias representa uma hierarquia na qual há um aumento na complexidade do entendimento da autonomia; isto é, mais aspectos do fenômeno são simultaneamente percebidos nas categorias mais altas. Seguindo esta lógica, a Categoria 4 Papel no Mundo representa um modo de vivência de autonomia no qual o sujeito percebe todos os aspectos associados à experiência de autonomia no trabalho. A hierarquia e a ordenação das Categorias emergiram de um processo iterativo no qual se buscou evidências lógicas e empíricas da relação inclusiva entre as Categorias. As evidências lógicas estão representadas pelas sete Dimensões de Variação. As variações (descritas no subitem anterior) das quatro primeiras Tipo de decisão, Amplitude das decisões, Fronteira das decisões, Vontade subjacente demonstram uma expansão na percepção dos sujeitos sobre os tipos, a amplitude e a fronteira das decisões, e sobre a vontade subjacente a essas decisões. As variações das três últimas Dimensões Tempo e Espaço, Normas e Figuras de Autoridade, Fatores Promotores e Limitadores enfatizam mais a diferença entre as Categorias, mas apontam também para a expansão na percepção sobre o fenômeno analisado.

159 146 As evidências empíricas decorreram da identificação de alguns trechos de entrevistas que demonstraram referências aos elementos presentes em uma determinada Categoria e nas anteriores. Como a relação hierárquica entre as Categorias está associada ao aumento na complexidade do entendimento da autonomia; isto é, mais aspectos do fenômeno são percebidos ao mesmo tempo, a seguir serão apresentados três trechos das entrevistas com o objetivo mostrar exemplos de evidências empíricas da simultaneidade de elementos presentes na percepção do sujeito ao descrever a sua experiência de autonomia no trabalho. Destaca-se, no entanto, que estas breves citações ilustrativas não representam a totalidade de evidências presentes nas transcrições das entrevistas. Exemplo de evidência empírica da simultaneidade na percepção dos elementos da Categoria 1 Atividade de Trabalho e Categoria 2 Influência na Instituição Neste trecho, o advogado, ao descrever a autonomia que possuía no trabalho, ilustra a percepção de aspectos da autonomia classificados tanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho, quanto na Categoria 2 Influência na Instituição: [Decido] sobre o horário que eu chego, o horário que eu saio. Eu que faço os meus horários {grifo da autora: exemplo de autonomia conforme descrito na Categoria 1 Atividade de Trabalho}.Tudo o que chega para mim eu defino pra quem eu passo, se eu faço ou se delego, sou eu que defino na minha equipe ninguém me diz o que fazer {grifo da autora: exemplo de autonomia conforme descrito na Categoria 2 Influência na Instituição} (advogado, tese_doc2: ) Exemplo de evidência empírica da simultaneidade na percepção dos elementos da Categoria 1 Atividade de Trabalho, Categoria 2 Influência na Instituição e Categoria 3 Trajetória Profissional Neste trecho, o consultor de empresas, ao descrever o seu entendimento de autonomia no trabalho, ilustra a percepção de aspectos da autonomia classificados tanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho, na Categoria 2 Influência na Instituição e na Categoria 3 Trajetória Profissional: Eu relacionaria autonomia versos liberdade. Quando [você] tem liberdade para tomar decisões. A amplitude das decisões que você pode tomar, para mim autonomia é isso. (...) Se eu posso demitir ou admitir pessoas {grifo da autora: exemplo de autonomia conforme descrito na Categoria 2 Influência na Instituição}. Se eu posso aceitar ou não aceitar fazer um trabalho, se eu posso optar por ter uma carga horária menor essa semana, sair de férias, fazer meu horário {grifo da autora: exemplo de autonomia conforme descrito na Categoria 1 Atividade de Trabalho}. (...) Como consultor numa grande engrenagem como a PPP, IIII ou AAA, eu era empregado como outro qualquer, entendeu? Claro que eu fui subindo na hierarquia, (...) os níveis acima me permitiam tomar algumas decisões, mas sempre

160 147 era muito limitado. Já é diferente do estágio atual [como empreendedor]. Aqui sim, eu na verdade tenho a mais ampla possibilidade de decisões e atuação, aqui sim a autonomia fica um pouco maior (...) porque sou o dono da empresa, sou consultor, vendo projetos, decido quem vai para qual projeto, entrego os projetos para os clientes. E sou capaz também de dizer: vou embora para casa às quatro horas porque tenho que buscar a minha filha no colégio. Essas coisas assim. Sou um pouquinho mais dono das minhas decisões {grifo da autora: exemplo de percepção dos diferentes tipos e graus de autonomia de acordo com âmbito de atuação e vínculo empregatício e que impactam nas escolhas de trabalho, conforme descrito na Categoria 3 Trajetória Profissional} (...) Aliás, vou voltar ao exemplo que te falei, a minha decisão de a partir de terça feira formalmente eu não estou mais ligado à esta empresa, inclusive saí formalmente do contrato social, porque eu preciso me dedicar a minha tese {grifo da autora: exemplo de autonomia conforme descrito na Categoria 3 Trajetória Profissional}. (...) Então isso é uma decisão, é uma autonomia minha (consultor de empresas 1, tese_doc2: ). Exemplo de evidência empírica da simultaneidade na percepção dos elementos da Categoria 1 Atividade de Trabalho, Categoria 2 Influência na Instituição, Categoria 3 Trajetória Profissional e Categoria 4 Papel no Mundo Neste trecho, a psicanalista, ao descrever a sua experiência profissional e o seu entendimento de autonomia no trabalho, ilustra a percepção de aspectos da autonomia classificados tanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho, na Categoria 2 Influência na Instituição, na Categoria 3 Trajetória Profissional e na Categoria 4 Papel no Mundo: eu trabalho como psicanalista. Tenho minha clínica há 25 anos. (...) Atendo em casa e no meu consultório. (...) Sou eu que organizo os horários. {grifo da autora: exemplo de autonomia conforme descrito na Categoria 1 Atividade de Trabalho} Cada analisando tem uma horário marcado, mas sou muito flexível com relação a isso (...) Se eu for pensar em fazer uma geral das minhas sucessivas carreiras (...) é todo um conjunto de movimentos (...) nesse sentido de ajudar essa transformação do ser humano, com ênfase na transformação emocional. {grifo da autora: exemplo de autonomia conforme descrito na Categoria 3 Trajetória Profissional} (...) [Ter autonomia no trabalho] é você ser guiado pela vida em vez de qualquer outro critério. [Ser] guiado por aquilo que você sente ser a sua inspiração de seu papel no mundo (...) Não é uma profissão para mim, é uma missão, é uma coisa de outro nível {grifo da autora: exemplo de autonomia conforme descrito na Categoria 4 Papel no Mundo} (...) Já tive muitos impasses de conseguir entrar nas instituições e ser aceita. De conseguir dizer alguma coisinha um pouquinho original, mas dentro dos enclaves que eles poderiam aceitar e entender, (...) podendo fecundar de algum jeito também, um pouquinho, muito pouquinho, porque a instituição não se deixa fecundar além de certo ponto {grifo da autora: exemplo de autonomia conforme descrito na Categoria 2 Influência na Instituição} (psicanalista, tese_doc2: ; ; ). A Figura 9 ilustra a organização das Categorias de Descrição em uma estrutura hierárquica inclusiva.

161 148 Figura 9: Autonomia no Trabalho na percepção de um grupo de profissionais especializados 5.2. Discussão Aprofundada das Variações não críticas Nos subitens subsequentes Tempo e Espaço, Normas e Figuras de Autoridade, Fatores Promotores e Limitadores são apresentadas as variações críticas e não críticas relacionadas a três Dimensões de Variação (Tempo e Espaço; Normas e Figuras de Autoridade; Fatores Promotores e Limitadores). Esta descrição tem como objetivo ilustrar alguns dos aspectos abstratos explorados no item 5.1. Espaço de Resultados, assim como enfatizar outros elementos da experiência com o fenômeno, como, por exemplo, a ação e o sentimento de autonomia do sujeito diante de fatores impactantes do contexto. As quatro primeiras Dimensões de Variação Tipo de decisão, Amplitude das decisões, Fronteira das decisões, Vontade subjacente não serão exploradas nos próximos subitens, pois foram utilizadas como a principal referência para a construção das Categorias de Descrição. Assim, os aspectos mais relevantes relacionados a essas Dimensões já foram abordados no item anterior. Embora a descrição das variações não críticas seja pouco praticada nos estudos fenomenográficos, a pesquisadora optou por realizar esta tarefa, pois identificou no processo de análise que alguns dos aspectos deste tipo de variação mostram-se relevantes para uma melhor compreensão da experiência de autonomia no trabalho. Destaca-se que esta descrição complementar não vai contra as orientações metodológicas visto que o processo de análise seguiu todo o rigor dos procedimentos

162 149 fenomenográficos e a apresentação dos resultados no item 5.1.Espaço de Resultados provê uma visão holística do conjunto de percepções qualitativamente diferentes com relação ao fenômeno Tempo e Espaço Conforme apresentado no subitem Categoria de Descrição, os resultados do processo de análise dos dados sugerem a associação entre autonomia e os elementos tempo e espaço. Neste subitem esta relação é discutida considerando-se as quatro Categorias de Descrição Atividade de Trabalho, Influência na Instituição, Trajetória Profissional e Papel no Mundo. Essa apresentação tem como objetivo ilustrar alguns dos aspectos explorados no item anterior, assim como se pretende abordar outros elementos da experiência com o fenômeno, como, por exemplo, a ação do sujeito. Ressalta-se que apesar da distinção para fins de análise entre tempo e espaço, estas duas variáveis não aparecem descorrelacionadas nos relatos dos sujeitos. Tempo e Espaço na Categoria 1 Atividade de Trabalho Na Categoria 1 Atividade de Trabalho (que inclui as duas subcategorias: 1A- Execução e 1B-Planejamento), a noção de autonomia no trabalho apresenta-se associada às decisões sobre quando e/ou onde exercer as tarefas de trabalho. Dois tipos de percepção quanto ao propósito das decisões relacionadas ao tempo e ao espaço foram identificadas. No primeiro tipo, o sujeito define a organização do trabalho de acordo com seus interesses particulares. No segundo tipo, o sujeito decide visando o melhor resultado da tarefa de trabalho. Esses dois tipos de percepção são apresentados a seguir. Interesses particulares Na Categoria 1 Atividade de Trabalho, a autonomia no trabalho é descrita, em parte, como a possibilidade de influenciar, definir ou, até mesmo, controlar quando e/ou onde exercer as tarefas de trabalho de tal modo que esta organização seja a mais conveniente para o próprio indivíduo.

163 150 Considerando a noção de tempo, no relato a seguir, um advogado relaciona a possibilidade de definir os seus horários de chegada e saída no escritório e o seu cronograma de trabalho à sua autonomia: autonomia no trabalho para mim [é] ter a possibilidade, liberdade de montar, digamos assim, seu cronograma, seu horário, seu planejamento de trabalho (...) Se quiser sair meio-dia do escritório, eu saio. Não preciso dar grandes satisfações [a ninguém]. (advogado, tese_doc3: , ). Em outro relato, uma médica descreve tanto a possibilidade de definir seus horários quanto o controle da intensidade de trabalho de acordo com as suas necessidades financeiras como sua autonomia com relação ao tempo: eu não conseguiria trabalhar numa empresa que entro às oito horas da manhã e saio às seis da tarde todos os dias. Isso iria me gerar uma angustia muito grande (...) Se eu quiser atender vinte pacientes numa dia, eu atendo, se eu não quiser atender consultório eu não marco agenda. É uma liberdade que eu tenho. Se eu quiser ganhar mais, tenho que trabalhar mais, se eu quiser ganhar menos, trabalho menos. Isso você tem como profissional liberal no consultório (médica-professora, tese_doc1: ). A mesma entrevistada descreve o trabalho fora dos horários determinados por ela como uma redução de sua autonomia. Observa-se na percepção desta médica que definição dos horários de trabalho significa também definição dos locais de trabalho e de não trabalho. [Sinto]um pouco de diminuição de privacidade quando saio daqui [do consultório] e a pessoa me liga. Eu tenho vida, sou gente, tenho fome, tenho vontade de dormir, de não falar com ninguém, tenho vontade de ver minha filha, meu cachorrinho, sou uma pessoa. E a paciente liga e às vezes você não está com vontade mais de falar, naquele momento não quero pensar. (...) Eu tenho que pensar, fazer um diagnóstico e fazer um tratamento. Isso é uma coisa muito chata do consultório (médica-professora, tese_doc1: ) A possibilidade de flexibilização dos horários de trabalho pré-determinados também são vistos como uma expressão de autonomia. No relato a seguir, uma fisioterapeuta relaciona a conveniência da flexibilização dos horários de atendimento dos seus pacientes particulares à autonomia no trabalho: atuando no mercado de trabalho como autônoma, eu acho que autonomia principalmente é ter flexibilidade no horário (...) [Para] o paciente particular, flexibilidade é a palavra porque eu posso atrasar e o atraso não é um problema. Eu posso chegar um pouco mais cedo, posso mudar o horário, posso mudar o dia que eu vou, eu posso desmarcar por qualquer motivo, desde hoje eu não posso ir porque estou doente até não posso ir porque é meu aniversário / uma festa / cabeleireiro. Isso não vai representar um problema ou grande transtorno. [O paciente particular] te permite essa flexibilidade. Isso é a minha autonomia hoje. (fisioterapeuta, tese_doc1: ). No ambiente corporativo, a possibilidade de programar intervalos no trabalho ao longo do dia é outro exemplo de flexibilização de horários pré-determinados. Um consultor ilustra esta percepção ao comparar a falta de flexibilidade para fazer intervalos em uma grande empresa à liberdade de fazê-lo como empreendedor: agora não estou com vontade de fazer nada. Estou com dor de cabeça, vou descer e tomar um café. Se tivesse trabalhando numa IBM, talvez não fizesse isso. Mas [como empreendedor] se eu tiver vontade, eu vou descer e vou dar uma voltinha ali na Saraiva para folhear um livro e volto para fazer o que eu tenho para fazer (consultor de empresas 1, tese_doc2: ).

164 151 Além do foco na organização do trabalho no cotidiano, também é percebida como autonomia a possibilidade de definir o planejamento dos horários de trabalho para um período mais longo (semanas, meses). Uma professora fala da flexibilidade que a Universidade Federal proporciona para a escolha dos horários de trabalho a cada semestre. Entrevistador: E o que a Universidade Federal te permite, que outras Universidades não te permitiriam? Entrevistado: Negociar meus horários a cada semestre, eu posso conversar isso, modificar, trocar (professora universitária, tese_doc3: ). A determinação dos períodos de não trabalho também são citados. Observa-se no relato de uma consultora de empresas que a possibilidade de planejar férias é usada como critério nas escolhas de vínculo de trabalho. já tive alguns convites para fazer sociedade e eu não quis. (...) Passei a vida toda trabalhando com horários, passando tantos dias de férias. [Como autônoma], se eu quiser tirar sessenta dias de férias, eu tiro. Se não quiser tirar, não tiro. Não tenho que pedir licença para ninguém (coaching, tese_doc1: ) Considerando a noção de espaço, a ideia de autonomia apresenta-se associada à escolha do melhor local para executar uma tarefa de trabalho em casa ou no escritório, por exemplo. O relato de um consultor de empresas é um exemplo desta percepção: Se estou indo [embora do escritório] agora, [é] porque quero dar uma corridinha para espairecer, [e] de noite vou continuar trabalhando. Quando todos estiverem dormindo, vou estar [em casa] acabando de fazer o que tenho para fazer (consultor de empresas1, tese_doc2: ; e ). Verifica-se ainda, nesta categoria, que o sujeito só entende como benéfico o poder de definir os horários e locais de trabalho caso possua a disciplina necessária para lidar com as obrigações e responsabilidades exigidas por sua atividade de trabalho: mas tem que ter disciplina para fechar os horários da sua ginástica. Tem que ter disciplina para dizer tal dia não vou trabalhar e fechar e não [vou] trabalhar haja o que houver. (...) Mas [também] tem que ser disciplinado pra cumprir prazos. De novo lócus interno de controle, não tem ninguém mais controlando (coaching, tese_doc1: e ). É importante ressaltar que embora os entrevistados descrevam a autonomia, em parte, como a possibilidade de definir a organização do trabalho do modo mais conveniente para eles, isso não significa que estes sujeitos não estejam comprometidos com as suas atividades e com os seus resultados. Neste sentido, suas decisões giram em torno da conciliação entre os seus interesses particulares e as demandas do trabalho.

165 152 Melhor resultado da tarefa Ainda na Categoria 1 Atividade de Trabalho, a autonomia também é descrita como a possibilidade de organizar o trabalho visando o melhor resultado das tarefas. Considerando a noção de tempo, a percepção de autonomia apresenta-se associada às decisões tanto do quando executar a tarefa quanto do andamento (ritmo) das atividades. O relato de uma professora universitária sobre as dificuldades de determinar o andamento de suas atividades por causa dos dispositivos institucionais de avaliação do trabalho ilustra a relação entre autonomia e a dimensão tempo : a nossa cota são três artigos por ano, por professor (...) [E esta cota] não respeita o ritmo [de produção]. Ele pode ser mais acelerado ou menos. Tem pesquisas que são diferentes, não só pesquisas, como outros projetos. (...) E isso tem ritmo próprio e esses dispositivos de avaliação eles têm um ritmo único, [que] às vezes não respeita [nosso ritmo de produção]. (...) Então autonomia é isso, é de autogovernar o andamento, a organização do trabalho, o ritmo do trabalho, o cronograma (professora universitária, tese_doc3: ). Neste outro relato, um especialista em TI descreve a autonomia que possui para determinar o tempo de trabalho que dedica a cada cliente de acordo com o que julga ser o melhor para a empresa. [A minha autonomia] seria mais [de decidir] quando. Porque com a implementação a gente ficava duas, três semanas num cliente só, e os outros começavam a ficar descobertos. Então eu tinha que: hoje vou passar dois, três dias no outro que faz um tempinho que não vou. Então esse tipo de circulação dentro dos clientes que eu estava trabalhando, eu decidia fazer isso. Se eu não fizesse ia começar a estourar bomba. Tive um antigo chefe aqui da ZZZ (...) ele falava assim: José você fica paparicando seus clientes, e eu falei: é João, eu paparico, mas é por isso que eles voltam a comprar, mesmo quando a gente faz besteira. (...) Eu sempre falo, [a gente] tem que tratar bem o cliente (Especialista em TI 1, tese_doc1: ; ) Espaço como metáfora Na Categoria 1 Atividade de Trabalho, a noção de espaço também está presente como uma metáfora para autonomia, ou seja, à amplitude de decisões que o sujeito pode tomar sobre a sua atividade de trabalho dentro de uma instituição. A descrição de uma professora universitária ilustra esta percepção. Observa-se neste relato a associação da autonomia no trabalho ao espaço provido pela instituição e à ação individual de defender o que o sujeito considera ser o seu espaço. mas autonomia é quando eu tenho um espaço para me movimentar, pra criar, tomar decisões que afetam diretamente o meu fazer, eu sou responsável, eu consigo dar esses rumos, isso para mim é autonomia. Quando eu consigo garantir esse espaço, será que eu consigo garantir? Ou quando esse espaço me é permitido? Talvez seja uma combinação das duas coisas, a instituição permite, mas eu também, a minha ação de dizer não invade aqui. Quando eu vou para luta, eu mostro essa autonomia. Quando esse espaço existe, quando ele é real, concreto, espaço para me movimentar, é quase como se eu

166 153 pudesse demarcar um circulo envolta de mim, riscasse no chão, e esse espaço aqui ninguém além de mim vai dizer como vai acontecer (professora universitária, tese_doc3) Algumas Considerações Categoria 1 Atividade de Trabalho Em resumo, na Categoria 1 Atividade de Trabalho, a autonomia com relação ao tempo encontra-se associada com a possibilidade de o indivíduo definir seus horários de trabalho e de não trabalho, dentro de uma instituição ou profissão, e/ou flexibilizar horários de trabalho predefinidos. As decisões referem-se tanto ao cotidiano de trabalho quanto ao planejamento de períodos mais longos (semanas, meses) curto e médio prazos. As definições sobre o ritmo e intensidade do trabalho também estão associadas à autonomia. A autonomia com relação ao espaço apresenta-se associada à escolha do melhor local para executar uma tarefa de trabalho em casa ou no escritório, por exemplo. Logo, as variáveis tempo e espaço são percebidas como um recursos do sujeito, e a autonomia manifesta-se no controle (ou administração) destes recursos pelo sujeito. A noção de espaço também é representada como uma metáfora à amplitude de decisões que o sujeito pode tomar sobre a sua atividade de trabalho dentro de uma instituição. Tempo e Espaço na Categoria 2 Influência na Instituição As noções de tempo e espaço estão presentes na Categoria 2 Influência na Instituição de duas formas distintas. Enquanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho, as variáveis tempo e espaço são percebidas como recursos do sujeito, na Categoria 2 Influência na Instituição, estas variáveis são vistas como recursos institucionais. E embora a noção de autonomia esteja relacionada à administração destes recursos, sua ausência pode representar uma limitação à ação do sujeito na instituição. Um professor descreve a dificuldade em implantar um projeto pedagógico devido à limitação na disponibilidade de carga horária de professores (recurso de tempo) e salas de aula (recurso de espaço). qualquer projeto [institucional] não incide apenas numa [pessoa], ou seja, na sua vida pessoal. Ele certamente envolve outros setores. Ele demanda tempo, carga horária de professor. (...) Alguns coordenadores não se apresentaram muito favoráveis [ao projeto] pelas dificuldades de falta de sala de aula. É uma questão operacional (professor 1, tese_doc3: ) A noção de espaço também representa uma metáfora para autonomia. No entanto, diferentemente da Categoria 1 Atividade de Trabalho, a metáfora de espaço aqui refere-se à possibilidade de o sujeito discutir e influenciar decisões que afetam a ordem e/ou a dinâmica

167 154 organizacional. O relato de uma professora universitária sobre os espaços colegiados de decisão na instituição ilustra esta percepção: os espaços colegiados são bons, eles são bons. Espaços onde todos conseguem colocar, agradando ou desagradando os outros. A gente fala no colegiado da psicologia, isso eu concordo, isso não concordo (professora universitária, tese_doc3: ). Em outro exemplo, um advogado descreve o processo de discussão e tomada de decisões administrativas em organizações gerenciadas por sócios. a estrutura é de sete sócios. (...) A gente se reúne, todos os sócios opinam, [e quando] chega no final é aquela coisa concordo, não concordo e ganha pela maioria (...) Entrevistador:Mas decisão em relação ao quê? Entrevistado: Qualquer coisa [administrativa] (advogado, tese_doc3:902:918). Tempo e Espaço na Categoria 3 Trajetória Profissional Na Categoria 3 Trajetória Profissional, a noção de espaço apresenta-se associada à ideia de mobilidade entre diferentes trabalhos, empregos, vínculos e carreiras. Sobre a noção de tempo, nota-se que enquanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho, o foco de atenção dos sujeitos está voltado para o curto e para o médio prazos (dias, semanas e meses), na Categoria 3 Trajetória Profissional, o curto, o médio e, principalmente, o longo prazos (anos) são percebidos pelos entrevistados. Um consultor de empresas ao falar do seu planejamento de carreira com duração de oito anos ilustra a noção do tempo no longo prazo. [Meu plano de carreira] foi um projeto de vida. Agora é o ultimo ato de um projeto de oito anos (...) O objetivo todo é ter um equilíbrio melhor, um bem estar maior pessoal e profissional, essa é a intenção (consultor de empresas 1, tese_doc2:1446:1537; ). As ideias de continuidade e descontinuidade das decisões de tempos em tempos também estão presentes na Categoria 3 Trajetória Profissional. Os relatos sobre as mudanças de trabalho e carreira ilustram esta percepção. Por exemplo, uma administradora que decidiu trabalhar como designer de joias descreve a sua satisfação com a nova atividade, mas não descarta a possibilidade de uma nova mudança no futuro. a certeza de que hoje é isso que eu quero. Mas não sei dizer se daqui a cinco anos eu vou continuar querendo isso. Mas no momento eu estou feliz e satisfeitíssima com a área (design de joias, tese_doc2: ) Nos relatos dos entrevistados que realizaram mudanças nas suas trajetórias profissionais também foram identificadas referências às etapas de carreira, isto é, diferentes períodos dedicados a uma atividade ou a um vínculo. O relato de uma psicanalista sobre sua decisão de não manter um vínculo institucional ilustra esta ideia: se eu paro para pensar na minha vida,

168 155 são ciclos de dez anos, dez anos, e depois de dez anos de instituição, um lado meu já não aguentava mais (psicanalista, tese_doc2: ). Verifica-se ainda que enquanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho e na Categoria 2 Influência na Instituição há uma associação entre o controle sobre tempo, espaço e autonomia, na Categoria 3 Trajetória Profissional isso não ocorre. Isto é, tempo e espaço não são vistos como recursos e, ainda, os sujeitos percebem que nem sempre o tempo das decisões de trabalho e carreira estão sincronizadas com tempo das oportunidades existentes no contexto. Ou seja, há uma percepção de ausência de controle sobre quando haverá uma oportunidade de trabalho de acordo com as escolhas realizadas pelo sujeito. Em outras palavras, os entrevistados, ao descreverem suas trajetórias profissionais, organizam suas narrativas em torno dos momentos de decisão e/ou de efetivação desta decisão. Esses dois momentos podem ocorrer simultaneamente ou não, dependendo das condições do contexto. O relato de uma especialista em TI ilustra essa ideia. Apesar de a entrevistada ter tomado a decisão de sair de um emprego, ela precisou esperar três anos para que surgisse uma oportunidade que possibilitasse a efetivação de sua decisão. eu saí em Estava procurando emprego desde 2004, estava desesperada para sair em 2004, que foi o auge do problema de gestão com a minha gestora. Eu fiquei três anos tentando sair (especialista em TI 2, tese_doc2). No entanto, para a manutenção do sentimento de controle, alguns dos entrevistados, empregados e autônomos, relatam realizar um planejamento de carreira envolvendo o desenvolvimento de habilidades e competências que supostamente aumentariam as ofertas e opções de trabalho dentro ou fora do ambiente organizacional. O relato a seguir ilustra a percepção de controle um consultor de empresas sobre determinadas variáveis de sua vida e como esse controle manifestado aqui pelo investimento em sua capacitação profissional pode impactar positivamente nas suas opções de trabalho e carreira. na prática eu acho que, considero ter um controle razoável nas variáveis da minha vida para tomar as decisões que tenho tomado. (...) Vou dar uma parada [no meu trabalho como consultor] para investir na minha tese de doutorado. Tenho um interesse numa segunda, num viés acadêmico, como segunda atividade forte. Também tem um interesse no título para que eu, como consultor, possa ser bem visto (...) Então, tem um interesse de com a tese me trazer um beneficio, mais oportunidades (consultor de empresas 1, tese_doc2: ; ; ). Os profissionais autônomos, que lidam com a oscilação da demanda de trabalho, criam estratégias para tentar reduzir a ausência de trabalho (tempo de não trabalho). Conforme será

169 156 abordado no item Fatores Promotores e Limitadores, a construção de uma boa reputação e de um bom networking, a diversificação de serviços e clientes, a dedicação contínua ao trabalho, são ações utilizadas para garantir a constante oferta de trabalho. Em alguns casos, as estratégias utilizadas para evitar a falta de trabalho podem trazer como consequência uma intensificação do trabalho e a ausência dos períodos de férias. Em outras palavras, a busca por maior autonomia com relação ao tempo na Categoria 3 Trajetória Profissional pode acarretar em uma redução da autonomia descrita na Categoria 1 Atividade de Trabalho. O relato de um especialista em TI (Tecnologia da Informação) ilustra o impacto negativo da sua iniciativa para a construção e um bom networking no seu planejamento de férias: eu não tinha férias trabalhando como consultor (...) Porque se eu viajasse, eu não sei se alguém iria me contatar, ou ia precisar de algum trabalho. (...) Entrevistador: E qual a consequência disso? (...) Networking, marketing. (...) Teve trabalhos que obtive graças recomendações, e nessa área vale bastante recomendação (Especialista em TI 1, tese_doc1: ) Tempo e Espaço na Categoria 4 Papel no Mundo Na Categoria 4 Papel no Mundo, assim como ocorre na Categoria 3 Trajetória Profissional não há uma associação entre o controle sobre tempo, espaço e autonomia. A noção de espaço apresenta-se como uma metáfora à amplitude ou localização da ação do sujeito no mundo. Esta percepção está presente no relato de uma psicanalista ao se indagar sobre a extensão da sua atuação profissional, isto é, se ela deveria trabalhar somente como psicanalista no consultório (nível privado) ou se ela deveria ampliar a sua atuação, publicando as suas ideias (nível público). eu acho que ajudar o ser humano a ser autônomo emocionalmente, é uma espécie, uma coisa que pode dar valor a minha vida enquanto profissional. Eu tenho que fazer alguma coisa que seja realmente significativa. Eu já faço, eu acho, no nível privado, [na clínica]. (...) Não sei se é possível fazer isso no nível público. Entrevistador: Como assim no nível público? Entrevistado: Escrever alguma coisa que realmente seja significativo sobre isso (psicanalista, tese_doc2: ). Algumas Considerações Este item teve por objetivo descrever a variação de percepções dos sujeitos entrevistados sobre a relação entre autonomia, tempo e espaço. Verifica-se que enquanto na Categoria 1 Atividade de Trabalho, o foco de atenção dos sujeitos está voltado para o curto e para o médio prazos (dias, semanas e meses), nas Categorias 2, 3 e 4, o curto, o médio e o longo (anos) prazos são percebidos pelos entrevistados.

170 157 Observa-se também que, em algumas situações, as variáveis tempo e espaço são percebidas como recursos administráveis. E embora a noção de autonomia esteja relacionada à administração destes recursos, sua ausência pode representar uma limitação à ação do sujeito. Os resultados da análise sugerem a associação entre autonomia e a percepção de controle/não controle sobre os elementos tempo e espaço. A respeito da relação entre as categorias, nota-se que em alguns casos, a manutenção do sentimento de controle sobre a definição dos períodos de trabalho e de folgas foi usada como critério nas escolhas de não vinculação a uma organização. Em outras palavras, a autonomia conforme descrita na Categoria 1 Atividade de Trabalho foi utilizada como critério nas escolhas referentes à Categoria 3 Trajetória Profissional. Em outros casos, a escolha do tipo de vínculo de trabalho (ser autônomo, por exemplo) impactou negativamente no sentimento de controle sobre a intensidade do trabalho. Em outras palavras, as escolhas realizadas para aumentar a autonomia conforme descrita na Categoria 3 Trajetória Profissional reduziu a autonomia referente à Categoria 1 - Atividade de Trabalho. Por fim, embora tenha sido mais enfatizado na descrição da Categoria 3 Trajetória Profissional, a ideia de momentos de decisão e efetivação da decisão está presente nos relatos dos sujeitos em todas as Categorias. Seja quando os sujeitos falam das oportunidades ( e eu sempre acho que a gente tem que estar no lugar certo e na hora certa (psicanalista, tese_doc2: e ) ), do timing das decisões ( Aí vou dizer que eu estava na situação de sair [daquela empresa] na melhor janela, e aproveitei aquilo ali (consultor de empresas_tese_doc2: )), ou do tempo de espera para a efetivação de uma decisão ( Um dia vai sair, entendeu? Entrevistador: Esperando um melhor momento? Entrevistado: Pois é (médico-pesquisador,tese_doc1:2798:2821)). Observa-se que esses dois momentos podem ocorrer simultaneamente ou não, dependendo das condições do contexto. O Quadro 14 resume os pontos discutidos neste subitem.

171 158 Tempo Categoria 1 - Atividade de Trabalho controle sobre o "recurso" pessoal => definição: dos horários de trabalho, flexibilização de horários prédeterminados, intensidade de trabalho, ritmo de trabalho curto, médio prazos 'momento' Dimensão "Tempo e Espaço" Categoria 2 - Influência na Instituição controle sobre o "recurso" institucional curto, médio, longo prazos 'momento' Categoria 3 - Trajetória Profissional ausência de controle curto, médio, longo prazos 'momento' Categoria 4 - Papel no Mundo ausência de controle curto, médio, longo prazos 'momento' Espaço controle sobre o "recurso" pessoal => definição do local de trabalho metáfora para a amplitude de decisões sobre a atividade de trabalho em uma instituição controle sobre o "recurso" institucional metáfora para a possibilidade de influência na instituição ausência de controle mobilidade entre diferentes trabalhos/empregos/vinculos/carr eiras ausência de controle metáfora para a 'amplitude' e 'localização' da ação do sujeito no mundo Quadro 14: Autonomia, tempo e espaço Normas e Figuras de Autoridade Conforme apresentado no subitem 5.1. Espaço de Resultados, os resultados do processo de análise dos dados sugerem a percepção de uma relação entre autonomia e normas e figuras de autoridade. Neste subitem, a Dimensão de Variação Normas e Figuras de Autoridade é discutida em torno dos seguintes temas: normas, figuras de autoridade, responsabilidade, responsabilização e risco. Considerando-se as quatro Categorias de Descrição Atividade de Trabalho, Influência na Instituição, Trajetória Profissional e Papel no Mundo, apresenta-se neste subitem a variedade de percepções que ilustram alguns dos aspectos explorados no item 5.1.Espaço de Resultados, assim como são enfatizados outros elementos da experiência com o fenômeno, como, por exemplo, a ação do sujeito. Normas e Figuras de Autoridade na Categoria 1 Atividade de Trabalho Na Categoria 1 Atividade de Trabalho, as normas/regras/procedimentos mostram-se elementos relevantes no entendimento de autonomia na atividade de trabalho. O valor das figuras de autoridade é percebido na medida em que estas entidades interferem nas normas/regras/procedimentos referentes à atividade de trabalho, e/ou no cumprimento destas (controle).

172 159 Normas É importante destacar que, na Categoria 1 Atividade de Trabalho, as normas que estão no foco de atenção são aquelas voltadas para a organização, execução e planejamento do trabalho. Nesta categoria, os sujeitos não questionam a importância/necessidade das normas e procedimentos. O foco de atenção está voltado para o discernimento usado diante destas. Ao avaliar o conteúdo das regras existentes, o sujeito define possíveis ações: submissão, não submissão, flexibilização, transgressão, criação. A análise dos dados aponta que a avaliação e a ação diante das normas decorrem tanto do seu entendimento no contexto da decisão, quanto do uso de referenciais além deste contexto. O relato a seguir ilustra a decisão de uma fisioterapeuta diante de um procedimento clínico. Neste caso, a profissional, ao utilizar como referência o conhecimento adquirido na faculdade, discorda da recomendação prescrita pela clínica para o tratamento de um paciente e decide transgredi-la, simulando o tratamento. Eu perguntei ao meu supervisor de estágio: olha só eu estudei na faculdade que o [aparelho] ondas curtas é um desidratador e que artrose é um processo que envolve desidratação também. Expliquei: como você vai pegar um processo de desidratação e provocar uma desidratação maior?. A resposta foi está no papel é para fazer, não é para questionar, mas não vai piorar?, é para fazer não é para questionar. A resposta é sempre essa, porque não existe argumento. Entrevistador: E aí o que você fazia? Entrevistado: Você acaba não fazendo, você coloca [o aparelho] e não põe tão intenso para não aquecer tanto, não desidratar tanto. Era a forma de reagir, você simula que está fazendo (fisioterapeuta, tese_doc1: ). Sobre a criação de novas normas, foram identificados dois exemplos que ilustram esta ação. O primeiro é representado pela iniciativa de definição de um meio próprio para o alcance um objetivo específico. Neste caso, uma fisioterapeuta (a mesma do exemplo anterior), que trabalha em uma clínica de fisioterapia como instrutora de pilates, ao receber um aluno que faz outros tipos de tratamento na mesma clínica, toma a iniciativa de conversar com os outros profissionais que estão cuidando daquela pessoa para discutir como a condução da aula de pilates pode contribuir para a melhora do paciente. Como a clínica tem fisioterapia, fisioterapia geral e RPG, eventualmente eu tenho alguém que é atendido, que faz algum outro tratamento dentro da clínica. Então às vezes eu trato concomitante com algum outro setor da clínica. Eu geralmente gosto de conversar com o outro profissional que está tratando aquela mesma pessoa, para ver quais são as impressões dela [sobre o paciente], e se eu acho que teria alguma coisa que eu pudesse fazer que ajudaria na melhora. (...) Entrevistador: Mas essa comunicação com outros profissionais, é uma orientação da clínica? Entrevistado: Não, iniciativa minha, faz parte da minha liberdade de fazer o que quiser (fisioterapeuta, tese_doc1: ) Outro exemplo de criação de normas está presente nos relatos dos sujeitos que definiram uma forma singular de exercer sua atividade de trabalho. Em outras palavras, os

173 160 sujeitos construíram o que eles entendem por suas identidades profissionais na atividade de trabalho. O relato a seguir é de um artista que descreve as suas angústias para a definição de suas regras produtivas. Nascido na Itália, e com formação artística influenciada pela cultura acadêmica [italiana], ao completar 40 anos, decidiu se dedicar exclusivamente à pintura, mas não queria produzir seu trabalho de acordo com sua formação clássica. Por isso, iniciou uma busca por uma nova linguagem artística. Ao viajar para Nova Iorque, entrou em contato com os artistas modernos e optou por utilizar a linguagem contemporânea em seus trabalhos. O seu relato demonstra, ainda, que mesmo para aqueles que criam as suas próprias regras produtivas, a existência de referências, como, por exemplo, a cultura acadêmica [italiana] e a linguagem contemporânea são importantes, visto que representam uma referência/base/baliza/contorno para o que está sendo criado. Até que em 1980, [quando eu tinha 40 anos], senti a necessidade de voltar a trabalhar mais na área de pintura e decidi me tornar um pintor profissional. (...) E a Itália tem muito forte essa influencia, e é para ter mesmo, na Itália tem milhares de anos de arte, que pesa, pesa não, que enriquece a vida da pessoa. Peso no sentido de [que] te vincula muito. O que fazer depois do Michelangelo, Bernini, Caravaggio? Então fica muito influenciado por esses grandes artistas e não consegue se livrar. (...) quando fui para Nova Iorque foi uma experiência de arte moderna foi muito interessante, descobri os artistas pop, as cores pop, tudo (...) nesse momento eu decidi isso que quero fazer da minha vida (...) Para mim, pessoalmente, foi um trabalho duro de conseguir me livrar dessa cultura acadêmica [italiana], dessa formação acadêmica. Mas hoje em dia acho que consigo me livrar dessa influencia. Estou trabalhando com uma linguagem contemporânea (artista plástico, tese_doc3: ; ) Observa-se ainda que as normas podem ser entendidas como algo imposto externamente, explicitamente ou implicitamente, ou podem ser autoimpostas. As normas são autoimpostas quando o sujeito avalia e escolhe quais regras vai se submeter, sem um controle externo. O próprio comprometimento dos sujeitos com relação aos objetivos da atividade de trabalho representa um processo de autoimposição de regras; isto é, quando os sujeitos concordam, internalizam e se comprometem com tais objetivos, este comprometimento tornar-se uma entidade maior (regra, norma) a qual escolheram se submeter. No caso das regras externas implícitas, um importante fator para a ação autônoma, seria a capacidade do sujeito de ler este contexto. Um especialista em TI descreve a sua percepção sobre a forma como as atividades no trabalho são definidas. De acordo com a sua experiência, as tarefas relacionadas ao alcance de um objetivo devem ser determinadas pelo próprio trabalhador a partir da interpretação individual do que está implícito no contexto. porque é o tipo de coisa que as pessoas não vão dizer o seu serviço é esse, faça. Não. Mesmo num ambiente corporativo, subjetivamente o seu serviço é esse, mas ninguém vai te dizer teu serviço é esse. Como consultor você tem que correr atrás. Tem que ter uma visão, para saber o que você vai fazer e atingir o objetivo, porque ninguém vai te dar de mão mastigada. [Você é quem] tem que definir [qual é o seu trabalho]. Quando [você] é consultor autônomo é pior ainda. Isso exponencialmente aumenta.

174 161 Ninguém vai dizer, nem dar a menor pista. (...) Passei agora, a tarde toda ligando pro cliente para criar um projeto que a gente vai fazer. Isso tudo eu tenho que fazer por mim mesmo, ninguém disse que tenho que fazer. Faz parte do andar da carruagem (Especialista em TI 1, tese_doc1: ). Embora a ausência de normas também seja uma possibilidade, no caso da Categoria 1 Atividade de Trabalho, é mais provável que estejam presentes implicitamente, e ou, difundidas em diferentes meios e contextos. O sujeito, entretanto, pode ter a impressão de uma ausência quando possui a expectativa de que tais regras sejam explicitadas por alguma instituição ou figura de autoridade de referência. há pessoas que ficam esperando que as coisas [sejam]definidas e, se não é definida, elas dizem não mandou fazer, não sei o que fazer porque a empresa não diz. Eu acho que as pessoas que tem lócus interno de controle, elas acabam se movendo e vão descobrindo o que fazer (coaching, tese_doc1: 6893:6905). Nos dados não há evidências de experiências com atividades de trabalho completamente novas e inovadoras, cujas regras e normas ainda não existam. Pode-se cogitar, no entanto, que, nesse caso, caberia ao sujeito ou grupo de sujeitos criá-las, usando ou não regras já existentes em outras atividades como referência. Por fim, observa-se que a relevância atribuída à existência de procedimentos e normas explícitas varia por, ao menos, dois motivos: a natureza da profissão isto é, se o trabalho é exercido em uma área técnica ou artística, por exemplo; e a necessidade do sujeito em guiar seu comportamento a partir das normas do contexto. O relato de um engenheiro comparando a profissão dos seus dois filhos, um músico e um engenheiro, além da expressão do seu apreço pela organização militar, ilustra esta diferenciação na relevância atribuída às normas. Por isso que a maior dificuldade quando tem filho que está naquela idade de não saber o que [profissão] quer, e você tem que aconselhar. Se tem um filho criativo, tudo bem vai ser artista, vai ser pintor, estudar teatro. No meu caso, meu filho mais novo é engenheiro, está na Embraer, o outro gostava de artes, [hoje é músico]. Depende da pessoa. Tem gente que gosta de ambiente bagunçado, sem regras, sem lenço nem documento (...) Mas [tem o] outro tipo de trabalho em indústria, médico, advogado. Imagina um médico numa cirurgia fazendo o que ele quer? (...) Não sei se é porque sou filho de militar, então fui imerso nesse sistema (...) e eu me sinto muito bem. (...) Por mais que eu goste de autonomia, eu zelo muito a forma como o militar se organiza (engenheiro, tese_doc2) Figura de Autoridade Na Categoria 1 Atividade de Trabalho as figuras de autoridade são percebidas como entidades que definem e controlam o cumprimento das normas e procedimentos referentes à atividade de trabalho. A noção de autonomia diante das figuras de autoridade está presente de duas formas. Na primeira, o sujeito se reconhece como figura de autoridade que define e controla as regras e procedimentos da sua atividade de trabalho. Na segunda forma, apesar de o sujeito

175 162 reconhecer outra pessoa/instituição como figura de autoridade, a noção de autonomia é expressa tanto no questionamento de sua importância/valor/legitimidade, quanto na decisão de submissão ou não às regras impostas por esta entidade. O relato de uma consultora de empresas ilustra a não submissão a uma figura de autoridade. Neste caso, ela trabalhava com o seu pai (seu chefe), e um dia, em um domingo, ele lhe pediu que realizasse uma tarefa de trabalho. A consultora por se julgar no direito de não ter que trabalhar aos domingos disse que executaria a tarefa no dia seguinte, desobedecendo a ordem e correndo o risco de perder o emprego. eu morava com meu pai e trabalhava com ele. Domingo à noite ele me ligou para me perguntar [sobre] um dado de um relatório de alguma coisa, e eu falei pai, não sei, amanhã de manhã quando chegar no escritório te respondo, porque tenho que olhar no computador, na minha mesa, não lembro, mas como você não sabe?, não sei, é domingo a noite, eu não sei, amanhã quando eu achar.... Aí ele começou a pagar geral, falou assim não vai dar para a gente trabalhar junto. Eu peguei, estava no telefone com ele e falei tudo bem estou acostumada a procurar emprego, e desliguei o telefone. Ele nunca mais falou assim comigo, é uma situação radical, misturando família e tudo, mas assim, eu não tenho que domingo à noite fazer nada, quer que eu vá fazer o quê? Que eu vá até o escritório ver relatório domingo à noite? Entrevistador: E você saiu desse trabalho ou não? Entrevistado: Não, e ele mudou a postura, nunca mais falou desse jeito, fez mais cerimônia para pedir as coisas (consultora de empresas 2, tese_doc2). Outro relato ilustra o questionamento da legitimidade da autoridade de uma pessoa. Um professor universitário descreve a estratégia que utilizou para não precisar se submeter ao seu chefe, pessoa com quem tinha dificuldades de relacionamento. Neste caso, o professor para não ser prejudicado no exercício da sua função, passou se comunicar com seu chefe utilizando a comunicação escrita e a usar as normas institucionais para defender os seus interesses profissionais. Eu era professor assistente de uma universidade pública, e [tinha um chefe, um] professor que na época era chamado de professor catedrático, e ele se achava o dono da verdade. Tive alguns problemas de relacionamento com ele (...) [Então] eu passei a me comunicar com ele por ofício (...) Um funcionário público para ir a [congressos acadêmicos] desde que ele apresente o comunicado no diário oficial e deixe claro que nenhum aluno vai ser prejudicado porque tais e tais professores estavam cientes e iriam assumir a minha tarefa, ele [o chefe] não poderia recusar (...) se eu não soubesse dos meus direitos estava ferrado (médico, tese_doc1: ). Considerando que a figura de autoridade também é percebida como uma entidade responsável pelo controle do cumprimento das normas, a decisão de submissão ou não a estes mecanismos de controle é entendida como expressão de autonomia 47.

176 163 Responsabilidade e Responsabilização As questões morais e éticas, no discurso dos sujeitos, estão presentes nesta categoria sob o termo responsabilidade e as legais sob o termo responsabilização. No caso das profissões mais tradicionais e regulamentadas (medicina, engenharia, advocacia), algumas das questões morais e éticas foram traduzidas em normas passíveis de sanções legais, de acordo com as quais o profissional é responsabilizado pela consequência dos seus atos. Em algumas profissões mais recentes, ainda não regulamentadas, estes limites ainda não foram traduzidos na forma de normas reguladoras, e caberia ao sujeito (quando atua como profissional autônomo) se autoregular e agir com responsabilidade, usando como referências as regras morais, éticas e legais do contexto social em que vive (sociedade, família), no nível mais amplo, e as melhores práticas da profissão, em um nível restrito. Para os indivíduos nas instituições, os dados apontam para uma expectativa de que as regras e práticas organizacionais (meios de comunicação dos valores organizacionais, HOFSTEDE, 1991) estejam de acordo com os valores morais e éticos da sociedade. No entanto, somente o sujeito que possui tais valores internalizados, e/ou possui referências de outras instituições profissionais teria critérios de avaliar a sua aplicação no ambiente organizacional. O relato de uma consultora de empresas exemplifica uma avaliação individual dos valores éticos, ou melhor, da ausência desses, nas práticas de uma organização para qual trabalhava: e na XYZ tive, estive frente de frente com coisas de vendas que eu detesto, que é a falta de ética. É você ter negociações com bola de dinheiro para você ganhar. Existe muito isso no mundo público, de licitações. Então, eles querem selecionar alguém que seja honesto, ético e que depois você aceite isso (professora, tese_doc3). Logo, enquanto a ideia de responsabilização refere-se à responsabilidade do profissional diante do sistema legal, a ideia de responsabilidade está relacionada aos valores morais e éticos do indivíduo, independentemente das sanções externas. Infere-se que o grau de responsabilização individual aumenta ou diminui de acordo com o grau de regulamentação da profissão e com o tipo de vínculo empregatício (autônomo ou empregado) visto que, como autônomo, o indivíduo não possui uma suposta proteção das diretrizes institucionais. 47 As importantes sutilezas para uma melhor compreensão do conceito de autonomia e que estão relacionadas ao temas de controle externo e autocontrole serão abordadas no subitem 5.4. Para Além da Fenomenografia: tópicos importantes identificados nos relatos dos sujeitos e presentes na revisão de literatura.

177 164 O grau de responsabilidade, por outro lado, seria o resultado da formação moral, do caráter e do bom senso do sujeito. Uma coaching que trabalha como consultora independente comenta a sua visão sobre a autonomia e responsabilidade. Para ela, quanto maior a autonomia, maior é a responsabilidade. Essa historia do coaching, um coaching que é independente, ele tem [mais] autonomia, [mas também,] aumenta a responsabilidade. Quanto mais [você] tem autonomia, [mais você] tem que saber muito bem o que está fazendo para não fazer besteira. Acho que responsabilidade, agora pensando não só em mim, mas pensando em todos os profissionais, trainnes e tudo, a gente tem que aprender com próprios limites, é uma coisa muito de autoconhecimento (coaching, tese_doc1: ). Em um nível mais restrito a ideia de responsabilização também encontra-se associada à atribuição de responsabilidades do cargo ocupado pelo sujeito na organização. É importante destacar que, no geral, as questões relacionadas às normas morais, éticas e legais estão presentes na percepção dos sujeitos, mas não são o principal foco de atenção. Esse se mostra voltado para as normas mais pragmáticas, que influenciam a execução e planejamento do trabalho no dia-a-dia. Risco A discussão sobre responsabilidade/responsabilização leva a outra reflexão: a noção de autonomia no trabalho com relação às regras e às figuras de autoridade inclui a ideia de risco. Quando um indivíduo decide, a partir de seu discernimento, não se submeter, flexibilizar ou transgredir uma regra/norma instituída (conforme ilustrado anteriormente neste subitem), está ciente de que pode sofrer sansões por este ato (como, por exemplo, ser demitido, processado). Assim, a eficiência dos sistemas de controle e a gravidade das sansões aplicadas, além dos critérios utilizados pelo sujeito (conhecimento, experiência, percepção da ausência de controle) para não seguir uma norma, estariam presentes no cálculo do risco associado ao exercício da autonomia. Desta forma, quanto maior o conhecimento sobre o assunto tratado, sobre as normas e sobre as formas de sanção e quanto maior a experiência do sujeito em uma atividade, melhor será a consciência a respeito dos riscos inerentes às suas decisões. Há percepção de risco também quando um indivíduo define novas regras produtivas, para assim tentar criar algo que ele considera inovador. Um artista plástico, que se dedicou a um processo de construção de uma forma singular de realizar o seu trabalho, afirma o seu maior temor é o isolamento : se os outros não te reconhecem nesses valores [(lê-se linguagem)] nos quais você acredita e trabalha, você fica isolado (artista plástico, tese_doc3: ).

178 165 Algumas Considerações de Normas e Figuras de Autoridade na Categoria 1 Atividade de Trabalho Em síntese, qual seria o papel das normas na promoção da autonomia na atividade de trabalho? A análise de dados sugere que, além de estarem de acordo com os valores éticos, morais e legais, de uma determinada sociedade, as normas pragmáticas relacionadas à atividade de trabalho, deveriam ser criadas e aplicadas com o objetivo de ser um suporte (e não como preceito ou lei) ao estimulo da experiência subjetiva do sujeito com o seu trabalho. Nesse sentido, as normas e regras também deveriam ser promovidas e encaradas tanto pelos sujeitos quanto pelas organizações como referências orientadoras para a ação autônoma e não como leis inquestionáveis. Normas e Figuras de Autoridade na Categoria 2 Influência na Instituição Diferentemente da Categoria 1 Atividade de Trabalho, na Categoria 2 Influência na Instituição há uma percepção de maior valor da figura de autoridade do que da norma, visto que o próprio sujeito representa a autoridade que influencia/muda/cria as normas e regras institucionais. Ao mesmo tempo que o sujeito tem que lidar com normas específicas às suas atividades cotidianas (conforme descrito na Categoria 1 Atividade de Trabalho), a noção de autonomia na Categoria 2 Influência na Instituição está diretamente relacionada com a possibilidade de (pelo menos tentar) definir/mudar/criar algumas das normas que regem a dinâmica organizacional. O relato de um coordenador acadêmico sobre a sua intenção de propor uma mudança no projeto pedagógico do seu curso ilustra uma tentativa de mudança em uma regra institucional. Entrevistador: Me explica como são os trâmites para você alterar [o projeto pedagógico]? Entrevistado: Nós temos um projeto pedagógico que prevê matemática 1 e 2. Se eu demonstrar para o corpo docente que matemática 2 não é necessária, de colocar em votação, [e] eles votarem [aprovando], eu aprovo a retirada da matemática 2 (coordenador acadêmico, tese_doc1: 3671:3708 e ). Responsabilidade e Responsabilização As questões éticas e morais estão presentes sob o termo responsabilidade. No entanto, diferentemente da Categoria 1 Atividade de Trabalho, o foco de atenção não está voltado

179 166 somente para a atividade de trabalho, mas também para o impacto das decisões na organização e nos seus membros. Um empreendedor reflete sobre sua responsabilidade e a influência das suas decisões gerenciais na empresa e na vida dos seus funcionários. Ele ressalta a importância da consideração dos valores éticos na gestão de uma empresa. [Você tem] um monte de responsabilidades, com a vida dos outros, principalmente o impacto do seu trabalho, das suas decisões na vida das outras pessoas. Isso é uma coisa grave, [para] quem tem consciência. Tem muita gente que não tem, mas qualquer decisão sua pode significar um impacto na vida das pessoas, isso é extremamente relevante, e pode direcionar suas decisões: (...) olha só, eu acho que a gente devia ir por aqui, eu acho que tinha que diminuir de tamanho, mas se eu diminuir agora vou ter que demitir duas ou três pessoas, será que faço isso? Não faço? Será que consigo aguentar um pouco mais? Será que não consigo me arriscar, vou me endividar ou tentar uma retirada menor. (...) Então, essas responsabilidades limitam suas decisões. Então se [você] tiver consciência. É o jeito de cada um. (...) Têm questões ligadas à ética, princípios, valores, claro que sim, isso é importantíssimo. Eu posso fazer um negócio escuso, eu posso porque sou dono da empresa, tenho autonomia para fazer, mas não vou fazer isso porque tenho valores e eu quero que essa empresa exista para sempre. Não quero colocar em risco. Então tem valores, tem princípios éticos que vão também ancorar suas decisões (consultor de empresas 1, tese_doc2: ; ). A noção de responsabilização, na Categoria 2 Influência na Instituição, apresentase relacionada tanto com as leis e normas governamentais (leis fiscais e trabalhistas, por exemplo) que regulam as instituições e organizações no país, quanto com a atribuição de responsabilidades do cargo ocupado pelo sujeito na organização. Observa-se ainda que o senso de responsabilidade e/ou a responsabilização, na Categoria 2 Influência na Instituição, pode implicar uma redução na autonomia descrita em outras categorias. Assim, por exemplo, o relato de uma professora universitária descreve o impacto das suas responsabilidades administrativas na sua dedicação aos projetos de pesquisa (autonomia da Categoria 1 Atividade de Trabalho). Como coordenadora de curso de graduação, chefe de departamento, como coordenadora acadêmica da unidade, como vice coordenadora do mestrado, isso então, essas funções anulam praticamente, se sobrepõe a tudo, tipo, interrompe a sua pesquisa, agora é coordenadora tem que dar conta disso. A força do cargo faz com que você, embora devesse ser uma atividade paralela, concomitante, você diminui as outras coisas em tese. Mas na verdade você tem que interromper, priorizar por completo a atividade administrativa senão o carro administrativo não anda, o carro administrativo (professora universitária, tese_doc3: ). Em outro exemplo, o consultor/empreendedor adiou a mudança do seu vínculo de trabalho (autonomia da Categoria 3 Trajetória Profissional) por causa do seu senso de responsabilidade com a sua empresa e com seus funcionários. Neste caso, o entrevistado tinha a intenção de sair da empresa temporariamente para se dedicar à sua tese de dourado, no entanto, como a empresa estava em um momento difícil, postergou a sua saída até que a situação do empreendimento melhorasse. Eu já queria ter diminuído a minha presença aqui desde outubro, não fiz isso, porque [a empresa] estava num momento difícil. Agora eu já consegui equilibrar as coisas e vou [sair da empresa] e fazer um

180 167 movimento mais extremo de cem por cento focado nos próximos meses na [minha] tese [de doutorado]. Mas em outubro eu já estava com a decisão pronta (...) [mas a empresa]estava num momento difícil, eu tive que ficar, porque tem gente trabalhando aqui, e não podia colocar a empresa em risco. (consultor de empresas 1, tese_doc2: ; ) Risco Assim como ocorre na Categoria 1 Atividade de Trabalho, as ideias de risco e transgressão também estão presentes nesta categoria, porém se apresentam de forma um pouco diferente. Na Categoria 2 Influência na Instituição, o sujeito age em nome da instituição e não mais apenas como um profissional individual. Por isso tem que lidar também com as leis e normas governamentais (leis fiscais e trabalhistas, por exemplo) que regulam as instituições e organizações no país. Embora não seja um ponto enfatizado pelos entrevistados, o risco da transgressão pelo não cumprimento destas leis estaria associado com o risco de sofrer sanções dos órgãos fiscalizadores do governo. A transgressão está presente nos relatos sobre a compra e/ou contratação de serviços e produtos no mercado informal: resolvi virar micro empreendedora individual, que agora vai ter que fazer contabilidade (...) não sei como vou justificar aonde eu compro o ouro, porque é tudo informal (designer de joias, tese_doc2: ); a firma normalmente ela terceiriza [informalmente] por causa da carga tributaria (restaurador de móveis, tese_doc2: ). No nível individual, dentro das organizações, o risco apresenta-se associado tanto com a possibilidade de rejeição das ideias/opiniões/propostas quanto com a expulsão/marginalização/demissão do sujeito pela instituição. Para os tomadores de decisão em organizações pequenas, o risco mostra-se presente através da preocupação com a continuação do negócio, com a oscilação da demanda do mercado e com as questões legais e fiscais abordadas anteriormente. Os dados analisados não mostram evidências de percepção dos riscos dos tomadores de decisão para as grandes instituições. No entanto, pode-se inferir que o risco que podem causar ao sistema vai depender da intenção do indivíduo, do seu poder de atuação e dos impactos de suas ações nos objetivos planejados pelos principais, ou mais poderosos, stakeholders.

181 168 Normas e Figuras de Autoridade na Categoria 3 Trajetória Profissional Na Categoria 3 Trajetória Profissional, a percepção de normas e figuras de autoridade também está presente. Enquanto a relação com a figura de autoridade manifesta-se no tipo de vinculação/afiliação institucional (empregado, autônomo, empreendedor), a relação com as normas mostra-se presente nos termos do vínculo de trabalho, nas regras do desenvolvimento de carreira e na dinâmica com as regras do mercado. Figura de Autoridade A autonomia diante da figura de autoridade depende da escolha do tipo de vínculo empregatício, isto é, se este representa ou não um contrato, formal ou informal, de subordinação. Para os funcionários, terceirizados e alguns contratados, a instituição e/ou o chefe passam a ser a figura de autoridade descrita na Categoria 1 Atividade de Trabalho. A opção do sujeito por representar a sua própria figura de autoridade ocorreria no caso dos profissionais autônomos e empreendedores ( ser o próprio chefe ). Todo mundo gosta [de ser autônomo], você é dono do próprio nariz, não tem que reportar a ninguém, reporta a si mesmo. Sua autonomia é maior, bem mais do que no mercado corporativo (Especialista em TI 1, doc_1: ). Normas A relação com as normas encontra-se associada às figuras de autoridade. A expressão de autonomia diante das normas manifesta-se na possibilidade de escolha/influência/definição/modificação/negociação dos termos do contrato de trabalho, formal ou informal, relativos à vinculação/afiliação, temporária ou não, do profissional com determinada organização/instituição/pessoa. Neste sentido, mesmo um profissional autônomo pode não possuir autonomia por estar vinculado a um contrato de trabalho/serviço cujos termos ele discorda. O relato a seguir ilustra uma situação de impossibilidade, pelo menos momentânea, de escolha dos termos do contrato de trabalho. Uma especialista em TI, que estava desempregada, recebeu uma proposta para trabalhar como terceirizada em uma boa empresa. Embora preferisse ser contratada como funcionária, aceitou a oferta, pois não queria perder a oportunidade de trabalho: Ai apareceu essa oportunidade na CCCC só que não era como funcionaria, era terceirizada, mas estava desempregada vou falar o que? (...) quando entrei não foi opção, foi o que apareceu. Não é o melhor, eu

182 169 sei, porque é horrível entrar como contratada, porque quando cheguei tinha muito contratado (Especialista em TI 2, tese _doc2: ). O depoimento a seguir seria o exemplo inverso. Neste caso a consultora de empresas relata que só estabelece contratos cujos termos possam negociados para o estabelecimento de uma relação de parceria : Autonomia para mim está ligado à escolha (...) Escolha quando digo é poder definir que com aquele cliente não quero trabalhar, quando seus valores se confrontam com os valores, cultura daquela empresa (...) Eu tento propor para os meus clientes uma relação de muito igual para igual e eu trabalho para empresas grandes. (...) Quero trabalhar em parceria com ele, não quero ser mão de obra dele para fazer o que ele me manda fazer. Então quando eu percebo que tem coisas que não estão bem direcionadas, coisas que eu acho que teriam uma condição melhor, eu vou lá e proponho. Não quero ter uma relação submissa com meus clientes (consultora de empresas 1, tese_doc2: ; ; ; ; ; ). Os dados indicam ainda que nas situações que envolvem negociação de contratos formais, quanto maior o conhecimento e experiência do profissional sobre elaboração de contratos, mais efetiva sua influência na definição do mesmo. A dinâmica entre figura de autoridade e normas também está presente na percepção do sujeito sobre as regras que guiam as opções de trabalho e escolhas de carreira. Independentemente do tipo de vínculo empregatício, o sujeito que define regras para o desenho de sua trajetória profissional, representa, ele próprio, a figura de autoridade no desenvolvimento de sua carreira. No entanto, o sujeito que possui a expectativa de que outrem (a empresa, o chefe, o mercado ) estabeleça as regras do desenvolvimento de sua carreira, está depositando em outra pessoa ou entidade a responsabilidade por estas decisões. Neste último caso, o outro é a figura de autoridade. Por último, a noção de maior ou menor autonomia na Categoria 3 Trajetória Profissional também está relacionada com o grau de influência das regras do mercado nas escolhas de trabalho e carreira, vínculo institucional e termos do contrato de trabalho. Assim, quanto menor a influência do mercado na definição da trajetória profissional do sujeito, maior o seu sentimento de autonomia. Responsabilidade e Responsabilização A noção de responsabilidade está presente nesta categoria de duas formas distintas. Em um sentido mais amplo, responsabilidade significa o quanto o sujeito se identifica como o responsável, em algum nível, por suas escolhas profissionais. Em um sentido mais restrito, no caso dos profissionais autônomos, a ideia de responsabilidade manifesta-se no sentimento de ser o único responsável por sua renda e por todas as atividades relacionadas

183 170 ao seu trabalho. O relato de uma designer de joias ilustra estas duas ideias. Ela comenta a sua decisão de mudar de carreira e todas as suas novas responsabilidades como autônoma. Eu me vi como autônoma quando eu pedi demissão, quando decidi que ia mudar de área. Essa para mim foi a minha maior autonomia. Na hora da mudança eu falei é isso que eu quero e pronto, vou mudar. E aí que eu me vi, sem emprego formal, sem chefe, bem ou mal sozinha, mas sozinha como autônoma, (...) [como] uma pequena empresa, que é responsável por tudo. É o marketing, é o comercial, administrativo, financeiro, contabilidade (...) Uma pequena empresa, todos os setores de uma pequena empresa, numa pessoa (...) responsável por todo o processo de decisão. Sujeita às incertezas e riscos do mercado, e responsável pela sua própria receita no fim do mês (...) todas as consequências seriam frutos dos meus atos, não depender de mais ninguém (design de joias, tese_doc2: ; ). A noção de responsabilização está presente nesta categoria de duas formas distintas na Categoria 3 Trajetória Profissional. Na primeira, responsabilização apresenta-se relacionada com as obrigações legais descritas nos contratos de trabalho/vinculação. Na segunda, a ideia de responsabilização está presente nesta categoria quando o sujeito que possui expectativas que outrem (pessoa ou organização) estabeleça as regras do desenvolvimento de sua carreira, é responsabilizado por esta tarefa. Em outras palavras, a ideia de responsabilização está presente quando a responsabilidade pela autogestão da carreira é imposta ao sujeito. O relato de uma especialista em TI ilustra esta ideia. A entrevistada estava acostumada a trabalhar em empresas que realizavam o desenvolvimento de carreira dos seus funcionários e mudou de emprego, sendo contratada por uma empresa que delega a seus funcionários esta tarefa. Ela descreve o seu estranhamento e o seu despreparo para lidar com a nova situação. [o gerente] não fica preocupado com seu desenvolvimento (...) Eu não vejo, no tempo que estou lá, gerente ficar cuidando de funcionário. É muito solto, tanto para fazer trabalho quanto para seu desenvolvimento pessoal. Você tem que definir o que fazer, ninguém vai chegar: olha faz esse curso, foca nessa tecnologia aqui, pára uma semana para fazer tal coisa, faz um planejamento. Isso não existe, cada um faz o seu. Entrevistador: E você faz o seu? Entrevistado: Eu demorei para me acostumar com isso (...) Primeiro eu não entendia quando entrei. Ficava esperando alguém me mandar fazer um treinamento (...) É difícil de mudar. Eu não sabia o que podia fazer. Dar liberdade para a pessoa, dar essa autonomia, depende da pessoa estar preparada ou não. É um processo de aprendizado para pessoa também (Especialista em TI 2, tese_doc2) Risco A noção de risco na Categoria 3 Trajetória Profissional apresenta-se associada à incerteza da condição do vínculo empregatício (o quanto este é seguro ou não), à falta de oportunidade de trabalho (ou emprego), e à oscilação na demanda de trabalho e remuneração no caso dos profissionais autônomos e empreendedores. Uma designer de joias comenta a sua angústia com relação à incerteza da remuneração: eu gosto um pouco de controlar o que dá para ser controlado, [mas] não dá para controlar nada. (...) Mas é difícil trabalhar com risco e incerteza todo dia. (...) A pressão do risco, incerteza de você ver seu

184 171 dinheiro diminuindo, diminuindo sem ter uma certeza de que vai entrar alguma coisa (designer de joias, tese_doc2: ). Verifica-se que as ideias de risco e incerteza mostram-se elementos inerentes à condição profissional para aqueles que optaram uma carreira fora das instituições. E ainda, como a renda é vista como consequência direta das decisões de trabalho do sujeito. Alguns dos profissionais entrevistadas descrevem as estratégias que criaram para lidar com as incertezas de remuneração, conforme apresentado no subitem Fatores Promotores e Limitadores. Sobre a relação entre as categorias, observa-se que o zelo pela autonomia na Categoria 3 Trajetória Profissional pode implicar, em alguns casos, uma diminuição na autonomia em outras categorias. No caso dos profissionais autônomos, como a noção de autonomia encontra-se associada à ideia de responsabilidade, no sentido do sujeito ser o único responsável por sua renda e por todas as atividades relacionadas ao seu trabalho, um ceramista comenta os desafios que enfrenta para conciliar o tempo que dedica às tarefas remuneradas e o tempo dedicado à sua produção artística (Categoria 1 Atividade de Trabalho). Acho que autonomia está muito ligada, no meu ponto de vista, primeiro a segurança de você poder cumprir os seus compromissos, quer dizer, de pagamentos, as contas que você tem, e também está associada à liberdade de você criar também. Autonomia para mim tem uma, no que tange a questão do dinheiro, é você poder se sustentar, conseguir pagar suas contas, conseguir ter um pouco de conforto, conseguir proporcionar um pouco de conforto material mesmo, pequenos prazeres (...) E, é, para mim particularmente, uma briga tremenda, porque dar aula que é uma coisa que eu gosto muito e você aprende muito quando dá aula, você tem muito retorno. Mas dar aula rouba um pouco o tempo da produção, porque você tem que administrar o ateliê, administrar o que é produzido dentro do atelier pelos alunos. Entrevistador: Você acha que influencia na sua atividade de criação?entrevistado: Não que influencie, mas limita um pouco, pela questão dos horários (...) É muito difícil para mim trabalhar, produzir, enquanto estou dando aula (ceramista, tese_doc1: ). Nesta categoria, as questões éticas e morais não foram enfatizadas pelos entrevistados. As questões legais estão presentes como elementos secundários e inerentes aos termos legais dos contratos formais de trabalho. Normas e Figuras de Autoridade na Categoria 4 Papel no Mundo Na Categoria 4 Papel no Mundo, o sujeito percebe-se como figura de autoridade que define como sua principal norma a sua missão no mundo. Logo, nesta categoria, todas as decisões de carreira profissional, vínculo empregatício, ação dentro das instituições e de atividade de trabalho, estariam submissas ao comprometimento do sujeito com seu senso de missão.

185 172 Responsabilidade e Responsabilização Diferentemente das outras categorias, na Categoria 4 Papel no Mundo, não haveria uma distinção dos termos responsabilidade e responsabilização. O próprio sujeito interpreta/constrói e autoimpõe o que entende ser as suas responsabilidades. A relação entre autonomia, responsabilidade e senso de missão está presente no relato de uma psicanalista: eu sou autônoma, na medida em que sou responsável pelo meu papel a cumprir no grande sistema de auto-organização do mundo. A minha responsabilidade para com o outro está num papel a cumprir, que nós, todos nós, temos no mundo. Cada um de um jeito, mas tem que ser responsável para com esse papel. (psicanalista, tese_doc2). Risco Apesar da consciência dos riscos apresentados nas Categorias 1, 2 e 3, a gravidade destes apresenta-se minimizada na percepção dos sujeitos devido à confiança que possuem em suas atitudes diante do trabalho e da vida. Dois relatos ilustram esta ideia. No primeiro exemplo, uma dentista descreve a sua atitude diante do risco de demissão (um dos riscos presentes na Categoria 2 Influência na Instituição). Para ela, as suas características na forma de trabalhar ( ser propositiva ) e a sua atitude autônoma garantem que ela não fique desempregada : Eu nunca fiquei desempregada, acredito que a autonomia me emprega. Acho que tenho bons empregos porque tenho essa percepção da autonomia, acho que é isso que me emprega. Há quem ache que a autonomia desemprega, porque você pode fazer escolhas, pode ser propositiva, mas eu sou empregada pelas minhas características, e acho que nunca vou desempregar. Nunca desempreguei, fiquei um ano desempregada, para vinte e sete anos [de carreira] está ótimo, não é? (dentista, tese_doc1:1968:2026). No segundo exemplo, uma psicanalista descreve a sua atitude diante da incerteza da remuneração (um dos riscos presentes na Categoria 3 Trajetória Profissional). Para ela, quando um pessoa está dedicada a um projeto existencial a favor da vida, a vida fornece o que é necessário para a efetivação deste projeto e isso incluiria até a renda que o sujeito precisa. mas sempre achei que a vida vai dar o que você precisa. Se você faz com real entusiasmo, com real entrega e a favor da vida, a favor do crescimento humano, de uma possível evolução humana, então as coisas são meio mágicas, entende? (...) Então, eu sempre achei que a vida estaria me dando [(também em termos de remuneração)]de acordo com o que eu merecesse realmente em termos de dedicação (psicanalista, tese_doc2: ; 3823:3842 ). Algumas Considerações Infere-se, a partir da análise realizada, que, de uma forma geral, a noção de autonomia diante das normas manifesta-se tanto pela definição de um referencial interno conjunto de

186 173 normas e regras escolhidas ou criadas pelo sujeito, em termos pragmáticos, morais ou éticos quanto pelo uso desse referencial no discernimento diante de decisões referentes à carreira profissional, ao vínculo empregatício, à ação dentro das instituições e à atividade de trabalho. Considerando a autonomia como o uso do discernimento diante das normas, infere-se que a falta de autonomia é expressa pela submissão sem avaliação (em termos pragmáticos, morais ou éticos) às normas e aos mecanismos de controle. A noção de autonomia também está associada ao reconhecimento do próprio indivíduo como figura de autoridade que define normas para si e/ou para os outros (pessoas e instituições). O Quadro 15 resume a discussão realizada neste subitem. Normas Temas Categoria 1 - Atividade de Trabalho discernimento; submissão, não submissão, flexibilização, trangressão, definição, criação das normas referentes à atividade de trabalho Dimensão "Normas e Figuras de Autoridade" Categoria 2 - Influência na Categoria 3 - Trajetória Instituição Profissional definição, mudança, criação das normas que regem a dinâmica organizacional Categoria 4 - Papel no Mundo influência nos termos dos contratos de trabalho; defnição "missão" definida pelo sujeito das regras que regem a trajetória profissional Figuras de Autoridade o próprio sujeito; questionamento o próprio sujeito o próprio sujeito; "o chefe" o próprio sujeito da autoridade do outro "Responsabilidade" valores éticos e morais referentes à atividade de trabalho valores éticos e morais referentes à organização e seus membros desenho da trajetória profissional, remuneração projeto de vida e trabalho "Responsabilização" legais; responsabilidades da profissão e do cargo legais; responsabilidades do cargo responsabilidades do contrato de trabalho; imposição da autogestão da carreira projeto de vida e trabalho Risco sansões pelo não cumprimento das normas sansões por órgãos do governo; nível individual: rejeição das propostas, demissão; pequenas empresas: continuidade do negócio falta/oscilação de oportunidade/demanda de trabalho; oscilação na remuneração idem às categorias anteriores, amenizadas, porém, pela atitude diante do trabalho e da vida Quadro 15: Autonomia, normas e figuras de autoridade Fatores Promotores e Limitadores Conforme apresentado no subitem 5.1. Espaço de Resultados, os resultados do processo de análise dos dados apontam para a percepção de fatores extra-institucionais, institucionais e individuais como elementos que mediam as vontades dos sujeitos e determinam o grau de autonomia possível em um determinado contexto. Neste subitem, estes fatores são descritos, considerando as quatro Categorias de Descrição Atividade de Trabalho, Influência na Instituição, Trajetória Profissional e Papel no Mundo. Esta apresentação tem como objetivo ilustrar alguns dos aspectos citados no subitem 5.1. Espaço de Resultados, assim como pretende enfatizar outros elementos da experiência com o fenômeno, como, por exemplo, a ação e o sentimento de autonomia do sujeito diante de fatores impactantes do contexto.

187 174 Antes de iniciar a descrição dos fatores promotores e limitadores, é importante destacar uma característica particular do modo de percepção dos sujeitos sobre esta Dimensão de Variação. Durante o processo de análise identificou-se que os fatores promotores e limitadores fazem parte da experiência de autonomia, no entanto, verifica-se que estes elementos são compreendidos de formas distintas pelos sujeitos. Isto é, tais fatores, além de percebidos como aspectos inerentes ao fenômeno autonomia no trabalho, também são vistos como elementos do contexto que impactam no sentimento de autonomia e na ação do sujeito 48. A sutil diferença entre esses dois níveis de compreensão é ilustrada a seguir. Como o entendimento de autonomia provém de experiências reais de trabalho, os sujeitos entrevistados demonstram entender que existe uma mediação entre suas vontades e o grau de autonomia possível em um determinado contexto. Em outras palavras, os sujeitos aparentam reconhecer a presença de determinados elementos que ajustam a aderência da vontade individual, abstrata, às restrições do mundo real, concreto. acho que autonomia é liberdade para você agir de acordo com o que você acredita. (...) Assim, não é liberdade para fazer qualquer coisa que você queira, isso é bobo. Acho que a gente tem restrições, tem situações na vida real e tal. (...) Você está fazendo uma tese de doutorado, por exemplo. Vai atender prazos, atender restrições, seguir normas, coisas assim. Normal. (consultora de empresas 2, tese_doc: ). No entanto, os fatores promotores e limitadores deixam de ser entendidos como elementos inerentes à concepção de autonomia quando são percebidos como aspectos do contexto que impactam o sentimento de autonomia e a ação do sujeito 49. Você está fazendo uma tese de doutorado, por exemplo. Vai atender prazos, atender restrições, seguir normas, coisas assim. Normal. Mas alguém querer que você escreva uma coisa que você não pensa, que você não concorda, isso não existe. Aí estão tirando a sua autonomia. (consultora de empresas 2, tese_doc: ). A seguir, os fatores limitadores e promotores são descritos tanto como elementos inerentes ao fenômeno pesquisado autonomia no trabalho, quanto como aspectos que afetam a experiência de autonomia no trabalho. 48 A distinção dos fatores promotores e limitadores como elementos inerentes ao fenômeno pesquisado autonomia no trabalho e como elementos do contexto que afetam a autonomia é importante por questões metodológicas. Apesar da Fenomenografia considerar a interdependência entre os entendimentos qualitativamente diferentes constituídos em uma pesquisa fenomenográfica e o contexto no qual o estudo foi realizado, uma característica do processo de análise desta abordagem de pesquisa é a diferenciação do é percebido pelo sujeito como fenômeno e como contexto. Neste estudo, identificou-se que fatores promotores e limitadores são percebidos pelos sujeitos tanto como estruturas que fazem parte do fenômeno analisado, como elementos do contexto que afetam a experiência com o fenômeno. 49 Mais detalhes das características da compreensão dos sujeitos sobre os fatores promotores e limitadores são apresentados no final deste subitem.

188 175 É importante ressaltar que as classificações descritas neste item foram realizadas com propósitos puramente analíticos. Nas experiências reais vividas por estes indivíduos, os limites de percepção são menos definidos, mais dinâmicos e mais complexos. Fatores Promotores e Limitadores na Categoria 1 Atividade de Trabalho Nesta categoria, alguns fatores são percebidos como elementos que promovem ou limitam a autonomia do sujeito na atividade de trabalho. No nível individual, aspectos como conhecimento, experiência e competência são fatores que promovem a autonomia. A ausência destes fatores, por outro lado, é vista como uma limitação para a ação do sujeito. Para os indivíduos na instituição, alguns aspectos institucionais são percebidos como promotores da autonomia: incentivo e apoio institucional à ação individual, recursos materiais e infraestrutura. Ente os elementos institucionais limitantes da ação autônoma são citados: a falta de apoio institucional (recursos e infraestrutura), a ausência de controle e feedback, o excesso de controle (metas, informatização e hierarquia) e as disputas políticas na instituição. Ainda, fatores extra-institucionais como, por exemplo, a condição do sistema público de educação e saúde também são vistos como elementos que afetam a autonomia. Para os profissionais autônomos, os fatores limitadores da autogestão da atividade de trabalho não se encontram dissociados nem dos desafios da gestão de carreira, nem das características deste grupo quanto ao tipo de vínculo empregatício. Portanto, a pesquisadora optou por abordar a percepção dos profissionais autônomos sobre os fatores promotores e limitantes da autonomia na atividade de trabalho separadamente, no final deste tópico (Fatores Promotores e Limitadores na Categoria 1 Atividade de Trabalho). A seguir são ilustradas as percepções sobre os Fatores Institucionais e Extra- Institucionais dos indivíduos na instituição, na Categoria 1 Atividade de Trabalho. Fatores Promotores Institucionais Incentivo e apoio institucional O incentivo institucional para a ação individual foi citado como fator de promoção da autonomia. Uma professora de inglês relata o apoio de uma escola de línguas para adaptar a condução do conteúdo da aula em uma situação específica. O objetivo da professora era garantir que um grupo de alunos com QI alto prestasse atenção na aula.

189 176 E tinham os de QI alto, eles eram mais rápidos do que eu (...) Eles não gostavam de ler, eram meninos super dotados (...) Se eu começasse a olhar muito a ordem do livro, [eles não prestariam atenção na aula] (...) Então, eu comecei a fazer uma coisa na escola e achei muito bom, porque me deu autonomia (...) Eu não seguia [a ordem]do livro, eu seguia o livro de acordo com as necessidades deles. Eu tinha uma autonomia muito grande e deu certo (professora de inglês, tese_doc1: ). Em outro relato, um médico-professor fala sobre o apoio que recebeu do diretor da universidade na qual trabalhava para implantar um projeto de sua autoria: Aí, eu fui falar com o diretor, (...) e ele falou assim (...) eu queria lhe dizer que a minha direção está à disposição para o que você quiser fazer, algum projeto que você tenha. Então eu falei (...) Eu tenho um projeto, um rascunho, vou preparar e vou trazer (...) [Então,] eu consegui implantar um projeto que eu coordenador, eu era responsável e eu fazia tudo. (...) Se eu não tivesse essa cobertura desse diretor, não teria nem começado o projeto (médico, tese_doc1: ). Recursos e infraestrutura Além do incentivo à ação individual, a infraestrutura e os recursos materiais providos pela instituição também são percebidos como fatores promotores da autonomia na atividade de trabalho. Um médico-pesquisador descreve a disponibilização de medicamentos para o tratamento dos pacientes como um exemplo do tipo de recurso que uma instituição deve fornecer para que ele realize um trabalho de boa qualidade : Primeiro acho que se você não faz uma coisa de boa qualidade não tem autonomia (...) Você tem que ter estrutura que te dê as condições para você fazer coisas de qualidade (...) Um exemplo: um doente que está internado e precisa de uma determinada droga para tratar de uma determinada doença. Se a instituição não tem essa droga, você não tem autonomia. Você decidiu pelo melhor, mas você não tem o melhor para oferecer (...) Hoje eu pedi um medicamento que custa duzentos dólares a ampola para um doente. O cara precisa. A instituição me deu a autonomia de poder prescrever isso para ele. Isso é autonomia, então se você sabe escolher o melhor, mas não pode escolher o melhor porque a instituição não te respalda, [você não tem autonomia] (médico-pesquisador, tese_doc1: ). Fatores Limitadores Institucionais Falta de recursos e de infraestrutura Em um exemplo oposto ao que foi descrito pelo médico-pesquisador citado anteriormente sobre os recursos existentes em sua instituição para a execução da atividade de trabalho com qualidade, uma médica fala do impacto da ausência de recursos e infraestrutura no exercício da sua função. No caso relatado, ela descreve como a falta de equipamentos para realização de diagnósticos e cirurgias pode dificultar ou até mesmo impedir o tratamento do problema de saúde de um paciente. Tem áreas que se você precisar fazer uma ressonância magnética, e nem sempre [o equipamento] está funcionando. Tem hospitais que nem tem. Aí atrasa, retarda o tratamento de um câncer. (...) Entrevistador: E se o problema de saúde for grave? Entrevistado: Vai morrer. Você vê isso no jornal, é verdade, causa uma dor enorme. (...) Atender você atende, mas você não resolve. [Tenho] uma paciente que amanhã vou operar de câncer na vulva na XXX, a cirurgia dela já foi suspensa quatro vezes por

190 177 problema no centro cirúrgico. E paciente com câncer, quanto mais cedo você opera melhor o resultado (médica-professora, tese_ doc1: ). Ausência de controle e feedback No nível da gestão do trabalho, a ausência de controle e de feedback foram citados como fatores limitadores. No relato a seguir um engenheiro comenta a sua opinião sobre a necessidade de um conjunto de regras 50, metas e atribuições para a realização da atividade de trabalho: delegação total parece até muito ruim. Você se sente abandonado, ninguém te cobra nada. Faça certo ou errado, dá no mesmo, (...) Ou seja, aquele paternalismo que não leva a lugar nenhum. Ausência de cobrança, fazer o que bem quiser [pois] não tem ninguém te cobrando nada. Entrevistador: É de certa forma autonomia? Entrevistado: Não (...) Se você não tem o mínimo de metas, [o] mínimo de conjunto de limites para onde você deve ou não deve traçar suas metas, atribuições (...) é bagunça (engenheiro, tese_doc2:4634:4690). Excesso de controle 51 hierarquia Assim como a ausência, o excesso de controle também é percebido como um fator que limita a autonomia na atividade de trabalho. O mesmo engenheiro do exemplo anterior descreve o desestímulo que o controle imposto pelo seu chefe causa à iniciativa individual na empresa. nós tivemos uma mudança de diretoria na empresa, chegou outro diretor, assumiu a presidência. Umas das primeiras palestras dele no escritório foi comigo o negócio é assim: hierarquia, pró atividade e conhecimento. (...) A importância em supra-sumo da hierarquia, faz esse tipo de coisa, todo mundo [fica] tolhido, sem iniciativa, para que o controle seja total (engenheiro, tese_doc2: 4563:4581). Excesso de controle padronização e metas Conforme descrito no subitem Categorias de Descrição, a autonomia é descrita, em parte, como a possibilidade do indivíduo definir o como executar uma tarefa de trabalho de acordo com a maneira que ele julga ser a melhor para alcançar determinado objetivo, além de atribuir uma interpretação própria a este objetivo. Um exemplo do excesso de controle manifestado por meio de padronização e metas está presente no relato de uma professora acadêmica ao falar sobre a interferência dos critérios de avaliação da CAPES no seu trabalho cotidiano. Segundo a entrevistada, esse controle extrainstitucional é traduzido em metas institucionais (na universidade) que reduzem a amplitude das decisões que pode tomar sobre a forma de realizar o seu trabalho. a pressão institucional ela é fortíssima e essa impede muito a autonomia. Esse que é o maior problema, responder a essa pressão institucional, essa demanda institucional, porque ela vem com prazos, vem com 50 Outras percepções a respeito da relação entre autonomia no trabalho e normas foram apresentadas no subitem Normas e Figuras de Autoridade. 51 Outras percepções a respeito da relação entre autonomia no trabalho, figuras de autoridade e controle foram apresentadas no subitem Normas e Figuras de Autoridade

191 178 diretrizes muito claras, não te permitem ir para direita e ir para esquerda. O coleta CAPES que estamos fazendo agora, é um exemplo disso. A gente tem que forçar o curso nas bitolas da CAPES. Num primeiro momento a gente cria, isso vale para tudo, primeiro a gente cria um projeto, cria um curso, junto com a nossa feição, cada professor sente que participa, que é autônomo, que cria algo, que negocia no coletivo, e no final é algo que a gente vê que é nossa cara. Chega a avaliação [da CAPES] com os critérios deles, e modificam tudo, inclusive assim, qual o meu tempo de permanência dentro da Universidade. Qual a minha relação com aluno. Tudo isso é afetado e por conta dessas diretrizes de avaliação. Entrevistador: Isso é medido e avaliado? Entrevistado: Não é que ele seja medido objetivamente, mas, isso interfere muito (professora universitária, tese_doc3: 171:205). Excesso de controle padronização e tecnologia O sentimento de autonomia também é afetado pela padronização do trabalho decorrente do uso da tecnologia. Uma professora de inglês descreve o seu desconforto ao lidar com o excesso de padrões e controle impostos pela escola de línguas onde trabalha. Segundo a entrevistada, os modelos de aula aos quais deve seguir, impedem que ela crie, isto é, que ela conduza a aula do jeito que julga ser o melhor para os alunos aprenderem o conteúdo ensinado: mas depois da unificação desse problema aqui com o computador, é tudo igual, a gente está sendo padronizado (...) Agora a gente recebe tudo pronto,[e] tem que [fazer]exatamente igual (...) Não consigo criar muito, porque as coisas que estão criadas, foram criadas por terceiros, e a gente tem que seguir aquele modelo (...) Eu sinto que a tecnologia está robotizando (professora de inglês, tese_doc1: 424:481). Disputas políticas na instituição As disputas políticas institucionais também foram identificadas como constrangimento à ação do sujeito. No relato a seguir, um médico-pesquisador descreve as dificuldades enfrentadas ao tentar implantar um projeto de sua autoria em uma instituição de pesquisa. Neste caso, apesar de possuir os recursos necessários, o entrevistado optou por não realizar o projeto por causa dos conflitos políticos que a sua iniciativa poderia gerar na instituição. Eu tentei criar um ambulatório, de tratar doenças sexualmente transmissíveis e isso gerou uma série de reações dentro da instituição (..) Havia um espaço, tinha estrutura para fazer isso, existe uma necessidade institucional só que... o que acontece? Isso gera o tipo de pergunta: olha se o Márcio que está entrando quer fazer isso, porque o cara que está lá há muito tempo e que podia ter feito, por que ele não fez até hoje?, entendeu? Muitas vezes você fazer mostra o que o outro não faz (...) Eu sou funcionário público, eu ganho o mesmo dinheiro, eu não vou ganhar um centavo a mais de querer fazer uma coisa para a instituição (...) Eu lido com saúde, em uma área que ninguém faz isso direito no Rio de Janeiro (..,), mas eu não fiz. Entrevistador: Por quê? Entrevistado: Porque achei que não era o momento de criar um conflito maior (médico-pesquisador, tese_doc1: ; 2798:2821). Fatores Extra-Institucionais Além dos fatores institucionais, foram identificados aspectos extra-institucionais percebidos como limitantes da autonomia na atividade de trabalho. O relato de um professor descreve seu sentimento de impotência diante das características do sistema público (estadual) de educação. O entrevistado destaca o despreparo dos alunos para aprender o conteúdo de sua disciplina por causa do sistema de progressão continuada. Ele comenta ainda

192 179 a sua falta de autonomia ao lecionar, pois, é obrigado a cumprir o programa, independentemente do que julga ser o conteúdo apropriado para cada grupo de alunos. É você ter responsabilidade de alguma coisa, uma meta e ser obrigado a cumprir quando você detecta que aquilo é impossível dentro das condições que você tem. Um exemplo claro disso é hoje o ensino do estado, por exemplo, onde você é cobrado para dar um conteúdo, mas o material humano, os alunos não têm a menor condição de aprender esse conteúdo. Essa é uma situação flagrante e você até se vê impotente diante disso, porque não pode buscar métodos alternativos, como discutir a própria questão do que ensinar para esse aluno, ou questionar a eficácia desse tipo de atividade que eles são obrigados a fazer, porque temos que cumprir o programa de passar de qualquer forma para o outro professor, porque o processo é continuo. Sobre essa situação a gente não tem autonomia de dar outra condução, que seria a condução do próprio professor, que é a pessoa indicada para dizer se aquilo é possível ou não (...) Você sente que é uma farsa que você está produzindo, e fica numa situação desconfortável porque você tem que ser um mentiroso institucional, uma pessoa que está ali fazendo um papel que não gostaria de fazer, porque vai contra seus princípios. Isso consequentemente te fere como pessoa e como profissional. (...) E a gente não pode estar culpando alguém da própria direção, as pessoas responsáveis da instituição, porque é um fenômeno generalizado. É muito grave essa questão do despreparado de uma parcela da sociedade. Então você mais do que ter sua autonomia ferida, você, se sente frustrado, impotente diante de tamanha contradição (professor, tese_doc3: 2022:2050). Muito embora esse professor descreva seu sentimento de impotência, em outro momento da entrevista ele comenta sobre um projeto institucional em uma escola técnica federal, realizado por ele e outros professores, com o objetivo reduzir o alto nível de reprovação causado pelo despreparo dos alunos provenientes das escolas públicas. Neste caso, os professores implantaram uma forma mais eficiente de recuperação paralela. criamos agora recuperação paralela, para tentar diminuir os efeitos das reprovações (...) Nós criamos a possibilidade de se fazer uma modalidade diferente de recuperação. Ela acompanha a aula por todo período, como se fossem aulas de apoio, ou estudos dirigidos, mais ao menos assim. Ao longo de todo semestre o aluno que está com dificuldades ele tem já o professor disponível [para ajudar] (coordenador acadêmico, tese_doc3: ). A autogestão do trabalho dos profissionais autônomos Conforme antecipado no início deste tópico, dedica-se esta parte especialmente para a descrição dos fatores limitadores da autogestão da atividade de trabalho dos profissionais autônomos. Nos relatos analisados os profissionais autônomos se descrevem como únicos responsáveis pela renda e por todas as atividades relacionadas aos seus processos produtivos. As possibilidades de crescimento e expansão da atuação destes profissionais estão, portanto, limitadas tanto pelo âmbito de suas competências e habilidades quanto pela disponibilidade de recursos, como ainda pelo tempo disponível para realizar as tarefas de trabalho. Os relatos de um ceramista e de um especialista em TI ilustram estas limitações: mas quando tem que fazer isso tudo sozinho, isso [divulgar e comercializar] é uma tarefa que consome muito tempo e normalmente a gente não é muito capacitado de fazer isso individualmente. A gente não tem formação para isso (...) os artistas de modo geral, não têm uma formação de como administrar a sua carreira (...) Não entro em determinados nichos do mercado porque sei que não estou preparado,

193 180 estruturado para isso (...) São muitos detalhes, e aí você acaba dispersando, eu prefiro não fazer isso. Vou fazendo de acordo com o tamanho da minha perna (ceramista, tese_doc1: ). Quando já estava com dois trabalhos e chegava um terceiro ou um quarto eu tinha que dizer não, porque a oportunidade perdia, mas não dava para fazer (...) Então eu tinha que simplesmente recusar, e perdia a oportunidade (Especialista em TI 1, tese_doc1: ). Outros fatores são percebidos como elementos que ajudam na expansão da atuação do profissional autônomo, como, por exemplo, a ajuda de amigos, o apoio de parceiros de trabalho e incentivos financeiros do governo. O relato a seguir ilustra o suporte que uma cantora independente obteve do governo e de uma produtora de artes para a realização de um projeto de sua autoria. eu sou um pouco produtora da minha história, então esse projeto que a gente fez para Lei Rouanet, é um projeto que precisa de toda minha cabeça (...) Entrevistador: E você toma conta de tudo? Entrevistado: Não, eu tenho a produtora (...) ela está fazendo o pé no chão. (...) [que é] falar com os empresários, conseguir a grana (...) ela que está organizando tudo (...) Fico com a [parte] criativa (cantora, tese_doc1: ). No nível da gestão do trabalho, em atividades criativas, o estado emocional pode ser um fator impactante na ação do sujeito. Uma designer de joias, por exemplo, descreve que quando o seu estado emocional não está bem o seu ritmo de produção é afetado. Como eu trabalho com a parte de criação e é uma coisa bem emocional, quando meu emocional não está bem, isso me afeta muito, afeta meu profissional. Nessa semana passada eu tive um problema pessoal, emocional e que para mim foi muito ruim, porque a minha produção parou (designer de joias, tese_doc2: ). A disciplina com relação à administração do tempo também foi citada pelos entrevistados como um desafio da gestão da atividade de trabalho 52. Algumas Considerações da Categoria 1 Atividade de Trabalho É interessante destacar que nos relatos analisados observa-se uma dinâmica entre o que seriam os elementos promotores e os limitadores da ação autônoma. Isto é, em determinadas situações, o que poderia representar uma limitação para alguns sujeitos pode significar uma oportunidade de autonomia para outros. O exemplo a seguir ilustra a atitude de uma fisioterapeuta diante de sua inexperiência em determinados casos clínicos. Nesta situação, a profissional vê a sua falta de conhecimento sobre um determinado assunto como um desafio estimulante a ser superado. Espaço. 52 A discussão da relação entre tempo, espaço e autonomia foi apresentada no item Tempo e

194 181 quando não tem muita experiência [no caso], quando vem para você uma coisa que te desafia. Eu já passei várias noites sem dormir, tendo dificuldade para dormir, porque uma pessoa estava com um sintoma que eu não consegui identificar o que era. Entrevistador: O que você faz? Entrevistado: Livros. Todos. Vou estudar, (...) vou consultor amigas (...) Mas não é uma coisa que te limite, pelo contrario é mais desafiador. (...) Para mim é estimulante, dá medo, é assustador (...) Mas isso nunca me paralisa (fisioterapeuta, tese_doc1: ). O relato de um especialista em TI ilustra um caso no qual ele identificou a falha de um recurso institucional como oportunidade para a autonomia, isto é, ao perceber que o material didático de um treinamento que iria ministrar era fraco, decidiu não usá-lo e criar uma forma de conduzir o curso que ajudaria os seus clientes a aprenderem melhor sobre o produto: uma coisa que era um pouco fraca na empresa era o material para dar treinamento para o cliente. Não tinha material, ou material era fraco, (...) e toda vez que fechava [um negócio], eu tinha que dar treinamento. E na hora de dar treinamento era um problema (...) Isso acabava dando autonomia, [porque] eu optava por não dar o material de treinamento, por ser muito fraco, e pedia para o cliente foca no pdf do manual do produto. (...) Tinha dois objetivos, um era criar uma coisa de um pouquinho melhor qualidade (...) e também criar exercícios. Então, criava alguns exercícios lá para que eles aprendessem [a mexer no produto]. Era a situação que [usava] a falta, falta de estrutura organizacional ou a parte fraca da estrutura organizacional para criar autonomia (Especialista em TI, tese_doc1: ) Infere-se, a partir da análise dos dados desta categoria, que, dependendo da pessoa, de sua profissão e do contexto específico no qual está inserida, o mesmo elemento pode representar um fator promotor ou limitador da autonomia no trabalho. Fatores Promotores e Limitadores na Categoria 2 Influência na Instituição Nesta categoria são percebidos como promotores da autonomia todos os fatores que contribuem para o aumento da influência do indivíduo na dinâmica organizacional: cargo de gestão, poder de decisão, poder hierárquico, conhecimento técnico, conhecimento das normas institucionais. Do mesmo modo, são percebidos como limitantes todos os fatores do contexto que impactam negativamente no espaço de influência do indivíduo na organização, como por exemplo, falta de poder hierárquico, falta de poder de decisão. O conjunto dos dados analisados mostra que o foco de atenção dos sujeitos está voltado para os elementos limitantes do contexto, conforme descrito a seguir. Fatores Limitadores Embora o sujeito ocupe cargos de gestão, ele não sente necessariamente que possui autonomia para decidir ou atuar de acordo com as responsabilidades associadas ao seu cargo. O relato de uma consultora de empresas ilustra uma situação na qual sentia que não podia

195 182 exercer a sua função adequadamente devido à estrutura hierárquica de decisão da empresa. Neste caso, ela fazia parte de um comitê responsável pela mudança organizacional, mas não possuía o poder de decisão necessário para executar as suas atividades. Ausência total de autonomia. Fui contratada para, teoricamente, coordenar um projeto de mudança, só que não tinha autonomia para fazer praticamente nada. Existia um comitê gestor do hospital, (...) um comitê de gestão para profissionalizar, implementar as mudanças (...) Só que qualquer coisa que o comitê quisesse fazer (...) tinha que consultar a vice presidente. Desde, sei lá, mudar os sistemas de software a comprar uma cafeteira de vinte reais que a outra quebrou, tinha que ter autorização da presidente. Então, para que servia esse comitê, eu não sei (...) Uma vez na reunião, o próprio comitê questionou e ela [disse]: vocês não estão entendendo não sei por que, é muito simples, vocês podem fazer qualquer coisa desde que eu aprove (consultora de empresas 2, tese_doc2: ) Todavia, mesmo o indivíduo ocupante de cargos com poder hierárquico e de decisão pode sentir que não influência a instituição devido à existência de normas, procedimentos e regras que limitam o seu espaço de decisão. Uma professora fala sobre a sua experiência ao ocupar cargos administrativos na universidade. Neste caso, mesmo ao possuir o poder de decisão, ela não consegue conduzir sua gestão da forma que julga ser a melhor devido às normas e procedimentos institucionais. tem que ser o administrador e agir de forma que você nem concorda, muitas vezes (...) Não tem tempo, tudo é assim, para amanhã. O prazo para solicitar professor substituto é esse, o prazo para liberar pra mestrado, doutorado, pós doutorado é esse. Quem tiver entra no plano, quem não tiver não entra. Então, você vai cortando as cabeças das pessoas, dos alunos, quando você é coordenador de curso (...) se você é representante institucional tem que seguir a cartilha institucional, mesmo que ela seja absurda, você tem que seguir. Então qual é a autonomia de quem ocupa esses cargos: nenhuma. (professora universitária, tese_doc3: 326:417). E, por fim, um tomador de decisão, com poder hierárquico, pode sentir que não possui autonomia quando suas decisões são impactadas tanto por aspectos institucionais quanto por fatores extra-institucionais, como, por exemplo, oscilações no mercado de trabalho, no mercado consumidor, ou, ainda, regulamentações governamentais. O relato a seguir descreve a visão de um consultor de empresas sobre a possível falta de autonomia daqueles que ocupam cargos de alto poder hierárquico em grandes empresas. Para o entrevistado, apesar de o presidente de uma empresa representar a figura com o máximo de poder institucional, pode sentir que não possui autonomia devido a uma série de exigências que lhe são impostas. Neste caso, o entrevistado ilustra o seu ponto de vista descrevendo sua percepção sobre a possível falta de autonomia do presidente da Vale do Rio Doce. Para o consultor, apesar do grande poder de decisão, esse executivo sofre pressão do governo, dos acionistas e do conselho administrativo, o que impactaria negativamente a sua autonomia. o presidente da Vale do Rio Doce está sofrendo pressão de todos os lados. Ele é brilhante, mas tem uma pressão política enorme, que a gente está acompanhando nos jornais. Será que ele é autônomo mesmo? É presidente da segunda maior empresa privada do país, será que ele é autônomo de verdade? Ou será que ele tem tantas amarrações que é capaz de acatar a decisões do tipo investir bilhões de dólares, no entanto ele é totalmente cerceado (...) Embora ele possa tomar decisões para atingir aquelas

196 183 metas, ele tem que dar satisfação daquelas metas para um conselho de administração ou acionista. Então, ele também está muito amarrado. Será que ele tem tanta autonomia assim? Acho que é sempre uma questão de dois lados. Você sobe, pode até subir um degrau, a quantidade e qualidade das suas decisões, é o que falei no início que eu ligo á autonomia. Por outro lado, provavelmente também vai subir as exigências, as amarrações (consultor de empresas 1, tese_doc2: ). No caso das pequenas empresas, um restaurador de móveis-empreendedor cita a dificuldade de obtenção e retenção de mão-de-obra especializada (fator extra-institucional ) para trabalhar em sua oficina. problema é a mão de obra. De uns tempos para cá acho que ficou complicado em todos os setores (...) Falta de qualificação do serviço. Nessa profissão a pessoa não quer aprender, não adianta você ensinar, e nem existe curso que ensina porque é o tipo de produção que você aprende na oficina (...) E quando a pessoa achava que sabia, saía e ia trabalhar por conta própria. É muito complicado, mão de obra é muito complicado (restaurador de móveis, tese_doc2: ). O conjunto de dados analisados sugere que embora o poder de decisão e o hierárquico em uma instituição sejam percebidos como promotores da autonomia, a existência destes fatores não significa, necessariamente, autonomia do sujeito. Pois, mais do que simplesmente ter o poder de tomar decisões, a noção de autonomia na Categoria 2 Influência na Instituição está associada à vontade subjacente de ser coautor da dinâmica e da ordem organizacional. Fatores Promotores e Limitadores na Categoria 3 Trajetória Profissional Nesta categoria, alguns fatores são percebidos como elementos que promovem ou limitam a autonomia do sujeito na definição de sua trajetória profissional. No nível individual, aspectos como conhecimento, experiência e competência são fatores que promovem a autonomia. A ausência destes fatores, por outro lado, é vista como uma limitação para a ação do sujeito. O impacto dos fatores limitadores extra-institucionais oscilação na demanda de trabalho, incerteza na remuneração, mercado de trabalho, situação da economia na trajetória profissional foi um tema mais enfatizado nos relatos de situações nas quais os profissionais atuavam como autônomos ou como empreendedores, ou ainda nas situações de transição de vínculo empregatício. No entanto, como para esses profissionais a oscilação na demanda de trabalho e na remuneração mostra-se como elemento inerente à sua condição profissional e a renda é vista

197 184 como consequência direta das suas decisões, alguns dos entrevistados descrevem as estratégias que criaram para lidar com essas as incertezas 53. Em resumo, os profissionais autônomos/empreendedores citaram, ao menos, três tipos de estratégia. No primeiro tipo, os sujeitos contam com estruturas existentes fora do âmbito do trabalho, como o apoio da família. No segundo tipo, os sujeitos recorrem às estruturas relacionadas diretamente ao contexto de trabalho. Assim, como o exemplo da médica que mantém vínculos empregatícios formais para lidar com a incerteza da remuneração; ou ainda, como o exemplo da fisioterapeuta que utiliza a vinculação institucional tanto para a construção de uma boa reputação no mercado de trabalho quanto para lidar com a oscilação na demanda de trabalho. No último tipo, os profissionais criam seus próprios meios, sem contar diretamente com estruturas ou instituições, para lidar com os constrangimentos de sua condição profissional. Entre as estratégias citadas estão a constituição de uma reserva financeira, a construção de uma boa reputação por meio da execução de um serviço de qualidade, a diversificação de serviços e clientes, a dedicação contínua ao trabalho e a constante capacitação. A seguir estes três tipos de estratégias são ilustrados. Estratégia do tipo 1: apoio de estruturas existentes fora do âmbito do trabalho Fator Limitador: Incerteza da remuneração Estratégia: Apoio familiar No relato a seguir, uma administradora de empresas cita o retorno à casa dos pais e o apoio financeiro da família como fatores que possibilitaram sua decisão de mudar de carreira. eu me vi como autônoma quando eu pedi demissão (...) e aí que eu me vi sem emprego formal (...) Foi um pouco difícil porque tinha uma pressão a partir daquela época em diante eu ia ficar responsável pelos meus custos (...) [Então] eu voltei para casa dos meus pais. Então tinha um conforto e segurança de que seria mais tranquilo financeiramente, na minha cabeça já estava claro que ainda bem que eu tinha essa segurança. Então ia aproveitar e começar a estudar e (...) fazer todos os cursos [de design de joias] que eu tinha parado (designer de joias, tese_doc2: ) Estratégia do tipo 2: apoio de estruturas relacionadas ao contexto de trabalho Fator Limitador: Incerteza da remuneração Estratégias: vinculação institucional (tipo 2) e reserva financeira (tipo 3) 53 A oscilação na demanda de trabalho e a incerteza na remuneração também são discutidas neste trabalho a partir do tema Risco, apresentado no subitem Normas e Figuras de Autoridade

198 185 Uma médica com vinculação mista utiliza uma associação de duas estratégias para lidar com a incerteza na remuneração: vinculação institucional (emprego formal) e reserva financeira. Acho importante você ter um vínculo [formal de trabalho] (...) É a estabilidade que você tem numa situação que você fique doente, que tire férias, que viaje (...). Porque a questão do profissional liberal é essa, você trabalha e ganha pelo seu trabalho, se não trabalhar não ganha. Então essa autonomia é boa porque você faz seu horário, por outro lado tem que ter muita disciplina com seus ganhos, tem que pensar que um dia vai envelhecer, pode adoecer. Você tem que ter uma alguma coisa por trás que te segure, ou que você tenha guardado. Acho que tem isso, para você ser profissional liberal, tem que ter disciplina com o dinheiro (médica-professora, tese_doc1) Fator Limitador: Oscilação na demanda de trabalho Estratégia: construção de uma boa reputação por meio de vinculação institucional Enquanto alguns indivíduos focam suas estratégias diretamente na questão financeira, outros planejam suas ações considerando a oscilação na demanda de trabalho que impacta a remuneração. Uma fisioterapeuta utiliza a vinculação institucional tanto como respaldo para uma possível diminuição na demanda de trabalho, quanto como um meio para construir uma boa reputação no mercado de trabalho. Acho super importante estar vinculada a uma instituição. Entrevistador: Por quê? Entrevistado: Porque é questão financeira mesmo, porque o paciente particular é muito ortogonal, e a primeira despesa que as pessoas cortam [é a fisioterapia]. Elas lamentam, mas entre comer, pagar as contas e pagar fisioterapia, elas vão pagar as contas (fisioterapeuta, tese_doc1: ). Entrevistador: Por que é importante para você buscar um lugar para trabalhar com boa reputação? Entrevistado: Porque acho super importante [para] o seu nome, porque quando você é profissional liberal o seu grande produto é você mesmo, então quando você associa seu nome a um bom lugar, [você] valoriza o seu nome, quando [você] associa a um lugar ruim, deprecia seu nome (...) Eu sou o meu produto.porque fica melhor de eu me vender, em todos os sentidos, de eu conseguir mais pacientes, de conseguir cobrar mais caro (...) Se você só trabalhou em casa de paciente, qual referencia que você tem se você só atende velhinhas?as minhas velhinhas são super carentes, e eu sou manhosa. Elas me beijam, elas me abraçam (...) Elas viraram as minhas avós. Até que ponto elas estão comigo porque sou netinha e até que ponto estão comigo porque sou boa? Não tem como [as pessoas] avaliar[em] (fisioterapeuta, teste_doc1: ). Fator Limitador: Perda da identidade profissional Estratégia: construção de uma identidade profissional por meio de vinculação institucional Para alguns profissionais em fase de transição de carreira, a perda de uma identidade profissional apresenta-se como um fator impactante em suas decisões. Um consultor de empresas descreve a sua visão sobre a relação entre identidade profissional e autonomia.

199 186 Observa-se que o entrevistado percebe a perda da identidade pela desvinculação com uma instituição de renome como um constrangimento para as suas decisões de carreira. a identidade é uma coisa complicada, na decisão de tomar na sua vida, acho que tem haver com autonomia também. Uma coisa é você dizer: muito prazer, você está me conhecendo agora, mas quem é você?. São os rótulos, tudo são seus rótulos. Então você vai dizer se está trabalhando, está doutorando na XXX, falar o nome, sobrenome, o que você faz, se atua como gerente, consultora, empresa tal. Você tem um monte de rótulos que te identificam, então isso é um fator que também acaba ou te conduzindo [nas suas] decisões. A minha decisão, por exemplo, quando decidi: não quero ser funcionário que uma grande empresa, aqui acabou e vou ser consultor independente, ou vou ser consultor ligado á uma empresa pequena, ou vou ver sócio de uma empresa pequena, acho que a identidade muda. Você não é mais o consultor sênior, gerente sênior da VVV, com uma placa [na mesa], você é [agora] um consultor independente. É uma identidade diferente, e que para muita gente é desqualificada, em relação à etapa anterior, e aquilo acaba te incomodando (...) E acaba te conduzindo as decisões para satisfazer esse tipo de identidade, que você ganha ou perde (...), e, portanto, sua autonomia também. (...) Há pessoas que preferem ficar como diretor de uma empresa, sendo martelado, massacrado, trabalhando que nem doido, pressionado por acionistas ou pelo CEO, por uma vida miserável, [com um] sofrimento operacional miserável, horroroso, porque prefere, ou não consegue se livrar do rótulo da identidade. (...) Mas o meu ponto é a identidade, a autonomia acaba sendo prejudicada ou não com a identidade, esse era um ponto que queria marcar. Eu acho que a questão de identidade é um fator limitador. (...) Já me limitou porque já me senti incomodado, talvez eu tenha demorado muito em tomar essa decisão de sair da VVV, por exemplo (consultor de empresas 1, tese_doc2: 1820:1881). Para lidar com a perda do seu rótulo ao sair de uma grande empresa e se tornar um consultor independente, o entrevistado utilizou como estratégia a vinculação com uma instituição de ensino para a obtenção do título de doutor, título reconhecido socialmente que lhe daria uma nova identidade profissional : e se queria ser um consultor independente numa empresa menor, eu tinha que ter conhecimentos, títulos e o formalismo da academia (consultor de empresas, tese_doc2: 1446:1537). Outra consultora independente, coaching, que fez uma transição recente em sua carreira, também optou pela vinculação a uma instituição para a construção de uma identidade profissional que possibilitaria maior autonomia em suas decisões de trabalho: Coaching não é uma profissão regulamentada, mas existe uma entidade que é a Federação Internacional de Coaching. Por que nos países onde o coaching já está bem desenvolvido, ela é a OAB do coaching (...) Acho que é uma questão de identidade mesmo. Quando você é autônomo, você perde um pouco sua identidade. A sua identidade está muito ligada a, por exemplo, no meu caso à ICF. A ICF ela me credencia, ela diz essa é uma profissional de valor. Então acho que não dá para ser autônomo sozinho no mundo (...) quando você é autônomo, autônomo como profissional autônomo, você não tem mais a identidade, o nome, não tem sobrenome, o sobrenome é só o seu, não é fulana de tal lugar. Aí essa construção dessa identidade passa necessariamente, e eu acho, por [ser] filiado a alguma associação, entidade. Entrevistador: Isso é importante para os outros ou para você? Entrevistado: Acho que mais para os outros, muito mais para os outros (coaching, tese_doc1: e ). Os dados sugerem a possibilidade de haver maior preocupação com a construção de uma identidade profissional quando o sujeito trabalha como autônomo em profissões não regulamentadas, visto que as profissões tradicionais já proporcionam automaticamente uma identidade profissional aos trabalhadores habilitados. Porém, como não faz parte do escopo

200 187 desta pesquisa investigar esta relação, este pode ser um tópico a ser tratado em estudos futuros. Estratégia do tipo 3: criação de meios próprios, sem contar diretamente com apoio institucional Fator Limitador: Oscilação na demanda de trabalho Estratégia: construção de uma boa reputação profissional A construção de uma boa reputação por meio da execução de um serviço de qualidade, que incentive a fidelidade dos clientes, é a estratégia utilizada por uma consultora de empresas: Olha só, se você como profissional autônoma (...) se você não entrega, ele vai ser seu cliente só uma vez. Tenho orgulho que tenho um cliente há oito anos, nove anos. Tenho muitos clientes eventuais, mas eu tenho clientes que estão comigo há nove, oito anos (...) São seus clientes quando você performa bem, se você não performar bem tem vários opções no mercado. Então assim, você como autônomo não tem a ilusão de quando é empregado, que dinheiro está lá certo todo mês (consultora de empresas 1, tese_doc2: e ). Outra consultora utiliza a diversificação de serviços e clientes e a constante capacitação para lidar com a oscilação na demanda de trabalho: Entrevistador: E como você lida com esse temor de não ter clientes? Eu faço assim, não boto todos os ovos na mesma cesta. Tenho ovos espalhados por um monte de cestas. Não só clientes, mas atividades. Dou aula para CCCC, dou aula para DDDD, tenho os meus clientes de coaching, participo de redes internacionais, porque eles fazem a venda, mesmo que me pagarem menos, mas estou trabalhando (...), é uma fonte de renda garantida. Outra coisa, eu invisto muito no meu crescimento profissional para ir me diferenciando, o meu produto tem que estar sempre atualizado, isso também impressiona (coaching, tese_doc1: ). Para um especialista em TI (Tecnologia da Informação), pouco experiente no trabalho como consultor autônomo, a dedicação contínua ao trabalho foi utilizada como estratégia para construir uma reputação e um bom networking : eu não tinha férias trabalhando como consultor (...) Porque se eu viajasse, eu não sei se alguém iria me contatar, ou ia precisar de algum trabalho. (...) Entrevistador: E qual a consequência disso? Entrevistado: Você não recebe, não faz trabalho, não fica mais exposto, não tem oportunidade de demonstrar o valor do seu trabalho e por ai vai. (...) Networking, marketing, se você faz trabalho bem feito, se faz trabalho que o cliente gosta ele pode te recomendar por outro. (...) Teve trabalhos que obtive graças recomendações, e nessa área vale bastante recomendação. (...) E também na situação de consultor autônomo, se estou parado não estou ganhando, simples assim (Especialista em TI 1, tese_doc1: ).

201 188 Fatores Promotores e Limitadores na Categoria 4 Papel no Mundo Na Categoria 4 Papel no Mundo, o autoconhecimento e a crença na vida manifestam-se como o principais fatores promotores da autonomia. O relato a seguir ilustra o anseio e a crença na vida que guiaram as decisões de carreira e trabalho de uma psicanalista. o que foi determinando as minhas escolhas profissionais? Sempre houve um anseio, digamos, ás vezes mais consciente ás vezes menos, de transformar uma coisa que eu não gostava desse mundo externo (...) nesse sentido de ajudar essa transformação do ser humano, com ênfase na transformação emocional (...) Desde muito criança. (...) Essa percepção e a busca de meios de mudar isso, foi mais ou menos o que guiou a minha carreira (...) [E] sempre achei que a vida vai dar o que você precisa se você faz com real entusiasmo, com real entrega e a favor da vida(...) A vida te ajuda [também] sempre achei que a vida vai dar o que você precisa (psicanalista, tese_doc2: ). Por outro lado, a falta, mesmo que momentânea, de autoconhecimento é percebida como um fator limitador da autonomia. No relato a seguir, a mesma psicanalista do exemplo anterior, comenta sobre o seu atual impasse a respeito de qual será a sua próxima atividade de trabalho. Neste caso, como suas decisões são baseadas em uma inspiração interna, a falta desta inspiração apresenta-se como uma fator impactante em sua ação. Eu gostaria de dizer, fazer, escrever alguma coisa que pudesse ajudar isso, mas eu tenho de verdade essa missão? Eu tenho essa condição? (...) Então, esse no momento é o meu impasse. A minha estrela [guia] quer que eu faça isso? É minha missão na vida fazer isso?(...) Agora o desafio é completamente interno, é comigo própria, o que eu tenho para escrever? (...) O meu principal inimigo sou eu mesma agora. É a minha dúvida (...) Eu não sei, perdi um pouco o contato com a estrela que me guia, não sei o que devo fazer (...) É como se eu tivesse uma inspiração interna (...) E eu não tenho muita certeza de qual o meu próximo passo (psicanalista, tese_doc2: ; ). Algumas Considerações A análise realizada parece apontar para uma diferenciação no foco de atenção do indivíduo sobre os elementos limitadores da autonomia de acordo com o âmbito de atuação dentro ou fora do contexto organizacional, e de acordo com o vínculo empregatício ou vínculo institucional do sujeito. Isto é, os profissionais autônomos tendem a focar sua atenção para o mercado e para os aspectos pessoais que podem impactar sua remuneração e produção. Enquanto os profissionais que atuam prioritariamente como membros de uma instituição tendem a direcionar sua atenção para os aspectos institucionais que afetam o exercício da atividade de trabalho É importante destacar, que no conjunto de dados analisados, há uma variação sobre a percepção do valor do vínculo empregatício/institucional para os sujeitos que possuem vinculação mista. Alguns dos entrevistados nesta situação se veem como prioritariamente como profissionais autônomos, enquanto outros se

202 189 Observa-se também que, para os profissionais autônomos, os fatores limitadores da autogestão da atividade de trabalho estão associados aos desafios de gestão da carreira. Usando os termos dos resultados apresentados neste estudo, os profissionais autônomos aparentam não distinguir, em algumas situações, a autonomia descrita na Categoria 1 Atividade de Trabalho da autonomia descrita na Categoria 3 Trajetória Profissional. Assim, decisões relacionadas à atividade de trabalho, como, por exemplo, escolher uma atividade ou definir e implantar um projeto são percebidas também como decisões de carreira e vice-versa. É importante destacar que apesar das possíveis similaridades nos relatos visto que parte de nossas percepções são apreendidas a partir do compartilhamento de uma cultura (MARTON, 1981) pessoas diferentes atribuem significados distintos aos aspectos do contexto e, por isso, o mesmo elemento pode representar tanto um fator promotor como um fator limitador, dependendo da pessoa, de sua profissão e do contexto específico no qual ela está inserida. Da mesma forma, o grau de impacto de cada elemento na autonomia e na ação do sujeito também é uma concepção individual que, conforme descreve Marton, 1981, é o resultado da influência dos aspectos culturais e das impressões desenvolvidas na relação eu - mundo. A relação entre Autonomia no Trabalho e a percepção dos Fatores Promotores e Limitadores Conforme apresentado no início deste item, os fatores limitadores e promotores são compreendidos pelos sujeitos tanto como aspectos inerentes ao fenômeno pesquisado que ajustam a aderência da vontade individual, abstrata, às restrições do mundo real, concreto quanto como elementos do contexto que afetam a experiência de autonomia no trabalho. Considerando a situação de fatores limitadores e promotores como elementos do contexto, os dados apresentados apontam ainda para uma diferenciação na atitude e ação dos sujeitos diante desses aspectos. Em alguns casos, os sujeitos percebem que podem lidar com os fatores limitadores, mantendo inalterado o seu sentimento de autonomia. Suas ações sobre os aspectos limitadores veem como membros de uma instituição. Silva (2008) observa que pessoas vinculadas formalmente a uma organização, por meio de contrato tradicional, podem se perceber como autônomos, na medida em que não se sentem dependentes da estrutura na qual estão inseridas para o direcionamento de sua trajetória profissional.

203 190 podem ocorrer de duas formas. Na primeira, o sujeito age diretamente sobre o fator limitador. É exemplo deste tipo de atitude e ação, o profissional autônomo que cria estratégias para lidar com a oscilação na demanda de trabalho. Na segunda forma, o sujeito cria alternativas para contornar o elemento limitador. É exemplo deste tipo de atitude e ação o comportamento do profissional autônomo que acredita que não pode agir sobre a oscilação na demanda de trabalho, mas mantém o seu sentimento de autonomia inalterado quando age com relação à incerteza da remuneração. Quando os sujeitos mantêm este tipo de atitude, observa-se a pouca distinção na percepção dos fatores limitadores e promotores como estruturas inerentes à autonomia ou como elementos do contexto que afetam a autonomia ou a ação autônoma. Em outros casos, os sujeitos ao perceberem que não podem agir sobre um fator limitante, sentem uma redução na sua autonomia. No entanto, apesar deste impacto, os sujeitos agem criando alternativas como uma tentativa de recuperá-la. Um exemplo deste tipo de atitude e ação é ilustrado pelo professor que descreve seu sentimento de impotência diante das características do sistema público (estadual) de educação, mas participa de um projeto institucional em uma escola técnica federal com o objetivo reduzir o alto nível de reprovação, causado pelas contradições do ensino nas escolas públicas. Por último, caso o sujeito se sinta impotente para agir diante dos fatores limitadores e/ou para criar alternativas para recuperar o seu sentimento de autonomia, ele percebe a sua possibilidade de autonomia bastante reduzida ou nula. O Quadro 16 resume os modos de compreensão dos fatores limitadores e promotores discutidos neste item. Modos de compreensão dos Fatores Promotores e Limitadores (1) Estruturas inerentes à autonomia no trabalho percepção de possibilidade de ação sobre os fatores limitadores (2) Elementos do contexto que impactam no sentimento de autonomia e na ação dos sujeitos percepção de possibilidade de ação sobre os fatores limitadores percepção de impossibilidade de ação sobre os fatores limitadores e busca de alternativas para manutenção da autonomia percepção de impossibilidade de ação sobre os fatores limitadores e de busca de alternativas. Sentimento de autonomia bastante reduzido ou nulo Similaridades e diferenças na percepção do que é um fator limitador e do que é um fator promotor Quadro 16: Modos de compreensão dos Fatores Promotores e Limitadores

204 191 A análise dos dados parece sugerir uma relação entre a autoconfiança e a autoestima (atitudes diante si) e a atitude diante dos fatores limitadores e promotores do contexto. Porém, como não faz parte do escopo deste estudo analisar esta relação, este pode ser considerado como tópico de pesquisa em estudos futuros. Fatores Promotores e Limitares e o grau de autonomia possível em um contexto Considerando-se, em conjunto, quatro características sobre a vivência da experiência de autonomia no trabalho identificadas nesta pesquisa: 1. independentemente do modo de vivência da experiência de autonomia no trabalho, autonomia é associada às definições que o indivíduo pode fazer sobre os aspectos relacionados ao seu trabalho; 2. a vontade de ser autor, em algum nível, de sua vida profissional (e em alguns casos da vida pessoal também) como fator inerente ao entendimento de autonomia; 3. a compreensão dos fatores limitadores e promotores como aspectos inerentes ao fenômeno pesquisado que ajustam a aderência da vontade individual, abstrata, às restrições do mundo real, concreto e como elementos do contexto que afetam a experiência de autonomia no trabalho; 4. a diferenciação na atitude e ação dos sujeitos diante dos fatores limitadores e promotores. Infere-se que o grau de autonomia possível em um determinado contexto, ou o quanto o sujeito pode definir aspectos relacionados ao seu trabalho, é determinado pelo resultado da tensão entre a vontade e atitude do sujeito e os fatores promotores e limitadores da autonomia em um determinado contexto. O termo possibilidade, portanto, refere-se a o quanto o sujeito pode definir aspectos relacionados ao seu trabalho. A Figura 10 ilustra esta relação.

205 192 Promotores Vontade e Atitude Individual Limitadores Possibilidade em um determinado contexto Figura 10: Percepção do grau de autonomia possível em um determinado contexto 5.3. Resultados da Pesquisa Fenomenográfica e Revisão de Literatura Neste item, cada uma das quatro Categorias de Descrição identificadas na presente pesquisa é discutida a partir do conteúdo apresentado no capítulo de Revisão de Literatura. É importante ressaltar que, embora haja uma similaridade na organização do capítulo de Revisão de Literatura e as Categorias de Descrição identificadas isto é, ambos tratam da noção de autonomia na atividade de trabalho, na ação organizacional e na trajetória profissional (esta semelhança ficará mais clara no decorrer deste subitem) as teorias tratadas no capítulo de Revisão de Literatura não foram utilizadas, em momento algum, como referência para a análise dos dados. Todas as informações apresentadas nos itens 5.1. Espaço de Resultados; Tempo e Espaço; Normas e Figuras de Autoridade e Fatores Promotores e Limitadores foram baseadas exclusivamente nas evidências constatadas nos relatos dos entrevistados. Uma possível explicação para tal semelhança pode ser delineada ao se considerar três fatos em conjunto: primeiro, a pesquisadora planejou o capítulo de Revisão de Literatura a partir de seu entendimento sobre os diferentes conceitos e teorias que poderiam estar, de alguma forma, associados à noção de autonomia; segundo, ela própria possui um perfil profissional similar ao grupo participante da pesquisa; terceiro, o objetivo [da Fenomenografia] é o de descobrir e sistematizar formas de pensamento (...) que são significativos socialmente e supostamente compartilhados pelos membros de um tipo de sociedade (MARTON, 1981, p.180). Isto é, os limites de percepção da pesquisadora sobre o

206 193 tema que definiram o escopo do capítulo de Literatura são, em parte, similares às percepções dos entrevistados, apresentadas nos resultados. As definições de autonomia na Categoria 1 Atividade de Trabalho e nas teorias de Desenho de Cargos O entendimento de autonomia descrito na Categoria 1 Atividade de Trabalho (ver subitem Categorias de Descrição), assemelha-se, em alguns aspectos, às abordagens de autonomia apresentadas no item Escola de Relações Humanas e Desenho de Cargos (ver Quadro 1), conforme discuto a seguir. As definições apresentadas por Hackman e Lawler (1979) e seus sucessores, descrevem autonomia, essencialmente, como a experiência de decisão sobre os elementos relacionados ao tempo, organização e execução de uma tarefa de trabalho (BREAUGH, 1986; DECOTTIS e KOYS, 1980; GARDELL, 1977; HACKMAN e LAWLER, 1979; JACKSON et al., 1993, SIMS et al., 1976; SPECTOR, 1986). Alguns desses autores incluem outros aspectos na definição do termo, como, por exemplo, a determinação dos objetivos da atividade (BREAUGH, 1986; DECOTTIS e KOYS, 1980), a influência sobre os critérios de avaliação do trabalho (BREAUGH, 1986), o julgamento sobre as habilidades necessárias para a execução de uma tarefa (GARDELL, 1977), e a responsabilidade sobre os resultados do trabalho (HACKMAN e LAWLER, 1979; KIGGUNDU, 1983; JACKSON et al., 1993). Observa-se que, no geral, que esse grupo de autores preocupou-se em explorar autonomia de forma restrita, com foco na execução das tarefas de trabalho. Verifica-se também que a abordagem do tema se restringe ao ambiente organizacional. Nota-se, ainda, que esses estudos não aparentam levar em consideração a realização de tarefas complexas, nem níveis mais altos de qualificação dos trabalhadores envolvidos. As pesquisas de Hackman e Oldham (1975) e Hackman e Lawler (1979) (precursores na investigação sistematizada sobre autonomia nas empresas), por exemplo, são visivelmente inspiradas nas mudanças em curso nas décadas de 1960 e 1970, nas tecnologias de produção e, portanto, voltadas para os desafios da gestão da produção. Ressalta-se, por fim, que todos esses trabalhos citados são de natureza quantitativa e que não foram identificadas pesquisas de natureza indutiva ou qualitativa que abordassem a questão da autonomia na atividade de trabalho nos estudos da Escola de Relações Humanas e Desenho de Cargos. E isso ocorre mesmo quando Hackman e Oldham (1975) haviam

207 194 ressaltado que mais importante do que as características do trabalho, seria a percepção dos indivíduos sobre estas características. Nas décadas de 1980 e 1990, a noção de autonomia passou a ser tratada nas discussões sobre autogereciamento (self-management) e auto-liderança (self-leadership). Markham e Markham (1995, p.346) distinguem os dois termos: a aplicação das técnicas de autogerenciamento tende a permitir significativa auto-influência com relação a como realizar uma tarefa e atender a um padrão (definido pelo sistema), ao passo que autoliderança contempla o quê e o porquê uma tarefa deve ser feita em adição ao como fazê-la. Segundo Markham e Markham (1995), ainda, enquanto o autogerenciamento necessita de uma descrição de cargo e função, isso não ocorreria no caso da autoliderança. Apesar das imediatas distinções entre a pesquisa aqui realizada e os trabalhos dos autores citados anteriormente visto que o presente estudo é de natureza indutiva e qualitativa e aborda a percepção de um grupo de profissionais especializados que podem executar atividades complexas (como, por exemplo, planejamento estratégico, cirurgias, projetos institucionais), algumas semelhanças específicas podem ser apontadas. Por exemplo, a experiência de decisão sobre os elementos relacionados ao tempo, organização e execução de uma tarefa também foi identificada neste estudo. Da mesma forma, a definição de autonomia na atividade de trabalho apresentada nesta pesquisa, que inclui aspectos relacionados à escolha das atividades e determinação de objetivos e responsabilidades, assemelha-se à de autoliderança, conforme descrita por Markham e Markham (1995). A percepção sobre os métodos de avaliação apresenta-se, no presente estudo, de forma indireta, isto é, os sujeitos os descrevem apenas nas situações em que não podem modificálos, o que representaria uma redução na autonomia. Em outros casos, a determinação do critério de avaliação do desempenho do trabalho decorre da definição das atividades e responsabilidades pelo próprio sujeito. Ainda, Kiggundu (1983) e Hackman e Lawler (1979) abordam autonomia como a experiência de responsabilidade sobre os resultados do trabalho. A pesquisa aqui realizada contribui para a discussão sobre responsabilidade ao identificar a percepção de responsabilidade organizacional, moral e ética, além da ideia apresentada por esses autores. Além das semelhanças específicas identificadas, a natureza indutiva e qualitativa do presente estudo ajuda a destacar aspectos poucos ressaltados sobre a experiência de autonomia em estudos quantitativos. Por exemplo, Breaugh, 1986; Gardell (1977) e Hackman e Lawler (1979) falam de escolhas feitas pelo sujeito, usando o discernimento próprio, sobre a execução da tarefa de trabalho. Ao ler os trabalhos desses e de outros autores, esta sutil,

208 195 porém importante, característica da experiência da autonomia o uso do discernimento não se apresenta destacada. Na análise aqui efetuada, o julgamento pelo sujeito forma de executar a tarefa para atingir o objetivo da melhor maneira possível como elemento da autonomia torna-se mais evidente. Em outro exemplo, apenas um estudo quantitativo, o de Gardell (1977), aponta para a relação entre autonomia e o julgamento sobre as habilidades necessárias para a realização de uma tarefa. No presente estudo, a segurança dos sujeitos quanto à posse dos conhecimentos e habilidades necessárias são destacados como fator fundamental para a ação autônoma. Em outra comparação, Hackman e Oldham (1975) fazem uma observação sobre a importância de se levar em consideração a necessidade de crescimento do indivíduo quando se pretende aumentar a autonomia e a variedade do trabalho, pois, segundo os autores, pessoas que não valorizam o crescimento e a realização pessoal podem considerar um trabalho com essas características uma fonte de ansiedade e estresse. Essa necessidade de crescimento, no entanto, não é enfatizada por seus sucessores. Os resultados aqui apresentados, de maneira semelhante à observação feita por Hackman e Oldham (1975), destacam uma vontade individual que precede a discussão das decisões realizadas pelo sujeito. Isto é, identificou-se que é inerente ao entendimento de autonomia a vontade de o individuo ser autor de sua atividade de trabalho. A inexistência da vontade pela autoria da tarefa, em algum nível, implicaria na ausência da vontade por autonomia. Por fim, em uma perspectiva mais ampla, os resultados desta pesquisa contribuem para as discussões sobre a autonomia na atividade de trabalho, pois, apresenta um entendimento que independe do tipo de vínculo empregatício, isto é, engloba a percepção tanto de indivíduos na instituição como a de profissionais autônomos. Autonomia na Categoria 2 Influência na Instituição e as definições de participação e empowerment Ao se comparar a literatura em Administração com o entendimento de autonomia descrito na Categoria 2 Influência na Instituição, a possibilidade de o indivíduo influenciar (por meio de expressão de opinião ou propostas de mudanças) ou tomar decisões que afetem, em algum nível, a ordem e/ou a dinâmica organizacional, de acordo com o que o indivíduo julga ser o melhor para a organização e seus membros, observa-se algumas similaridades entre as percepções identificadas e os conceitos de participação e empowerment.

209 196 Segundo Monge & Miller (1988, apud Evans e Fischer, 1992), participação seria o grau de envolvimento dos empregados em decisões. Para Evans e Fischer (1992) participação poderia ser classificada como forçada ou voluntária, formal ou informal, direta ou indireta. Participação também variaria: em relação ao escopo de um projeto até todos os aspectos relacionados ao trabalho; e em relação ao envolvimento de uma simples consulta até a autoridade de tomar a decisão. Como consequência destas variações, as medidas de participação também seriam variadas. Evans e Fischer (1992) destacam que participação seria distinta de autonomia, pois a primeira estaria relacionada ao processo decisório em conjunto, no qual participa mais de uma pessoa, enquanto a segunda enfatiza o poder de tomar decisões individuais sobre o próprio trabalho. Os resultados do presente estudo sugerem que não haveria uma distinção entre o que Evans e Fischer (1992) definem participação e autonomia aqui descrita. Participação apresenta-se como uma das facetas da autonomia. O entendimento de autonomia apresentado na Categoria 2 Influência na Instituição assemelha-se ainda às definições de empowerment que consideram a contribuição individual para a organização, como a de Duvall (1999, p.204) na qual empowerment é o processo sinergético de desenvolvimento individual através do qual a base de influência em uma organização é aumentada. No, entanto, distingue-se daquelas que se limitam a tratar do termo como uma prática de passagem ou compartilhamento de poder, autoridade e responsabilidade aos funcionários, como a definição proposta por Neumann (1993, p. 25): passagem de poder e autoridade para empregados abaixo na hierarquia. Conforme constatado na presente investigação, mais do que simplesmente ter o poder de tomar decisões em nome da instituição, a vontade subjacente à experiência de autonomia é a de ser coautor da dinâmica e da ordem organizacional de acordo com o que julga ser o melhor para a instituição e seus membros. A autonomia na Categoria 3 Trajetória Profissional e as teorias sobre carreiras Na Categoria 3 Trajetória Profissional autonomia é descrita como a possibilidade de o indivíduo realizar escolhas de trabalho e/ou carreira, e/ou definir a sua trajetória profissional a partir de referências internas (interesses, princípios, vocação). Observa-se que esse entendimento de autonomia é coerente com o aumento da responsabilidade individual sobre a vida profissional (LEMOS, 2006), sem que esta

210 197 autogestão fosse percebida como unilateral (MOTTA, 2006), isto é, imposta pela organização ou pelo mercado. Verifica-se, ainda, que os casos nos quais os entrevistados se sujeitam, ou cogitam se sujeitar, às oportunidades existentes por necessidade (MOTTA, 2006) não são a regra para o grupo estudado. Apesar de os entrevistados comentarem sobre suas mudanças de trabalho e emprego, em configurações de carreiras próximas ao que Arthur (1994) e Sullivan e Arthur (2006) definiram como boundaryless careers isto é com mobilidade física e psicológica (SULLIVAN e ARTHUR, 2006), o foco de atenção dos sujeitos estava mais voltado para as motivações de suas escolhas e mudanças profissionais. Foram identificadas três motivações para as escolhas dos vínculos de trabalho. Na primeira, as decisões são baseadas em questões contingenciais que atendem aos interesses pontuais do sujeito (melhores condições de trabalho, maior remuneração, melhor gestão do trabalho). Logo, o foco de atenção apresenta-se voltado para os fatores extrínsecos como remuneração, promoção, oportunidade de emprego (BRICOE e HALL, 2006). Outras escolhas ocorrem não apenas por questões contingências, mas são guiadas por um objetivo profissional ou pessoal. E, por último, as decisões apresentam-se associadas à interesses gerais (crescimento profissional, desafio intelectual), princípios (busca de mais autonomia no trabalho) e valores que se mantêm relativamente constantes ao longo da carreira profissional do sujeito. A sucessão de escolhas baseadas em princípios e interesses gerais é um tipo de atitude e comportamento similar à teoria de âncoras de carreira definidas por Schein (1990). Segundo Schein (1990), as âncoras de carreira competência técnica, competência gerencial, autonomia/independência, segurança, criatividade empreendedora, dedicação a uma causa, puro desafio, estilo de vida seriam um conjunto de talentos e habilidades, valores, motivos e necessidades (autopercebidos) que guiam as decisões de carreira de uma pessoa. No entanto, enquanto para Schein (1990) autonomia é apenas um dos fatores que guiam as decisões de carreira (fator também identificado neste estudo), os resultados da presente pesquisa apontam que a realização de escolhas de trabalho e carreira baseadas em um referencial interno (não limitado aos oito fatores identificados por Schein (1990)) é uma expressão de autonomia no trabalho. As escolhas profissionais baseadas em valores pessoais, característica da protean career (HALL, 2004), pôde ser identificada na percepção de alguns dos entrevistados, cujos relatos foram categorizados na Categoria 3 Trajetória Profissional, no entanto, esta característica é mais presente nos relatos incluídos na Categoria 4 Papel no Mundo.

211 198 Em resumo, observa-se que as motivações do sujeito para as suas escolhas distinguemse entre decisões com um foco nos fatores externos contingenciais e decisões baseadas em referenciais internos. Verificaram-se, ainda, diferentes tipos de referenciais internos: interesses, preferências, princípios, valores. Ou seja, identificou-se que esses variam desde o foco restrito a um objetivo profissional e/ou pessoal específico (interesse pontual), passando pelo uso de interesses profissionais e/ou pessoais gerais (como, por exemplo, crescimento profissional, aprendizagem, qualidade de vida), incluindo a utilização de princípios individuais (como, por exemplo, busca de mais autonomia no trabalho), considerando a consciência de uma vocação profissional, até o uso e/ou a construção de valores pessoais. Utilizando-se essa variação quanto às motivações para as escolhas de trabalho e carreira, a seguinte definição de trajetória profissional é proposta: Trajetória Profissional é a sucessão de escolhas de trabalhos e/ou carreiras, baseadas em fatores externos contingenciais, ou em referenciais internos, como, interesses profissionais ou pessoais específicos e gerais, princípios individuais, vocação profissional e valores pessoais. Por fim, a presente pesquisa destaca que em um contexto de trabalho em mutação (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005; CAPELLI, 1999; RANSOME, 1999) a autonomia no trabalho não estaria relacionada apenas à classificação do vínculo empregatício autônomo ou não autônomo, mas se manifestaria também na possibilidade de escolha/influência/definição/negociação dos termos do contrato de trabalho, formal ou informal, relativos à vinculação/afiliação, temporária ou não, do profissional com determinada organização/instituição/pessoa. Ramos Autonomia na Categoria 4 Papel no Mundo e o Homem Parentético de Guerreiro Observa-se que o entendimento de autonomia no trabalho está associado à atribuição de um significado individual à tarefa, à ação na instituição, às opções de trabalho e carreira e ao trabalho. Esta interpretação inclui diferentes níveis de percepção sobre as dimensões econômicas, sociais (meu papel no grupo, na instituição, na sociedade, no mundo) e existenciais (sentido do trabalho e da vida) do trabalho.

212 199 No entanto, nos entendimentos que constituem as descrições da Categoria 4 Papel no Mundo, e na subcategoria 3B (escolhas de carreira), observa-se uma maior amplitude da percepção sobre a interpretação individual do trabalho, pois esses englobam aspectos sociais mais amplos do que a instituição (comunidade, sociedade, mundo) e elementos existenciais e reflexivos (qual o meu papel na vida e no mundo?). Pode-se cogitar, pelas características supracitadas, que a concepção descrita na Categoria 4 Papel no Mundo contribui para as reflexões sobre uma forma de autonomia no trabalho efetivamente voltada para o desenvolvimento humano, ou seja, de acordo com as teorias não funcionalistas defensoras de uma nova forma de organização social e do trabalho em prol da emancipação e da realização humana. São exemplos dessas teorias a Abordagem Substantiva da Organização (RAMOS, 1989) e os Fundamentos Básicos de um Novo Sistema de Metabolismo Social (ANTUNES, 2002, p.179,181,183). Por exemplo, a concepção mais abrangente e não instrumental de autonomia, identificada na presente pesquisa, que considera os aspectos pragmáticos (principalmente na Categoria 1 Atividade de Trabalho), sociais (principalmente na Categoria 2 Influência na Instituição e na Categoria 4 Papel no Mundo) e existenciais (na subcategoria 3B Escolhas de Carreira e na Categoria 4 Papel no Mundo) do trabalho e os fatores pragmáticos, morais e éticos das decisões individuais (na discussão sobre a responsabilidade associada à decisão individual) pode ser considerada como uma interpretação de autonomia com o potencial de dialogar com o conceito de homem parentético (reflexivo, crítico, ético, ativo) definido por Guerreiro Ramos. O homem parentético teria a capacidade psicológica de pôr as circunstâncias entre parênteses, avaliando e refletindo sobre a vida cotidiana criticamente. E em vez de entregar-se a um relativismo inconsequente, (...) o homem parentético se compromete eticamente com valores que o conduzem ao primado da razão, em sua vida social e particular. (...) Esse (...) homem não se empenharia em excesso para ser bem sucedido segundo padrões convencionais. (...) Ele teria um grande senso de individualidade e uma forte compulsão por encontrar sentido para sua vida. Não aceitaria padrões de desempenho sem um senso crítico, embora possa ser um grande realizador quando lhe forem atribuídas tarefas criativas. Ele evitaria trabalhar apenas com o intuito de fugir à apatia ou à indiferença, pois o comportamento passivo ofenderia seu senso de autoestima e autonomia. Empenhar-se-ia no sentido de influenciar o ambiente, para retirar dele tanta satisfação quanto fosse capaz (RAMOS, 2001, p.5) Para Além da Fenomenografia: tópicos importantes identificados nos relatos dos sujeitos e presentes na revisão de literatura Neste item são apresentados dois tópicos relevantes identificados durante o processo de análise de dados identidade profissional e controle, assim como são descritas as similaridades e diferenças entre os resultados desta pesquisa e estudos existentes na literatura em Administração sobre os profissionais autônomos.

213 200 Identidade Profissional A temática da identidade profissional é mais evidente nos relatos dos profissionais autônomos e se apresenta na análise dos dados com quatro formas distintas de percepção. Na primeira forma, o tema está presente na preocupação com a construção de uma identidade profissional, no sentido de buscar uma validação/qualificação institucional. Isso ocorre no caso dos autônomos em profissões não regulamentadas, visto que as profissões tradicionais já proporcionam automaticamente uma identidade profissional aos trabalhadores habilitados. Identificou-se, conforme já havia sido apontado por Gold e Fraser (2002), a importância de o autônomo pertencer a uma instituição profissional para formação de uma identidade profissional e de uma imagem de boa reputação no mercado, entre outros benefícios. No entanto, verificou-se também que a vinculação a instituições de ensino, para a obtenção de títulos de doutorado em uma área de especialidade, é outra estratégia utilizada nesta busca por uma validação ou qualificação institucional. Na segunda forma de percepção, os sujeitos associam a identidade profissional às qualidades profissionais pelas quais são reconhecidos. Em outras palavras, os indivíduos estão focados na construção de uma boa reputação no mercado de trabalho (GOLD e FRASER, 2002; SULLIVAN e ARTHUR, 2006) para lidar principalmente com a oscilação na demanda de trabalho. Entre as estratégias utilizadas para atingir este objetivo, foram citadas: trabalhar em uma organização com boa reputação, executar um trabalho de boa qualidade, capacitar-se continuamente, dedicar-se a construção de um networking. Na terceira forma, a identidade profissional está associada à relação no longo prazo com uma organização. Isto é, independentemente da profissão, a identidade está prioritariamente relacionada ao rótulo ou sobrenome que uma empresa proporciona aos seus funcionários. Neste caso, a atenção do sujeito está muito mais voltada para a sua identificação com a organização e como os outros a percebem do que nas características de sua profissão. Na literatura sobre comportamento organizacional, Dutton et al. (1994, p.239) definem identificação como o quanto um membro se define pelos mesmos atributos que ele/ela acredita que define a organização. Por último, a identidade profissional está relacionada com a definição de um modo singular de exercer a atividade de trabalho. Como o exemplo do artista plástico que, ao completar 40 anos, decidiu se dedicar exclusivamente à pintura, porém, como não queria

214 201 produzir seu trabalho de acordo com sua formação clássica, iniciou uma busca por uma nova linguagem artística para os seus trabalhos. Observa-se que enquanto nas três primeiras formas de percepção de identidade profissional o foco dos sujeitos está orientado para o reconhecimento externo ( como os outros me veem?), na quarta, os indivíduos atentam para o como eles se reconhecem como profissionais ( como eu me vejo?, qual a minha singularidade no exercício da minha profissão? ). Controle e autonomia O tema controle está presente de três formas distintas nos relatos sobre a atividade de trabalho e carreira. Na primeira, controle é percebido como um fator externo que impacta na forma de o sujeito executar e planejar as suas tarefas. Na segunda, o controle pelo sujeito dos elementos que afetam sua tarefa e/ou sua carreira é entendido como uma forma de autonomia. Por último, o controle é associado ao autocontrole necessário para a autogestão do trabalho. Verifica-se que ou o controle é percebido como um fator externo que afeta a autonomia ou é entendido como a própria expressão da autonomia, conforme discutido a seguir. Controle como um fator externo Na presente pesquisa identificou-se que as figuras de autoridade (chefes, supervisores) são percebidas como uma forma de controle à ação do indivíduo. Estas entidades interferem nas normas referentes à atividade de trabalho e também são responsáveis pela monitoração do cumprimento dessas regras. Observou-se, ainda, que o excesso de controle exercido pelos chefes mostrou-se como um elemento impactante no sentimento de autonomia e na iniciativa do sujeito. Vale destacar que, de acordo com a literatura, ocasionalmente, as formas de regulação não estão centralizadas em uma figura de autoridade (supervisão direta). Por exemplo, o estabelecimento de muitas metas de trabalho e o uso da tecnologia seriam exemplos de imposição de mecanismos de controle descentralizados (SENNET, 1999). Nesta pesquisa o controle descentralizado é identificado quando os sujeitos falam da padronização dos processos de trabalho, facilitados pelo uso da tecnologia, e quando descrevem a interferência dos critérios padronizados de avaliação (metas) no planejamento e na execução de suas atividades.

215 202 Ainda, conforme abordado no subitem Categorias de Descrição, a autonomia é descrita, em parte, como a possibilidade de o indivíduo definir o como executar uma tarefa de trabalho de acordo com a maneira que ele julga ser a melhor para alcançar determinado objetivo, além de atribuir uma interpretação própria a este objetivo. A análise realizada sugere que a redução do objetivo do trabalho a metas quantitativas limita o processo de atribuição de um significado individual à tarefa e ao seu propósito fator identificado como essencial para a autonomia no trabalho. Ainda, as metas quantitativas, ao não comunicarem valores morais e éticos, dificultam o julgamento do indivíduo na instituição sobre a melhor forma de executar suas atividades de acordo os valores organizacionais ou de uma sociedade. Em outras palavras, os mecanismos de avaliação padronizados e quantitativos podem impactar negativamente aspectos primordiais à experiência de autonomia no trabalho isto é, a atribuição de um significado pessoal e a construção de um critério de responsabilidade individual considerando as questões morais, éticas e legais de uma determinada sociedade. Observa-se, no conjunto de dados analisados, que é importante para a ação autônoma a capacidade de o sujeito reconhecer, questionar e decidir submeter-se ou não aos mecanismos de controle existentes em um contexto. Controle da atividade de trabalho pelo indivíduo Conforme abordado no capítulo de Revisão de Literatura (subitem Autonomia e Participação), Spector (1986) e Evans e Fischer (1992) contribuem para a compreensão da autonomia ao afirmarem que esta implicaria um determinado grau de controle objetivo pelo indivíduo sobre a organização, estruturação e realização de sua tarefa de trabalho. No presente estudo esta relação também foi identificada, pois a autonomia é descrita, em parte, como a possibilidade de o indivíduo controlar elementos de sua atividade de trabalho organização, execução, planejamento. Além da administração da tarefa pelo indivíduo, a associação entre controle e autonomia também ocorre quando o sujeito percebe que controla os recursos como, por exemplo, tempo e espaço (como recursos individuais ou institucionais), materiais, equipamentos, conhecimento que impactam na realização de suas atividades. A associação entre controle e autonomia está presente ainda no entendimento de alguns dos entrevistados que criam estratégias como, por exemplo, a elaboração de um plano de carreira e a construção de uma reputação profissional para manter algum sentimento de

216 203 controle diante das incertezas do mercado de trabalho. Para estes profissionais suas iniciativas aumentariam as ofertas e opções de trabalho. Em resumo, observa-se que na literatura a abordagem da relação autonomia e controle limita-se à discussão sobre o controle efetuado pelo indivíduo na realização de sua tarefa de trabalho. No presente estudo esta relação está presente também nas percepções referentes ao controle sobre os recursos necessários para a execução do trabalho (tempo, infraestrutura, materiais), assim como no comportamento dos profissionais para lidar com as incertezas das oportunidades de trabalho (elaboração de um plano de carreira e a construção de uma reputação profissional). Controle e Autocontrole Enquanto em alguns casos o foco de atenção do sujeito está voltado para o controle dos elementos referentes à sua tarefa, em outras situações, o indivíduo associa o controle ao autocontrole. Isto é, o sujeito avalia, escolhe, cria e auto-impõe as regras às quais se submeter. Neste sentido, o profissional se reconhece como figura de autoridade que define e monitora o próprio cumprimento das regras de sua atividade de trabalho. Uma das entrevistadas, uma coaching, ressalta a importância da disciplina, do autoconhecimento, da responsabilidade e de uma atitude pró-ativa para a efetivação com sucesso deste tipo de autoregulação. Na literatura, encontram-se algumas críticas ao autocontrole da atividade de trabalho. Na visão de Dejours (2007, p. 49), o autocontrole (...) constitui um acréscimo de trabalho a um sistema diabólico de dominação autoadministrado, o qual supera em muito os desempenhos disciplinares que se podiam obter pelos antigos meios convencionais de controle. Para o autor, os trabalhadores se submeteriam a este discurso por medo da demissão, e este tipo comportamento acarretaria a precarização e a intensificação do trabalho, a neutralização da mobilização coletiva, o silêncio e a destruição da reciprocidade. Apesar da crítica existente sobre o tema, a análise realizada no presente estudo aponta que o autocontrole da atividade de trabalho é um aspecto importante e inerente ao entendimento de autonomia dos profissionais especializados. Pode-se inferir, no entanto, que a distinção entre o autocontrole como elemento da autonomia e como mecanismo de dominação dar-se-ia por diferenças sutis, como por exemplo: se o autocontrole é decorrente de uma escolha do sujeito ou se é algo imposto externamente. No caso do autocontrole ser algo imposto, a autonomia dependeria da capacidade de o indivíduo identificar esses

217 204 mecanismos de regulação e da possibilidade de não se submeter a este controle, se essa for a sua vontade. Também se deve levar em consideração, nesta distinção, se o sujeito avaliou e escolheu quais regras vai se autoimpor e, ainda, se o profissional possui ou não as habilidades necessárias para exercer o seu autocontrole. O profissional autônomo No presente estudo, entre as motivações que levariam as pessoas a optarem pela condição de autônomo foram identificadas: a busca por maior autonomia em termos de tarefa, ritmo e escopo de trabalho (SMEATON, 2003); apreciação pelo sentimento de se estar trabalhando para si mesmo (PEEL e INKSON, 2004); liberdade de supervisão e controle (PEEL e INKSON, 2004; SMEATON, 2003); busca de maior satisfação no trabalho (GOLD e FRASER, 2002; SMEATON, 2003); flexibilidade de tempo para conciliar atividades e interesses não relacionados ao trabalho (PEEL e BOXALL, 2005); busca por desenvolvimento pessoal e profissional (PEEL e INKSON, 2004). A adaptação às oportunidades existentes no mercado (PEEL e BOXALL, 2005) foi citada nas situações em que o sujeito não pôde optar pelo tipo de vínculo empregatício, isto é, quando foram empurrados (HUGHES, 2003) para a condição de autônomos. Ressalta-se, no entanto, que estes casos são ocasionais e temporários e não a regra para o grupo de sujeitos analisado. Observa-se, ainda, que o potencial de ganho financeiro (PEEL e BOXALL, 2005) não foi citado como fator motivador para a transição para o trabalho autônomo. As redes de segurança (safety nets) isto é, uma forma de segurança ou proteção que poderia ser financeira (por exemplo, reserva financeira), estar em um emprego seguro ao mesmo tempo que pratica uma atividade autônoma, ou o suporte da família e dos parceiros apontadas por Gold e Fraser (2002) como requisitos importantes para o sucesso na transição e manutenção da condição de trabalhador autônomo também foram identificadas como estratégias utilizadas pelo grupo dos profissionais participantes da pesquisa. Assim como foram identificadas ações como a construção de um bom networking (GOLD e FRASER, 2002); a afiliação a uma instituição profissional para a construção de uma identidade profissional e boa reputação, e obtenção de oportunidades de trabalho (GOLD e FRASER, 2002); vinculação a uma organização com boas referências para a formação de uma boa reputação; diversificação de serviços e clientes; e a constante capacitação e especialização em um determinado serviço (GOLD E FRASER, 2002) ou área do conhecimento.

218 205 Gold e Fraser (2002) verificaram, ainda, que os indivíduos na situação de autônomos não organizam sua vida profissional em torno de uma ideia de carreira, alguns nem mesmo reconhecem que possuem uma carreira. A presente pesquisa identificou que alguns dos indivíduos entrevistados organizam as suas trajetórias profissionais em torno de princípios, como por exemplo, independência, flexibilidade, busca por autonomia na atividade de trabalho e busca pelo estabelecimento de relações de trabalho caracterizadas como parceria. Bradley e Roberts (2004) argumentam que a satisfação dos autônomos seria influenciada, em parte, por características de personalidade que os fariam mais predispostos a avaliar seus trabalhos de forma positiva. Essas características seriam a autoeficiência e baixos níveis de sintomas gerais de depressão. A presente pesquisa não avaliou níveis de satisfação ou características de personalidade, no entanto, observou-se, que os sujeitos autônomos participantes demonstram acreditar ser auto-eficientes, isto é, a crença de uma pessoa em sua capacidade de executar determinada tarefa, ou de forma mais ampla, de exercer controle sobre sua vida (p.41). A disciplina necessária para lidar com as obrigações e responsabilidades exigidas pela atividade de trabalho de sua atividade de trabalho é outra característica presente nos relatos dos profissionais entrevistados. Peel e Inkson (2004) enfatizam ainda que por mais que o autônomo persiga um ideal de agência, ele estará sempre combatendo as ameaças da estrutura e ainda a escolha por esta condição estaria acompanhada por uma série de trade-offs, como por exemplo, a troca de uma possível relação de longo prazo com uma única empresa e um grupo de colegas de trabalho por uma série de relações com diferentes ambientes e colegas de trabalho. Para Bradley e Roberts (2004) qualquer benefício que possa existir para o autônomo seria conquistado ao custo de um aumento no risco. Sobre a percepção da relação entre as limitações à autonomia e o tipo de vínculo empregatício, a análise realizada aponta para a existência de fatores limitantes tanto para empregados quanto para autônomos. No entanto, verificou-se uma diferenciação no foco de atenção do indivíduo. Os profissionais autônomos tendem a focar sua atenção para o mercado e para os aspectos pessoais que podem impactar sua remuneração e produção. Os profissionais empregados tendem a direcionar sua atenção para os aspectos institucionais que afetam o exercício da atividade de trabalho. Verificou-se, ainda, que a noção de risco está presente na percepção dos sujeitos, independentemente do vínculo empregatício. Todavia, no caso dos profissionais autônomos as ideias de risco e incerteza decorrentes da falta de oportunidade de trabalho (ou emprego) e da

219 206 oscilação na demanda de trabalho e na remuneração mostram-se elementos inerentes à sua condição profissional. Observou-se, também, que para o profissional autônomo que trabalha sozinho, as suas possibilidades de crescimento e expansão de atuação estão limitadas tanto pelo âmbito de suas competências e habilidades quanto pela disponibilidade de recursos (materiais, financeiros, de infraestrutura), como ainda pelo tempo disponível para realizar as tarefas de trabalho. Sobre a relação entre a autonomia na atividade de trabalho e na trajetória profissional, a análise dos dados sugere que o zelo pela autonomia na Categoria 3 Trajetória Profissional pode implicar, em alguns casos, uma diminuição na autonomia em outras categorias. Por exemplo, em algumas situações, a opção por ser autônomo impactou negativamente no sentimento de controle sobre a intensidade do trabalho. Em outras palavras, as escolhas realizadas para aumentar a autonomia, conforme descrita na Categoria 3 Trajetória Profissional reduziram a autonomia referente à Categoria 1 - Atividade de Trabalho. É importante ressaltar que, para os profissionais autônomos, em alguns casos, a autogestão da atividade de trabalho está diretamente associada à gestão da carreira. Usando os termos dos resultados apresentados neste estudo, os profissionais autônomos aparentam não distinguir, em algumas situações, a autonomia descrita na Categoria 1 Atividade de Trabalho da autonomia descrita na Categoria 3 Trajetória Profissional. Assim, decisões relacionadas à atividade de trabalho, como, por exemplo, escolher uma atividade ou definir e implantar um projeto são percebidas também como decisões de carreira e vice-versa. O tema da informalidade (MACHADO DA SILVA, 2002) foi abordado explicitamente por apenas dois entrevistados que descreveram a contratação de serviços e compra de materiais no mercado informal. No entanto, pode-se cogitar, apesar da ausência de evidências, que os profissionais autônomos que prestam serviços ou vendem produtos para pessoas físicas, e não para pessoas jurídicas, possuem a facilidade de exercer as suas atividades (ou parte delas) informalmente. Isto é, o simples fato, por exemplo, de um médico/fisioterapeuta/terapeuta efetuar uma consulta sem a emissão de um recibo ou nota fiscal já caracterizaria a informalidade. Machado et al. (2008) afirma que alguns profissionais mais ricos, por receberem rendimentos mais altos, preferem a não-contribuição para a previdência, visto que teriam uma renda liquida menor se participassem da seguridade social. A opção por evitar o pagamento excessivo de impostos também pode ser considerada como motivação para a realização de serviços na informalidade.

220 Conclusões Este estudo teve como objetivo investigar a experiência de autonomia no trabalho, com foco na variedade percepções, de um grupo de profissionais especializados. O estudo foi realizado a partir da seguinte pergunta de pesquisa: quais são os modos qualitativamente diferentes de os profissionais especializados vivenciarem a experiência de autonomia no trabalho? O grupo participante da pesquisa As informações descritas basearam-se nos relatos obtidos a partir de 26 entrevistas semiestruturadas realizadas entre janeiro e março de 2011, na cidade do Rio de Janeiro, com profissionais especializados isto é, trabalhadores que exercem atividades que exigem conhecimentos, habilidades ou atributos específicos. Incluem-se nesta definição três tipos de profissionais: (1) o capacitado cujos conhecimentos e habilidades foram desenvolvidos na prática do trabalho; (2) o qualificado que recebeu formação teórica e prática em uma instituição acadêmica; (3) o habilitado é o qualificado que cumpriu as exigências ou prérequisitos formais para o exercício da profissão, responde a um Conselho de classe (como, por exemplo, CREA e CREMERJ) e possui registro profissional. Esses profissionais pertencem a uma ou mais das seguintes classificações: trabalhadores por portfólio com privilegiada formação, qualificação e habilidade (high-skill) (GOLD E FRASER, 2002; PEEL E INKSON, 2004; SMEATON, 2003); profissionais com altos níveis de qualificação/formação, independentes ou em empregos estáveis (KOVACS, 2006); profissionais liberais (PASQUINI, 2005); autônomos individuais (COWLING, 2004; PASQUINI, 2005) ou empreendedores (COWLING, 2004). Logo, os participantes do presente estudo representam um grupo privilegiado que possui condições de realizar escolhas de trabalho e carreira mais enriquecedores em termos de autonomia e de perspectivas profissionais.

221 Modelo Final de Variedade de Percepções sobre Autonomia no Trabalho Na presente pesquisa emergiram da análise dos dados quatro formas qualitativamente diferentes (Categorias de Descrição) de vivência da autonomia no trabalho: Categoria 1 Atividade de Trabalho o 1A Execução o 1B Planejamento Categoria 2 Influência na Instituição Categoria 3 Trajetória Profissional o 3A Opções de Trabalho o 3B Escolhas de Carreira Categoria 4 Papel no Mundo Identificou-se, também, que estas Categorias variam entre si em torno de sete Dimensões de Variação: Tipo de decisão Amplitude das decisões Fronteira das decisões Vontade subjacente Tempo e Espaço Normas e Figuras de Autoridade Fatores Promotores e Limitadores Essas Categorias de Descrição e suas variações de acordo com as Dimensões de Variação formam o Espaço de Resultados do presente estudo. O Quadro 13 ilustra o resumo dos resultados:

222 209 Dimensões de Variação Categorias de Descrição Tipos de Decisão Amplitude das decisões Fronteiras das decisões Vontade Subjacente Tempo e Espaço Normas e Figuras de Autoridade Fatores Promotores e Limitadores Categoria 1 - Atividade de Trabalho Categoria 2 - Influência na Categoria 3 - Trajetória Profissional Instituição 1A 1B 3A 3B decisões sobre atividade de trabalho: execução decisões sobre atividade de trabalho: planejamento e execução decisões institucionais opções de trabalho escolhas de carreira todas as decisões profissionais eu, meu trabalho, os outros, o eu, meu trabalho eu, minha trajetória profissional trabalho dos outros, a instituição Categoria 4 - Papel no Mundo eu, meu trabalho, minha trajetória profissional, os outros, o trabalho dos outros, a insituição, comunidade/sociedade contexto de trabalho contexto de trabalho e de vida "ser co-autor" da dinâmica "ser autor" do meu trabalho "ser autor" da minha trajetória profissional organizacional "ser co- autor" do mundo controle ausência de controle discernimento e/ou definição das normas referentes à atividade de trabalho discernimento e definição das normas que regem a dinâmica organizacional influência nos termos dos contratos de trabalho definição de "sua missão" no mundo Individuais Institucionais Individuais Institucionais Individuais "Extra-Institucionais" Quadro13: Categorias de Descrição e Dimensões de Variação da experiência de autonomia no trabalho

223 210 Como as quatro formas qualitativamente diferentes de vivência da autonomia no trabalho estão relacionadas em uma estrutura hierarquia inclusiva, a Categoria 4 Papel no Mundo representa um modo de vivência de autonomia que engloba todos os aspectos descritos sobre a experiência de autonomia no trabalho. A Figura 9 representa essa natureza hierárquica de percepção. Figura 9: Autonomia no Trabalho na percepção de um grupo de profissionais especializados As Dimensões de Variação e as Categorias de Descrição, organizadas em uma estrutura hierárquica, conforme ilustrado no Quadro 13 e na Figura 9, representam o modelo final da variedade de percepções de autonomia no trabalho na perspectiva de um grupo de profissionais especializados. Verificou-se também que os sujeitos não apenas percebem mais de uma forma de autonomia como também notam uma dinâmica na relação entre elas. Isto é, as decisões que implicam maior autonomia em um modo de entendimento podem significar a redução em outro. Por exemplo, observou-se que o senso de responsabilidade com a instituição e seus membros, parte da autonomia descrita na Categoria 2 Influência na Instituição, pode implicar a redução, ao menos momentânea, da mobilidade entre trabalhos (autonomia descrita na Categoria 3 Trajetória Profissional) ou impedir a organização da atividade de trabalho de acordo com o que é mais conveniente para o sujeito (autonomia descrita na Categoria 1 Atividade de Trabalho).

224 211 Dessa forma, o modelo final de variedade de percepções de autonomia no trabalho proporciona uma visão geral dos diferentes entendimentos sobre o tema. Entendimentos esses relacionados entre si a partir de semelhanças e diferenças, de níveis de complexidade de percepção e de uma dinâmica de influências mútuas Propostas de Definição Considerando os resultados da presente pesquisa, neste subitem apresentam-se propostas de definições para os seguintes termos: autonomia no trabalho ; autonomia na atividade de trabalho ; trajetória profissional Proposta de Definição de Autonomia no Trabalho Com base nas Categorias de Descrição e Dimensões de Variação identificadas neste estudo, propõe-se uma definição ampla para autonomia no trabalho, subdividida em três partes: definição central, pré-requisitos, elementos do contexto. Definição central de autonomia no trabalho Autonomia no trabalho refere-se ao quanto o indivíduo pode decidir sobre sua atividade de trabalho, suas ações nas instituições e na sociedade, seus tipos de vínculo empregatício, suas opções de trabalho e de carreira de acordo com seus princípios e com o sentido e o valor por ele atribuído ao trabalho. Pré-requisitos São pré-requisitos para a autonomia descrita: a vontade do sujeito em ser o autor de sua vida profissional (e pessoal em alguns casos) em algum nível 55 ; a autoconfiança quanto às habilidades e conhecimentos necessários para a execução de qualquer uma das atividades determinadas pelo sujeito; o sentimento de responsabilidade (nos níveis pragmático, moral, ético e legal) pelas decisões efetuadas; e a atribuição de um significado individual à tarefa, à ação na instituição e na sociedade, às opções de trabalho e carreira e ao trabalho. Esta 55 Observa-se que apesar de a autonomia ser baseada em uma vontade individual, isso não significa que haja um conflito entre indivíduo e sistema.

225 212 interpretação pessoal inclui diferentes níveis de percepção sobre as dimensões econômicas 56, sociais (papel no grupo, na instituição, na sociedade, no mundo) e existenciais (sentido do trabalho e da vida) do trabalho. Elementos do contexto O grau de autonomia possível em uma situação é dado pelo resultado da tensão entre a vontade e atitude do sujeito e os fatores promotores e limitantes da autonomia em um determinado contexto. É importante destacar que pessoas diferentes atribuem significados distintos aos aspectos do contexto e, por isso, o mesmo elemento pode representar tanto um fator promotor como um fator limitador, dependendo da pessoa, da profissão e do contexto específico no qual está inserida (como, por exemplo, se é autônoma ou empregada, ou se está inserida em uma estrutura organizacional ou não). Da mesma forma, o grau de impacto de cada elemento no sentimento de autonomia e na ação do sujeito também é uma concepção individual que, conforme descreve Marton, 1981, é o resultado da influência dos aspectos culturais e das impressões desenvolvidas na relação eu - mundo. A natureza da profissão e o seu grau de regulação, o tipo de vínculo empregatício, e a inserção ou não em uma estrutura organizacional impactam diretamente no grau de incerteza (menos regras estabelecidas ou mais ilegíveis) com o qual o sujeito deve lidar. Nesse sentido, a incerteza aumenta quando o profissional atua como autônomo em atividades não regulamentadas e fora do âmbito organizacional, pois as decisões dos sujeitos não são balizadas pelas normas dos órgãos reguladores nem delimitadas pelas estruturas organizacionais. O Quadro 17 resume os principais elementos da nova proposta de definição de autonomia no trabalho. 56 Entende-se que, em uma sociedade capitalista, ou seja, definida e organizada em torno de suas características econômicas, na qual o entendimento de trabalho foi reduzido ao de trabalho assalariado e fetichizado (ANTUNES, 2002, p. 180), a atribuição de um sentido ou valor próprio ao trabalho só pode ocorrer quando existe uma reflexão individual sobre os seus aspectos econômicos e a consequente determinação de um sentido que contenha/priorize/despreze a questão financeira. Na presente pesquisa, por exemplo, a remuneração é vista pelos sujeitos entrevistados como apenas um dos aspectos da prática profissional, necessária a tal ponto de representar um fator potencialmente limitador da autonomia, mas não capaz de sintetizar a complexidade da experiência de trabalhar para esses profissionais.

226 213 Pré-requisitos a vontade do sujeito em ser o autor de sua vida profissional (e pessoal em alguns casos) em algum nível a atribuição de um significado individual à tarefa, à ação na instituição e na sociedade, às opções de trabalho e carreira e ao trabalho a autoconfiança quanto às habilidades e conhecimentos necessários para a execução de qualquer uma das atividades determinadas pelo sujeito o sentimento de responsabilidade (nos níveis pragmático, moral, ético e legal) pelas decisões efetuadas Autonomia no Trabalho o quanto o indivíduo pode decidir sobre sua atividade de trabalho, suas ações nas instituições e na sociedade, seus tipos de vínculo empregatício, suas opções de trabalho e de carreira de acordo com os seus princípios e com o sentido e o valor por ele atribuído ao trabalho Elementos contextuais fatores limitadores e promotores tipo de vínculo empregatício natureza da profissão e seu grau de regulação dentro de uma estrutura organizacional ou não Quadro 17: Autonomia no trabalho uma proposta de definição Algumas Considerações sobre a Definição de autonomia no trabalho É importante ressaltar que essa definição, apesar de sintética e estruturada, não visa servir de modelo operacional para o gerenciamento adequado da autonomia em prol da eficácia organizacional. Ao contrário, a presente proposição pretende estimular as reflexões sobre o que seria uma autonomia genuína no âmbito do trabalho ao apresentar uma concepção ampla e sistêmica. Abrangente por considerar os aspectos pragmáticos (decisões sobre a condução da atividade de trabalho e tipos de vínculo empregatício), sociais (ações nas instituições e na sociedade) e existenciais (atribuição de sentido e valor) do trabalho; por compreender fatores morais, éticos e legais das decisões individuais (sentimento de responsabilidade); e por destacar a sutileza dos aspectos relacionados ao nível dos atores humanos (vontade do sujeito, autoconfiança). Sistêmica por abordar simultaneamente aspectos abstratos e concretos da autonomia, isto é, por não se limitar ao pragmatismo predominante na literatura em administração de um lado, nem às abstrações teóricas dos ideais e valores associados ao significado do trabalho de outro. O conjunto de elementos tratados permite uma visão completa do que se pode denominar de uma autonomia plena no trabalho. E essa se manifestaria em cada uma das decisões de trabalho do sujeito, nos mais diferentes níveis (individual e social, prático e

227 214 existencial); na relação entre essas escolhas; e, principalmente, no alinhamento (coerência) das ações cotidianas (pragmáticas) ao sentido/valor atribuído pelo indivíduo ao trabalho (abstrato). A proposição apresentada também tem como objetivo contribuir para diálogo entre práticas cotidianas nas instituições e na sociedade e as teorias que defendem uma forma de organização social e do trabalho em prol da emancipação e realização humana. São exemplos dessas teorias a Abordagem Substantiva da Organização (RAMOS, 1989) e os Fundamentos Básicos de um Novo Sistema de Metabolismo Social (ANTUNES, 2002). Considerando a emancipação e o desenvolvimento humano como premissas do plano existencial de um indivíduo ou da organização de uma sociedade e o trabalho como o meio escolhido para a efetivação desse objetivo, a busca pela autonomia plena no trabalho pode terminar por representar, ela própria, a busca pela emancipação. Nesse sentido, a descrição detalhada fornecida auxilia na tradução dos ideais de realização/emancipação/desenvolvimento tanto em termos do sentido/valor atribuído ao trabalho quanto em conceitos mais concretos e presentes na vida diária moderna. A definição proposta possibilita, então, a análise da relação/coerência entre: projeto de desenvolvimento humano, valor atribuído ao trabalho e práticas cotidianas Proposta de Definição de Autonomia na Atividade de Trabalho Conforme abordado anteriormente, um dos entendimentos identificados sobre autonomia no trabalho é descrito na Categoria 1 Atividade de Trabalho como a possibilidade de o indivíduo influenciar, definir, ou até mesmo controlar, elementos (planejamento, execução, organização) de sua própria atividade de trabalho, dentro de uma instituição e/ou profissão. Ao se considerar esse tipo de percepção, especificamente, e os elementos que compõem as Dimensões de Variação dessa categoria, descritos em detalhes dos itens Tempo e Espaço; Normas e Figuras de Autoridade e Fatores Promotores e Limitadores, além dos aspectos contextuais referentes ao âmbito de atuação (dentro ou fora do ambiente organizacional) e o grau de regulação da profissão, pode-se propor uma nova definição para a autonomia na atividade de trabalho que engloba os diferentes níveis de autonomia. Diferentemente da proposta de definição do item anterior autonomia no trabalho, elaborada com o objetivo de incentivar a reflexão sobre o tema, a apresentada neste item

228 215 autonomia na atividade de trabalho visa servir como referência para um modelo de gestão de estímulo à ação autônoma no exercício das práticas de trabalho cotidianas. A autonomia na atividade de trabalho pode ser definida como o quanto o indivíduo pode influenciar, definir, ou controlar: (1) a execução (ou microgestão), isto é, o como realizar o seu trabalho, a partir do uso de seu discernimento e optando pelo seguimento, escolha, flexibilização, transgressão dos procedimentos e regras existentes ou pela criação de novos; (2) o planejamento (ou macrogestão), isto é, suas atividades, o objetivo do trabalho e suas responsabilidades, ou seja, a amplitude do seu escopo de atuação (o que pode incluir ou não a definição dos critérios de avaliação do trabalho). O grau de autonomia possível em uma situação é o resultado da tensão entre a vontade e atitude do sujeito e os fatores promotores e limitantes da autonomia em um determinado contexto, como, por exemplo, regras, recursos, infraestrutura. É importante destacar que pessoas diferentes atribuem significados distintos aos aspectos do contexto e, por isso, o mesmo elemento pode representar tanto um fator promotor como um fator limitador, dependendo da pessoa, da natureza da profissão e da situação específica na qual ela está inserida. A natureza da profissão e o seu grau de regulação, o tipo de vínculo empregatício, e a inserção ou não em uma estrutura organizacional impactam diretamente no grau de incerteza (menos regras estabelecidas ou mais ilegíveis) com o qual o sujeito deve lidar. Nesse sentido, a incerteza aumenta quando o profissional atua como autônomo em atividades não regulamentadas e fora do âmbito organizacional, pois as decisões dos sujeitos não são balizadas pelas normas dos órgãos reguladores nem delimitadas pelas estruturas organizacionais. Faz parte do contexto, ainda, o entendimento do sujeito sobre o seu papel na(s) instituição(ões) e na comunidade e os valores morais, éticos e legais da sociedade. São pré-requisitos para a autonomia descrita: a vontade do sujeito em ser o autor de sua atividade de trabalho em algum nível; a atribuição de uma interpretação individual aos objetivos do trabalho e/ou à sua função; o julgamento do sujeito sobre a melhor forma de executar o trabalho; a autoconfiança quanto às habilidades e conhecimentos necessários para a execução da tarefa; e o sentimento de responsabilidade pelas decisões efetuadas e pelos resultados do trabalho. O Quadro 18 resume esta definição.

229 216 Pré-requisitos a vontade do sujeito em ser o autor de sua atividade de trabalho em algum nível a atribuição de uma interpretação individual aos objetivos do trabalho e/ou à sua função o julgamento do sujeito sobre a melhor forma de executar o trabalho a autoconfiança quanto às habilidades e conhecimentos necessários para a execução da tarefa o sentimento de responsabilidade pelas decisões efetuadas e pelos resultados do trabalho Autonomia na Atividade de Trabalho Macrogerenciamento (planejamento e execução) responsabilidades, atividades e objetivos definidos pelo indivíduo e/ou pela organização/profissão Autonomia na execução Microgerenciamento - uso do discernimento para: seguimento ou não dos procedimentos, regras existentes escolha entre procedimentos, regras existentes flexibilização de procedimentos e regras existentes transgressão de procedimentos, regras existentes definição de novos procedimentos, regras e atividades Elementos contextuais fatores limitadores e promotores tipo de vínculo empregatício entendimento do papel na instituição e/ou na sociedade Quadro 18: Autonomia na atividade de trabalho uma proposta de definição natureza da profissão e seu grau de regulação dentro ou fora de uma estrutura organizacional valores morais, éticos e legais da sociedade Em um caso particular dessa definição, o do profissional autônomo, a demanda de habilidades para lidar com os riscos, incertezas e maior amplitude do escopo de responsabilidades individuais visto que esses trabalhadores percebem-se como únicos responsáveis pela renda e por todas as atividades relacionadas aos seus trabalhos e, ainda, considerando-se que as decisões relacionadas à atividade de trabalho como, por exemplo, aceitar ou recusar participar de um projeto podem ser percebidas como escolhas de carreira, a autonomia na atividade de trabalho para esta situação poderia receber uma denominação diferente, como, por exemplo, autogestão, por referir-se às decisões que englobam tanto a macrogestão do trabalho quanto o autogerenciamento da carreira profissional. trabalho Algumas Considerações sobre a Definição de autonomia na atividade de A descrição proposta que inclui pré-requisitos, diferentes escopos de decisão (execução e planejamento) e elementos do contexto pode contribuir para um diagnóstico mais preciso, e consequentemente para um plano de ação mais eficaz, que trate das expectativas organizacionais para o comportamento autônomo e das necessidades dos profissionais.

230 217 Dois pontos muito importantes foram destacados na presente pesquisa. Primeiro, as pessoas possuem diferentes entendimentos, atitudes e necessidades e isso impacta a ação autônoma. Segundo, a autonomia não é entendida como a liberdade para fazer o que se quer, mas como uma dinâmica entre a vontade e a possibilidade de ação em um contexto. Esses dois tópicos não podem ser ignorados na gestão de pessoas e estão incorporados na definição apresentada. Considerando-se o âmbito restrito da atividade de trabalho, em uma organização disposta a estimular a autonomia de seus trabalhadores, algumas questões hipotéticas e observações podem ser elaboradas para ilustrar a aplicabilidade do modelo proposto. Por exemplo, a existência de uma gestão que proporcione liberdade para os funcionários decidirem sobre suas tarefas não implica necessariamente o comportamento autônomo dos indivíduos. Neste caso, a gestão deve focar os seus esforços na busca por compreender o porquê do sujeito não querer ser o autor de suas decisões: será que é porque ele não pôde atribuir um sentido próprio à tarefa? Será que é porque ele sente não que não possui as competências/habilidades para fazê-lo? Será que é porque ele não sabe lidar ou não quer lidar com as responsabilidades decorrentes de tais decisões? Será que ele entende o seu escopo de atuação e decisões? A partir das respostas para essas perguntas, a gestão pode definir qual será o suporte (fator promotor) ao profissional para estimular, por exemplo, sua vontade de ser autor de suas tarefas, sua autoconfiança e seu envolvimento e comprometimento com o trabalho. Em uma situação distinta na qual o sujeito possui vontade de ser autor do seu trabalho, há que se atentar para o que ele entende como o seu escopo de autonomia. Para alguns esse se limita às decisões relativas à execução da tarefa, para outros, esse se refere também às definições de planejamento. Logo, em uma estruturação do trabalho que considera que o profissional decidirá sobre o planejamento e execução de suas tarefas e, ao mesmo tempo, o indivíduo pretende decidir somente sobre o como executar o trabalho, observa-se um desequilíbrio de expectativas. Muito provavelmente a gestão julgará o trabalhador incompetente e vice-versa. Se o contrário ocorre, isto é, se o profissional espera tomar todas as decisões do seu trabalho e lhe é oferecido um escopo reduzido de ação, ele poderá sentir-se frustrado e sem autonomia. Além da organização do trabalho, deve-se observar também quais são os fatores percebidos como limitadores ou promotores da autonomia e, ainda, qual o impacto desses no sentimento de autonomia e na ação autônoma. Conforme identificado na presente pesquisa, os fatores institucionais, como, por exemplo, recursos, infraestrutura e suporte emocional e os

231 218 fatores individuais, como, por exemplo, conhecimento, experiência e competência, podem ser analisados e gerenciados de modo a estimular a autonomia. Destaca-se ainda, que as regras e normas institucionais, dado o seu papel fundamental e ao mesmo tempo ambíguo por representar tanto um fator limitador quanto um promotor devem, além de estar de acordo com os valores éticos, morais e legais de uma determinada sociedade, ser criadas e aplicadas com o objetivo de ser um suporte ou referência orientadora (e não como preceito ou lei) ao estimulo da experiência subjetiva do sujeito com o seu trabalho. Em resumo, a definição proposta aponta que para uma gestão estimular a autonomia no trabalho é importante que se atente para as motivações e necessidades de suporte dos sujeitos envolvidos, para o equilíbrio de expectativas da empresa e dos profissionais e para os fatores que impactam positivamente e negativamente o sentimento e a ação autônoma. É importante ressaltar que essa proposição tem um foco bastante restrito e pragmático. Isso não significa, no entanto, que as influências do entendimento do sujeito sobre o seu papel na instituição e na sociedade, os valores éticos, morais e legais, e o grau de incerteza decorrente das características do contrato de trabalho e do grau de regulação profissional devam ser ignoradas. Esses elementos contextuais podem exercer poderosa influência no entendimento de autonomia e no comportamento indivíduo. Para os profissionais, a definição de autonomia na atividade de trabalho pode ajudar na autoreflexão sobre o nível de autonomia que almejam e quais os fatores de suporte que podem desenvolver individualmente ou demandar da organização Proposta de Definição de Trajetória Profissional O conjunto de dados analisados sobre as percepções das escolhas que definem a trajetória profissional dos sujeitos sugere que os profissionais possuem entendimentos distintos sobre carreira ou trajetória profissional. Observou-se, no geral, que as motivações do sujeito para as suas escolhas distinguem-se entre decisões com um foco nos fatores externos contingenciais e decisões baseadas em referenciais internos. Verificaram-se, ainda, diferentes tipos de referenciais internos: interesses, preferências, princípios, valores. Ou seja, identificou-se que esses variam desde o foco restrito a um objetivo profissional e/ou pessoal específico (interesse pontual), passando pelo uso de interesses profissionais e/ou pessoais gerais (como, por exemplo, crescimento profissional,

232 219 aprendizagem, qualidade de vida), incluindo a utilização de princípios individuais (como, por exemplo, busca de mais autonomia no trabalho), considerando a consciência de uma vocação profissional, até o uso e/ou a construção de valores pessoais. Utilizando-se essa variação quanto às motivações para as escolhas de trabalho e carreira, a seguinte definição de trajetória profissional é proposta: Trajetória Profissional é a sucessão de escolhas de trabalhos e/ou carreiras, baseadas em fatores externos contingenciais, ou em referenciais internos, como, interesses profissionais ou pessoais específicos e gerais, princípios individuais, vocação profissional e valores pessoais A minha experiência com a Fenomenografia Conheci a Fenomenografia por intermédio da minha orientadora que havia lido sobre o assunto em um trabalho acadêmico. Isso ocorreu quando eu estava avaliando qual seria o melhor método para aplicar em meu trabalho. Então, curiosa com a novidade, comecei a pesquisar mais sobre essa abordagem de pesquisa. Na primeira busca na internet não encontrei muitos resultados. Em uma segunda iniciativa verifiquei a existência de uma série de trabalhos acadêmicos (artigos, livros, teses, dissertações, sites) que estavam relacionados ao tema. Li os artigos seminais de Ference Marton, os que discutiam as características epistemológicas e ontológicas da metodologia, algumas teses de doutorado que utilizaram o método e o livro referência de Ference Marton e Shirley Booth: Learning and Awareness. A partir dessa literatura constituí uma compreensão razoável sobre o assunto, no entanto, não tinha conseguido compreender ainda como operacionalizar uma investigação fenomenográfica. Foi quando eu e minha orientadora encontramos os livros do professor John Bowden e seus colaboradores. Essas publicações tratavam exatamente sobre os pontos que precisava entender e descreviam de forma bastante didática as melhores práticas para coleta, análise e apresentação dos resultados. De posse dessa bibliografia me senti mais segura para aplicar o método, caso decidisse fazê-lo. Após ponderar sobre a melhor convergência entre o objetivo da pesquisa e as metodologias, conforme apresentado no Capítulo 3. Metodologia, e ter optado por utilizar a Fenomenografia, entrei em contato com o professor John Bowden por para agradecer a contribuição que fez por meio de seus trabalhos para o meu aprendizado. Foi quando que,

233 220 para a minha surpresa, o professor respondeu quase que imediatamente (considerando a diferença de fuso horário de 12 horas entre Brasil e Austrália) e pediu mais informações sobre o meu estudo. Passamos algumas semanas trocando s quase que diariamente sobre o método, sobre minha pesquisa e sobre nossas histórias de vida. Nesse período surgiu a oportunidade de obtenção de uma bolsa de doutorado sanduíche (PDEE/Capes) e o professor John Bowden concordou em me supervisionar caso a viagem se concretizasse. O requerimento da bolsa foi aprovado e fui para a Austrália no ano seguinte para um estágio de quatro meses. Acredito que teria aplicado a Fenomenografia no meu trabalho mesmo se não tivesse tido sucesso no meu contato com o professor John e mesmo se não tivesse tido a oportunidade de realizar um estágio no exterior. No entanto, como a oportunidade de aprendizagem era claramente única, o apoio de um especialista no método deixou-me mais estimulada quanto a essa abordagem de pesquisa e incentivou-me a seguir mais rigorosamente as regras estabelecidas, principalmente, no modo em que eram descritas na Fenomengrafia do Desenvolvimento. As dificuldades na aplicação da Fenomenografia nesta pesquisa Após terminado todo o meu trabalho de pesquisa, percebo que a escolha por utilizar a Fenomenografia foi acertada. O método permitiu que eu alcançasse o objetivo do meu estudo. No entanto, apesar de tudo ter dado certo no final, todo o processo de pesquisa foi difícil e permeado de impressões e sentimentos ambíguos. Destaco aqui o que considero ter sido os três maiores desafios dessa jornada. O primeiro e mais evidente desafio decorreu do fato de estar utilizando a metodologia pela primeira vez, pois estava lindando tanto com a complexidade de uma pesquisa de natureza qualitativa indutiva quanto com a insegurança de uma iniciante quanto aos procedimentos metodológicos. Assim, a minha falta de experiência prévia e o meu conhecimento teórico ainda restrito sobre as particularidades da Fenomenografia foram a minha maior dificuldade. Esse problema foi amenizado pela orientação que recebi do professor John Bowden e pela minha decisão de seguir com rigor as regras (rígidas) da Fenomenografia do Desenvolvimento. A estratégia utilizada apresentou vantagens e desvantagens ao longo do processo. Apesar de o rigor ao seguir as normas e o apoio do professsor Bowden terem sido um suporte importante, esses representaram também, e alguns momentos, um grande desafio. Muitas

234 221 vezes segui procedimentos sem saber exatamente por que estava fazendo aquilo, mas fazia para tentar para tentar entender a lógica da metodologia. As situações mais desconfortáveis ocorriam quando a princípio eu não concordava com uma determinada regra, mas mesmo assim a seguia, pois precisava ver se realmente tinha uma opinião diversa ou se simplesmente não tinha entendido ainda o seu sentido. Ou seja, houve vários momentos em que questionava algumas coisas, mas via que não estava em posição de fazê-lo porque ainda estava aprendendo. Essa questão era intensificada por outro aspecto, pois, ao mesmo tempo que queria ser fiel à metodologia, queria também ser fiel à minha pesquisa e aos meus dados. Não queria que o rigor em seguir o método suprimisse o que considerava ser achados importantes da minha investigação. Essa tensão esteve presente durante toda a fase de análise de dados e elaboração do relatório de pesquisa. No entanto, a compreensão sobre a finalidade das regras foi se desenvolvendo na medida em que eu trabalhava e entendia mais sobre o método. A conversa com outros especialistas também foi importante neste processo de aprendizagem. Na Austrália, ao fim da primeira etapa da análise de dados, John Bowden, com o objetivo didático de expandir o meu conhecimento sobre Fenomenografia, colocou-me em contato com outros professores australianos. Nessas interações pude perceber que, apesar do consenso sobre a representação da variedade, cada professor possuía uma visão diferente sobre o método. Não havia uniformidade no entendimento de como a pesquisa de ser conduzida (coleta e análise), nem apresentada. Obviamente lera sobre isso antes, mas discutir diretamente com esses especialistas, após ter tido uma experiência sob a orientação rigorosa do professor John, foi essencial para o meu entendimento efetivo da essência e das possibilidades de flexibilização na aplicação do método. Ou seja, o fato de eu ter tido uma iniciação sob a supervisão de um especialista, de ter me prendido rigorosamente às regras em um primeiro momento e de ter tido contato com outros professores e, consequentemente, com visões distintas sobre a metodologia, me proporcionou uma compreensão profunda sobre a Fenomenografia. Em poucas palavras, o processo de aprendizagem sobre a operacionalização da Fenomenografia foi difícil, angustiante e exaustivo. Mas foi único, precioso e compensador. Como principal resultado dessa experiência, terei uma base sólida nas minhas pesquisas futuras, utilizando a Fenomenografia, para escolher quais influências dos pesquisadores mais experientes vou adotar e, quem sabe, desenvolver uma forma particular de aplicar o método. O segundo desafio referiu-se à comunicação. Todas as discussões realizadas no estágio com os professores australianos e por com o professor John Bowden ocorreram em

235 222 inglês. Apesar de ser fluente na língua inglesa, a abordagem de conceitos e procedimentos complexos somado ao fato de todos os dados de pesquisa estarem originalmente na língua portuguesa apresentou-se como um obstáculo. No entanto, essa dificuldade foi contornada pela expressiva abertura para a comunicação demonstrada pelo professor John Bowden, independentemente das limitações linguísticas, e pela boa vontade dos professores estrangeiros em discutir sobre os resultados temporários e parciais da pesquisa, com todas as imprecisões de um processo de análise em andamento. O terceiro foi um desafio que qualquer pesquisador qualitativo enfrenta: o de representar a complexidade dos dados analisados no relatório final. No caso da Fenomegrafia, no entanto, essa questão me pareceu potencializada devido ao fato de a metodologia propor a organização dos resultados em uma estrutura predeterminada denominada de Espaço de Resultados, caracterizada pela descrição sucinta das principais diferenças e semelhanças entre os modos distintos de vivência de um fenômeno. A impressão que eu tive era a de que eu estava tentando adaptar uma estrutura dinâmica de três dimensões a um esquema estático de apenas duas dimensões. Essa dificuldade foi, ainda, ampliada, pois, apesar de no exterior, em países de língua inglesa, haver uma valorização da assertividade e da síntese, no Brasil, para os pesquisadores de ciências sociais, há um apreço pela descrição detalhada da subjetividade dos sujeitos participantes da pesquisa. Senti-me servindo a dois senhores. Então, em um enorme esforço mental, ponderei sobre o que julgava ser importante na representação dos dados, levando em consideração o fato de a investigação ter sido realizada no Campo da Administração, sobre o que era requerido pela metodologia e pelos professores estrangeiros e sobre as expectativas dos professores brasileiros. Assim cheguei ao formato da apresentação dos resultados desta tese: uma parte foi constituída pela descrição sucinta do Espaço de Resultados e outra parte composta pela descrição detalhada de alguns aspectos de cada Categoria de Descrição. A minha orientadora brasileira exerceu um papel fundamental nessa constituição de um formato final que agradasse a todos. Diante dos desafios enfrentados, a forma como a metodologia foi aplicada e o modo de apresentação dos resultados refletem tanto essa minha tentativa de, simultaneamente, atribuir sentido aos procedimentos metodológicos e tratar os dados coletados quanto a necessidade de atender, ao mesmo tempo, às exigências da metodologia (conforme aplicada pelo meu orientador estrangeiro), dos professores brasileiros e do campo do conhecimento no qual o trabalho foi desenvolvido.

236 223 As contribuições e limitações da Fenomenografia nesta pesquisa Como todas as metodologias de pesquisa, a Fenomenografia faz suas contribuições, mas também possui as suas limitações. Conforme já comentado neste trabalho, a Fenomenografia não se preocupa com aspectos psicológicos ou emocionais dos sujeitos e também não foca a análise no indivíduo, mas no grupo. Se por um lado, o não aprofundamento na investigação individual se apresenta como uma limitação (ou até delimitação) do método, por outro, esse foco na descrição da mente coletiva permite uma visão mais abrangente sobre o tema analisado que não é necessariamente obtida por meio de uma pesquisa com enfoque em cada um dos sujeitos participantes. No presente trabalho, a atenção dada aos aspectos intelectuais do grupo permitiu a descrição holística dos diferentes entendimentos de autonomia. Os aspetos emocionais e psicológicos e emocionais podem ser abordados e um estudo multidisciplinar futuro. A metodologia também não se preocupa em analisar a influência dos aspectos culturais, sociais, políticos ou econômicos na população analisada. A atenção do pesquisador é voltada para a percepção dos sujeitos sobre determinado fenômeno. Assim, na presente pesquisa, a influência das características da cultura brasileira no modo de percepção da autonomia não foi analisada. Os aspectos sociais, políticos e econômicos só foram abordados na medida em que faziam parte da descrição da experiência de autonomia no trabalho do sujeito. Uma característica inerente ao processo de análise desta abordagem de pesquisa é a distinção do que é percebido pelo sujeito como fenômeno daquilo que é percebido como contexto. Na presente pesquisa essa característica da metodologia foi essencial para que eu pudesse estudar a percepção de autonomia em contextos tão distintos como o de profissionais empregados e autônomos. A apresentação dos resultados de forma sucinta é ao mesmo tempo uma força e uma fraqueza da metodologia. Fraqueza porque a busca pela síntese pode terminar por reduzir a complexidade dos dados à estrutura. Força por proporcionar uma visão holística dos resultados ao leitor. Nesse estudo especificamente, ponderei sobre essas duas facetas da estrutura dos resultados e senti a necessidade de apresentar descrições mais detalhadas como uma forma de complementação ao Espaço de Resultados. De uma forma geral, acredito que o formato final de apresentação dos resultados deve ser adaptado de acordo com o objetivo do estudo, com o campo do conhecimento e com o público para o qual o texto se dirige. A característica que considero mais enriquecedora da Fenomenografia para os estudos acadêmicos é a organização das diferentes Categorias de Descrição em uma estrutura

237 224 hierárquica. No meu entendimento isso traz complexidade para os resultados de uma investigação, pois, insere sentidos/percepções, à princípio descorrelacionados ou até mesmo opostos, dentro de uma mesma estrutura. No caso desta pesquisa, o pragmático e o existencial foram ambos apresentados, não independentemente, mas de forma correlacionada nos resultados. Assim como, entendimentos de autonomia aparentemente antagônicos podem ser vistos como compreensões distintas associadas entre si em uma relação de influências mútuas. Provavelmente não chegaria a esse resultado utilizando outra metodologia de pesquisa. Nesse sentido, vejo o potencial da Fenomengrafia para abordar temas complexos da forma sistêmica como tais assuntos devem ser tratados. Por fim, defendo que a Fenomenografia sozinha ou aplicada em conjunto com outras metodologias qualitativas e quantitativas pode contribuir para o desenvolvimento do conhecimento no Campo da Administração. 6.4.Contribuições Este estudo teve como objetivo investigar a experiência autonomia no trabalho, com foco na variedade de diferentes percepções, de um grupo de profissionais especializados. No geral, os resultados apresentados nesta pesquisa indicam que, apesar das particularidades dos contextos institucionais e não institucionais, é possível abordar o tema de autonomia no trabalho de forma abrangente, independentemente do vínculo empregatício. Tendo como referência a literatura sobre os profissionais autônomos, a discussão aqui apresentada contribui ao propor uma definição ampla de autonomia no trabalho que inclui esse grupo de trabalhadores. Os resultados da investigação aqui realizada contribuem para a discussão sobre autonomia no trabalho em, pelo menos, duas formas distintas. Primeiro, ao destacar que as pessoas possuem diferentes entendimentos, atitudes e necessidades e isso impacta a ação autônoma. Segundo, ao identificar que autonomia não é entendida como a liberdade para fazer o que se quer, mas como uma dinâmica entre a vontade e a possibilidade de ação em um contexto. Em outras palavras, identificou-se que a presença de elementos que, a princípio, limitariam a autonomia (os fatores limitadores), forma uma dinâmica natural, que não impede que o indivíduo tenha como premissa principal o exercício de sua autonomia (nos diferentes níveis de compreensão identificados), mesmo que não possa exercê-la em todas as ocasiões de trabalho.

238 225 Ainda, a presente pesquisa acrescenta ao entendimento sobre a complexidade do tema analisado ao proporcionar uma descrição detalhada e organizada das diferentes percepções identificadas. Ou seja, a organização dos resultados em categorias relacionadas em uma estrutura hierárquica inclusiva proporciona uma visão holística da autonomia no trabalho a partir da perspectiva de um grupo de profissionais especializados. Este estudo proporciona, também, a definição de três termos: autonomia no trabalho, autonomia na atividade de trabalho e trajetória profissional. A descrição detalhada de autonomia no trabalho e autonomia na atividade de trabalho que inclui pré-requisitos, diferentes escopos de decisão e elementos do contexto oferece uma maior riqueza descritiva sobre o tema, não presente em estudos quantitativos ou teóricos. No caso da definição de autonomia no trabalho, essa concepção mais abrangente de autonomia, que considera os aspectos pragmáticos, sociais e existenciais do trabalho e os fatores morais e éticos das decisões individuais, pode contribuir para o diálogo entre as práticas cotidianas nas instituições e na sociedade e as teorias que defendem uma nova forma de organização social e do trabalho em prol da emancipação e realização humana. No nível da prática gerencial, a definição de autonomia na atividade de trabalho pode auxiliar na formulação de práticas de gestão que promovam uma autonomia efetiva aos trabalhadores. A discussão realizada pode, ainda, auxiliar trabalhadores empregados e autônomos a refletirem sobre a própria condição profissional no mercado de trabalho atual. Por fim, a presente investigação contribui para os estudos em administração ao demonstrar a aplicabilidade da Fenomenografia no trato de um tema complexo e multifacetado como autonomia no trabalho Sugestões para Estudos Futuros Para a expansão da compreensão da autonomia no contexto de trabalho, e/ou da experiência de autonomia no trabalho, as seguintes pesquisas podem ser realizadas. No nível individual, a investigação sobre a influência dos aspectos emocionais, afetivos e psicológicos do sujeito nas atitudes e comportamentos que remetem à autonomia pode ajudar na compreensão sobre os fatores individuais essenciais para a ação autônoma.

239 226 No nível relacional, a exploração das diferentes nuances da relação (apoio, parceria, dependência, interdependência) do indivíduo com os outros (pessoas ou instituições) esclareceria aspectos da autonomia na relação indivíduo-sistema. No nível institucional, poderiam ser realizados estudos que abordassem a relação entre a noção de autonomia na gestão de instituições e organizações e a percepção de autonomia dos indivíduos atuantes nesses espaços. Ainda, uma compreensão mais profunda do fenômeno autonomia no trabalho poderia ser obtida a partir da abordagem da relação entre os aspectos pragmáticos e os aspectos morais/éticos/legais/sociais/políticos. Por fim, como se observou a relação entre autonomia e os significados atribuídos ao trabalho, uma abordagem sobre a relação entre as dimensões econômicas, pragmáticas, sociais e existências do trabalho e autonomia pode ajudar indiretamente na compreensão e viabilização de experiências de autonomia no trabalho.

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