UMA VISÃO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE COMPRAS GOVERNAMENTAIS NO BRASIL E EUA:
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- Alfredo da Costa Figueiredo
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1 Charles Chaplin UMA VISÃO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE COMPRAS GOVERNAMENTAIS NO BRASIL E EUA: Abordagem segundo o Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho JANEIRO 2004
2 UMA VISÃO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE COMPRAS GOVERNAMENTAIS NO BRASIL E EUA: Abordagem segundo o Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho JANEIRO 2004 As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do autor
3 AGRADECIMENTOS Agradeço à Andréa Fernandes do BNDES que me introduziu no tema das compras governamentais e à ajuda de Roberto Pereira e Sheila Najberg, também de lá, que me apoiaram com os dados sobre pequenas empresas. Agradeço ao professor Nelson Chalfun, meu orientador, pelas dicas que tanto ajudaram na confecção deste trabalho. A equipe do Seminário de Área Específica (SAE) do IE/UFRJ, professores Nivalde Castro e Rubens Rosental, que com bastante dedicação contribuíram na elaboração do projeto. Aos diversos professores do IE que contribuíram de forma essencial para minha formação intelectual, em especial, Maria Tereza Leopardi Mello e Denise Lobato Gentil, que fortaleceram meu gosto pelo estudo do setor público. Agradeço de forma especial a meus pais, sem os quais a conclusão da graduação em economia e a realização deste trabalho não seriam possíveis.
4 RESUMO O presente trabalho analisa as normas e procedimentos nas compras governamentais de Brasil e EUA, utilizando como referência teórica o modelo de Estrutura-Conduta-Desempenho. Busca-se examinar se estas normas e procedimentos apresentam diferenças significativas entre os dois países e, neste caso, quais as implicações destas diferenças sobre a concorrência no mercado de aquisições governamentais. O estudo faz a escolha metodológica de tratar as compras do governo como um mercado à parte do mercado privado e, com isso, examinar a fixação de condições básicas e critérios de desempenho pelo Estado, a fim de determinar como o governo atua sobre a concorrência entre os fornecedores e as condutas das firmas. As políticas governamentais gerais que atuam sobre as compras são também examinadas. Uma importante recomendação derivada das conclusões resultantes do estudo é a de que o governo brasileiro deveria se esforçar em aumentar seu número de potenciais fornecedores nas mais diversas licitações. Este esforço será normalmente conseguido por meio da fixação de condições básicas adequadas no mercado relevante (aceitação de produtos bons substitutos, evitar estabelecimento de restrições legais excessivas etc) e simplificação de procedimentos que reduzam as barreiras à entrada no mercado. Para isto, faz-se necessário tratar as compras como política pública, com a criação de indicadores capazes de avaliar a eficiência, eficácia e efetividade das ações, reduzindo a importância relativa da mera observância dos aspectos legais.
5 SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES ALCA APEC BEC BNDES EUA FAR FINBRA FMI FPDC GPA IPEA MPO NAFTA Norte) OCDE OMC PIB PME s SBA SEBRAE SIASG STN Área de Livre Comércio das Américas Asia-Pacific Economic Cooperation Bolsa Eletrônica de Compras Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social Estados Unidos da América Federal Acquisition Regulation (Regulamento Federal de Aquisições) Finanças do Brasil Fundo Monetário Internacional Federal Procurement Data Center (Centro Federal de Dados de Compra) Government Procurement Agreement (Acordo de Compras Governamentais) Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ministério do Orçamento, Planejamento e Gestão North American Free Trade Agreement (Acordo de Livre-Comércio da América do Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico Organização Mundial de Comércio Produto Interno Bruto Pequenas e médias empresas Small Business Administration Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais Secretaria do Tesouro Nacional
6 ÍNDICE INTRODUÇÃO... 8 CAPÍTULO I O MODELO E-C-D E AS COMPRAS PÚBLICAS I.1 VISÃO GERAL DO MODELO ESTRUTURA-CONDUTA-DESEMPENHO I.2 ASPECTOS MACROECONÔMICOS LIGADOS ÀS COMPRAS PÚBLICAS I.3 ASPECTOS MICROECONÔMICOS LIGADOS ÀS COMPRAS PÚBLICAS I.4 O MERCADO RELEVANTE E AS QUESTÕES DO E-C-D CAPÍTULO II COMPRAS GOVERNAMENTAIS NOS ESTADOS UNIDOS II.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS II.2 PREFERÊNCIA PELA PRODUÇÃO NACIONAL II.2.1 Buy American Act II.2.2 Balance of Payments Program II.3 PREFERÊNCIA PELAS PEQUENAS EMPRESAS II.4 ACORDOS INTERNACIONAIS II.5 PROCEDIMENTO EM LICITAÇÕES II.5.1 Licitação Aberta (sealed bidding) II.5.2 Aquisição Negociada II.5.3 Licitação Simplificada II.5.4 Dispensa de Licitação II.6 INTRODUÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO CAPÍTULO III COMPRAS GOVERNAMENTAIS NO BRASIL III.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS III.2 PROCEDIMENTOS EM LICITAÇÕES III.3 INTRODUÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO CAPÍTULO IV O SISTEMA DE COMPRAS PÚBLICAS DE EUA E BRASIL ANALISADOS À LUZ DO E-C-D IV.1 DAS CONDIÇÕES BÁSICAS AO DESEMPENHO: PROMOVENDO A COMPETIÇÃO IV.1.1 UM EXEMPLO CONCRETO IV.2 DO DESEMPENHO À CONDUTA DAS FIRMAS E ESTRUTURA DOS MERCADOS:OS EFEITOS DE FEEDBACK IV.3 A POLÍTICA PÚBLICA:ACOMPANHANDO E AVALIANDO AS COMPRAS DO GOVERNO CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 73
7 LISTA DE FIGURAS, GRÁFICOS E TABELAS FIGURAS Figura Paradigma Estrutura - Conduta - Desempenho...18 GRÁFICOS Gráfico Compras do Governo dos EUA, % do PIB...29 QUADROS Quadro 4.1 Condições Básicas no Mercado Relevante...57 TABELAS Tabela Compras do Governo Federal Estadunidense por Continentes, Tabela Compras para Custeio do Governo Federal, R$ mil correntes...51
8 INTRODUÇÃO O aprofundamento da abertura comercial por grande parte dos países periféricos no início dos anos 90 possibilitou um grande avanço nas negociações multilaterais de comércio. Este avanço trouxe consigo a introdução de novos temas na agenda de discussão multilateral, principalmente a partir de uma proposta européia feita na Conferência Ministerial de Cingapura em A proposta incluía quatro novas áreas: políticas de investimento, competição, compras governamentais e facilitação do comércio. Desde então, estes temas, que ficaram conhecidos como Agenda de Cingapura, vêm sendo introduzidos pelos países mais desenvolvidos na pauta de negociação de acordos de livre comércio, como a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), e discutido mesmo a nível multilateral na Organização Mundial de Comércio (OMC). A área de compras governamentais é de especial relevância devido a seu peso na economia mundial [US$ 2.6 trilhões ou 8,7% do PIB mundial em 1998, segundo um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 2 ] e particularmente no Brasil (onde as compras do consolidado dos três níveis da federação atingiram o montante de R$ 103 bilhões em ). Estas compras são fruto das aquisições que, em cada país, o governo realiza para prover serviços como defesa, educação e infra-estrutura. Assim, é importante que o Estado tenha um bom sistema de compras de forma a assegurar uma alocação eficiente dos escassos recursos governamentais, que vem em sua maior parte de tributos coletados junto aos cidadãos. Devido a sua natureza, as compras públicas são de algum modo diferente das compras 1 A Conferência Ministerial de Cingapura ocorreu de 9 a 13 de dezembro de 1996 e reuniu ministros do comércio, relações exteriores, fazenda (ou, dependo do país, finanças) e agricultura dos 120 membros da Organização Mundial de Comércio (OMC), além de representantes do governo de outros países interessados em ingressar na organização. A Conferência envolveu reuniões plenárias e várias seções de negócios bi, pluri ou multilaterais, avaliando também os dois anos de implementação dos acordos estabelecidos na Rodada Uruguai. Esta foi a primeira conferência que ocorreu após o estabelecimento da OMC em janeiro de Até esta data vigorava o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), que teve sua primeira versão assinada em 1947, e após uma série de rodadas de negociação deu origem a OMC. Mais informações sobre a conferência podem ser encontradas em: 2 Ver Audet (2002, p. 23). 3 Esta é a soma dos valores encontrados estimando-se as compras a partir do Balanço Geral da União e dos balanços consolidados de estados e municípios disponíveis no FINBRA.
9 realizadas pelo setor privado. Os governos dos diversos países desenvolveram, ao longo do tempo, regras formais e procedimentos visando aumentar a eficiência de suas compras. Isto foi feito basicamente por meio de uma ampla e detalhada legislação que se aplica a todas as aquisições realizadas pelo setor público 4. Desta forma, as instituições (formais e informais) que atuam sobre as compras tem especial importância, pois é por meio dela que se determina qual será o grau de competição, que fatores extrapreços terão peso nas decisões de compras e diversos outros mecanismos. Um acordo comercial que envolva compras governamentais visa fornecer tratamento nacional ao produto estrangeiro. Assim, o governo de um país que assina este tipo de acordo se propõe a, em compras acima de um certo valor, não estabelecer distinções entre os bens e serviços provenientes de outro(s) país(es) signatário(s) e os nacionais. Desta forma, antes da negociação de um acordo de compras públicas, o governo deve avaliar as normas e procedimentos que regem suas compras, já que, após este, elas estarão submetidas à disciplina multilateral, ou seja, outros países acompanharão as mudanças na legislação relativas às compras e poderão impor sanções comerciais caso sintam-se prejudicados. Esta avaliação poderia envolver a análise dos custos que as firmas incorrem ao fornecer ao governo e os custos administrativos do governo ao realizar suas compras 5, as instituições (normas formais e informais) que atuam sobre o processo de compra e os critérios que serão utilizados para selecionar a melhor proposta. Uma parte desta avaliação poderia ser feita por meio de uma reflexão utilizando o modelo de Estrutura-Conduta-Desempenho, doravante denominado modelo E-C-D. Principalmente porque a assinatura de um acordo comercial visa alterar a estrutura do mercado que atende a compras governamentais, aumentando o número potencial de fornecedores estrangeiros. No entanto, caso os procedimentos de compra se tornem mais complexos com o acordo, pode-se diminuir o número de pequenos fornecedores nacionais. Ao se atentar para o número e tamanho de fornecedores do governo, assim como seu poder de fixar preços, abandona-se o modelo neoclássico de concorrência perfeita e trabalhase com uma teoria que aceite poder de mercado e número pequeno de concorrentes. O modelo E-C-D de organização industrial constitui-se como um paradigma alternativo aos modelos 4 Esta legislação, em alguns países, varia em complexidade de acordo com o nível de governo, mas, de qualquer forma, pode-se colocar que as compras estão sujeitas a procedimentos bem mais complexos que no setor privado.
10 neoclássicos para o entendimento de mercados e fornece uma interessante descrição de como acontecerá a concorrência entre as firmas no fornecimento ao governo. Esta descrição pode ser valiosa tanto para agentes públicos responsáveis por processos de compra quanto para legisladores. Sua utilização neste trabalho busca defrontar as normas e procedimentos que regem as compras públicas com as restrições que as mesmas colocam sobre os mercados que poderiam atender a esta demanda. Por exemplo, se a legislação exige que uma firma para estabelecer um contrato com o governo precisa ter um capital mínimo de R$ 100 milhões, as pequenas empresas certamente não poderão fornecer ao governo. Assim, as firmas grandes do setor onde o governo realizará sua compra estarão sujeitas a uma menor competição, que poderá resultar em preços mais altos. Isto vale para todos os entraves existentes no fornecimento ao governo e, desta forma, torna-se importante analisar a contribuição de Bain, que aprofundou o estudo das barreiras à entrada. A versão do modelo E-C-D aqui utilizada é devida a Scherer e Ross (1990) que apontaram para efeitos de feedback nas relações causais presentes no modelo seminal de Mason (1939) e introduziram novas variáveis ligadas à política pública. Sua aplicação às compras governamentais será feita basicamente como um referencial para reflexão, já que não estão publicados os dados necessários para um teste do modelo. As características gerais do modelo são pertinentes ao estudo das compras públicas em dois sentidos. Primeiro, o governo fixa grande parte das condições básicas necessárias para as firmas que desejem concorrer em suas compras, como os requisitos legais e necessidade de experiência anterior. Desta forma, afeta o número de potenciais fornecedores (estrutura). A diminuição do número de competidores, incentiva as firmas a terem uma política de preços menos agressiva (conduta), o que tende a elevar os custos para o governo (desempenho). Segundo, o governo, ao fixar seus critérios de julgamento das propostas das firmas (desempenho) e criar os mecanismos que influirão sobre as estratégias das firmas (conduta), amplia ou reduz o número de firmas que poderia atender a suas compras (estrutura do mercado). Desta forma, o presente estudo analisa as normas e procedimentos nas compras governamentais de EUA e Brasil, utilizando como referência teórica o modelo de estrutura- 5 Estes dois custos podem ser entendidos como custos de transação.
11 conduta-desempenho. Busca-se examinar se estas apresentam diferenças significativas entre os dois países e, neste caso, quais as implicações destas diferenças sobre a concorrência nas aquisições governamentais. É importante ressaltar que este é um setor que responde por uma parte significativa da renda mundial, sendo que nele a legislação que regula as compras tem um papel muito importante. Normas que propiciem a diminuição do custo das aquisições também liberam recursos orçamentários que podem ser utilizados como gasto social, ou mesmo, para o aumento do superávit primário. A escolha dos dois países se deve à opção dos mesmos por paradigmas opostos no que diz respeito às estratégias para realizar as compras governamentais. Os EUA optam por privilegiar a produção nacional, principalmente as pequenas empresas. Desta forma, esforçamse por reduzir os entraves às firmas que pretendem fornecer ao governo (barreiras à entrada) e admitem margens de preferência para os bens e serviços nacionais. O Brasil opta por estabelecer uma concorrência ampla e aberta, não importando a nacionalidade ou tamanho da firma. Assim, acaba por estabelecer poucas medidas de incentivo às firmas para participarem das concorrências governamentais. Estas diferenças levam a resultados diversos em relação à concorrência no mercado que atenderá as compras governamentais, algo que ficará mais claro no capítulo IV. O estudo da experiência estadunidense é também estratégico para o Brasil, pois os dois países vêm negociando a ALCA e as compras governamentais são um dos assuntos em pauta. Além disso, os EUA são signatários de uma série de acordos comerciais sobre o tema, tanto a nível regional (como o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, NAFTA na sigla em inglês), quanto no âmbito da OMC, que são limitados por dispositivos em sua legislação nacional, que permitem o direcionamento das compras para a produção nacional de pequenas empresas. Estes dispositivos dificultam a negociação e podem mesmo vir a diminuir os benefícios de um acordo do tipo com o país. A prática brasileira também é um importante foco de estudo, pois a introdução das tecnologias da informação possibilitou que compras que levassem em média 2 meses pudessem ser realizadas em até 2 semanas 6. Isto sem contar a redução nos preços dos bens e 6 Ver SIASG/ Comprasnet: A Tecnologia da Informação na Gestão das Compras Governamentais na Administração Pública Federal Brasileira, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2002, p. 31.
12 serviços adquiridos (que oscilam em torno de 20%) 7 e o aumento da concorrência fruto da possibilidade do acesso de micro e pequenas empresas ao mercado de compras governamentais. O trabalho busca avançar nas questões levantadas por Moreira & Morais (2002), principalmente em relação à quantificação deste mercado, à introdução das tecnologias da informação e na discussão do impacto das normas sobre os resultados alcançados pelas aquisições governamentais. Há também uma diferença de foco, pois os autores buscam analisar as políticas e procedimentos tendo em vista sua adequação a acordos internacionais envolvendo compras, enquanto aqui se busca chegar a alguns resultados relativos aos efeitos das normas sobre as formas como se dão as compras governamentais e ao número de firmas competindo nas licitações. Outra diferença é que o trabalho citado não utiliza um referencial teórico explícito, ao passo que aqui se utiliza o modelo E-C-D. A utilização de dados se restringe àqueles que estavam disponíveis por meio de publicações. Isto levou a algumas dificuldades principalmente no caso brasileiro, pois os dados disponíveis são muito gerais, não sendo possível saber, por exemplo, qual parcela das compras públicas é apropriada por pequenas empresas, nem por firmas estrangeiras 8. O trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro traz uma breve descrição do modelo de estrutura-conduta-desempenho, delimitando depois o conceito de compras governamentais e suas especificidades, como a realização das mesmas por meio de licitações. Faz-se uma estimativa de quanto estas representam da renda mundial, assim como uma apresentação geral do processo licitatório. Este capítulo termina apresentando a metodologia utilizada para determinar o mercado relevante e levantando algumas questões que o modelo E- C-D suscita sobre as compras. O segundo capítulo descreve as normas e procedimentos que regem as compras do setor público nos EUA. Dedica especial ênfase nas medidas que afetam o grau de concorrência nas licitações, como a concessão de preferência à produção nacional e às pequenas empresas, a assinatura de acordos internacionais sobre o tema e a introdução de tecnologias da informação a fim de difundir o acesso de PME s ao mercado de compras governamentais. As diferentes formas segundo as quais o governo realiza suas compras são 7 Ver Ferrer (2003, p. 10).
13 também apresentadas. O terceiro capítulo segue a mesma metodologia do segundo, agora para o Brasil, no qual é feita uma descrição das características gerais do sistema de compras públicas, dos principais procedimentos adotados e de como vem se dando a introdução das tecnologias da informação. O quarto capítulo utiliza o modelo estrutura-conduta-desempenho para explicitar as diferenças entre os dois sistemas de compras. Estas se dão principalmente na fixação de condições básicas e critérios de desempenho pelo governo e nas políticas públicas que afetam as compras. 8 No site as informações relativas a cada compra do governo federal estão disponíveis. No entanto, seria preciso um esforço hercúleo para consolidar e classificar estes dados. Informações estas que o governo federal dispõe, mas publica somente de forma muito geral.
14 CAPÍTULO I O MODELO E-C-D E AS COMPRAS PÚBLICAS O governo, ao fixar critérios de entrada e desempenho no mercado de aquisições governamentais 9, atua sobre a estrutura do mercado que atende às suas compras, ampliando ou reduzindo o número de potenciais fornecedores. Desta forma, torna-se interessante utilizar o modelo estrutura-conduta-desempenho (E-C-D) na análise das compras públicas. A aplicação do modelo às compras públicas é o tema deste capítulo. Na seção inicial, faz-se uma breve apresentação do modelo E-C-D. Nas seções seguintes, ressaltam-se aspectos macro e microeconômicos ligados às compras públicas. A nível macro, tem-se que as compras são parte importante do gasto público e podem fazer parte de uma política de desenvolvimento, enquanto, a nível micro, destaca-se o caráter extremamente regulado do mercado que, a exceção de casos determinados em lei, funciona por meio de licitações, que têm seus principais mecanismos brevemente apresentados. A seção final aponta as principais questões que o modelo E-C-D levanta sobre as compras governamentais, mapeando as questões que aparecerão no capítulo IV, que utiliza o modelo para análise dos sistemas de compras públicas do Brasil e EUA. I.1 Visão Geral do Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho Para o governo, é importante selecionar produtores de bens e serviços que tenham bom desempenho. Desta forma, se estará reduzindo custos e premiando a eficiência das firmas. Segundo Scherer e Ross (1990, p. 4), o paradigma ou modelo estrutura-conduta-desempenho 10 busca identificar um conjunto de atributos ou variáveis que influenciam o desempenho econômico das firmas e construir ligações entre estes atributos e o resultado final. O paradigma foi concebido, por Edward S. Mason, durante a década de 1930 em Harvard 11. O desempenho em um particular mercado depende da conduta de vendedores e compradores. Esta é caracterizada por variáveis como a política de preços das firmas e suas 9 Este mercado será definido no final do capítulo. 10 O termo paradigma talvez seja mais adequado, devido ao fato que não faremos aqui um teste do mesmo. A denominação de modelo, no entanto, também é corrente na literatura de organização industrial.
15 15 práticas e os acordos tácitos entre elas (como cartéis). Os esforços das empresas para obter inovações, como o gasto em P&D, também são importantes para o desempenho, pois possibilitam a obtenção de produtos tecnologicamente superiores. A conduta dos agentes, por sua vez, vai depender da estrutura do mercado relevante 12, que inclui, entre outros, o número de compradores e vendedores, o nível de diferenciação de produtos e o grau de barreiras à entrada no mercado. A estrutura do mercado depende de uma série de condições básicas, que se aplicam tanto do lado da oferta quanto da demanda. Na oferta, a natureza da tecnologia, as atitudes nos negócios e o ambiente legal do mercado, por exemplo, afetam a estrutura do mercado relevante. Na demanda, podemos citar a presença de produtos bom-substitutos 13 e o método de compra adotado pelos compradores (se aceitam lista de preços ou se barganham, por exemplo). O paradigma é preocupado principalmente com a relação causal que vai das condições básicas e estrutura do mercado para o desempenho nele. Um exemplo destas relações explorado por Scherer e Ross (1990, p. 6) é que quando a tecnologia corrente incentiva um processo de produção capital-intensivo (condição básica). Decorre da grande intensidade do capital, uma estrutura de custos com altas despesas fixas e pequenos custos variáveis (estrutura), o que estimula uma política de preços agressiva (conduta) mesmo em mercados com poucos vendedores. Esta política, em geral, afeta o mark-up (margem de preço-custo) das firmas, ou seja, o desempenho do mercado. No entanto, o paradigma também admite causalidade no sentido contrário ao descrito anteriormente, ou seja, da conduta dos agentes para a estrutura ou condições básicas do mercado. Por exemplo, vigorosos esforços em pesquisa e desenvolvimento podem alterar a tecnologia predominante na indústria, a estrutura dos custos ou o grau de diferenciação física do produto. Ou então, as políticas de determinação de preços podem encorajar a entrada de novas firmas no mercado ou expulsar as mais fracas e, conseqüentemente, alterar a estrutura de mercado. 11 A contribuição seminal de Mason é Price and Production Policies of Large-Scale Enterprises, American Economic Review, v. 29 (Março, 1939), p O termo é utilizado em defesa da concorrência para identificar o mercado em que atuam os agentes envolvidos. Em compras públicas, pode ser entendido como produtos com alta substitubilidade entre si ofertados em uma área geográfica determinada por até que distância a compra do bem pode ser feita a custos acessíveis. Por exemplo, na compra de livros didáticos há uma boa diversidade de títulos e a dimensão geográfica relevante é nacional, pois livros estrangeiros são em geral inadequados no segmento além de terem o custo a mais da tradução. Para mais informações sobre o conceito de mercado relevante em defesa da concorrência, ver Mello (2001). 13 Neste caso, é importante que a elasticidade cruzada de demanda seja relevante.
16 16 Scherer e Ross (1990, p. 6) nomearam este segundo sentido da causalidade de efeitos de feedback e apontam que, com eles, as variáveis de condições básicas e estrutura de mercado ficam endógenas ao sistema. Alguns autores, como Jean Tirole, consideram estes efeitos tão fortes que duvidam da capacidade preditiva do paradigma (que utiliza o sentido inicial de causalidade). Embora permaneçam estas dúvidas quanto a sua capacidade preditiva, o paradigma permanece como uma ferramenta útil para organizar teorias e fatos, no que diz respeito à organização de mercados, principalmente em relação à natureza da competição neles. Ele será aqui utilizado com este fim, examinando como se dá a concorrência nas compras governamentais. O paradigma aponta para duas outras importantes contribuições: a multidimensionalidade do conceito de desempenho e a importância das políticas públicas. Os critérios de desempenho podem ser múltiplos. Certamente deve-se buscar eficiência produtiva e alocativa, mas também o progresso técnico e equidade na distribuição de renda devem ser considerados ao se avaliar o resultado de um mercado. A política pública deve atuar sobre a estrutura do mercado e a conduta das firmas a fim de melhorar a equidade e a eficiência produtiva e alocativa. O Estado pode utilizar a regulação e política antitruste, com instrumentos mais compulsórios, e/ou de políticas de difusão de informação que fortaleçam a concorrência nos mercados e ampliem a participação das firmas menores. A contribuição de Bain (1956) a luz do paradigma aponta para a importância das barreiras à entrada na formação da estrutura e nos resultados do mercado. Estas, ao dificultar o estabelecimento de eventuais concorrentes, permitem que as firmas do setor tenham uma margem de lucro acima da usual. As barreiras podem ser resultantes, entre outras coisas, de altos custos não recuperáveis (sunk costs) na entrada em um setor. Podem também ter origem em informações assimétricas ou restrições legais que privilegiem as empresas já estabelecidas, como a existência de uma única firma nos monopólios naturais (quando as economias de escala são tais que o setor deve ser explorado por uma única empresa, por exemplo).
17 Estas envolvem custos para o consumidor, já que, com a diminuição da concorrência potencial, as firmas ficam mais livres para determinar preços e aumentar sua margem de lucro. 17 Figura 1.1 Paradigma Estrutura - Conduta Desempenho CONDIÇÕES BÁSICAS Oferta Demanda Localização de Elasticidade-preço matéria-prima Tecnologia Bens substitutos Durabilidade do Taxa de crescimento da produto demanda Relação valor-peso Caráter cíclico e sazonal Atitudes nos negócios Ambiente Institucional Métodos de compra Tipos de comercialização ESTRUTURA DE MERCADO Número de compradores e vendedores Diferenciação de produtos Barreiras à entrada Estruturas de custos Integração vertical Diversificação CONDUTA Determinação do preço Estratégia de produto e propaganda Pesquisa e Desenvolvimento Investimentos em plantas Táticas legais POLÍTICA PÚBLICA Tributos e Subsídios Regras de comércio internacional Regulação Controle de preços Política antitruste Provisão de informações DESEMPENHO Eficiência produtiva e alocativa Progresso técnico Pleno Emprego Eqüidade Fonte: Scherer e Ross (1990, p. 5). Como aspecto metodológico, cabe ressaltar que na fase de pesquisa desta monografia outros modelos foram investigados a fim de medir a sua capacidade de análise das compras públicas. Um modelo particularmente importante é o modelo de produção de bens públicos de Samuelson e toda uma linha derivada dele 14. Estes modelos, no entanto, analisam as compras sobre a ótica do consumidor final (o atingido pela ação do Estado) privilegiando a escolha 14 O modelo de Samuelson é descrito em Rezende (1978, p ).
18 18 entre fornecer ou não o bem, em detrimento de sobre como fazê-lo de forma eficiente e nas restrições que os diversos mercados apresentam. Desta forma, o paradigma E-C-D se mostra mais propício ao exercício aqui proposto: examinar como a as normas e procedimentos incentivam a competição nas compras públicas. Desta forma, apontaremos algumas questões levantadas pelo modelo estruturaconduta-desempenho às aquisições públicas, tão logo seja feita a descrição de algumas dos aspectos institucionais das compras relevantes de serem estudadas, tarefa esta destinada às duas próximas seções. I.2 Aspectos Macroeconômicos ligados às Compras Públicas O estudo das compras governamentais envolve aspectos macro e microeconômicos. As compras são importante fração do gasto público e podem estar incluídas em uma política de desenvolvimento, fazendo parte, no entanto, de um mercado fortemente regulado que, a exceção de casos determinados em lei, funciona por meio de licitações, que terão seus principais mecanismos brevemente apresentados. Para início do estudo das compras públicas, pode-se utilizar o conceito de FMI (2002, p ) 15. No entanto, para o presente estudo, foram necessárias algumas alterações tendo em vista, a aproximação à prática brasileira. Entre estas modificações, cabe destacar: a divisão em gasto corrente e de capital e a discriminação dos gastos com a dívida pública. Para a determinação da fração do gasto público destinado às compras, pode-se partir de um modelo simples de determinação da renda (Y), em uma economia aberta e com governo, como o apresentado em Feijó et al. (2001, p. 33), que pode ser definido como: Y = C + I + G + (X-M), onde C = consumo privado I = investimento G = gasto público (X-M) = exportações líquidas Embora, para efeito da mensuração do produto (Y), não existam muitos problemas em mensurar o dispêndio público (G) em uma única e ampla variável, para um estudo qualitativo é importante detalhar as formas de realização deste gasto. A primeira distinção que pode ser 15 O Government and Finance Statistics Manual foi elaborado para harmonizar dados fiscais com o Sistema de Contas Nacionais do FMI de Ele é a base para elaboração do Government and Finance Statistics Yearbook, publicação anual do FMI que reúne dados fiscais dos países membros.
19 feita é separar o gasto corrente (relacionado ao consumo) do gasto de capital (relacionado aos investimentos). Nestes termos: 19 G = GC + GK, onde GC = gasto corrente GK = gasto de capital No entanto, esta desagregação é ainda insuficiente para aprofundar a natureza do gasto estatal. Para se especificar o que os governos realmente compram, é necessário explicitar os componentes do gasto corrente e do gasto de capital. O gasto corrente (GC) pode ser definido como o somatório dos valores destinados a pagamento de salários (incluindo o pagamento de contribuições sociais por parte do governo, nos países em que esta ocorre), pagamento de juros e aluguéis, transferências (a outros níveis de governo, pessoas ou instituições, incluindo subsídios e benefícios sociais 16 ) e outros gastos correntes 17 (que se destinam basicamente à compra de bens e serviços), como se segue: GC = W + J + TC + OGC, onde W = pagamento de salários J = pagamento de juros e aluguéis TC = transferências correntes OGC = outros gastos correntes O gasto de capital (GK) é composto pela aquisição de capital fixo, inversões financeiras (como compras de participação acionária), amortizações da dívida pública e transferências de capital (normalmente fruto de convênios). Pode ser definido da seguinte forma: GK = ACF + IF + A + TK, onde ACF = aquisição de capital fixo IF = inversões financeiras A = amortizações da dívida pública TK = transferências de capital Desta forma, as compras governamentais (CG) podem ser definidas de três formas: a) como a soma dos outros gastos correntes com a aquisição de capital fixo; b) como o gasto corrente menos o pagamento de salários, juros e transferências somado ao gasto de capital menos as inversões financeiras, amortizações da dívida pública e transferências; ou ainda, 16 Algumas metodologias incluem o pagamento de juros como uma transferência corrente. 17 Esta rubrica corresponde basicamente ao Uso de Bens e Serviços em FMI (2002, p ).
20 c) como o gasto público total diminuído o pagamento de salários, juros, transferências, inversões financeiras e amortizações da dívida pública. 20 Estas três formas de cálculo podem ser formalizadas como se seguem: CG onde = OGC + ACF = [GC - W - J - TC] + [GK - IF - A - TK] = G - [W + J + TC] - [IF + A + TK] OGC = outros gastos correntes ACF = aquisição de capital fixo GC = gasto corrente W = pagamento de salários J = pagamento de juros e aluguéis TC = transferências correntes GK = gasto de capital IF = inversões financeiras A = amortizações da dívida pública TK = transferências de capital G = gasto público Este conceito de compras é utilizado na seção III.1 para calcular o total de compras dos três níveis de governo no Brasil. A título de ilustração numérica, as compras foram 46,18% do gasto público, em 1998, que alcançou US$ 5.6 trilhões ou 18,9% do PIB mundial. Isto representou um montante de US$ 2.6 trilhões ou 8,7% do PIB mundial, sendo que em 65% das compras os responsáveis foram governos subnacionais (AUDET, 2002, p. 23). No entanto, mesmo com acordos internacionais que envolvam a liberalização das compras públicas, como o Acordo de Compras Governamentais (GPA, na sigla em inglês) da Organização Mundial de Comércio (OMC) 18, ou com acordos regionais que envolvam aquisições governamentais, como o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte 19 (NAFTA, na sigla em inglês) nem todo este mercado será aberto à concorrência internacional, pois parcelas como gasto com defesa e alguns investimentos em pesquisa tendem a ser reservadas a fornecedores nacionais. Excluindo-se os gastos destinados à defesa nacional, o mercado de compras públicas totaliza US$ 2.1 trilhões ou 7,1% do PIB mundial, o que 18 Uma descrição detalhada deste acordo pode ser encontrada em Moreira & Morais (2002, p ). 19 Uma descrição detalhada da parte relativa às compras neste acordo pode ser encontrada em Moreira & Morais (2002, p ).
21 corresponde a 30% do volume mundial de bens e serviços exportados em 1998 (AUDET 2002, p. 26). 21 As compras governamentais são caracterizadas principalmente por dois aspectos. Primeiro, elas têm impacto direto, por meio das aquisições, sobre cadeias produtivas específicas, que devem destinar uma fração de sua produção ao atendimento do governo. Este aspecto não será abordado neste trabalho, havendo uma discussão teórica do impacto econômico das compras do governo nos diversos setores em Rezende (1978, Cap. 18). Como um segundo aspecto, as compras, exceto em casos determinados em lei, são realizadas por meio de licitações, o que traz uma série de especificidades sobre como estas são feitas e torna o mercado extremamente regulado. Este é um fator relevante para a análise aqui desenvolvida e, desta forma, apresenta-se na próxima seção um panorama geral do processo licitatório. I.3 Aspectos Microeconômicos ligados às Compras Públicas A seção busca traçar um panorama geral das fases iniciais dos processos de aquisições governamentais, que costumam ocorrer por meio de licitações. Focaliza-se aqui, como em todo o estudo, os estágios de lançamento de edital e seleção da proposta, deixando-se de lado as questões relativas a empenho. Estas questões são importantes, pois determinam os custos de transação 20 que os fornecedores terão ao vender para o governo e os custos administrativos que o Estado terá ao realizar suas compras, que devem ser avaliados de forma a incentivar o pleno cumprimento dos procedimentos e não resultar em despesas muito altas para as aquisições. A análise aqui apresentada está mais focada nos procedimentos brasileiros. No entanto, a idéia é que este possa servir para que se tenha uma compreensão geral de como os governos de qualquer país realizam suas compras. Rosa (2002): Para tanto, é necessário definir o conceito de licitação. Segundo Piscitelli; Timbó & Licitação é o conjunto de procedimentos administrativos, legalmente estabelecidos, através do qual a Administração Pública cria meios de verificar, entre os interessados habilitados, quem oferece melhores 20 Custos de transação, no âmbito das compras governamentais, podem ser entendidos como os custos de negociar, estabelecer contratos e zelar por seu cumprimento.
22 condições para a realização de obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações (p. 180). 22 Neste sentido, é importante ressaltar que as compras governamentais, por meio das licitações, devem obedecer em seus procedimentos e julgamento a critérios estabelecidos em lei (princípio da legalidade estrita). Todavia, a liberdade dada aos funcionários responsáveis pelas compras varia entre os países. Esta é muito grande nos EUA, onde os funcionários podem adaptar as normas de acordo com as práticas de seu departamento, e pequena no Brasil, onde há uma única lei que regula as compras e vale até para os governos subnacionais, fazendo com que pequenas prefeituras tenham que seguir procedimentos com mesma complexidade dos que são adotados a nível federal. A licitação busca selecionar a melhor proposta entre àqueles que se demonstraram interessados, respondendo a um edital de convite. Este convite detalha o objeto da licitação (natureza, qualidade e outras especificações dos bens ou serviços a serem adquiridos), prazo e condições para assinatura do contrato e pagamento, critérios para julgamento (que devem ser claros e com parâmetros objetivos), além de uma série de outros elementos (PISCITELLI; TIMBÓ & ROSA, 2002, p ). As firmas interessadas devem enviar propostas respondendo a este edital e após um prazo estipulado pela Administração faz-se a abertura das propostas. Esta abertura, na hipótese de haver uma negociação posterior, devia ser feita com a presença de representantes das firmas o que dificultava o acesso de PME s, no entanto, este procedimento já pode ser feito na Internet, o que dispensa a presença física de representantes. A Internet tem facilitado, em muito, a divulgação dos editais, a elaboração de cadastros de fornecedores, o envio de avisos da existência de editais na área de atuação da firma por mensagem de correio eletrônico e a habilitação, que pode agora ser feita de forma mais rápida e eficiente. Todos estes fatores e procedimentos vêm facilitando a participação dos pequenos negócios nos processos licitatórios, mas ainda persistem barreiras seja pela falta de acesso a Internet ou de pessoal com conhecimento sobre como os governos realizam suas compras 21. Outro importante entrave a participação de PME s são exigências excessivas feitas na fase de habilitação.
23 23 A licitação objetiva garantir o princípio constitucional da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei. Todavia, a habilitação necessária dos interessados pode ser definida no edital o que, na verdade, tem efeito sobre que fornecedores poderão acessar o mercado. Isto sem contar que os prazos são importantes para garantir que empresas poderão ter acesso à concorrência, um prazo de entrega pequeno associado a um grande de pagamento pode inviabilizar a participação de empresas com pouco capital de giro, por exemplo. O processo licitatório busca também selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, o que, no entanto, pode responder a múltiplos objetivos, introduzindo critérios outros que não somente os preços. Isto pode ser feito por meio de um sistema de ponderação e é comum nos EUA onde as licitações devem atingir os objetivos das políticas públicas e abrangem aspectos econômicos, industriais, sociais, militares e de desenvolvimento local. No Brasil, a Petrobrás, por exemplo, utiliza cinco critérios na seleção de fornecedores e prestadores de serviço: capacidade técnica, econômica, jurídica, segurança no trabalho e responsabilidade social. Assim, as compras do setor público estão sujeitas a uma série de normas e procedimentos. Estas, por sua vez, têm impacto sobre o número de firmas que poderão fornecer estes bens e serviços, assim como sobre seu comportamento no mercado. Uma forma de analisar as licitações é a luz do modelo estrutura-conduta-desempenho, este levanta uma série de questões que serão abordadas na próxima seção. I.4 O Mercado Relevante e as Questões do E-C-D A análise aqui desenvolvida faz a opção metodológica de tratar o governo como único comprador dos mercados nos quais ele adquire bens e serviços. Esta abstração não é totalmente descabida, pois em muitos mercados o governo é um importante, se não o principal, comprador. Além disso, habilitar-se para fornecer ao governo envolve uma série de custos e um processo de aprendizagem para as firmas, o que muitas vezes as fazem ver o governo como um cliente diferente, necessitando de funcionários dedicados a isto etc, ou mesmo o fornecimento ao governo como um mercado à parte de seu mercado usual. Estes aspectos são melhores esclarecidos nos próximos parágrafos. As condições para uma firma fornecer ao governo podem ser esquematizadas como se 21 Para uma análise das dificuldades encontradas pelas pequenas empresas em participar de alguns dos
24 segue: 24 a) Habilitação: obter os documentos necessários a se fornecer ao governo. Na análise aqui desenvolvida, é a decisão de entrar no mercado sendo que ela precisa ser necessariamente seguida de uma decisão de acompanhamento das oportunidades de negócio. Quando a Internet é utilizada e a habilitação é feita por meio de sistemas on-line, o que reduz severamente os custos deste processo. b) Acompanhamento das Oportunidades de Negócio: a simples habilitação não garante a presença das firmas nas concorrências governamentais. É preciso acompanhar as demandas dos órgãos governamentais a fim de detectar oportunidades em sua área de atuação. Este passo é decisivamente simplificado quando o governo possui um sistema eletrônico que avise firmas previamente cadastradas por mensagens de correio eletrônico de licitações em sua área. Não havendo tal medida, a disponibilização dos editais na Internet é um passo simplificador, pois caso isto não aconteça a medida mais comum é acompanhar por jornais 22. c) Redação de propostas: havendo uma oportunidade de negócio, é necessário remeter uma proposta. Isto é relativamente simples para bens e serviços pouco sofisticados, mas envolve alguns custos no caso de obras e serviço de engenharia. d) Abertura de Propostas: Quando esta não é feita on-line, há a necessidade de enviar um funcionário da firma, o que envolve também custos de transporte. Além disso, alguns tipos de licitações prevêem que haja negociação posterior a abertura de propostas, o que demanda que o funcionário seja de confiança e conheça os custos da firma. Sendo selecionada, a firma deverá dar garantias que esta apta a cumprir o contrato de programas de aquisições governamentais pela Internet dos EUA, ver Cooper e McClure (2001). 22 No Brasil e nos EUA, utiliza-se os três procedimentos. O sítio comprasnet envia mensagens de correio eletrônico para fornecedores previamente cadastrados e traz os editais das diversas concorrências. Os editais são também publicados no Diário Oficial e em jornais comerciais de grande circulação. Nos EUA, as oportunidades de negócio são centralizadas no sítio fedbissopt.gov. As redes de apoio às pequenas empresas e de oportunidades de compras federais avisam as firmas dos ramos pertinentes. O Commerce Business Daily ou jornal de grande circulação traz os avisos de editais.
25 25 fornecimento e a partir daí é que esta deverá se preocupar em produzir o bem ou no fornecimento do serviço. Desta forma, nas compras governamentais, as firmas ao invés de se preocupar com propaganda e marketing, devem se envolver nos procedimentos burocráticos já descritos que será o que garantirá seu market-share em relação às compras do governo. Como estes procedimentos são bastante diferentes de vendas ao setor privado 23, faz sentido dividir em duas parcelas as compras de determinados mercados: àquelas que serão destinados ao governo e àquelas que serão destinadas ao setor privado. Optando-se aqui por examinar somente a primeira. Outra razão para considerar o fornecimento ao governo como um mercado à parte surge das diversas formas de controles que serão exercidos sobre as compras. Os atos dos Estado estão sujeitos à verificação de órgãos de controle 24 e a crescente organização da sociedade civil vem cobrando mais e mais transparência do Estado, a fim de que esta possa exercer um controle social sobre os atos do governo. Esta razão vale também para os órgãos e funcionários responsáveis pelas compras, que estarão sujeitos a estes controles e poderão até ser responsabilizados penalmente por problemas que ocorram no processo de compra. Portanto, tanto pela ótica das firmas e dos funcionários públicos responsáveis pelas compras quanto pela ótica da sociedade civil e dos órgãos de controle, faz sentido olhar as compras governamentais como um mercado à parte do mercado privado. Desta forma, este se configuraria como um monopsônio 25, isto é, a estrutura do mercado relevante teria um único comprador: o governo. Dependendo do mercado, pode haver muitos, poucos ou somente um vendedor. A maioria dos mercados se encontra no primeiro caso, um exemplo do segundo poderia ser a compra de serviços de telefonia e um do último, a compra de remédios protegidos por patentes. A análise aqui desenvolvida é mais voltada para mercados com muitos ofertantes, que a legislação brasileira chama de bens e serviços comuns, como bens de consumo simples. O modelo E-C-D, nesta situação, aponta principalmente para três aspectos: 23 Algumas das grandes empresas privadas realizam licitações, o que tornaria seu método de compra semelhante ao do governo. Estas, no entanto, são uma parcela bem inferior ao governo na maioria dos mercados e os procedimentos utilizados por elas, como não são fruto de lei, são bem menos uniformes dos que os do Estado. 24 No Brasil, os Tribunais de Contas avaliam a legalidade dos processos de compras. Nos EUA, o Escritório Federal de Compras acompanha todas as fases dos processos.
26 a) Fixação das condições básicas, 26 b) Fixação dos critérios de desempenho, c) Atuação da política pública. Como governo pode fixar algumas das condições básicas do mercado (por se tratar de um monopsônio), deve prestar especial atenção ao fazê-lo para que não resultem em fortes barreiras à entrada que excluam grande parte dos possíveis fornecedores e restrinjam a competição na licitação. A necessidade de obter um grande número de documentos e certificações pode levar muitas PME s a optarem por não participar de licitações. Isto diminui o número de potenciais fornecedores (estrutura), incentivando uma política de preços menos agressiva por parte das firmas (conduta) que levaria a custos maiores para o governo (desempenho). Um segundo aspecto é que, devido ao caráter especial do mercado relevante, os critérios que o governo utiliza para avaliar as propostas das firmas (aqui chamados de critérios de desempenho) podem afetar a conduta das firmas ou mesmo a estrutura do mercado. Por exemplo, a maior valoração da técnica pode levar as empresas a investirem mais em P&D. Nos EUA, critérios de equidade fazem o governo, em algumas licitações, valorize na análise das propostas a subcontratação de PME s. O último aspecto é examinar como o governo utiliza políticas públicas em relação a suas compras. Um exemplo seria analisar como se faz a provisão de informação para as firmas. Neste sentido, é interessante destacar em que nível do modelo (estrutura, conduta, desempenho ou condições básicas 26 ) a política pública atua e qual são seus resultados. Tratar as compras efetivamente como política pública é também avaliar sua eficiência, eficácia e efetividade e não meramente seus aspectos legais. 25 Os diversos níveis e poderes do Estado estão aqui sendo tratado como uma única entidade. Esta generalização faz sentido na medida em que estes estão sujeitos aos mesmos principais gerais e a leis no mínimo semelhantes, sendo que no Brasil, por exemplo, é a mesma lei que vale para todos eles. 26 Os dois últimos níveis do modelo são possíveis de serem atingidos devido ao caráter regulado e monopsônico do mercado
27 Estas três questões serão retomadas no capítulo IV para se comparar os sistemas de compras governamentais de EUA e Brasil a luz do paradigma E-C-D. 27
28 CAPÍTULO II COMPRAS GOVERNAMENTAIS NOS ESTADOS UNIDOS Este capítulo analisa o sistema de compras governamentais dos EUA. A seção inicial apresenta as principais características das aquisições governamentais dos EUA, focalizando-se nos regulamentos federais mais importantes, bem como, uma breve quantificação das compras nos três níveis de governo. Deve-se ressaltar que, ao contrário do Brasil, os governos subnacionais dos EUA têm liberdade para estabelecer legislação própria. As duas seções seguintes trazem os mecanismos por meio dos quais o governo concede preferência à produção nacional e às PME s. Estes mecanismos, à exceção do apoio aos pequenos negócios, são, como veremos, afetados pelos acordos comerciais envolvendo compras que é o tema da seção seguinte, onde se discute também o acesso de fornecedores estrangeiros às compras estadunidenses. As duas últimas seções descrevem os procedimentos utilizados pelos EUA para realizar suas compras e as conseqüências da introdução das tecnologias da informação no sistema de compras governamentais daquele país. II.1 Características Gerais O Sistema FAR 27 é um sítio que reúne as normas gerais da FAR - Federal Acquisition Regulation (ou Regulamento Federal de Aquisições), assim como, os regulamentos dos órgãos federais que a implementam e/ou complementam. A FAR é a legislação responsável pelas diretrizes federais nas compras de bens, serviços e obras públicas dos Estados Unidos. O OFPP - Office of Federal Procurement Policy, ou escritório de política de compras federais, coordena o sistema federal de compras, que abrange todas as aquisições realizadas pelas agências executivas (executive agencies), conceito que engloba Departamentos Executivos 28 e Militares, além das empresas públicas e outros órgãos do Poder Executivo que 27 Disponível em 28 O conceito de departamento executivo (executive departament) abrange os Departamentos de Estado, do Tesouro, Defesa, Justiça, Interior, Agricultura, Comércio, Trabalho, Saúde, Habitação e Desenvolvimento Urbano, Transporte, Energia, Educação e de Veteranos.
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