MOTRICIDADE DIALÓGICA: COMPARTILHANDO A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
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- Otávio Aveiro Braga
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1 1 MOTRICIDADE DIALÓGICA: COMPARTILHANDO A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR Clayton da Silva Carmo Luiz Gonçalves Junior (O) Mestrado Práticas Sociais e Processos Educativos Resumo Ao longo da história brasileira a Educação Física, assim como os demais componentes curriculares, contribuíram com a manutenção de uma estrutura de marginalização e opressão, que não considera a diversidade manifestada pelo corpo discente. Entendendo que as pessoas se educam, ao longo de sua existência, relacionando seus saberes oriundos de diversas experiências buscando dar significando e sentido aos novos aprendizados, e que a motricidade se compreende em sua intencionalidade, enquanto movimento intencional da transcendência e do sentido. Este projeto propõe investigar uma intervenção pedagógica pautada nos referenciais da Motricidade Humana e Pedagogia Dialógica em aulas de Educação Física Escolar, acreditando os processos educativos desvelados por este estudo poderão contribuir para o desenvolvimento de uma práxis pedagógica em Educação Física que garanta a educandos/as e o protagonismo e responsabilidade, fundamentais em seu processo de aprendizagem. Palavras Chaves Processos Educativos; Educação Física Escolar; Pedagogia Dialógica.
2 2 Introdução Em minha experiência como professor de Educação Física, na rede estadual paulista, alguns desafios despertam incômodos em minha prática profissional, como o baixo índice de participação discente e pouco interesse pelos conteúdos apresentados. Mesmo com a diversificação destes, a participação das atividades não corresponde à de toda a turma nas aulas, e dentre aqueles e aquelas que desenvolvem as propostas, percebo que algumas crianças a realizam sem sua intencionalidade voltada à mesma. Além disso, outras situações desencadearam reflexões sobre minha prática profissional, como a conversa que presenciei entre uma professora e um garoto de seis anos que cursava o 1º ano do ensino fundamental. Nesta conversa, o garoto dizia que na escola ele não é criança e sim aluno. Quando indagado se não era possível ser criança e aluno ao mesmo tempo ele disse que não, pois ser aluno implica em não poder ser ele mesmo, não podendo ser criança. Ainda segundo o garoto, só existem dois momentos na escola em que ele pode ser ele mesmo: o recreio e a Educação Física. A fala do menino ilumina a discussão trazida por Paulo Freire em diversos de seus escritos, que a escola não sabe trabalhar respeitando as pessoas em seu Ser. Os responsáveis pelas metodologias e pedagogias, visam um aluno ideal, fazendo com que os que não se enquadrem neste modelo sintam-se à margem da educação escolar e posteriormente de uma sociedade que se estrutura a partir do encaminhamento que é apresentado por tal formação. A Educação Física, assim como os demais componentes curriculares, contribuem na manutenção desta estrutura, não considerando a diversidade manifestada no/pelo corpo discente, mesmo na tentativa de atender as legislações (BRASIL, 1998) que teoricamente visam suportar a democratização do acesso escolar. No contexto dessas reflexões, e, em concordância com os estudos que desenvolvo em diálogo com a obra de Paulo Freire, procurei aproximar o gosto sugerido pelos alunos em relação à Educação Física, a intervenções possivelmente capazes de promover momentos educativos significativos aos e às discentes, em todo o tempo escolar. Essas intervenções poderiam contribuir para a constituição de uma prática educativa que respeite e considere seus e suas participantes como pessoas, e não de uma forma que enquadre os mesmos em um papel determinado: o de aluno.
3 3 Educação Física, Motricidade e Diálogo Segundo Sérgio (2007) uma aula deve sempre principiar com a pergunta: Que tipo de pessoa eu quero que nasça desta aula? (p.9), ou para Dussel (s/d) qual o poder ser que quero proporcionar a essas pessoas? O da totalidade vigente, ou um projeto de libertação? Foi respondendo a estas questões que surgiu a necessidade de aproximar os elementos obtidos no cotidiano de minha prática profissional às proposições de alguns autores (FREIRE, 2005a e 2005b; MERLEAU-PONTY, 1996; SÉRGIO, 1994 e 2003; KUNZ, 2003 e 2004) que buscam uma compreensão de corpo e de educação que transcenda o modelo atual com vistas a uma educação significante, libertadora e humanizante. Tentando fazer as tramas de um mesmo tecido, diante dos pontos comuns apresentados entre as mesmas, busco relacionar essas teorias para superar o dilema que ainda se mantém na discussão sobre o objeto de estudo da Educação Física, pois tais escritos transcendem a discussão a respeito de determinado componente curricular e denunciam a necessidade de um redimensionamento da educação escolar do jovem de hoje (KUNZ, 2003, p. 151). O corpo nos possibilita condições de projetar significações e dar sentido ao mundo, pois somos: tempo, espaço, fala e motricidade (MERLEAU-PONTY, 1996). Ser um corpo com tantas possibilidades é o que diferencia os humanos dos demais seres. O pensar, sentir, agir, criar e o dialogar caracterizam estes seres complexos capazes de subsistir e adaptar-se em sua existencialidade (GAIO; PORTO, 1996), onde a mesma pode ser traduzida pela intencionalidade do ser no mundo em ações individuais e coletivas o que permite o desenvolvimento de sua organização autônoma (SÉRGIO, 1994). Para Merleau-Ponty (1996): [...] não estou diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou antes sou meu corpo (p.208). De acordo com Sérgio (1994) entendemos a Motricidade Humana como intencionalidade operante: partindo do corpo-próprio, ela suscita e sublinha não haver significação que não se refira a um corpo, nem sentido que o corpo não realize e manifeste (p.94). Ainda segundo Sérgio (2003) toda motricidade humana se compreende em sua intencionalidade, que é um anseio para transcendência. Assim a motricidade como movimento intencional da transcendência e do sentido (p.224), consciência de superação, ação ou conduta motora, configura-se em uma ciência do homem e na afirmação de sua identidade.
4 4 Quando alguém diz com segurança: eu quero, há nesta afirmação uma energia operante, que se converte em projecto, muito anterior à conduta e que lhe dá sentido. E é o corpo que oferece o espaço e é o corpo que fala e é o corpo que revela e desvela os possíveis desta subida para a transcendência (SÉRGIO, 2003, p. 224) Nesta perspectiva a intenção ou intencionalidade está, ou é o próprio ser. Portanto as pessoas só significam as coisas a partir de suas experiências situadas, e como cada individuo é único e vive em um dado contexto, uma mesma situação gera diferentes experiências em diferentes pessoas. Como só aprendemos partindo do conhecido, o diálogo é fundamental para conhecer a relação que cada educando/a tem com o mundo e com os/as outros/as a fim de propiciar vivências que os/as permitam essa práxis. Por isso esse saber, que Freire (1996) denomina de saber de experiência feito, deve estabelecer uma relação de intimidade com os saberes curriculares e assim garantir a significação do processo educativo. Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária mas também [...] discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos (FREIRE, 1996, p.30). Segundo Freire (2005a) Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo (p.89). Ainda com base nas reflexões deste autor, existir humanamente é pronunciar o mundo, é práxis, é transformá-lo, e dizer a palavra não deve ser privilégio de alguns/mas, mas sim direito de todos/as. Precisamente por isso que não é possível dizê-la pelo ou para os/as outros/as, como um ato de prescrição de quem rouba a palavra aos/as demais, e sim falar com, ou seja, em comunhão estabelecendo a intersubjetividade. Diante disso uma aula de Educação Física nessa perspectiva, deve privilegiar a intencionalidade 1 de cada Ser que, a partir de seu saber de experiência, poderá experienciar uma nova situação de maneira única e significante. Esse recorrer do Ser ao seu saber de experiência feito é o caminho para produção do conhecimento, e é deste modo que as pessoas 1 Intencionalidade entendida como comportamento corpóreo-mundano e existencial, no qual se constitui e reconstitui o mundo significado (FIORI, 1991, p. 69).
5 5 aprendem, por isso que só aprendemos o que nos faz sentido, ou em outras palavras, só aprendemos o que nos interessa. Também contribui em minhas reflexões Kunz (2004), com sua proposta críticoemancipadora, baseada na fenomenologia existencial e na pedagogia dialógica, que entende movimento humano como experiências significativas e individuais, onde pelo seu Semovimentar o indivíduo realiza sempre um contato e um confronto com o Mundo material e social, bem como consigo mesmo (p.165). Desta maneira o citado autor da maior relevância a intencionalidade do ser que se movimenta do que do movimento propriamente dito, considerando o movimento do homem como dialogo do mesmo com o mundo. O Se-movimentar, entendido como diálogo entre Homem e Mundo, envolve o Sujeito deste acontecimento, sempre na sua Intencionalidade. E é através desta intencionalidade que se constitui o Sentido/significado do Se-movimentar. Sentido/significado e Intencionalidade têm assim uma relação muito estreita na concepção dialógica do movimento (KUNZ, 2004, p. 174). Como pudemos notar ao longo dessas reflexões, há pontos comuns entre a concepção dialógica de Freire, a motricidade de Sérgio e Merleu-Ponty e o Se-movimentar proposto por Kunz. Assim diálogo, e consequentemente, o respeito ao Ser e ao saber de experiência, emergem como ponto fundamental para o ato de educar (-se). Concordando com Sérgio (2003), a Educação Física enquanto pedagogia das condutas motoras deve ter em conta que: [...] a motricidade humana há de estar preparada a reagir a um espaço opressivo e a um vigilância hostil; à manutenção de uma obscurecida e passiva consciência individual ou coletiva; à estratégia positivista, que separa os factos dos valores; [...]; a um viver morno, melancólico, acomodado, sem justificação, fundamentação ou transcendência (p. 228). Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de um trabalho educacional baseado no diálogo, objetivando a humanização e, possibilitando o desenvolvimento autônomo preocupado com o vir-a-ser, garantindo o direito de ser mais aos/as educandos/as. Assim estes/as poderão, por meio de sua práxis, contribuir na luta para diminuir as desigualdades do modelo social vigente e na construção/transformação de uma sociedade para todos/as.
6 6 Afinal, com [...] o Homem, surge a liberdade e, com a liberdade, não só o Homem é produto da História, como a História é produto do Homem. Donde se conclui que a motricidade humana, transcendência e liberdade são inseparáveis. E que a esperança passou a ter sentido... (SÉRGIO, 2003, p. 245). Desta forma, acreditamos que o estudo em questão pode contribuir para o desenvolvimento de uma práxis pedagógica em Educação Física que garanta a educandos e educandas o protagonismo e responsabilidade, fundamentais em seu processo de aprendizagem. Questão de pesquisa O presente estudo busca estabelecer reflexões pautadas na seguinte questão orientadora: No âmbito do componente curricular Educação Física, que processos educativos desvelam o diálogo na construção do conhecimento? Objetivo O objetivo do estudo a ser desenvolvido é compreender os processos educativos desencadeados por uma intervenção realizada na perspectiva dialógica junto ao componente curricular Educação Física. Metodologia A metodologia utilizada será a pesquisa qualitativa com inspiração na fenomenologia (MERLEAU-PONTY, 1996; MARTINS; BICUDO, 1989). Caminhando em direção ao objetivo deste estudo, será realizada uma intervenção com uma turma de 4º ano do ciclo I do ensino fundamental de uma instituição pública estadual, localizada na cidade de São Carlos-SP. Esta intervenção pautada nos referenciais da Motricidade Humana (SÉRGIO, 1994; 2003) e Pedagogia Dialógica (FREIRE, 2005a; 2005b) junto ao componente curricular de Educação Física em um planejamento participativo, composto por: investigação temática, seleção de conteúdos e elaboração/desenvolvimento das atividades. A investigação temática será desenvolvida com pais, mães ou responsáveis em reunião bimestral, na qual realizaremos uma conversa em busca de temas que considerem importantes para a excelência do desenvolvimento das crianças nas aulas de Educação Física. Em reunião com os funcionários também será feita a mesma solicitação, assim como em aula, com as crianças.
7 7 Os temas registrados nas reuniões e aulas serão apresentados às crianças, para que, a partir da análise e interesse destas, façamos a seleção dos conteúdos que orientarão a elaboração/desenvolvimento das atividades, dando continuidade à intervenção. A pesquisa investigara os processos educativos desencadeados pela citada intervenção. Para tanto, a coleta dos dados será realizada por meio de diários de campo (BOGDAN; BIKLEN, 1994), a fim de registrar todas as etapas da intervenção, desde a caracterização da escola, a investigação e identificação do tema gerador com a comunidade escolar e, posteriormente, o desenvolvimento das aulas. Para análise dos dados serão realizadas as seguintes fases, descritas por Martins e Bicudo (1989): Identificação das Unidades de Significado, Organização das Categorias e Construção dos Resultados. Resultados esperados Esperamos, a partir dos processos educativos que se desvelarão neste estudo, contribuir com reflexões e discussões nas áreas de Educação Física e Educação, assim como auxiliar no desenvolvimento de novas metodologias de trabalho pedagógico, subsidiando o aprimoramento de processos educativos no sentido de favorecer uma práxis pedagógica em Educação Física e correlatos que possibilite as pessoas envolvidas uma maior participação e consequentemente uma melhor significação das atividades por elas realizadas.
8 8 Referências BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Notas de campo. In:. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto (Portugal): Porto Editora, 1994, p BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA MEC. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MÉDIA E TECNOLÓGICA SEMTEC. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEMTEC, FIORI, E. M. Conscientização e educação. In:. Textos escolhidos: Educação e política. Porto Alegre: L&PM, FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33ªed. São Paulo: Paz e Terra, 1996., P. Pedagogia do oprimido. 43ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005a.. P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005b. GAIO, R.; PORTO, E. Educação Física e pedagogia dialógica do movimento: possibilidades do corpo em diálogo com as diferenças. In: DE MARCO, A.(0rg) Educação Física: cultura e sociedade. Campinas: Papirus, p , KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. 5ªed. Rio Grande do Sul: Unijui, 2003., E. Educação física: ensino e mudanças. 3ªed. Ijuí: Unijui, MARTINS, J; BICUDO, M. A. V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes, MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, SÉRGIO, M. Para uma epistemologia da motricidade humana. Lisboa: Compendium, SÉRGIO, M. Um corte epistemológico: da educação física à motricidade humana. 2ªed. Lisboa: Instituto Piaget, SÉRGIO, M. Motricidade humana: uma nova ciência para um novo homem. In: I Seminário internacional de motricidade humana. São Paulo: Assembléia Legislativa, p.9-10, DUSSEL, E. A Pedagógica Latino-americana (a Antropológica II). In:. Para uma ética da Libertação Latino Americana III: Erótica e Pedagógica. São Paulo: Loyola; Piracicaba: UNIMEP. p (s/d).
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