referentes ao "Enquadramento de Despesas pelas Entidades

Transcrição

1 Diretoria Jurídica Parecer: 495/14 Protocolo: /13 Ramo: Administrativo, Ambiental Assunto: Solicitação de parecer, elaborada pela Gerência Executiva de Meio Ambiente e Sustentabilidade - Gemas, acerca da proposta de Resolução da Diretoria da Agência Nacional de Águas. Ementa: Análise de duas minutas de resolução da Agência Nacional de Águas (ANA) referentes ao "Enquadramento de Despesas pelas Entidades Delegatárias de Funções de Agência de Água" e à "Seleção e Recrutamento de Pessoal". A primeira não apresenta problemas jurídicos, já a segunda ofende princípios constitucionais. OBJETO 1. O presente parecer tem como objeto a análise de duas minutas de resolução apresentadas pela Agência Nacional de Águas-ANA referentes ao "Enquadramento de Despesas pelas Entidades Delegatárias de Funções de Agência de Água" e à "Seleção e Recrutamento de Pessoal". A ANA abriu Audiência Pública para o recebimento de contribuições e subsídios às propostas até o dia 10/04/2014. As minutas são as seguintes:

2 - Minuta de resolução referente ao enquadramento das despesas pelas entidades delegatárias de funções de Agência de Água, referentes à aplicação dos valores arrecadados com a cobrança pelos usos de recursos hídricos de domínio da União no âmbito dos contratos de gestão firmados com a ANA. - Minuta de resolução referente aos procedimentos a serem adotados pelas entidades delegatárias de funções de competência das agências de água para a seleção e recrutamento de pessoal, bem como a limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das entidades delegatárias. ANÁLISE Minuta referente ao enquadramento das despesas pelas entidades delegatárias de funções de Agência de Água 2. A minuta relativa à aplicação dos recursos da cobrança pelo uso da água pelas entidades delegatárias no âmbito dos contratos de gestão firmados com a ANA não possui problemas jurídicos. De fato, o projeto de resolução em nada altera a legislação atual e está de acordo com o disposto no art. 22 da Lei 9.433/97, uma vez que os dois tipos de despesas criados despesas finalísticas e despesas administrativas são equivalentes aos incisos I e II do mencionado artigo. 3. Entretanto, talvez seja exatamente este o problema: ao simplesmente retomar o expresso no art. 22, de modo geral, as dúvidas acerca do que deve ser entendido como despesas de implantação e custeio e despesas com estudos, projetos, programas e obras permanecem. Por exemplo, o conceito de despesas finalísticas da proposta poderia contemplar a contratação temporária de funcionário para um programa específico a ser desenvolvido? Ou isso sempre deverá ser contemplado como despesa com pessoal? Do mesmo modo, a compra de equipamentos e produtos necessários à efetiva realização do programa ou estudo poderia ser vinculada a esta despesa finalística? Em outras palavras, até que ponto a compra de um equipamento, tal como um computador, poderia se vincular a atividades típicas de gestão ou a uma atividade específica de implementação de um programa ou estudo? Conclui-se, pelas simples indagações ora feitas, que a insegurança jurídica na interpretação do art. 22 não foi sanada pela minuta. Minuta referente aos procedimentos das entidades delegatárias de funções de Agência de Água para a seleção e recrutamento de pessoal 4. A minuta relativa à seleção e recrutamento de pessoal retoma

3 diversos dispositivos da Resolução 306/2008, que, por fim, revoga. Entretanto, em diversos pontos encontramos inconsistências e problemas jurídicos. 5. Inicialmente, destaco o conceito de dirigentes, disposto no art. 2º, II e no art. 5º da proposta. Ao prever a ratificação dos nomes dos dirigentes pelo respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica, a proposta viola os princípios contidos no art. 37 da CF/88. Viola o princípio da legalidade, uma vez que dentre as competências dos Comitês estabelecidas no art. 38 da Lei 9.433/97, não se encontra a ratificação dos dirigentes das entidades delegatárias, ou mesmo das Agências de Água. Assim, não poderia a ANA criar nova competência aos Comitês por ato regulamentar. Viola igualmente o princípio da impessoalidade, pois não há previsão legal para tal nível de interferência nas entidades delegatárias que, ressalte-se, vinculam-se a regras de direito privado. Nem o contrato de gestão previsto no art. 2º da Lei /2004 possibilita tal controle, limitando-se a prever a criação de um plano de trabalho e o posterior controle de sua implantação. Em outras palavras, conforme o princípio da impessoalidade, se, de acordo com o art. 51 da Lei 9.433/97, as entidades forem aptas a desempenhar as funções de uma Agência de Água, e tiverem efetivamente recebido dos Conselhos Nacional ou estaduais tal delegação, esta será conferida à entidade como um todo, e não a um indivíduo específico, pois a análise das competências exigidas para o desempenho das funções de Agência obviamente recai sobre a pessoa jurídica, e não sobre a pessoa física. 6. Deve-se ressaltar que o objetivo da Política Nacional de Recursos Hídricos é a criação de uma Agência de Águas, e não de uma entidade delegatária, que excepcionalmente e por prazo determinado, pode exercer as funções das Agências, enquanto esses organismos não estiverem constituídos (art. 51 da Lei 9.433/97). Ou seja, o uso de tais organizações sociais deve ser feito temporariamente e se já estiverem constituídas, não podem sofrer tal ingerência, limitando-se o Conselho Nacional ou aqueles estaduais a aprovar ou não a delegação de funções de competência das Agências. 7. Os arts. 3º, 4º, 6º, 7º e 8º estão condizentes com os princípios estabelecidos no art. 37 da CF/88 e com a delegação conferida à ANA pelo art. 9º da Lei / Por outro lado, os arts. 9º e 10 extrapolam o poder regulamentar conferido legalmente à ANA. Normatizar procedimentos para seleção e recrutamento de pessoal, conforme dispõe o art. 9º da Lei /2004, não confere à ANA poderes para estabelecer qual será a remuneração dos dirigentes e empregados das entidades delegatárias. A regulamentação dos critérios de recrutamento deve ser feita do modo mais geral possível, e o próprio parágrafo único do artigo em questão remete ao contido no art. 37 da CF/88, que é de âmbito geral. Lembramos não somente que os empregados das entidades delegatárias são regidos pela CLT e que estas são entidades privadas, mas

4 igualmente que as diversas regiões do país possuem parâmetros salariais extremamente diferentes e variados. Além da violação ao art. 9º em questão, acredito que definir de forma generalizada limite salarial para dirigentes e empregados de entidades de direito privado viola o princípio da razoabilidade, assim como o próprio princípio da eficiência disposto no art. 37 da Constituição, uma vez que limita a possibilidade da entidade contratar profissional qualificado e remunerá-lo em conformidade com o seu âmbito salarial de mercado. Lembramos que a Lei 9.433/97 já estabelece limites e controle nos gastos com pessoal, ao prever o uso de até 7,5% do total arrecadado com a cobrança pelo uso da água com o custeio administrativo das entidades do sistema. 9. A própria Lei /2004 não afasta a possibilidade de limitação, mas não em âmbito geral, via resolução aplicada indistintamente em todo o território nacional, mas por meio do contrato de gestão, assinado com cada entidade delegatária. Isso permite à ANA levar em consideração, em sua relação bilateral com cada organização, as peculiaridades das respectivas bacias hidrográficas (art. 2º, 2º, da Lei /2004) e, consequentemente, as faixas salariais aplicadas à região em questão. Ressalte-se que se por um lado o art. 2º da Lei /2004 estabelece como conteúdo mínimo do contrato de gestão a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das entidades delegatárias, no exercício de suas funções, o art. 9º que dispõe sobre o poder regulamentador da ANA, por outro lado, só permite a essa editar norma própria contendo os procedimentos que a entidade delegatária adotará para a seleção e recrutamento de pessoal, não se incluindo aí, portanto, normas sobre a remuneração de pessoal da entidade contratada. Ademais, devemos lembrar que a Lei 9.433/97 (arts. 41 e 42) prevê a possibilidade de uma mesma Agência de Água (ou uma entidade delegatária, por força interpretativa) exercer a função de secretaria executiva de mais de um Comitê de Bacia, o que obviamente poderia justificar um salário acima do limite proposto. 10. Por fim, observo uma inconstitucionalidade parcial do art. 11 da minuta, ao estabelecer prazo de um ano para que as entidades delegatárias possam sanar eventuais desconformidades com o disposto na norma. O art. 7º, VI, da CF/88, determina ser direito do trabalhador a irredutibilidade salarial. Portanto, se a entidade em questão possuir Plano de Cargos e Salários com faixa salarial acima do limite, ou possuir dirigente ganhando acima do teto estabelecido na minuta, não poderá a resolução alterar tal fato. A única medida para adequação, caso um empregado receba acima do teto estabelecido, é a sua demissão e a contratação de outro empregado, dentro da faixa salarial estabelecida na minuta. Percebe-se, assim, quão desrazoável e invasivo na gestão privada da entidade é o dispositivo. CONCLUSÃO

5 11. Resumindo o que foi objeto de nossa análise, não encontro maiores problemas na adoção da Minuta referente ao enquadramento das despesas pelas entidades delegatárias, salvo o fato de não trazer a segurança jurídica necessária para a caracterização das despesas das entidades. Em relação à Minuta sobre seleção e recrutamento de pessoal, existem graves problemas nos arts. 2º, 5º, 9º, 10 e 11, por extrapolarem a competência regulatória conferida à ANA pelo art. 9º da Lei /2004, e por interferirem de modo desrazoável em entidades de cunho privado. Leonardo Estrela Borges Advogado Aprovo. Encaminhe ao Sr. Percy Baptista Soares. Dê ciência ao Dr. Shelley de Souza Carneiro. Em 31/03/2014. Fabiola Pasini Gerente de Consultoria