A arte de confortar //61. Reflexões sobre Pastoral da Saúde nos hospitais. Augusto Gonçalves Vila-Chã S.J.
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1 A arte de confortar Reflexões sobre Pastoral da Saúde nos hospitais Para que o nosso mundo seja mais feliz, bom, agradável e satisfatório deve estar mais equitativamente distribuído. É preciso que as pessoas carenciadas ou desconsideradas sejam mais beneficiadas, assistidas e promovidas. Há muita dor, muito sofrimento, muita angústia, muita necessidade, muito esquecimento ou até desprezo. Não temos o direito de abusar daqueles que sofrem. À sociedade humana urge apresentar valores, potenciar valores, autenticar valores, que despertem a necessidade de possui-los, vivê-los e propagá-los, porque abunda grandemente a falta deles. Infelizmente, no nosso tempo, exibem-se demasiados antivalores: egoísmo, hedonismo, ambição, ostentação, luxo, prazeres e vícios. Consequentemente despertam-se invejas, desejos de possuir, perigos. Há que apresentar e propor autênticos modelos humanos em favor da vida. O voluntariado humano e social sintetiza esta determinação de fazer, até o que parece humanamente impossível, para preencher as esperanças dos mais débeis, para dar sentido a esses anseios. É necessário que sejamos cada vez mais contagiados pela luta a favor da vida. Pela nossa fé, sabemos que a vida humana tem que ser um projecto que supera as nossas barreiras terrenas, os nossos limites. Os nossos voluntariados nos hospitais, nos centros de saúde, clínicas, lares de primeira e terceira idade, até nos domicílios particulares, aceitam e querem, abnegada e desinteressadamente, trabalhar para servir a vida humana em sofrimento. Por isso nestas Jornadas, a equipa Diocesana da Pastoral da Saúde propõe modelos e linhas directrizes, Philippe de Champaigne, Ex Voto 1662 Louvre, Paris
2 que ampliem a visão da acção e os motivem a actuar com eficiência e bom acolhimento. Convém não esquecer que além dos profissionais de saúde, o voluntariado é a força mais importante da acção pastoral neste campo. Ao longo dos séculos constitui um imenso exército o grupo de crentes que sonharam estar, de uma ou doutra forma, ao lado dos membros doentes ou carenciados da comunidade. Temos consciência de que esta presença no mundo da saúde se desenvolve por vezes com um carácter típico e pouco programado. Que os nossos voluntários nem sempre tiveram a formação adequada para desempenhar convenientemente esta missão. Ao assistirmos hoje ao despertar social do voluntariado, não podemos deixar de agradecer a Deus o trabalho que os nossos voluntários desenvolveram sempre na acção pastoral junto dos doentes, dos pobres, dos carenciados. Basta lembrar as misericórdias, hospitais, asilos, infantários, patronados. Como é sabido, o mundo da saúde é um dos sectores mais dinâmicos e em contínua mutação e progresso. Por isso a ciência e a técnica exigem a criação de redes assistenciais cada vez mais especializadas e actualizadas. As paróquias, associações e movimentos de Apostolado poderiam e deveriam organizar o voluntariado com pessoas, capazes e abnegadas para visitarem, acompanharem e confortarem os doentes, os acamados, os deficientes, os marginalizados, os idosos, quer internados nas casas assistenciais, quer nas famílias. O maior número de pessoas nestas circunstâncias encontra-se efectivamente nos seus domicílios, muitas vezes em estado crítico, em situações precárias de assistência. Acompanhando e aliviando a sua frequente solidão, o voluntário há-de ser laço de comunhão e união prática entre os carenciados e a comunidade cristã a que pertencem facilitando-nos o acesso às celebrações litúrgicas e aos sacramentos, às festas, aos convívios e até aos passeios e peregrinações. Não esquecendo que os próprios doentes têm uma missão específica como voluntários. Assim esses nossos irmãos não se sentirão marginalizados dentro da Igreja. Este dia do doente pretende valorizar o Trabalho do Voluntariado no mundo da saúde. Lançar mão e organizar o voluntariado será uma das melhores formas de cuidar os nossos doentes, de lhes proporcionar o encontro com a solidariedade humana e, nos crentes, de lhes fazer experimentar palpavelmente o que é a caridade Cristã. Oxalá o dia mundial do doente desperte em todos energias e incentivos válidos e duradouros, aumentem os voluntariados dispostos a ajudarem os enfermos, a não se sentirem esmagados pela doença, mas a melhor experimentarem, por mais anos e melhor, qualidade de vida. A COMUNIDADE PAROQUIAL E O DOENTE Numa Comunidade Paroquial, há actividades distribuídas: catequese, liturgia, cursos bíblicos, pré-matrimoniais, etc. Ora, estas tarefas de evangelização, ao serem desempenhadas por membros de cada paróquia, levam a que valorizemos cada um pelo que dá. E é justo e humano que o façamos. Mas quero fazer aqui um alerta: não estaremos nós a ser influenciados por uma sociedade competitiva, consumista e valorativa onde estamos inseridos, que só valoriza quem produz e que vai
3 desprezando a classe deficitária em saúde e energias (doentes, deficientes e velhos)? Há diversos tipos de paróquias: grandes, pequenas, antigas e cheias de tradições, outras modernas, outras ainda urbanas e rurais. Mas todas elas devem ser: 1. Catequéticas - Que ensinem a conhecer a fé, a amadurecê-la e desenvolvê-la. 2. Litúrgicas - onde se celebram ao longo do ano litúrgico, os mistérios de Deus (Advento, Natal e Pentecostes) pela celebração da Eucaristia e dos diversos sacramentos (Baptismo, Confirmação, Matrimónio, Ordem). 3. Comunidades de amor e serviço aos outros - onde todos e cada um se devem sentir irmanados em Cristo e, como Ele, viver em autenticidade a fraternidade, a solidariedade e o espírito de serviço para com os mais necessitados, os que sofrem, os marginalizados e a terceira idade. 4. Comunidades evangelizadoras - que à luz do Evangelho de Cristo se preocupem em ser testemunho autêntico no meio da sociedade, do bairro onde vivem, do local de trabalho, e transmitem essa força salvadora, humanizadora e libertadora que vem de Cristo. Mas para que isto resulte é necessário que cada um de nós se despoje do egoísmo pessoal, dos interesses sociais, e seja na verdade testemunho autêntico de cristão. E aqui, há duas perguntas fundamentais que ponho à reflexão de cada um: 1ª- Qual é, de facto o serviço que as comunidades paroquiais prestam aos doentes? 2ª- O que é que poderia ser feito por essas mesmas comunidades? Reflectindo sobre estas duas questões verifica-se que:» O serviço aos doentes é feito quase só pelos sacerdotes e por alguns paroquianos que para isso sentem vocação ou sentido pastoral.» A maior parte das vezes este serviço limitase ao momento final da vida, na administração dos últimos sacramentos, verificando-se que faltou, anteriormente, uma presença humana e cristã, amiga, por parte da paróquia junto do enfermo. Numa análise sintética, o que acontece com grande número de pessoas falecidas é o seguinte:» Um aviso à paróquia por parte da agência funerária (a maior parte das vezes) ou da família;» Se visitar a família do defunto, o sacerdote informa-se sobre a duração da doença e o local de hospitalização;» Se esteve em casa, não recebeu atenção religiosa, para não assustar o doente com a ideia da morte;» Se esteve no hospital, terá tido a assistência do capelão;» Nalguns casos chama-se o sacerdote para o sacramento da santa unção;» Em muitos casos, realiza-se uma pastoral mais ampla que a sacramental.» No caso do doente hospitalizado este recebe atenção por parte do capelão hospitalar, mas sente-se afastado da comunidade paroquial. Assim é necessário:» Valorizar o doente como membro activo da comunidade;» Tomar a comunidade responsável pela atenção pastoral ao doente, pela criação
4 dum grupo de pessoas comprometidas que trabalhem de forma actualizada e com novas formas de presença.» Não se limitar à administração dos sacramentos e breves visitas;» Coordenar a acção da comunidade cristã;» Vinculá-la com o Secretariado Diocesano da Pastoral da Saúde para a orientação, formação e coordenação. Todos nós devemos ter presente esta situação concreta na nossa vida: a enfermidade. Ninguém se pode dela alhear e há assim toda a razão para nos referirmos com propriedade a esta Pastoral da saúde. Contudo, podemos afirmar que a presença da Igreja no mundo dos doentes é muito pobre; reduz-se a uns quantos sacerdotes e aos capelães dos hospitais e à boa vontade de alguns paroquianos - vivendo o resto da Igreja despreocupado desta situação. Aqui faço uma chamada de atenção para a palavra IGREJA. Há tendência para dela nos alhearmos, como se a nós não se referisse, esquecendo-nos de que a Igreja somos todos nós os que nos dizemos cristãos. As comunidades paroquiais, quando servem o doente, fazem-no como a um ser isolado. É por isso que acontece que aqueles que viveram integrados numa comunidade paroquial, quando atingidos pela doença se sentem marginalizados por essa comunidade. Numa informação do Secretariado Nacional da Pastoral da Saúde, apresentada à XXV Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Espanhola lia-se: A Pastoral da Saúde, dentro das comunidades paroquiais, ocupa hoje em dia, dum modo geral, um lugar acidental e supletivo dentro do conjunto de actividades paroquiais. Fundamenta-se ainda, com frequência, em critérios puramente sacramentalistas, de consolação e assistência, paternalistas e individualistas. Acresce ainda que nem o doente se sente integrado na paróquia nem esta matem uma ligação estreita com os doentes no domicílio ou no hospital. É possível que tudo isto aconteça porque, na maioria das nossas paróquias, não se encontrem os traços característicos de verdadeiras comunidades; não passam de paróquias territoriais, sociologicamente cristãs. Felizmente, os leigos já vão despertando para este sentido comunitário e a participação e corresponsabilidade nas actividades da comunidade se vão tomando um facto. Assim só nos resta uma opção bem definida: fazer das nossas paróquias verdadeiras comunidades, que sejam o fundamento do próprio conceito de Igreja. Comunidades nas quais:» A relação entre os mesmos seja uma relação pessoal, na fé, na esperança e no amor;» A integração se fundamente na liberdade e a vida comunitária seja o resultado duma experiência cristã vivida em unidade;» Todos nos sintamos igualmente responsáveis;» A igualdade e a fraternidade sejam um facto;» Apareça claramente a sua dimensão aberta e evangelizadora. E aqui pergunto-me: que Igreja quis Jesus? Ele anunciou o Reino: aceitou todos, não recusou ninguém. Foi ao encontro dos marginalizados, dirigiu a sua mensagem aos pobres, ofereceu a salvação sem distinguir ninguém e negou toda a segregação. Hoje, mais do que nunca, a Igreja tem de recuperar a realidade de Povo de Deus, a sua realidade comunitária:
5 » Ser povo e assembleia convocados por Deus;» Ter a vivência do amor no serviço ao próximo;» Povo livre, que celebra a sua libertação diante do Senhor.» Comunidade em que o Espírito suscita os diferentes carismas e mistérios. E será assim que os doentes não serão mais uns marginalizados que vamos visitar de vez em quando, mas sim membros vivos da comunidade que, pela sua própria situação, vivem a fé, celebram a libertação de Cristo e se unem no amor com todos os outros e se comprometem com a comunidade e com o mundo. Serão eles os mensageiros da esperança como testemunhas de Cristo que vem, serão os anunciadores do mundo que há-de vir, pela sua dor, pelas suas esperanças e desilusões, pela sua fé e pela celebração dos sacramentos. Vila-Chã, Augusto, A arte de confortar - Reflexões sobre a Pastoral da Saúde nos hospitais, Ed. APPACDM de Braga, 2008,
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