XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas
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- Oswaldo Gonçalves Valente
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1 14 PEDAGOGIA, PEDAGOGOS E A FORMAÇÃO PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DAS ATUAIS POLÍTICAS CURRICULARES NACIONAIS. Tânia Maria Lima Beraldo Eduardo José Cezari RESUMO: Este estudo aborda o ensino de ciências naturais no curso de Pedagogia buscando analisar alguns fatores que impeliram à caracterização desse curso como lócus privilegiado para a formação de professores para o magistério na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Por essa razão, inicialmente foram analisadas questões relativas à produção das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia destacando os embates ocorridos no interior da comunidade epistêmica da área. No que diz respeito ao ensino de ciências o material empírico foi constituído por seis projetos políticos pedagógicos referentes a cursos de Pedagogia ofertados por duas universidades federais. Os resultados indicam que todos os projetos se organizam segundo as exigências estabelecidas pelas citadas Diretrizes, no entanto, são evidentes sinais de recontextualização por hibridismos. Nota-se que, de um modo geral, o ensino de ciências naturais ocupa um lugar modesto no currículo, sendo vinculado ao segundo núcleo de estudos que trata da formação didático-pedagógica para o exercício do magistério. O predomínio de conteúdos relacionados com os fundamentos teóricos e metodológicos do ensino de ciências naturais evidencia entendimento de que a disciplina deve ser organizada na perspectiva de ensinar o futuro professor a ensinar ciências para alunos da educação básica. A diversidade e complexidade dos temas listados nas ementas levam a crer que a carga horária não é suficiente para o alcance dos objetivos da disciplina. Com base nas análises defendemos a proposta de diversificação na formação do pedagogo. A diversificação permitiria o aprofundamento não apenas dos conteúdos da formação básica, mas também dos conteúdos voltados às áreas de atuação profissional priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições de educação superior. Palavras-chave: Políticas curriculares. Pedagogia. Formação de professores. Ensino de ciências naturais 1. Política: uma prática complexa Antes de desenvolver as análises sobre as questões suscitadas pelo objeto deste estudo julgamos necessário explicitar o entendimento que temos de política e de política curricular. Concebemos política na acepção defendida por Chantal Mouffe (2003, 2006), ou seja, como atividade inerente à natureza humana. Refere-se à reunião de práticas, discursos e instituições que buscam estabelecer certa ordem e organizar a coexistência humana em condições que são potencialmente conflitantes, porque são afetadas pelas dimensões do político (MOUFFE, 2003, p. 15). O político relaciona-se ao antagonismo que inevitavelmente está presente nas relações sociais. Não é algo que tem um lugar específico e determinado na sociedade, pois todas as relações sociais Livro 1 - p
2 15 podem se tornar o locus dos antagonismos políticos (MOUFFE, 2003, p. 13). Portanto, é uma ilusão pensar na possibilidade de se chegar a um consenso racional, harmônico, transparente e sem exclusão. Os problemas da política começam pelos limites da representação. Representar alguém, um segmento, um grupo social ou uma população é encarnar uma plenitude ausente. A representação é em si mesma contraditória. Nenhum ator social limitado pode dizer que seus posicionamentos expressam as demandas da totalidade que ele representa. Além disso, jamais a vontade do representado é satisfeita integralmente, porque o universo da representação é sempre complexo e resultante de disputas políticas de múltiplos interesses (MENDONÇA, 2004, p. 82). Levando em conta que o antagonismo está presente na política, Mouffe (2003) defende a adoção do conceito de democracia pluralista. Ela explica que o problema não está na superação da distinção nós/eles, mas na maneira diferente de estabelecer essa distinção. No campo da política, isto pressupõe que o outro não seja visto como um inimigo a ser destruído, mas como um adversário, isto é, alguém com cujas idéias iremos lutar, mas cujo direito de defender tais idéias não vamos questionar. (MOUFFE, 2003, p. 16). A autora explica que o objetivo da política democrática é transformar antagonismo em agonismo. No pluralismo agonístico considera-se que não é democrático relegar as paixões à esfera privada para tornar possível o consenso racional. Admite-se a possibilidade de existência de muitas interpretações diferentes e conflitantes, fato que remete à idéia de consenso conflitual (MOUFFE, 2003, p. 16). A complexidade da produção de política também é realçada por Stephen Ball (1998, 2002). Levando em conta a dinâmica do mundo globalizado o autor refere-se à política como um ciclo que articula vários contextos e atores sociais. Na abordagem do ciclo de políticas levam-se em conta as intrincadas relações entre global-local, mas considera-se que há sempre possibilidade de (re)criação em decorrência de localismos, hibridismos e de recontextualizações. Considera-se também que o Estado é um ponto no diagrama do poder. É um conceito necessário, porém, não suficiente para o desenvolvimento analítico do poder (BALL, 2002, p. 27). Isto explica porque ele defende a idéia de que as políticas não podem ser implementadas como pacotes prontos. No Brasil, pesquisadores que se dedicam ao estudo de políticas curriculares (LOPES, 2006, 2008; DIAS, 2009; LOPES e MACEDO, 2011, entre outros) adotam a abordagem do ciclo de políticas por entender que ela é um método de pesquisa que permite compreender as relações entre o que acontece em sala de aula (contexto da Livro 1 - p
3 16 prática) e contextos mais amplos (de produção de textos políticos e de influências externas). Análises realizadas por tais autores não negam que há similaridades entre políticas curriculares que vêm sendo definidas no Brasil e em outros países do mundo globalizado. Todavia, conforme observou Lopes, (2008, p. 23), o conjunto de políticas genéricas globais tem variações, sutilezas e nuances que são hibridizadas nos contextos nacionais, sendo tais políticas aplicadas com diferentes graus de intensidade. Dias (2009), Lopes (2006) destacam a atuação da comunidade epistêmica na produção de políticas. Tal comunidade pode ser caracterizada como uma rede de sujeitos e grupos sociais que participam da produção, circulação e disseminação de textos que constituem as políticas curriculares nos contextos de influência e de definição de textos (DIAS, 2009, p. 14). No caso particular das políticas de currículo, os integrantes de uma comunidade epistêmica global são consultores internacionais, atuantes no governo e/ou nas agências de fomento, produtores livros ou documentos que analisam a situação educacional dos países e propõem soluções, empresários que discutem questões relativas aos conhecimentos da escola. Todos esses sujeitos organizam seminários, conferências, publicações e difundem na mídia idéias relativas às políticas de currículo. O Relatório Delors (2001), produzido pela Unesco com a participação de representantes de diferentes países, visando a apresentar orientações para as políticas educacionais no mundo globalizado, é apenas um dos exemplos dessas produções (LOPES, 2006, p. 145) No âmbito nacional, a atuação das comunidades epistêmicas pode ser notada na produção de documentos curriculares, seja pela participação de alguns de seus membros em comissões, consultorias, conselhos, etc. seja pela produção de discursos em favor de algumas demandas, ou ainda pela inserção efetiva no contexto da prática. Apresentamos a seguir algumas considerações sobre a atuação da comunidade epistêmica da Pedagogia no contexto de produção e de implementação das DCN. 2. O curso de Pedagogia como lócus de formação de professores polivalentes: um tema marcado por antagonismo e litígios No Brasil, a história do curso de Pedagogia revela que sua atuação na formação de professores para os primeiros anos da educação escolar sempre foi objeto de controvérsias e de litígios políticos. A LDB de 1996 acirrou os debates ao propor a criação do Curso Normal Superior (CNS) e dos Institutos Superiores de Educação (ISE), instituições dedicadas à formação de professores. O decreto presidencial n /99 pôs mais lenha na fogueira ao estabelecer a exclusividade dos CNS para a formação dos professores para esses níveis de ensino. O movimento dos educadores Livro 1 - p
4 17 considerou que a criação dos ISE e a oferta de cursos para formação de professores para a educação infantil e para os AIEF exclusivamente pelos CNS representava uma tentativa de por fim ao curso de Pedagogia, proposta já apresentada em décadas anteriores. O novo ataque ao curso de Pedagogia pode ser ilustrado pelo discurso de uma dirigente política que integrou a equipe do Ministério da Educação (MEC), no governo de Fernando Henrique Cardoso. (...) eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a USP e a UNICAMP, e recomeçaria tudo do zero. Isso porque se consagrou no Brasil um tipo de curso de Pedagogia voltado para assuntos exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as escolas públicas e suas reais demandas. (Castro, 2008, apud Brzezinski, 2008, p. 1155) Aguiar et al (2006), Brzezinski (2008), Scheibe (2007), Scheibe e Aguiar (1999) descrevem a luta do movimento dos educadores em defesa da manutenção da formação do docente multidisciplinar no curso de Pedagogia. Scheibe (2007) ressalta que Saviani foi um educador que levantou a voz contra os ISE por entender que tais instituições representavam uma alternativa clara ao curso de Pedagogia, pois elas poderiam desenvolver atividades similares. Os argumentos contrários ao teor do Decreto Nº /99 foram baseados na idéia de que a formação dos profissionais da educação fora das universidades ficaria fragilizada, sobretudo porque os ISE foram desobrigados da tarefa de articular ensino, pesquisa e extensão. Ademais, o modelo de formação defendido era fundamentado no treinamento para transmitir conhecimentos. Em razão da pressão das universidades e das entidades dos educadores o governo federal publicou, em 2000, o Decreto n , que substituiu o termo exclusivamente por preferencialmente (AGUIAR et al 2007, 827). Scheibe (2007) explica que, em função do processo de definição das DCN para o Curso Normal Superior, o Conselho Nacional de Educação (CNE) deu pouca importância para a proposta de DCN elaborada pela Comissão de Especialista de Ensino de Pedagogia (CEEP). Esta comissão, institucionalizada pela Sesu/MEC, tinha dentre outras atribuições a tarefa de organizar diretrizes curriculares gerais para o curso de Pedagogia. A proposta apresentada pela CEEP ao MEC resultou de um amplo processo de negociação com as instituições educativas e as entidades. Tal proposta previa a diversificação na formação do pedagogo para atender às diferentes demandas. Entendeu-se que a diversificação poderia ocorrer por meio do aprofundamento de Livro 1 - p
5 18 conteúdos da formação básica e pelo oferecimento de conteúdos voltados às áreas de atuação profissional priorizadas pelo projeto pedagógico da IES (BRASIL, 1999). A autora explica também que a retomada das discussões sobre a proposta de DCN apresentada pela CEEP só ocorreu após o processo de mobilização nacional em prol de diretrizes que contemplassem as propostas construídas historicamente pelo movimento dos educadores. A luta dos educadores surtiu algum efeito, pois resultou na aprovação de um novo parecer sobre as diretrizes curriculares nacionais para o Curso de Pedagogia. Faz-se necessário ressaltar que os conflitos e litígios relativos à formação de professores polivalentes no curso de Pedagogia não ocorrem apenas entre educadores e os dirigentes públicos. Eles ocorrem também dentro da própria comunidade epistêmica. Isto fica evidente na análise de textos de teóricos que, no Brasil, têm reconhecida autoridade na produção de políticas educacionais. Tal análise foi fundamentada nos escritos de Aguiar et al, (2006); Brzezinski, (2001, 2008); Franco et al (2007); Libâneo (2001, 2006); Libâneo e Pimenta (1999), Saviani, (2007); Scheibe, (2007), Scheibe e Aquiar (1999). Vale ressaltar que os cinco autores que assinam o primeiro texto (Aguiar et al, 2006) se apresentaram como docentes da educação superior e como dirigentes de entidades acadêmico-científicas, a saber: Presidente da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED); Presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE); Presidente do Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR); Presidente do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e Conselheira do Centro de Estudos Educação (CEDES). A escolha destes textos está relacionada com o fato de que eles tratam da Resolução CNE/CP Nº 1/2006 que instituiu as DCN para o curso de Pedagogia (BRASIL, 2006). Este dispositivo legal gerou novas controvérsias ao estabelecer, no Artigo 4º, que os propósitos do curso devem ser voltados explicitamente para a formação de professores da Educação Infantil e AIEF, além da formação de profissionais da educação não-docentes. Dados deste estudo mostram que no interior da comunidade epistêmica analisada há duas formações discursivas de assumem posição antagônicas em relação à formação de professores para a educação infantil e AIEF, no interior do curso de Pedagogia. Uma delas considera que as orientações expressas nas DCN não são compatíveis com os propósitos da Pedagogia e com a formação do pedagogo, concebido como não-docente. Livro 1 - p
6 19 A outra formação discursiva considera que o citado texto político não contempla todas as demandas do movimento dos educadores, mas incorpora boa parte delas. Franco et al (2007), Libâneo (2001, 2006), Libâneo e Pimenta (1999), Saviani, (2007) fazem críticas contundentes às DCN por entender que ela contrapõe à natureza epistemológica da Pedagogia, concebida como a ciência da e para a educação. Eles amealham argumentos para explicar que um professor é um pedagogo, mas nem todo pedagogo precisa ser professor. Por assim entender os autores afirmam que a docência não é marcador identitário para Pedagogia, mas o contrário: sem a Pedagogia, permeando e dando sentido à prática docente, a ação docente transforma-se em mero modo de fazer uma tarefa (FRANCO et al, 2007, p. 69). Libâneo (2001) afirma que a associação da Pedagogia como formação de professores da educação básica é simplista, reducionista e um problema é histórico que tem relações com a própria etimologia da palavra. Há, de fato, uma tradição na história da formação de professores no Brasil segundo a qual pedagogo é alguém que ensina algo. Essa tradição teria se firmado no início da década de 30, com a influência tácita dos chamados pioneiros da educação nova, tomando o entendimento de que o curso de Pedagogia seria um curso de formação de professores para as séries iniciais da escolarização obrigatória. O raciocínio é simples: educação e ensino dizem respeito a crianças (inclusive porque peda, do termo pedagogia, é do grego paidós, que significa criança). Ora, ensino se dirige a crianças, então quem ensina para crianças é pedagogo. E para ser pedagogo, ensinador de crianças, é preciso fazer um curso de Pedagogia. Foi essa idéia que permaneceu e continua viva na experiência brasileira de formação de professores. Aliás, a aceitar esse raciocínio, não sabemos por que os cursos de licenciatura também não receberam a denominação de cursos de Pedagogia. (LIBÂNEO, 2001, p. 5) Os que defendem esta formação discursiva afirmam que a identificação do pedagogo como um professor desqualifica o termo Pedagogia e tem muitos efeitos nefastos como, por exemplo, a descaracterização do campo teórico-investigativo da pedagogia e das ciências da educação (LIBÂNEO e PIMENTA, 1999, p. 247). Saviani (2007) endossa essa idéia ao considerar que as DCN para Pedagogia são muito restritas no que se refere ao essencial (estudos relativos aos fundamentos teóricos e metodológicos da Pedagogia) e assaz excessivas no acessório. Este termo é utilizado pelo autor para se referir ao que ele denomina de novos paradigmas da cultura contemporânea: questões ambientais; pluralidade; interdisciplinaridade; contextualização; democratização; ética; sensibilidade afetiva e estética; exclusões sociais; questões étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas; diversidade; Livro 1 - p
7 20 diferenças; gêneros; faixas geracionais; escolhas sexuais (SAVIANI, 2007, p. 127). Por não reconhecer a validade das DCN para a formação do pedagogo os autores desta formação discursiva reivindicam a elaboração de um texto oficial que seja, de fato, compatível com a natureza epistemológica da Pedagogia. Aguiar et al, (2006); Brzezinski, (2001, 2008); Scheibe, (2007), Scheibe e Aguiar (1999) fazem parte da formação discursiva que defende o curso de Pedagogia como lócus privilegiado para a formação de professores para a educação básica. No discurso por eles apresentado o fundamento do currículo na docência não é um reducionismo, mas sim uma possibilidade de superação da histórica dicotomia entre teoria e prática, entre ensino e pesquisa, entre especialista e docente e, por conseguinte, entre bacharelado e licenciatura. Na opinião de Scheibe (2007) as DCN aprovadas mantêm antigas ambigüidades, mas, representam uma solução provisória para velhos conflitos do campo da Pedagogia. Isto explica porque ela dá a seu texto o seguinte título: Diretrizes curriculares para o curso de Pedagogia: trajetória longa e inconclusa. Do nosso ponto de vista este título reitera a tese defendida por Ball (2002) de política como um ciclo contínuo. 3. O lugar do ensino de ciências naturais no curso de Pedagogia A análise desta questão foi desenvolvida com base em seis Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) de curso de Pedagogia, sendo três ofertados UFT e três pela UFMT. Tais cursos são realizados em campi diferentes. Antes de apresentar os resultados das nossas análises é pertinente destacar que consideramos o PPP como um texto curricular resultante de complexos processos de discussões, de negociação e articulações políticas para fixação de sentidos. Supomos que, no processo de produção dos referidos PPP algumas vozes foram ouvidas enquanto outras foram silenciadas. As vozes não contempladas podem continuar operando no contexto da prática na defesa de suas demandas, influenciando assim nos processos de recontextualização da política curricular. Um dos aspectos que salta aos olhos na leitura dos textos é a forte influência da Resolução CNE/CP Nº 1/06. Todos os PPP foram orientados pelo propósito de formar professores (para exercício do magistério na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, em Educação Profissional), bem como de formar profissionais da educação para outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, em conformidade com o Livro 1 - p
8 21 que foi preconizado na citada resolução. Esta formação de caráter abrangente explica o amplo repertório de disciplinas obrigatórias e optativas. As disciplinas optativas relacionadas, especialmente, com aquilo que Saviani (2007) chamou de acessório (educação ambiental, educação indígena, cultura afro-brasileira, educação especial, informática na educação, etc.) As influências das DCN nos PPP não permitem falar em homogeneidades. Cada PPP tem as suas singularidades e trazem marcas de processos de recontextualização. As singularidades tornam-se mais evidentes quando se observa, por exemplo: os princípios teóricos e metodológicos que orientam a formação; a carga horária das disciplinas relacionadas com os fundamentos da educação (alguns PPP destinam cerca de 120 horas ou mais para cada disciplina desta área enquanto outros destinam apenas 60 horas); a composição, organização e desenvolvimento do núcleo de estudos integradores. Os localismos, hibridismos e as recontextualizações mostram que os autores dos textos oficiais não podem controlar os significados dos seus textos ainda que realizem esforços no sentido de possibilitar uma correta leitura. Isso pode ser explicado pelo fato de que um texto físico que chega ao contexto da prática não ingressa num vazio social ou institucional. O texto, seus leitores e o contexto de respostas têm histórias (Ball, 2002, 22). As dificuldades inerentes ao contexto da prática também são aspectos que afetam as políticas, resultando em respostas diferenciadas. No que diz respeito ao lugar do ensino de ciências naturais no curso de Pedagogia é imperativo destacar que se trata de uma exigência da Resolução citada anteriormente, pois, o curso volta-se para a formação de professores polivalentes. Como a legislação não determina conteúdos mínimos, as variações são previsíveis. Nas análises observamos que as variações referem-se particularmente à denominação da disciplina, à carga horária e à organização da ementa. A denominação mais recorrente é Fundamentos e Metodologia do Ensino das Ciências Naturais. Quanto à carga horária, em quatro dos seis cursos analisados, a disciplina é desenvolvida em 60 horas-aula. Dois cursos da UFMT ofertam duas disciplinas com a mesma denominação seguida da indicação: I e II. No caso do curso desenvolvido na modalidade presencial, em Cuiabá, a carga horária das duas disciplinas corresponde a 135 horas. No curso a distância a carga horária das duas disciplinas é 180 horas. Podemos dizer, portanto, que na maior parte dos cursos, o ensino de ciências naturais ocupa um lugar modesto no currículo, sendo vinculado ao segundo núcleo de estudos que trata da formação didáticopedagógica para o exercício do magistério. Livro 1 - p
9 22 A análise das ementas indica predomínio de conteúdos relacionados com os fundamentos teóricos e metodológicos do ensino de ciências naturais (Concepção de ciência, finalidades do ensino de ciências, tendências no ensino de ciências, características do pensamento infantil, metodologia do ensino de ciências, experimentação, projetos de ensino, etc.). Indica também preocupação com o ensino de conteúdos trabalhados nos AIEF. Fica evidente o entendimento de que a disciplina integra o currículo de um curso de formação de professores. Por essa razão precisa ser organizada na perspectiva de ensinar o futuro professor a ensinar ciências para alunos da educação básica. Em outras palavras, busca-se articular, permanentemente, conteúdos e metodologias na perspectiva de adaptar as disciplinas científicas para fins de ensino. Há razões para crer que as disciplinas são orientadas preferencialmente para o magistério nos AIEF. Poucas ementas fazem referência à educação infantil e à educação de jovens e adultos. Há silêncio também quanto ao propósito de organizar o currículo de forma interdisciplinar. Cada disciplina é apresentada como se fosse uma unidade separada do todo. Considerações finais As análises desenvolvidas neste estudo remetem ao entendimento de que a comunidade epistêmica da Pedagogia tem atuado efetivamente na produção de políticas educacionais para formação dos profissionais da educação. Os antagonismos observados nas duas formações discursivas elucidam a luta pela produção de hegemonia. Esta é entendida como uma relação em que um conteúdo particular assume, num certo contexto, a função de encarnar uma plenitude ausente (LACLAU, apud MENDONÇA, 2006, p. 76). No contexto de produção das DCN em tela, o discurso potencialmente capaz de encarnar a plenitude ausente foi o que caracteriza o curso de Pedagogia como um espaço privilegiado para a formação de professores para os primeiros anos da educação Básica. Entendemos que a hegemonia deste discurso está relacionada com, pelo menos, três fatores: a) por incluir princípios defendidos pelo movimento dos educadores; b) por representar uma solução, mesmo que provisória, para históricas controvérsias inerentes ao curso de Pedagogia; c) pelo fato de que, no Brasil, centenas de cursos de Pedagogia já haviam orientado o currículo do curso para a formação de professores para a educação infantil e para os AIEF. É pertinente destacar que os autores dos textos analisados assumem Livro 1 - p
10 23 posicionamentos divergentes em relação à identificação do curso de Pedagogia como uma licenciatura. Porém, em situações nas quais a existência do curso é ameaçada eles promovem articulações para defender a manutenção dele. Nas situações de conflito interno eles comportam-se como adversários que reconhecem o Outro não como um inimigo a ser destruído, mas sim como alguém que tem o direito de defende idéias contrárias. Esta postura mostra que é possível produzir políticas com base no pluralismo agonístico referido por Mouffe (2003, 2006). No que diz respeito ao lugar do ensino de ciências no currículo do curso de Pedagogia observamos que se trata de uma exigência da Resolução CNE/CP Nº 01/2006 em função do propósito de formar professor polivalente. Do nosso ponto de vista a carga horária destinada ao ensino de ciências naturais (60 horas) pela maior parte dos cursos não é suficiente para uma formação adequada para o exercício do magistério na educação infantil e nos AIEF (que inclui a educação de jovens e adultos). Por essa razão defendemos a proposta formulada pela CEEP que previu a diversificação na formação do pedagogo. A diversificação permitiria o aprofundamento não apenas dos conteúdos da formação básica, mas também dos conteúdos voltados às áreas de atuação profissional priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições de educação superior. Em síntese, entendemos que existência de ambigüidades referente às DCN para o curso de Pedagogia e as manifestações de insatisfação em relação a elas é uma evidência de que a produção de políticas é um processo complexo e sempre provisório. REFERÊNCIAS AGUIAR, M. A. et al. Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia no Brasil: disputas de projetos no campo da formação do profissional da educação. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 27, n. 96 Especial. out p BALL, S. Cidadania global, consumo e política educacional. In. SILVA, L. H. A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, P Textos, discursos y trayetórias de La política: La teoría estratégica. In. Páginas. Año 2. Nº. 2 y 3. Set PP BRZEZINSKI, I. Políticas contemporâneas de formação de professores para os anos iniciais do ensino fundamental. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 29, n. 105, p , set./dez DIAS, R. E. Ciclo de políticas curriculares na formação de professores no Brasil ( ). Tese de doutorado. Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. UERJ, Rio de Janeiro, Livro 1 - p
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