A CONFIGURAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM HABERMAS
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- Tomás Soares
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1 1 A CONFIGURAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM HABERMAS FRANCISCO ROMULO ALVES DINIZ 1 INTRODUÇÃO A questão que procuramos responder durante a pesquisa de um ano, é como se configuram os Direitos Humanos para o filósofo e sociólogo alemão J. Habermas. Essa pergunta é significativa por alguns bons motivos, a saber, Habermas é um dos poucos pensadores contemporâneos a defender uma ética universalista, o que nos possibilita pensar se ele defende uma concepção antropológica também unívoca a partir de uma fundamentação fraca do ponto de vista transcendental. Outra questão é como pensar a defesa de Direitos Humanos diante da pluralidade cultural, econômica, política, social, estética, moral do ser humano. Como é possível pensá-la do ponto de vista pragmático e mesmo do ponto de vista teórico sem uma fundamentação transcendental forte? Ademais se considerarmos do ponto de vista pragmático que não há uniformidade política acerca da concepção unitária do ser humano e nem todos defendem o modelo democrático como o mais significativo entre as formas de governo, como apresentar os direitos humanos apenas sob bases normativas? RESULTADOS E DISCUSSÃO Habermas é defensor de uma concepção procedimentalista da política nos moldes do republicanismo kantiano e, nesse sentido, dispensa fundamentações morais e religiosas. Para ele, o Estado deve-se fundar em procedimentos jurídicos democráticos, construídos a partir de processos interativos que tem como tessitura a comunicação não coativa entre os membros de uma sociedade. Desse modo, pode-se afirmar que tendo por base a sua teoria da ação comunicativa, Habermas elabora uma visão crítica do Direito e de um modo peculiar os Direitos Humanos, distingua de outros aspectos também importantes do campo jurídico. No entanto, vale ressaltar que sua compreensão dos Direitos Humanos encontra-se articulado com sua Teoria Discursiva do Direito. Ao mesmo tempo, ele 1 Professor Doutor, leciona as disciplinas de Filosofia Geral e do Direito no Curso de Direito e Introdução à Filosofia no Curso de Psicologia. É professor efetivo do Curso de Filosofia da UVA. Coordena o Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos na Faculdade Luciano Feijão.
2 2 elabora algo de absolutamente novo, no entanto, parte de percepções já anteriormente realizadas por pensadores ao qual encontra-se vinculado tal como o pensamento de Immanuel Kant ( ) e pensadores contemporâneos da área jurídica tais como os defensores da vertente positivista, destacando-se H. L. A. Hart ( ), e defensores de posições não completamente afeitas ao positivismo radical como Ronald Dwörkin ( ). Contudo, a perspectiva de Habermas adiciona elementos provenientes de sua teoria desenvolvida no início dos anos oitenta. Assim, ao pensar os Direitos Humanos Habermas o fará articulado à sua teoria. Não obstante, Habermas considere importante, para a sua teoria, o conceito kantiano de legalidade, não adota a ideia da hierarquização entre os conceitos de moral e direito defendidos por Kant e adota a ideia de complementariedade, num primeiro momento, para uma relação de co-originariedade (HABERMAS, 2009, p. 138). Ele enfrenta a discussão provinda de Kant acerca da fundamentação moral do Direito. No entanto, pusemos a questão se os Direitos Humanos possuem uma fundamentação moral e, desse modo daríamos margem ao modelo kantiano. Isso obviamente apresenta um Habermas que se refaz de suas posições à medida que os problemas político e jurídicos o exigem, é o que se vê em Sobre a Constituição da Europa (2012). Os Direitos Humanos passam a ocupar o pensamento de Habermas a partir do livro Para a reconstrução do materialismo histórico (1976) indaga-se pela forma de legitimação tanto do Estado quanto do Direito modernos. Uma das premissas de Habermas é que o Direito deve-se legitimar mediante um processo de formação da opinião e da vontade. Com isso, ele desvincula de todas as tentativas de moralizar tanto a política quanto o Direito. Em sua Teoria do agir comunicativo (1981) tomará a sociologia jurídica de Max Weber e, a partir delas, apresenta as características formais do Direito, resumindo-as em três, a saber, positividade, legalidade e formalidade. Assim, assume certas prerrogativas do Direito moderno entre as quais a de ser positivamente estatuído. No início dos anos noventa se encontra a obra central de Habermas que trata de forma sistemática do Direito como um todo e também dos Direitos Humanos. Uma das questões centrais é o problema da legitimação ou reconhecimento do normas nas sociedades democráticas de Direito. A questão da legitimidade é posta num outro contexto teórico, pois considera-se a pluralidade social, o princípio da soberania popular como guias da do processo legitimatório. Habermas, no entanto, discordará das alternativas postas por Kant e também por Jean-Jacques Rousseau, pois, segundo ele, além de incompletas ainda
3 3 se situam ao nível de uma filosofia da consciência. A saída de Habermas é situa-la no seio da sua teoria do agir comunicativo e adotará uma perspectiva procedimental. Se em 1976 Habermas indica que as necessidades econômicas moldaram a categoria de direito privado, assumindo com isso a crítica de Marx em relação ao Direito e ao Estado, em Faktizität und Geltung (1992) já não mais a defende e orienta-se por um conceito neutro de dominação social e por uma concepção de Estado Constitucional Democrático. Adiciona a isso os elementos de sua teoria, adjudicando para a força legitimadora as premissas da comunicação que possibilitará um entendimento entre indivíduos livres e iguais. Cabe, portanto, aos sujeitos de direito institucionalizarem juridicamente os pressupostos tanto comunicativos quanto procedimentais para o processo de formação da opinião e da vontade. Obviamente subsiste ao processo de formação da opinião e da vontade a liberdade de realizá-la. Ideia esta já presente na filosofia kantiana, e assume, na perspectiva jurídica, a forma de direitos subjetivos. Há, no entanto, um critério posto por ele, que se pode resumir na seguinte ideia: uma ação é justa quando a liberdade de arbítrio de cada um e a liberdade de todos os demais se conformam a uma lei geral. Ideia semelhante é também defendida por John Rawls ( ) ao afirmar que todos devem ter o mesmo direito aos sistema mais abrangente possível de iguais liberdades fundamentais. Também Habermas, defende que na forma de leis gerais e abstratas todos os sujeitos possuem os mesmos direitos. O Direito é, para Habermas, um sistema de saber e de ação, formando um sistema complexo que tem por fim regular as ações dos homens. De acordo com Tonetto (2010, p. 193), resumindo a ideia posta por Habermas, o direito dos homens a iguais liberdades subjetivas, fundamentado moralmente, interliga-se com o princípio da soberania do povo e mais, a ideia dos direitos humanos e a da soberania do povo determinam até hoje a autocompreensão normativa de Estados de direito democráticos. Com isso, invoca-se uma duplicidade em relação ao modo como Habermas compreende a composição dos Estados democráticos de direito, no entendimento de Frank Michelman (1936) Habermas defende um modelo de democracia procedimental e uma justiça liberal. Assim, na visão de Tonetto (2010, p. 197), por exemplo, seguindo os comentários de Michelman, Habermas alia a perspectiva democrática com a liberal na fundamentação do sistema de direitos. Os Direitos Humanos, na perspectiva de Habermas, juntamente com a soberania popular constitui um dos trilhos que conduzem a formação política da opinião e da
4 4 vontade dentro de um modelo de política deliberativa e de um modelo de justiça liberal. Há uma bivetorização entre os Direitos Humanos e a Soberania Popular, não há sobreposição, mas complementação. Outro ponto importante defendido em Faktizität und Geltung é a não subordinação dos direitos fundamentais a direitos morais. Esse é, talvez, um dos pontos mais controversos da defesa de Habermas. Pois, mais adiante, em Sobre a Constituição da Europa, nos fará repensar essa afirmação. O que justifica o direito moderno são, para ele, a ideia dos direitos humanos junto com a soberania popular, uma vez que ele retira dos indivíduos o peso das decisões morais transportando-as para as normas positivadas. O que se questiona aqui é se aquilo que é transportado não moralizaria o direito. Certamente, Habermas defende uma relação co-originária entre o Direito e a Moral. Ora, isso implica diretamente no nosso objeto de investigação e se podemos afirmar que os Direitos Humanos estão profundamente ligados à moral. Muito embora ainda mantenha as ressalvas acerca da fundamentação moral dos Direitos Humanos, posição esta repensada mais adiante. No capítulo 10 de A inclusão do outro, assim como também em Faktizität und Geltung, Habermas esclarece que os direitos que configuram a soberania popular, tais como direito a comunicação e participação, são fundamentais para a legitimação dos direitos modernos. Por outro lado, os direitos humanos clássicos garantem vida e liberdade privada, institucionalizando, assim, as condições de comunicação para formar a vontade, tanto política, quanto racional. Essa discussão passa pela complementação entre direitos subjetivos privados ou autonomia privada e direitos públicos ou autonomia pública. Conforme afirma Tonetto (2010, p. 222) um positivista reduz a questão legitimidade à legalidade, enquanto Habermas procura a legitimidade de um sistema legal via direitos humanos e soberania do povo. O cenário teórico acerca dos Direitos Humanos mudam significativamente quando da publicação de um ensaio intitulado o conceito de dignidade humana e a utopia realista dos direitos humanos. Habermas passa a apresentar o conceito de dignidade humana como aglutinador tanto dos direitos fundamentais quanto da moral, pondo-a como um conceito central para se pensar os direitos. Esse conceito assume o papel de catalisador na composição dos Direitos Humanos, na moral racional e também na forma do direito. (Cf. HABERMAS, 2012, p. 12).
5 5 O conceito de dignidade humana passa a ocupar um lugar privilegiado ainda não visto em todo o pensamento de Habermas. Conforme indica, a seguir, a dignidade humana, que é una e a mesma em todo lugar e para cada um, fundamenta a indivisibilidade dos direitos fundamentais. (Ibid. p. 16) Também, é posta como constitutiva para a ordem jurídica democrática, que vale destacar nos termos do nosso pensador: a dignidade humana é um sismógrafo que mostra o que é constitutivo para uma ordem jurídico democrática ( ) somente a garantia desses direitos humanos (liberdade e igualdade) cria o status de cidadãos. (Ibid. p. 17). Desse modo, ele articula três dos conceitos fundamentais, a saber, democracia, direitos fundamentais e moral racional a partir do conceito de dignidade humana. Essa articulação nos permite pensar e destacar a importância dos Direitos Humanos, como central para um mundo em expansão democrática. CONCLUSÃO Por fim, Habermas adota a leitura de Ronald Dwörkin em relação aos direitos morais e sua relação com o direito legalmente estatuído. Há, sem dúvidas, uma defesa, e uma reflexão bem mais ampla acerca da relação dos Direitos Humanos com a moral. Certamente os DH possuem aquilo que foi nominado por Habermas de cabeça de Jano, uma face voltada para o Direito e outro para a Moral. Mas essa concepção sofre mundanças, no sentido de que Habermas dá um destaque maior, via conceito de dignidade da pessoa humana, aos DH. Se buscamos o modo como Habermas configurou sua visão acerca dos Direitos Humanos, podemos afirmar seguramente que sua visão não é positivista, mesmo que defenda em Direito e Democracia, a ideia dos direitos fundamentais. Por outro lado, também não é completamente moral, pois pode-se cair num relativismo paternalista. Desse modo, pode-se afirmar que ele situa-se entre essas duas posições. Se não é um positivista, também não é um naturalista. No entanto, se há uma posição intermediária entre positivistas e naturalistas qual é ela? Aqui talvez tenhamos uma posição síntese de duas correntes modernas e que dialeticamente nos exige uma síntese. Essa síntese é de um naturalismo fraco, pois não se posiciona de forma radical pela defesa da fundamentação moral dos Direitos Humanos. Põe, porém, no centro o conceito de dignidade humana. Esse conceito nos permite ir além das fronteiras jurídicas, econômicas, culturais, religiosas, sociais e políticas. O ser humano é
6 6 um e o mesmo em todos os tempos e lugares. Por ser humano é detentor de dignidade e merece o respeito nas suas diferenças.
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