Cena da varanda, de Romeu e Julieta (William Shakespeare)

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Luísa Aldeia Caiado
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1 Cena da varanda, de Romeu e Julieta (William Shakespeare) [Surge Julieta em cima] Calma!, que luz é aquela na janela? É o leste e traz Julieta como um sol. Sobe, formoso sol, e mata a lua, Que sofre da anemia do ciúme, Pois tu, sua devota, és mais formosa: Não stejas ao serviço da ciumenta: Seu hábito vestal é doença verde Que só os tolos usam, tira-o já. Minha senhora, Oh!, meu grande amor! Oh!, se ela já o soubesse! Parece que ela fala sem falar Respondo a esses olhos que conversam? Que audaz! Não é a mim que el s se dirigem: Ausentes em trabalho, duas estrelas Pediram aos seus olhos p ra brilharem Nas órbitas enquanto elas não voltam. E se entre si trocassem de lugar? Sua face humilharia essas estrelas (Um sol p ra duas candeias), e os seus olhos Escoariam no céu tão grande brilho Que as aves cantariam em delírio. Como ela apoia o rosto sobre a mão! Fosse eu nessa mão luva p ra poder Tocar seu rosto! Ai de mim! Falou: Oh!, fala uma outra vez, anjo brilhante, Pois nesta noite tu és gloriosa Como é no céu o alado mensageiro P ra os olhos revirados em espanto Dos mortais que se inclinam para o ver Quando ele monta nuvens indolentes, E voga em pleno âmago do ar. [À parte] Por que razão, Romeu, és tu Romeu? Nega o teu pai e o nome que vem dele, Ou então jura que és o meu amor, E eu não mais saberei ser Capuleto.

já. Minha senhora, Oh!, meu grande amor! Oh!, se ela já o soubesse! Parece que ela fala sem falar Respondo a esses olhos que conversam? Que audaz!

2 2 Ouço ainda ou respondo já a isto? [À parte] Por inimigo tenho só teu nome, Montéquio ou não, tu és sempre tu mesmo. O que é Montéquio? Não é mão nem pé, Nem braço, rosto, nada que componha Um corpo humano. Sê um outro nome. Vale isso o quê? Teria a rosa odor Tão doce se outro nome fosse o seu. A cara perfeição que Romeu tem Também se manteria se ele assim Não se chamasse. Despe esse teu nome, E em troca desse título acessório Toma-me a mim. Eu tomo a tua palavra: Não mais serei Romeu daqui em diante, Batiza-me de novo como amor. [Para ela] Que homem és tu que oculto em plena noite Invades meus cuidados? Por um nome Não sei como dizer-te quem eu sou: Odeio, amada santa, este meu nome, Pois ele é para ti um inimigo. Fosse el palavra escrita e rasgá-lo-ia. Ainda não ouvi uma centena Destas falas e já conheço o som: Não és tu tão Romeu quanto Montéquio? Nenhum, donzela, se ambos te desgostam. Diz-me: como e porquê chegaste aqui? Os muros do pomar são escarpados, E, sendo tu quem és, o sítio é morte Se algum dos meus parentes te encontrar. Com asas muito leves sobrevoei Tais barreiras de pedra derrotadas

A cara perfeição que Romeu tem Também se manteria se ele assim Não se chamasse. Despe esse teu nome, E em troca desse título acessório Toma-me a mim.

3 3 Por quanto o amor é fiel ao seu possível: Teus parentes não são maior entrave. É certa a tua morte, se el s te virem. Ai!, nos teus olhos há bem mais perigo Que em vinte espadas: olha com doçura, E serás meu escudo contra o ódio. Só spero que ninguém te veja aqui! Pelo manto da noite estou oculto, E até me conviria essa tal morte, Se, não me amando tu, me parecesse Demasiado comprida a minha vida. Quem te disse o caminho para cá? O amor deu-me vontade e orientação, E eu retribuí confiando-lhe os meus olhos. Se estivesses tão longe quanto as praias Mais longínquas, não sendo eu marinheiro, Partiria por tal mercadoria. Se eu não tivesse a máscara da noite, Tudo aquilo que ouviste pintaria Um rubor de donzela em minha face. Deveria negá-lo por decoro: Só que às boas maneiras digo adeus! Tu amas-me? Já sei que dirás Sim, E em ti eu confiarei. Mas quem mais jura, Mais mente: dos perjúrios dos amantes Riem-se os deuses. Oh!, meu bom Romeu, Se me amas, sê sincero quando o assumes: Ou se achas que pareço mulher fácil, Eu mostro-me perversa e digo não, Na condição de assim me cortejares. stou perdida de amor, belo Montéquio, Pareço libertina à conta disso: Mas, confia, serei bem mais fiel Que aquelas que se mostram virtuosas. Deveria ter tido mais recato, Mas, se ouviste a verdade deste amor,

Pelo manto da noite estou oculto, E até me conviria essa tal morte, Se, não me amando tu, me parecesse Demasiado comprida a minha vida. Quem te disse o caminho para cá?

4 4 Foi sem querer. Desculpa, não confundas Com ligeireza a minha rendição Que a noite inda que escura revelou. Senhora, pela santa lua eu juro, Pela prata com que ela cobre as árvores Não jures pela lua, essa inconstante Que em sua esfera muda mês a mês, Não vá ser teu amor assim volúvel. Por quem devo jurar? Oh!, por ninguém: Ou então, por tua graça apenas jura, És o Senhor da minha adoração, Da fé toda a razão. Se o meu amor Não jures. A alegria que me dás, Não a sinto no pacto desta noite: É súbito demais, irrefletido, Relâmpago já findo no momento Em que é posto em palavras. Sim, boa noite! Quando me reencontrares, o ar do estio Terá feito o botão do amor florir. Boa noite, seja suave o teu descanso Como aquel que em meu peito mora manso. Oh! deixar-me-ás assim insatisfeito? Mas qual satisfação querias hoje? Só a troca das juras fieis de amor. A minha, sem ma ter s pedido eu dei-ta: Ah!, se ela em minha posse inda estivesse

Oh!, por ninguém: Ou então, por tua graça apenas jura, És o Senhor da minha adoração, Da fé toda a razão. Se o meu amor Não jures.

5 5 Com que intenção, amor? P ra a retirares? Para ta dar de novo, com candura. E, contudo, desejo o que já tenho. Pois sou tão generosa quanto o mar, E tão profunda: quanto mais te dou, Mais tenho, é dupla a nossa infinidade. Ouço ruído lá dentro. Amor, adeus! [Fora de cena, a ama chama por Julieta] Já vou, ama! Montéquio, sê leal. Fica apenas um pouco, que eu já volto. [Sai, por cima] Oh! noite tão bendita que me faz Recear que por ser noite eu viva um sonho, Um deleite que iluda a realidade. [Surge Julieta em cima] Duas palavras, amor, e então boa noite. Se pretendes honrar-me em casamento, Informa o mensageiro que amanhã Eu te enviarei, da hora e do lugar Em que o ritual será cumprido, e então, A teus pés estará minha fortuna, E seguir-te-ei, senhor, por toda a parte. [Fora de cena, a ama chama: Minha senhora! ] Já vou. Mas se não tens intenções puras, Imploro-te [Fora de cena, a ama chama: Minha senhora! ] Eu vou já sem demora. Que a luta cesses, deixa-me em pesar. Amanhã se fará. Disso dependo Mil vezes boa noite! Mil vezes entristeço sem tua luz. O amor do amor se afasta com o amuo Da criança que retorna para o estudo. [Sai, por cima] [Romeu começa a afastar-se] [Surge Julieta de novo em cima]

Montéquio, sê leal. Fica apenas um pouco, que eu já volto. [Sai, por cima] Oh! noite tão bendita que me faz Recear que por ser noite eu viva um sonho, Um deleite que iluda a realidade.

6 6 Ouve! Tivesse eu voz de falcoeiro, P ra fazer regressar a minha ave! A servidão é rouca, fala baixo, Senão eu forçaria a gruta de Eco, P ra lhe impor rouquidão maior que a minha Com a repetição do meu Romeu. É a minha própria alma que me chama. Que bem soam à noite os namorados, P ra quem os ouve fazem suave música! Romeu! Avezinha? A que horas, amanhã, te envio alguém? Quando soarem as nove. Cumprirei: são vinte anos até lá. Mas que outra coisa eu vinha te dizer? Até te recordares fico aqui. Só me recordarei de como gosto Da tua companhia, fica então. Não hás de ter nenhuma outra lembrança, Nem eu hei de ter poiso senão este. Sendo quase manhã, quero que partas: Não mais, porém, que a ave do garoto Que a deixa voar um pouco da sua mão, Prisioneira em grilheta retorcida, E com fio de seda a traz de volta Da liberdade até ao seu ciúme. Fosse eu essa tua ave.

Que bem soam à noite os namorados, P ra quem os ouve fazem suave música! Romeu! Avezinha? A que horas, amanhã, te envio alguém? Quando soarem as nove. Cumprirei: são vinte anos até lá.

7 7 Digo o mesmo: Mas ser-te-ia letal tanto cuidado. Boa noite! É dor tão doce o ir s embora, Que eu direi boa noite até à aurora. [Sai, por cima] More sono em teus olhos, paz no peito! Fosse eu tal sono e paz nesse teu leito!

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