PREPARO E PERCEPÇÕES DA EQUIPE DE ENFERMAGEM NO PROCESSO DE MORTE E MORRER
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- Fernando Laranjeira Gama
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1 PREPARO E PERCEPÇÕES DA EQUIPE DE ENFERMAGEM NO PROCESSO DE MORTE E MORRER Juliana da Silva 1 RESUMO O presente estudo tem como objetivo principal a análise da produção científica na área da enfermagem brasileira relacionado ao preparo e percepções da equipe de enfermagem no enfrentamento do processo de morte e morrer no período de 1997 a Os resultados encontrados e analisados o número de 42 artigos científicos nacionais, ou seja, 75% da amostra selecionada nos bancos de dados online, relacionados à enfermagem e o cliente no processo de morte e morrer. Outros 14 (25%) foram desconsiderados. Obteve-se 71,4% (30) dos artigos relacionados aos profissionais de enfermagem, seguidos por 16,6% (7) dos artigos com enfoque nos acadêmicos de enfermagem e apenas 11,9% (5) direcionados aos docentes dos cursos de enfermagem. Percebese nos últimos anos um empenho maior dos pesquisadores a respeito do tema, pois a maioria dos estudos foi socializada nos meios de publicação nos anos de 2006, 2007 e 2009, que juntos concentram 24 (57,1%) do levantamento realizado. Somente 28,5% (12) deles se referem especificamente aos profissionais de enfermagem que atuam em unidades de terapia intensiva, os demais 71,4% (30) dos artigos descrevem as pesquisas de outros locais ou não o mencionam no título do artigo. Conclui-se que os profissionais de enfermagem não recebem durante sua formação profissional o preparo adequado e necessário para lidar com situações de morte e morrer. Palavras-chave: morte, processo de morrer, enfermagem. ABSTRACT This study has as main objective the scientific production analysis in Brazilian nursing related to the preparation and perception of nursing staff in front of the death and dying process between 1997 and As results were found and analyzed 42 national papers, 75% of the selected sample on online databases, related to the nursing staff and the guest at the dying and death process. The 14 leftovers (25%) were not considered. Were obtained 71,4% (30) of the related papers to health professionals, followed by 16,6% (7) of the papers with focus on nursing and only 11,9% (5) targeted to teachers of nursing courses. We find in recent years a greater commitment of the researchers on the subject, because most studies was socialized in the publication media in 2006, 2007 and 2009, which together concentrate 24 (57,1%) of the survey. Only 28,5% (12) of them refer specifically to the nursing professionals who work in intensive care units, the remaining 71,4% (30) of articles describe the searches of other places or not to mention the title of the article. It was concluded that the nursing professionals do not receive during their training the suitable and necessary skill to deal with death and dying situations. Keywords: death, dying process, nursing. INTRODUÇÃO A morte é um fato incontestável. Certamente em algum momento será necessário lidar com as conseqüências e dificuldades que tal processo implica, seja de um ente próximo, seja de um paciente sob seus cuidados. 1 Graduada em Enfermagem UEL Londrina-PR. Especialista Latu Senso em Unidade de Terapia Intensiva PUCCAMP Campinas-SP julianaenf@gmail.com 232
2 De acordo com Combinato e Queiroz (2006), a morte faz parte do processo de desenvolvimento humano e está presente em nosso cotidiano e especialmente os profissionais da saúde interagem e convivem com o processo de morte e morrer na sua atividade profissional. A finitude da vida pode ser encarada e descrita de várias formas, sendo caracterizada de acordo com preceitos, crenças e aspectos fisiológicos. Clinicamente, a morte é determinada quando se constata a morte encefálica e a falência de órgãos e funções vitais. O Conselho Federal de Medicina (CFM,1997) define a morte encefálica (ME) através de um protocolo que avalia as funções cerebrais e a irreversibilidade das lesões, devido à ausência de perfusão encefálica, estabelecida por uma causa conhecida. Nesses casos, os aparelhos disponíveis e os recursos farmacológicos podem manter artificialmente o funcionamento dos órgãos vitais por um determinado período, porém a falência dos demais órgãos é inevitável. De acordo com Kovács (1997), as representações da morte sofreram uma importante alteração em suas características ao longo dos séculos que, de familiar e aceita como processo natural, passou a ser completamente negada e renegada pela sociedade. Historicamente na Idade Média, a morte era aceita como um acontecimento normal, acompanhado dos familiares, que em muitas ocasiões festejavam por acreditarem ser este um acontecimento de extrema alegria. Até o século XX o médico apenas acompanhava sem interferências o doente no processo de morrer. Foi a partir do início deste século que o médico começou a lutar contra a morte dos pacientes. Contudo, somente após a década de trinta começaram a crescer o número de pessoas que morrem em hospitais (ZAIDHAF, 1990). Assim, nas últimas décadas com o aprimoramento e o desenvolvimento das tecnologias e da ciência médica, a morte ocorre preferencialmente no ambiente hospitalar, cercada de aparelhos, monitores e recursos humanos especializados, capazes de assegurar um processo de morte assistida e em sua maioria, sem dor (SHIMIZU, 2007). Com base nas novas tendências, no âmbito da saúde, há um crescente desenvolvimento de estudos, pesquisas e instrumentos que auxiliam o profissional a promover o aperfeiçoamento de suas habilidades e capacitação no atendimento ao paciente fora de possibilidades terapêuticas (RODRIGUES, 2004), pois os profissionais da área de saúde estão sujeitos freqüentemente a situações configuradas pelo processo de morrer dos clientes internados nestas instituições, sendo que os profissionais de enfermagem por prestarem os 233
3 cuidados diretamente e durante todo o tempo da internação vivenciam o processo de morrer dos pacientes em estágios terminais de maneira mais intensa, pois há formação de vínculo e envolvimento afetivo com o cliente e seus familiares. Segundo Bellato, Araújo, Ferreira e Rodrigues (2007), os profissionais de enfermagem experimentam de maneira potencializada esses sentimentos conflitantes, embora faça parte do cotidiano de trabalho, muitos profissionais encontram dificuldade em encarar a morte como um processo natural, considerando-a como fracasso profissional. Para que os profissionais de enfermagem estejam preparados para o enfrentamento das dificuldades inerentes ao processo de falecimento, é necessário que estes encontrem e compreendam seus próprios valores e crenças relacionadas à morte bem como suas atitudes e ações relacionadas com as questões do cotidiano que influenciam a sua vida pessoal e profissional (GUTIERREZ, CIAMPONE, 2007). Entretanto, além de estarmos inseridos num contexto sócio-histórico de negação da morte, a formação profissional caracteriza-se pela ênfase nos aspectos teórico-técnicos e pouco ou nada se discute a respeito dos sentimentos, percepções e preparo dos futuros profissionais (op.cit). Assim, cabe a equipe de enfermagem se capacitar e buscar formas de encarar essas situações não mais como um fracasso, mas como um acontecimento natural e às vezes inevitável, a fim de proporcionar uma assistência de qualidade ao paciente, promover maior conforto, oferecer suporte emocional aos familiares, desconsiderar crenças religiosas e preconceitos e ver o paciente sem possibilidades de cura como uma pessoa que tem sua própria vontade, com direito a uma morte digna e humanizada. Diante do exposto, surgiram questionamentos que originaram o problema desta pesquisa: Os profissionais da área da enfermagem estão preparados para cuidar de pacientes em processo de morrer e após a morte? A qualidade da assistência de enfermagem prestada ao paciente em fase terminal e o pós-óbito está diretamente relacionada ao preparo técnico-científico e a visão do profissional de enfermagem frente a essa situação. Buscando aperfeiçoar os conhecimentos e o preparo dos profissionais da área da enfermagem propõe-se essa revisão de literatura, resgatar estudos já realizados e comparar as visões encontradas por diversos autores brasileiros. Assim, o objetivo principal deste trabalho é realizar o levantamento e análise dos dados obtidos na produção bibliográfica nacional, restrita a artigos científicos do período de 1997 à 2009, sobre 234
4 as diferentes visões, percepções e conhecimentos dos profissionais, docentes e acadêmicos de enfermagem frente à morte e o processo de morrer. MÉTODOS Trata-se de um estudo transversal analítico, que associado a um levantamento quantitativo realizou-se uma análise comparativa entre as opiniões dos autores estudados. Foi realizado um levantamento dos artigos nacionais indexados nas bases de dados on line da Literatura Latino-americana em ciências da saúde (LILACS), Base de dados da enfermagem (BDENF), pertencentes à Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Scientific Eletronic Library Online (SCIELO), utilizando os unitermos: morte, processo de morrer, enfermagem. Foram selecionados 60 artigos nacionais publicados no período de 1997 a Foram excluídos 14, dentre eles textos referentes aos demais profissionais da área da saúde e os que não estavam relacionados aos profissionais de enfermagem. Após, realizou-se a leitura dos artigos para categorizá-los como pertinentes, perante os objetivos desta pesquisa, totalizando ao final 42 artigos, após, fez-se a análise dos dados obtidos de maneira quantitativa, segundo a identificação do artigo (título ou tema da pesquisa); ano da publicação; população do estudo; quantificação da literatura levantada; e análise qualitativa, que deu-se pela análise da abordagem dos textos, descritos como a percepção ou o preparo dos profissionais de enfermagem, acadêmicos e docentes dos cursos de enfermagem perante o processo de morte/morrer. Toda a análise foi pautada em uma classificação que selecionou os textos conforme as categorias: artigos relacionados aos profissionais de enfermagem, aos acadêmicos de cursos de enfermagem e artigos referentes aos docentes dos cursos de enfermagem. As análises dos dados obtidos foram transcritos, analisados e apresentados em forma de tabelas e gráficos e a discussão pautada no conhecimento científico e na literatura encontrada no campo das ciências da saúde. RESULTADOS E ANÁLISES Foram encontrados na pesquisa bibliográfica realizada 56 (100%) artigos relacionados aos profissionais de saúde e ao tema da morte e do processo de morrer, destes 14 foram excluídos (25%), sendo que 6 (10,7%) artigos com data de publicação anterior a 1997, extrapolando a margem de aceitação estabelecida, e outros 8 (14,2%) artigos por tratarem do 235
5 assunto sob o enfoque de todos os profissionais da saúde, e não somente da equipe de enfermagem. Assim, foram analisados o número de 42 (75%) artigos científicos relacionados à equipe de enfermagem e o cliente no processo de morte e morrer. Tabela 1: Relação do número de artigos e seus respectivos percentuais. ARTIGOS QUANTIDADE PORCENTAGEM Encontrados % Desconsiderados 14 25% Publicados antes de ,7% Outros profissionais 08 14,2% Artigos considerados = n 42 75% De acordo com os dados obtidos, percebe-se uma produção científica de artigos limitada, quando comparada ao número de publicações dos últimos 12 anos produzidas pela área das ciências da saúde e especialmente no campo da enfermagem brasileira. Os autores em sua maioria estudam e descrevem o assunto do campo de atuação e das percepções dos profissionais de enfermagem, provavelmente por estes serem um dos principais atores dentro do cenário do processo morte e morrer em ambiente hospitalar. Por se tratarem de profissionais que permanecem às 24 horas ao lado do cliente em regime de internação, prestando cuidados e cultivando laços e vínculos afetivos com o paciente e sua família, conforme o Gráfico 1 demonstra abaixo. 236
6 Gráfico 1: Distribuição percentual dos artigos de acordo com a categoria de classificação nas áreas de atuação da enfermagem Contudo, um número irrelevante de trabalhos foi encontrado no que diz respeito ao preparo e as percepções dos docentes que instruem e contribuem para o processo de aprendizado do futuro profissional de enfermagem, os acadêmicos. Neste cenário, dos 42 artigos analisados, 71,4% (30) eram relacionados aos profissionais de enfermagem, seguidos por 16,6% (7) dos artigos com enfoque nos acadêmicos de enfermagem e apenas 11,9% (5) direcionados aos docentes dos cursos de enfermagem. Tal análise é compreendida inclusive nos textos referentes aos profissionais de enfermagem, que declaram não terem sido instruídos de maneira aprofundada sobre o assunto durante o curso técnico ou durante o curso de graduação. Conforme conclui os autores Susaki, Silva e Possari (2006, pg 9). O conteúdo fornecido na graduação desses profissionais não integra de forma significativa a bagagem de conhecimentos para o cuidado aos pacientes terminais. Na verdade, as ações dos enfermeiros, predominantemente, são resultados de suas experiências adquiridas na prática cotidiana do trabalho na referida unidade. Isso evidência que o currículo da graduação em Enfermagem nas faculdades não tem subsidiado qualitativamente as bases na formação de um saber voltado para o cuidado paliativo e preparo frente às situações de morte e morrer. 237
7 Em outro estudo analisado que se refere ao envolvimento do enfermeiro no processo de morrer, há um tópico específico, nomeado como Lacuna na formação universitária no qual é descrito os sentimentos dos enfermeiros em relação ao aprendizado durante a graduação sobre o processo de morrer e a declaração do óbito aos familiares. Os autores Aguiar, Veloso, Pinheiro e Ximenes (2006, pg. 6), transcrevem os relatos dos profissionais: Na faculdade a gente comenta raramente sobre como você pode abordar a família na hora que o paciente morre... Senti necessidade de fazer um curso extra-curricular. A gente aprende a preparar o corpo na universidade, mas não tem uma abordagem sobre a morte, como é lidar com isso. A gente não sai preparado, apesar de saber que vai lidar com estas situações, que faz parte da nossa vivência. Outros autores como Silva e Ruiz (2003), consideram o despreparo tanatológico dos profissionais de saúde um fato que gera uma série de complicações e reações nos profissionais, os quais tendem a significar a morte e o morrer, porém, sem o conhecimento adequado para realizar esse enfrentamento. Percebe-se que a expansão do conteúdo tanático em âmbito acadêmico e profissional é de extrema relevância como meio de subsidiar e preparar o profissional para assistência ao paciente em processo de morrer e permitir o autoconhecimento para facilitar a aceitação da finitude da vida. Os textos específicos relacionados aos docentes de enfermagem relatam que a formação do aluno ainda é tratada superficialmente e maneira dispersa no decorrer do curso de graduação de enfermagem. Os autores Bellato, Araújo, Ferreira, Rodrigues (2007) ainda consideram que o ensino é realizado de forma contraditória, pois a morte é abordada de maneira negativa, ou seja, a manutenção do corpo vivo pelo emprego de todos os esforços profissionais e tecnológicos possíveis. Para reforçar essa análise, destaca-se que apenas 7(16,6%) artigos foram encontrados nas bases de dados se referem a visão dos acadêmicos de enfermagem, tanto na graduação, como em cursos técnicos. Os autores Oliveira, Brêtas, Yamaguti (2007) descrevem o estudo realizado a respeito das representações dos alunos de enfermagem frente à morte e o morrer, e ao final, concluíram que o aluno de enfermagem é preparado pelas instituições de ensino para desenvolver o cuidado do aspecto técnico e prático existentes na profissão, não são oferecidos de maneira eficiente subsídios para o preparo dos alunos nas questões de morte e sobre o processo de morrer. Os mesmos autores defendem que se precisa de um espaço específico 238
8 para a informação, discussão, reflexão e, principalmente, a oportunidade para compreensão do fenômeno pelos alunos. O ensino não deve contribuir com os fatores socioculturais que dificultam a elaboração do luto. Deve fornecer subsídios para o desenvolvimento cognitivo e emocional e as atitudes frente à morte, além de fortalecer a capacidade de elaboração do luto (BRÊTAS, YAMAGUTI, 2007, pg. 12). O profissional deve ser e estar preparado para o enfrentamento das situações relacionadas ao processo de morrer, pois é o enfermeiro e sua equipe, na maioria das instituições de saúde, que irão confortar e auxiliar o paciente e sua família a passar por esse momento da forma menos agressiva e com o menor sofrimento possível. Com isso, a equipe de enfermagem aponta em alguns textos encontrados, os sentimentos que desenvolvem no relacionamento com familiares, que transitam entre os sentimentos de impotência, tristeza, apego, ansiedade, envolvimento e vínculo afetivo ao alívio, insatisfação, desânimo e indiferença (AGUIAR, VELOSO, PINHEIRO, XIMENES, 2006; GUTIERREZ, CIAMPONE, 2007). Esses sentimentos relatados variam conforme alguns fatores específicos referentes a cada caso, a cada situação, como por exemplo: a idade, o tempo de internação do paciente, o preparo dos profissionais para esse enfrentamento, relacionamento com os familiares, a compreensão da impossibilidade terapêutica, o grau de complexidade dos cuidados, a oferta de apoio psicológico para familiares e profissionais pela instituição, dentre outros. Porém, independente dos sentimentos vivenciados por estes profissionais, é necessário criar oportunidades no trabalho destinado tanto para a reflexão e melhor compreensão, como para a aceitação da morte como um processo natural e inevitável. É importante ressaltar também, que momentos de reflexão contribuem para a discussão e aplicação de práticas mais humanizadas no relacionamento de quem cuida e de quem é cuidado e seus familiares. Susaki, Silva e Possari (2006) defendem os benefícios no cuidado com o profissional e descrevem em seu trabalho que é necessário um investimento no preparo, aprimoramento continuado e formação especializada que possam oferecer apoio aos pacientes, familiares e profissionais, incrementando as potencialidades do enfermeiro como indivíduo e como profissional. É indicado também, quando possível a disponibilização de um serviço de psicologia nas instituições hospitalares e de saúde voltadas para o atendimento específico do profissional de saúde, para que este suporte o ajude a refletir e compreender seus sentimentos. 239
9 Ainda relacionado ao apoio aos profissionais, os autores Quintana, Kegler, Santos e Lima (2006), descrevem a necessidade da formação de grupos de estudos e discussões como estratégia para minimizar a ansiedade da equipe em relação ao confronto com a morte e suas dificuldades. Outro dado analisado foi em relação ao período das publicações, no qual se pode observar que a partir de 2000 a produção científica é impulsionada, atingindo o número de 40 artigos, cerca de 95,2% da produção científica sobre o tema nos últimos 12 anos. Contudo, a maioria dos estudos foi socializada nos meios de publicação nos anos de 2006, 2007 e 2009 que juntos concentram 24 (57,1%) do levantamento realizado, representado pela alteração gráfica dos referidos anos, ilustrado abaixo Artigos Artigos Anos Gráfico 2: Relação da publicação anual de artigos nos últimos 12 anos. Percebe-se nos últimos anos um empenho maior dos pesquisadores a respeito do tema, talvez por estar intimamente ligado a questões relacionadas à morte encefálica e a manutenção dos potenciais doadores de órgãos e tecidos, além do contexto dos cuidados paliativos, que devido ao aumento da expectativa de vida e ao conseqüente aumento dos casos de doenças crônico-degenerativas são temas que estão em evidência na comunidade científica, sendo objeto de inúmeras pesquisas atuais. Apesar dos esforços realizados pelo Ministério da Saúde e demais organizações não governamentais voltados para a conscientização da população em relação à morte encefálica, com o objetivo de aumentar o número de doações de coração parado, a própria equipe assistencial sofre em admitir a terminalidade da vida, fato que leva os profissionais de 240
10 enfermagem e demais membros da equipe a sensação de impotência, angústia, despreparo, tristeza e outras dificuldades que surgem diante do enfrentamento diário no processo de morrer, não só nas situações de morte encefálica, mas nos casos de ausência de prognóstico e, especialmente em casos de óbitos de crianças e adultos jovens. Neste contexto, sabe-se que as unidades de terapia intensiva possuem características específicas por possuírem equipamentos modernos e sofisticados para o atendimento ao cliente gravemente enfermo ou que necessite de cuidados e observação constantes. Os profissionais, em geral, especializados para este trabalho, consideram que a equipe tem a obrigação de salvar todos os pacientes que dependem desses cuidados intensivos, independente da gravidade e complexidade do quadro clínico e sabemos que esse pensamento é cultural dentro desse ambiente de trabalho (SHIMIZU e CIAMPONE, 2004). A utilização da tecnologia para o prolongamento da vida tem sido questionada, principalmente na prática diária dos profissionais da terapia intensiva, pois é comum o investimento terapêutico na tentativa de recuperar funções que a própria patologia ou a evolução do quadro levaram a uma fase irreversível. Contudo, com o objetivo de salvar vidas, são utilizadas as tecnologias mais avanças, tanto em equipamentos como em técnicas e medicamentos, para se obter o sucesso, ou evitar o fracasso profissional. Tais afirmações podem ser comprovadas no estudo realizado por Gutierrez e Ciampone (2006, pg. 6), que descrevem a vivência de profissionais de enfermagem frente à busca pela cura. Alguns profissionais iludem-se com o avanço tecnológico e, com isso perdem o senso crítico, o que resulta em um prolongamento do sofrimento do paciente, dos seus familiares e até do seu próprio. Esse sofrimento pode ser muitas vezes identificado pelo desgaste do profissional de enfermagem que assiste o paciente em processo de morrer, especialmente quando esse processo sofre a interferência de investimentos terapêuticos desprovidos de fundamentação e análise crítica da situação. Um dos relatos descritos pelos autores Gutierrez e Ciampone (2006, pg. 6) foi transcrito abaixo, pois ressalta a angústia e o sofrimento vivenciado pelo profissional que participa desse processo....pessoa vai morrer torturada!". O médico fica assim: Vamos investir mais um pouquinho, mais um pouquinho!!! A gente fica com dó!!! Você sofre também!!!!! É fazer sofrer mesmo! Eu, realmente, tem vez que eu chego até chorar!! 241
11 Outras frases retiradas dos artigos encontrados ilustram e revelam os outros sentimentos vivenciados pela equipe de enfermagem diante das situações de perda, como tristeza, perda, dor e sofrimento. Eu sinto aquela tristeza, até lágrimas, às vezes, a gente chora porque infelizmente a gente se envolve mesmo. A morte não deixa de ser tristeza, saudade, perda... Sinto angústia, decepção... (silêncio). Quando a gente se envolve com o paciente na hora o sentimento é de perda. (AGUIAR, VELOSO, PINHEIRO, XIMENES, 2006, pg. 4). Como eu trabalho com recém-nascido, quando me envolvo, acabo me emocionando e afetando meu trabalho. Com certeza adentra minha vida pessoal. Tem bebês que passam muito tempo aqui, você se apega, é muito difícil, realmente eu não gosto muito de falar sobre a morte....quando o bebê apenas piorava, eu não conseguia me controlar emocionalmente. O que eu procuro sempre é colocar meus filhos na situação. (idem, 2006). Em um cenário oposto ao discutido até o momento, encontra-se a possibilidade de oferecer ao cliente fora das possibilidades de cura, o tratamento e cuidados paliativos, que visa proporcionar e oferecer aos pacientes e familiares um processo de morrer mais humano e digno. A definição dessa categoria de cuidados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a descreve como uma filosofia de cuidados ativos e totais do paciente cuja doença não responde ao tratamento curativo, abrangendo o controle da dor e de outros sintomas, além do controle de problemas psicossociais e espirituais. Assim, para sua melhor compreensão, é pertinente destacar que seus princípios garantem à importância da vida, acreditando-se que o morrer é um processo inerente a vida e sua ocorrência é natural. Os cuidados paliativos devem garantir que pacientes e familiares atinjam o máximo de qualidade de vida no período que antecede a morte, sendo que não fazem parte de seus objetivos à antecipação ou o prolongamento da vida por medidas de obstinação terapêutica (RODRIGUES, 2004). Porém, o ato de prestar os cuidados paliativos não isenta os profissionais de enfermagem da mesma angústia e sofrimento que ocorre quando há o investimento terapêutico, pois em ambas as situações o fator fundamental para o enfrentamento do processo de morte e morrer é o mesmo: o preparo profissional para lidar com situações extremas, como a morte. 242
12 Apesar de serem freqüentes nas unidades de terapia intensiva, os casos de clientes em processo de morte não são exclusivos destes setores, estão presentes em todas as unidades de internação hospitalares, em instituições de cuidados a idosos e também nos domicílios, no qual, pacientes são acompanhados por equipes multiprofissionais em sistema de internação domiciliar. Contudo, em última análise dos textos selecionados, destaca-se que somente 28,5% (12) deles se referem especificamente aos profissionais de enfermagem que atuam em unidades de terapia intensiva, os demais 71,4% (30) descrevem as pesquisas de outros locais ou não o mencionam no título do artigo. Observe no Gráfico 3 abaixo. Gráfico 3: Comparação da produção de artigos relacionados a UTI e demais locais, conforme ano de publicação. Assim, encerra-se a análise dos dados coletados ressaltando que são várias as dificuldades vivenciadas pelos profissionais de saúde no cotidiano de trabalho e, principalmente da equipe de enfermagem, no enfrentamento do processo de morte e morrer de pacientes sob seus cuidados, pois o tema morte/morrer é cercado e baseado em crenças, dúvidas e angústias. Os sentimentos de perda e de impotência são característicos nesta complexa relação estabelecida pela impossibilidade de prognóstico positivo, sendo que estes são descritos em quase a totalidade de artigos estudados, com ênfase inclusive nos relatos dos entrevistados. 243
13 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final desta análise bibliográfica pode-se afirmar que, os artigos relacionados ao tema morte e processo de morrer e as percepções da equipe de enfermagem até meados da década de 90 tiveram uma produção científica praticamente insignificante. Entre 1990 e 2000 foram localizados somente 4 artigos nacionais a respeito do tema. Ainda é possível afirmar, com base no levantamento realizado que, nos anos compreendidos entre 2002 a 2005 a produção permaneceu estagnada, porém nos anos subseqüentes somaram-se 27 artigos, ou seja, 64,2% da amostra analisada são produções recentes. A atual preocupação com a percepção e o preparo dos profissionais sobre a morte pode ser associada a alguns fatores que, concomitantemente, foram estudados mais sistematicamente no início do século 21. Neste rol podemos destacar o surgimento do termo e do conceito de cuidados paliativos e a preocupação com a qualidade de vida de pacientes sem possibilidades terapêuticas, a ênfase nas doações de órgãos e tecidos, principalmente na adesão de familiares no consentimento da doação de doador cadáver e somando-se a isso, o avanço tecnológico direcionado a medicina intensiva, que tem corroborado com a sobrevida de pacientes críticos e que por vezes, chegam a situações de quase morte. Outras conclusões obtidas com o estudo estão relacionadas ao despreparo dos profissionais e estudantes de enfermagem quando se trata do assunto da morte do paciente sob seus cuidados. O argumento mais utilizado é a deficiência ou superficialidade com que o assunto foi e é abordado nos cursos de graduação ou cursos técnicos em geral. Contudo, esses profissionais mesmo sem o devido preparo, enfrentam situações complexas no dia-a-dia do exercício profissional, sendo que, salvo exceções, as instituições não oferecem apoio psicológico e técnico de subsídio para a facilitação do enfrentamento e compreensão dos relacionamentos e da perda. Assim, espera-se que este estudo contribua para reflexões no campo da formação acadêmica e dos cuidados com a saúde do trabalhador de enfermagem, a fim de minimizar os conflitos, angústias, medos e outros sentimentos desencadeados pelo processo de morte e morrer. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, I. R.; VELOSO, T. M. C.; PINHEIRO, A. K. B.; Lorena Barbosa XIMENES, L. B. O envolvimento do enfermeiro no processo de morrer de bebês internados em Unidade Neonatal. Acta paulista de enfermagem, v.19 n.2. São Paulo, abr./jun
14 BELLATO, R; ARAÚJO, A. P; FERREIRA, H. F.; RODRIGUES, P. F. A abordagem do processo do morrer e da morte feita por docentes de um curso de graduação em enfermagem. Acta paulista de enfermagem., v.20, n.3. São Paulo jul./set CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Legislação. Disponível em: Acesso em 15 de maio de COMBINATO, D.S.; QUEIROZ, M. S. psicológicos, v.11 n.2. Natal, maio/ago Morte: uma visão psicossocial. Estudos GUTIERREZ, B. A. O.; CIAMPONE, M.H.T. O processo de morrer e a morte no enfoque dos profissionais de enfermagem de UTIs. Revista escola enfermagem, USP, v.41 n.4. São Paulo, dez KOVÁCS, M. J. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo; OLIVEIRA, J. R.; BRÊTAS, J. R. S.; YAMAGUTI, L. A morte e o morrer segundo representações de estudantes de enfermagem. Revista Escola de enfermagem, USP, v.41 n.3. São Paulo, set QUINTANA, A. M.; KEGLER, P.; SANTOS, M., S.; LIMA, L., D. Sentimentos e percepções da equipe de saúde frente ao paciente terminal. Paidéia. v.16, n.35. Ribeirão Preto, set./dez RODRIGUES, I.G. Cuidados paliativos: análise de conceito [tese]. São Paulo (RP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP; SILVA, A., L., L.; RUIZ, E. M. Cuidar, morte e morrer: significações para profissionais de enfermagem. Estudos psicológicos; v.20 n.1: Campinas, jan.-abr SHIMIZU, H., E.; CIAMPONE, M., H., T. As representações dos técnicos e auxiliares de enfermagem acerca do trabalho em equipe na Unidade de Terapia Intensiva. Revista Latino- Americana de Enfermagem, vol.12, n. 4, Ribeirão Preto, jul-agos, SHIMIZU, H. E. Como os trabalhadores de enfermagem enfrentam o processo de morrer. Revista brasileira de enfermagem, v.60, n.3. Brasília, maio/jun SUSAKI, T. T.; SILVA, M. J. P; POSSARI, J. F. Identificação das fases do processo de morrer pelos profissionais de Enfermagem. Acta paulista de enfermagem, v.19 n.2. São Paulo, abr./jun ZAIDHAF, S. Morte e formação médica. Rio de Janeiro: F. Alves 245
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