A intertextualidade que permeia o fantástico: uma realidade da
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- Joaquim Osório Conceição
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1 A intertextualidade que permeia o fantástico: uma realidade da Erêndira de Garcia Márquez Elilson Gomes do Nascimento; Renato Mendonça Neves 1 Universidade Federal de Pernambuco Resumo: Um texto apresenta relações dialógicas materializadas, implícitas ou explícitas, com outros textos e autores, com fatos históricos, sociais e, ainda, pode estabelecer um diálogo dentro de si mesmo, na obra de um mesmo autor. O objetivo deste trabalho é analisar os processos de intertextualidade e intratextualidade que demarcam o realismo fantástico de Gabriel García Márquez, utilizando para tal, trechos do conto A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada, construídos a partir dessas estratégias textuais-discursivas, partindo das leituras de Brait (2006), Barros e Fiorin (2005), Koch (2004) e Fiorin (2006), principais referenciais teóricos neste estudo. Palavras-chave: intertextualidade; intratextualidade; Erêndira; realismo fantástico. Abstract: A text presents materialized dialogical relations, implicit or explicit, with other texts and authors, with historical or social facts, and it can even establish a dialogue with itself, within the work of the same author. This article aims to analyse the processes of inter and intratextuality that appear in Garcia Marquez s magic realism. To do so, we will use excepts of his short story A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada, analysing them based on Brait (2006), Barros and Fiorin (2005), Koch (2004) and Fiorin (2006), our main theoretical references for this study. Keywords: intertextuality; intratextuality; Erêndira; magic realism. 1. Este artigo foi parte da avaliação das disciplinas de Linguística I e Leitura e Produção de Texto Acadêmico, ministradas, respectivamente, pela Profª Drª Karina Falcone e pela Profª Drª Siane Góis, no curso de graduação em Letras, 1 período, , da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
2 Introdução Neste trabalho, discorreremos acerca da intertextualidade e intratextualidade que permeiam a obra de Gabriel García Márquez, tomando como objeto de análise o conto A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada, que intitula uma coletânea de contos do autor. Márquez é reconhecido mundialmente pelo realismo fantástico que apresenta nos textos. Seu modo narrativo tem inspiração em sua infância, no modo como os avós compartilhavam fatos e narravam estórias. O escritor colombiano incorporou, pois, um jeito distinto de retratar a realidade: através do fantástico. Assim, embora afirme que um romance é uma representação cifrada do real, parte da ideia de que a realidade textual se apoia na realidade da vida. Sua escrita é caracterizada pelos processos de inter e intratextualidade; num mesmo universo fantástico paralelo à realidade, obras e personagens se interligam através de um fio condutor meticulosamente estruturado. O conceito de intertextualidade foi impulsionado pelos estudos bakhtinianos sobre as relações constitutivas entre textos. O termo, contudo, nunca foi utilizado pelo próprio Bakhtin. Foi Júlia Kristeva, uma semioticista que traduziu Bakhtin para o francês, quem atribuiu o termo ao autor russo, em Dada a importância dos estudos do filósofo da linguagem, desde então vários estudiosos passaram a abordar a questão da intertextualidade. É o caso de Koch (2004), Barros e Fiorin (2005), além de Brait (2006) e Fiorin (2006), que foram utilizados para a construção deste artigo. A partir de tais leituras, procuramos observar a aplicabilidade dos conceitos na escrita do colombiano Gabriel García Márquez, particularmente no conto da Erêndira, verificando o quão são fundamentais na observação do estilo do autor, que articula de maneira bem urdida as suas obras, além de manter diálogos com textos universais, como a Bíblia, e 50 l Revista Ao pé da Letra Volume
3 incorporar elementos e personalidades da história e cultura colombianas no desenrolar dos textos. Fundamentação teórica Para chegar ao conceito de intertextualidade, é preciso antes definir dialogismo, conceito-base em Bakhtin. Fiorin (2006) o trata como o modo fundamental de funcionamento da linguagem, seu princípio constitutivo. Para Bakhtin, não se pode realmente ter a experiência do dado puro (1993, apud FIORIN, 2006), uma vez que todo fato da realidade encontra-se envolto em linguagem. Logo, o acesso que temos à realidade não é direto, mas ocorre mediante a linguagem. Dessa forma, o que temos são discursos da realidade, manifestados em enunciados. Quando se é considerado seu sentido, esses enunciados estabelecem uma relação dialógica entre si (BAKHTIN, 2003), seja por confronto ou complementação. Nenhum enunciado ou discurso está isolado, pois é através da ligação entre eles que a realidade se materializa. Em Bakhtin, os conceitos de enunciado, texto e discurso não foram firmemente definidos, mantendo-se inacabados (BRAIT, 2006). Enunciado e texto, para o autor, mantém-se muito semelhantes: ambos são únicos e irreproduzíveis; ambos têm acabamento; ambos têm autor. O que os difere, então? Segundo o autor russo, o texto é a manifestação concreta do enunciado. O enunciado é o puro dialogismo, formando uma relação de sentido. Ele não existe fora da relação dialógica, pois este é seu princípio constitutivo. Já o texto pode ser visto fora do dialogismo, desde que não se lhe atribua sentido, uma vez que o sentido só existe nas relações dialógicas. Enquanto isso, o discurso é visto como uma posição social considerada fora das relações dialógicas, vista como uma identidade (FIORIN, 2006:181). A intertextualidade, por sua vez, é um processo dialógico que se configura a partir da relação estabelecida entre dois textos distintos. Contudo, ocorreu Revista Ao pé da Letra Volume l 51
4 um entendimento hermético quanto ao tema, pois acabou se afirmando que qualquer relação dialógica seria intertextualidade. Isto se deu através da mistura entre os conceitos de texto e enunciado nas traduções, embora o próprio Bakhtin diferenciava-os como duas ideias particulares. Toda relação de sentido é intrinsecamente interdiscursiva (FIORIN, 2006:181). A intertextualidade, contudo, é apenas a relação de discursos que se manifesta em texto. Logo, toda intertextualidade é também interdiscursividade: o intertexto pode ser definido como o interdiscurso que se materializou textualmente. Fato é que a intertextualidade trata-se de um fenômeno em que um texto mostra, no fio de sua composição, a voz, o discurso de outro texto. Em outras palavras, a intertextualidade ocorre a partir da presença, em um texto, de um intertexto anteriormente produzido e que compreende a memória sócio-discursiva dos interlocutores (KOCH, 2004). Ainda de acordo com Koch (2004), deve-se tratar de dois tipos de intertextualidade: explícita e implícita. A intertextualidade é de caráter explícito quando, dentro do texto, é efetivada uma menção direta a outro texto, como ocorre em resenhas, resumos e citações, para citar alguns exemplos. Já a intertextualidade implícita se caracteriza quando a fonte não é mencionada de forma direta, esperando-se que o leitor possa reconhecer o diálogo mediante seu conhecimento de mundo. É importante salientar ainda que Bakhtin (1993 apud FIORIN, 2006) também nos fala das relações que existem dentro dos textos, de quando duas vozes são exaltadas no interior do texto. Tal processo se intitula intratextualidade. Em linhas gerais, a intertextualidade trata da relação em que um autor A estabelece em seu texto com outro texto de um autor B, enquanto o processo de intratextualidade descreve a relação que um autor A estabelece consigo. Porém, torna-se necessário que relembremos os conceitos fundamentais do dialogismo, quando Bakhtin afirma que a voz de um mesmo autor, quando transposta em obras diferentes, sofre modi- 52 l Revista Ao pé da Letra Volume
5 ficações de ordem enunciativa. Segundo tal ponto de análise, fica evidente que a intratextualidade é inerente à intertextualidade, está inserida nela. Tal fundamentação pode ser exemplificada considerando-se a estrutura textual de García Márquez. No conto da Erêndira, que será analisado a seguir, nota-se que o autor apresenta, em rápidas passagens, personagens que aparecem em outros textos de sua autoria, como também incorpora elementos históricos, culturais e outras obras no desenrolar da trama. Na maior parte, esses elementos intertextuais nem se confrontam diretamente com as personagens do conto, mas pertencem ao mesmo lugar da narrativa, ao mesmo universo realista-fantástico. Verifica-se, pois, um círculo intratextual que rege as obras do escritor colombiano somado à constante intertextualidade, que constituem uma evidência estilística. Análise dos dados Buscamos observar, no conto A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada, como a intertextualidade é fundamental na construção e análise da obra de Gabriel García Márquez. Márquez desenvolve sua literatura a partir de uma forma peculiar em que consegue constituir uma continuidade a cada obra escrita. Em seus textos, o cenário é, muitas vezes, semelhante, onde as personagens, seja na cidade fictícia de Macondo ou em seus entornos, estão envoltas pelo deserto, pelos lamaçais ao sul, pelo mar ao norte, pelos charcos de salitre. Macondo é uma reinvenção que o autor colombiano fez de sua própria cidade natal, Aracataca, que apresenta localização e características geográficas semelhantes à cidade fantástica. Fato é que, inúmeras vezes, o deserto promove o encontro das personagens em distintas obras. Vejamos, pois, como isso ocorre em passagens do conto da Erêndira que exemplificam nossa análise. Revista Ao pé da Letra Volume l 53
6 Um importante exemplo da intratextualidade presente no conto é a constante menção ao Senador Onésimo Sanchez, personagem que representa o poder local. Trata-se de uma personagem central de outro conto de García Márquez intitulado Morte Constante para Além do Amor. No conto analisado, o Senador é citado ao longo da saga de Erêndira e sua avó pelo deserto. Uma dessas alusões ocorre quando Ulisses, personagem do conto que mantém um romance com Erêndira, percorre o deserto em busca de notícias da jovem. Exemplo 1: Viajou pelo deserto o resto da noite, e ao amanhecer perguntou, nos povoados e rancharias, qual era o rumo de Erêndira, mas ninguém lhe dava informação. Por fim, informaram-no de que andava atrás da comitiva eleitoral do Senador Onésimo Sanchez, e que este deva estar, naquele dia, em Nova Castela. (MÁRQUEZ, 1998:131). Outro ponto essencial para a observação do cruzamento de personagens e cenas em diferentes trechos na Erêndira é quando o autor se coloca em primeira pessoa. Gabriel García Márquez, narrador onisciente, mergulha na estória como uma personagem que observa e descreve. Ao chegar ao povoado e assistir às festividades promovidas pelo turismo sexual de Erêndira no deserto, ele reconhece a multidão. Exemplo 2: Entre a multidão de apátridas e espertalhões estava Blacaman, o Bom, trepado em uma mesa, pedindo uma cobra de verdade para experimentar, na própria carne, um antídoto de sua invenção. Estava a mulher, que se convertera em aranha por desobedecer a seus pais, e que por cinqüenta centavos se deixava tocar para que vissem que não era logro, e respondia às perguntas que quisessem fazer sobre sua desgraça (MÁRQUEZ, 1998:142). 54 l Revista Ao pé da Letra Volume
7 Blacaman, o bom vendedor de Milagres é um conto de García Márquez em que a cena descrita acima aparece de forma idêntica. A mulher que se converteu em aranha é uma personagem que surge no livro Cem Anos de Solidão, obra de 1967, e reaparece no conto da Erêndira e da mesma maneira no conto Um Senhor muito Velho com umas asas enormes, ambos lançados em 1972 num único livro. É como se o tempo das obras estivesse em suspensão, ocorresse simultaneamente. Erêndira, aliás, também é citada implicitamente no livro Cem Anos de Solidão quando a personagem Aureliano deita-se com uma mulata adolescente com tetazinhas de cadela que está se prostituindo numa caravana pelo deserto. Exemplo 3 Dois anos antes, muito longe dali, havia adormecido sem apagar a vela e tinha acordado rodeada pelo fogo. A casa onde vivia com a avó, que a havia criado, ficou reduzida a cinzas. Desde então, a avó a levava de povoado em povoado, deitando-a por vinte centavos, a pagar o valor da casa incendiada. (MÁRQUEZ, 2002:33). Vale salientar que a personagem Erêndira é descrita de maneira equivalente nas duas obras: Não disse uma palavra enquanto não calculou seu valor. Ainda é muito verde - disse então, tem tetinhas de cadela (grifo nosso. MÁRQUEZ, 1998:100). Esse diálogo interdiscursivo entre as duas obras, Cem Anos de Solidão e A Incrível e triste história da Cândida Erêndira e sua Avó desalmada é comprovado pela seguinte passagem do conto da Erêndira, que constitui o seguinte exemplo. Exemplo 4 Cansada pelos rudes trabalhos do dia, Erêndira não teve ânimo para despir-se e se atirou na cama. Pouco depois, o vento de sua desgraça meteu no quarto como uma matilha de cães e derrubou Revista Ao pé da Letra Volume l 55
8 o candelabro contra as cortinas. Ao amanhecer, quando afinal o vento acabou, começaram a cair umas gotas grossas e espaçadas de chuva, que apagaram as últimas brasas e endureceram as cinzas fumegantes da mansão. (...) Quando a avó se convenceu de que muita pouca coisa ficara intacta entre os escombros, olhou a neta com pena sincera. Minha pobre pequena suspirou. Você não terá vida bastante para me pagar este prejuízo. (MÁRQUEZ, 1998:99-100). No conto da Erêndira, aparece uma marca intertextual de Márquez que surge pela assimilação que o autor faz da cultura de seu país, conjugando personagens fictícios com personalidades reais, partindo do pressuposto de que a realidade textual tem apoio na realidade da vida. Isso ocorre quando, em dado momento do conto, coloca-se instantaneamente em primeira pessoa: Eu as conheci por essa época, que foi a de maior esplendor, embora não tivesse de pesquisar os pormenores de sua vida senão muitos anos depois, quando Rafael Escalona revelou, em uma canção, o fim terrível do drama e achei bom para contá-lo (MÁRQUEZ, 1998:141). Mergulhando no conto como um andarilho do deserto, o escritor nos fala do momento em que se deparou com Erêndira e sua avó, suas próprias criações, adicionando a informação de que só escrevera sobre a história das duas em outros tempos, quando soubera de seu trágico fim a partir de uma canção de Rafael Escalona. Trata-se de um dos maiores compositores da música popular colombiana e que sempre foi uma figura presente na vida de García Márquez, fato que pode ser comprovado em sua autobiografia intitulada Viver para Contá-la. Sendo assim, o autor nos dá pistas de que o pré-texto do conto da Erêndira pode ser uma canção de Escalona, ou seja, a gênese desta criação literária pode ter seu lugar na cultura oral. Ao mesmo tempo, outra hipótese é a alusão a Rafael Escalona pode ser apenas uma recriação da realidade. 56 l Revista Ao pé da Letra Volume
9 Márquez também efetiva a transformação de figuras reais da história em personagens literários. É o caso de Francis Drake, um corsário inglês que, no século XVI, saqueava a região do Caribe, a qual coincide com a geografia dos textos. Há uma passagem no conto em que Erêndira e seu amante, Ulisses, estão fugindo da avó numa camioneta. Enquanto são perseguidos, a menina apanha uma arma que está no porta-luvas com o intuito de disparar, quando Ulisses diz: Não atira. (...) Era de Francis Drake (MÁRQUEZ, 1998:140), denotando assim o valor simbólico do objeto, guardado por uma tradição. Drake é amplamente citado na obra Cem Anos de Solidão, nesse caso, diretamente relacionado com a história das personagens. É importante, também, ilustrar com trechos do conto analisado a relação dialógica que Márquez estreita com textos de valor universal, como a Bíblia, comumente aludida em sua literatura. No conto, o Holandês, pai da personagem Ulisses, é descrito como um leitor do Livro Sagrado: O holandês apareceu na porta da oficina acendendo o cachimbo de marinheiro, e com a Bíblia descosturada em baixo do braço. (...) Depois, abriu a Bíblia ao acaso e recitou trechos salteados (MÁRQUEZ, 1998:130). Numa de suas falas, Ulisses tenta explicar à Erêndira como é o mar, comparando-o em sua imensidade ao deserto, mas ressaltando que, em vez de areia, é constituído por água. Então, a menina conclui que não se pode caminhar, quando Ulisses complementa: Meu pai conheceu um homem que podia, mas faz muito tempo (MÁRQUEZ, 1998:115). Com a informação de que o pai de Ulisses é leitor da Bíblia, podemos perceber que o autor estabelece uma tríade intertextual na voz do garoto, em que também aparece, implicitamente, a voz do pai (que lhe repassou a estória) e a própria Bíblia, já que se pode inferir que o menino menciona a passagem em que Jesus Cristo anda sobre as águas. Um segundo texto religioso também recebe destaque no conto. Há uma parte em que a avó, prostituindo a neta em territórios comandados Revista Ao pé da Letra Volume l 57
10 por missionários, perde a tutela da menina para os católicos. Assim, tenta resgatá-la a todo custo e, ao pedir auxílio ao prefeito da cidade, ouve: Eu não posso fazer nada (...), os padrezinhos, de acordo com a Concordata, têm direito de ficar com a menina até que seja maior de idade (grifo nosso. MÁRQUEZ, 1998:120). Uma concordata designa um acordo entre a Igreja Católica e um Estado. Na Colômbia, a primeira concordata data de 1887, havendo outras posteriores que não alteram o texto original significativamente. Segundo Fernán González (2005), pela concordata de 1887 se reconoce luego la libertad de la Iglesia frente al poder civil, que se expresa en la posibilidad de libre ejercicio de su autoridad espiritual y de su jurisdicción eclesiástica 2. Em outras palavras, a Igreja católica tinha pleno domínio em suas terras, e o Estado não poderia interferir. Então, verificase, na voz do autor, um paralelo bem traçado com a realidade histórica, utilizando o documento na narrativa com o valor que de fato possuiu na vida real. Nesse ponto, pode estar ressaltando uma discussão quanto ao poder que a religião exerce sobre a sociedade, já que não se desprende do contexto social, mas tem na realidade do meio que o cerca um dos pilares para sua (re)criação fantástica. Somado a esse vínculo constante traçado entre a literatura e o mundo real, está o círculo intratextual que conduz sua obra além dos diálogos com outros textos que compõem um efeito de individualização literária, uma de suas marcas de estilo. Considerações finais A análise do conto da Erêndira nos permite demonstrar a importância dos processos intertextuais na construção literária de Gabriel García Márquez. Os exemplos citados representam não só o diálogo constante 2. Traduzindo livremente: se reconhece logo a liberdade da Igreja frente ao poder civil, que se expressa na possibilidade de livre exercício de sua autoridade espiritual e de sua jurisdição eclesiástica. 58 l Revista Ao pé da Letra Volume
11 que o autor trava com sua própria obra, mas também um vínculo entre as verdades sociais (a política, a história e a cultura), tendo em vista que Márquez recria a realidade, mas não se desprende dela por completo. Onésimo Sanchez como o poder local, Francis Drake aludindo à história do país, a Concordata como a influência da religião: todos são exemplos intertextuais através dos quais o autor mantém-se atrelado ao seu contexto social. Enquanto isso, a passagem de personagens como Blacaman e a própria Erêndira por outros títulos do autor demonstra como cada obra está intimamente ligada às demais. Através da intertextualidade, Márquez cria um universo coeso entre a realidade literária e a realidade da vida. Infere-se, assim, que os conceitos de intertextualidade são pilares básicos da estrutura de Márquez e que o conto da Erêndira constitui um ótimo exemplo de como o processo intertextual molda a literatura do escritor colombiano. Por fim, percebe-se o quanto a aplicação dos conceitos dialógicos de inter e intratextualidade são relevantes na análise da obra, para que se possa compreender a estrutura do conto em suas sutilezas, bem como as marcas de estilo do escritor. Desse modo, a análise deve ser o ponto de partida para uma pesquisa que pode ser continuada nas demais obras de Márquez, explorando outros aspectos composicionais e, ampliada a obras de outros autores, possibilitando perceber como os mesmos podem manter diálogos com o autor da Erêndira. Referências bibliográficas BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, BARROS, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz (orgs.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade em torno de Bakhtin. São Paulo: Edusp, BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, Revista Ao pé da Letra Volume l 59
12 FIORIN, José Luiz. Interdiscursividade e intertextualidade. In: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, GONZALEZ, Fernán E. El concordado de 1887: los antecedentes, las negociaciones y el contenido del Tratado con la Santa Sede. Credencial Historia, Bogotá, n. 41, maio Disponível em: < Acessado em: 04 abr KOCH, Ingedore G. Villaça. Introdução à lingüística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de solidão. Rio de Janeiro: Record, A incrível e triste história da cândida Erêndira e sua avó desalmada. Rio de Janeiro: Record, Viver para contá-la. Lisboa: Publicações Dom Quixote, RAMOS JUNIOR, Dernival Venancio. Narrativa e Geografia no Caribe colombiano ( ) f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília, Brasília, Disponível em: < handle.net/10482/4251>. Acesso em: 05 dez Data de recebimento: 29/04/2011 Data de aprovação: 24/06/ l Revista Ao pé da Letra Volume
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