DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRECTIVO DA ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE

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1 DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRECTIVO DA ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde (doravante ERS) conferidas pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro; Considerando os objectivos da actividade reguladora da ERS estabelecidos no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro; Considerando os poderes de supervisão da ERS estabelecidos no artigo 27.º do Decreto- Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro; Visto o processo registado sob o n.º ERS/034/08; I. DO PROCESSO I.1. Origem do processo 1. Em 18 de Abril de 2008, a ERS recebeu uma exposição apresentada por A., relativa à recusa de inscrição do filho recém-nascido na lista de utentes da médica de família do pai, no Centro de Saúde de ( ).

2 2. Na sequência dessa exposição, o Conselho Directivo da ERS deliberou, em 29 de Maio de 2008, a abertura do processo de inquérito que corre termos sob o registo n.º ERS/034/08. I.2. A exposição da utente 3. Sumariamente, a utente em questão trouxe ao conhecimento da ERS que o seu filho, J., nascido em 8 de Maio de 2007 e inscrito no Centro de Saúde de ( ) desde 17 de Maio de 2007, não tinha ainda, à data da exposição, médico de família atribuído. 4. Em 21 de Maio de 2007, o pai do menor, utente daquele Centro de Saúde, inscrito na lista da Dr.ª C., terá procurado contactar a referida médica de família, com vista a agregar o filho ao seu processo individual, procurando, paralelamente, proceder à marcação da primeira consulta ao recém-nascido. 5. Foi-lhe, porém, dito pela médica em causa, que não aceitava a criança como sua paciente porque tinha muitos doentes. 6. Em resposta à exposição em análise, a Directora do Centro de Saúde reiterou que, atento o facto de a lista de utentes da Dr.ª C. estar completa, só são aceites as inscrições que a médica expressamente autorizar, bem como as das crianças nascidas de todas as mães que se encontrem já naquela lista. I.3. Diligências 7. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, entre outras, as diligências consubstanciadas em (i) (ii) Contactos telefónicos estabelecidos com a Directora do Centro de Saúde de ( ), em datas diversas, posteriormente à recepção da exposição; Ofício de pedido de elementos enviado à Directora do Centro de Saúde de ( ), em 6 de Junho de

3 II. DOS FACTOS 8. O utente J. nasceu em 8 de Maio de 2007, no Hospital ( ), residindo à data na Praceta N. e, actualmente, na Rua C.. 9. O pai do menor encontra-se inscrito no Centro de Saúde de ( ), na lista de utentes da médica de família, Dr.ª C No dia 17 de Maio de 2007, o pai do menor inscreveu o filho no referido Centro de Saúde, tendo-lhe sido atribuído o n.º de beneficiário do SNS ( ) cfr. cópia do comprovativo de inscrição do menor no Centro de Saúde, junto aos autos. 11. Do referido documento comprovativo, relativo ao utente J., consta a seguinte menção: Médico: ( ) C No entanto, em documento posterior, de identificação do utente, igualmente emitido pelo Centro de Saúde, consta já Médico: S/Médico Sede cfr. cópia junta aos autos. 13. Em Maio de 2008, encontravam-se inscritos na lista da médica de família Dr.ª C utentes cfr. resposta do Centro de Saúde de ( ) ao pedido de elementos da ERS, de 26 de Junho de O número de utentes dos restantes médicos de família do Centro de Saúde de ( ) oscila entre 1058 (Dr. A.) e 2152 (Dr.ª T.) cfr. resposta ao pedido de elementos da ERS, de 26 de Junho de Designadamente, e ainda segundo os dados fornecidos pelo próprio Centro de Saúde de ( ), a Dr.ª F., médica de família naquele Centro de Saúde tem 1954 utentes inscritos na respectiva lista, o Dr. D. tem 2030 utentes inscritos e a Dr.ª T cfr. resposta ao pedido de elementos da ERS, de 26 de Junho de Quando, em 21 de Maio de 2007, o pai do menor procurou contactar a sua médica de família, Dr.ª C., com vista a agregar o filho ao seu processo individual, ter-lhe-á sido dito, pela referida médica, que não aceitava a criança como sua paciente porque tinha muitos doentes cfr. exposição da utente, junta aos autos. 17. A médica terá igualmente recusado a marcação da consulta do décimo quinto dia ao recém-nascido, bem como autorizar que o recém-nascido fosse pesado e medido pelo 3

4 serviço de enfermagem do Centro de Saúde cfr. exposição da utente, junta aos autos. 18. E, na verdade, em resposta à exposição da utente, a Directora do Centro de Saúde de ( ) veio afirmar que só se inscreve na lista da Dr.ª C. quem a médica autoriza, por escrito, uma vez que a sua lista de utentes está completa. A excepção a esta regra é feita em relação às crianças nascidas de todas as mães que estejam já na lista, o que não é o caso de Vª Exª. cfr. cópia do ofício enviado à utente, em 14 de Maio de 2008, junto aos autos. 19. Apresentada a evolução do número de utentes da Dr.ª C., a Directora do Centro de Saúde de ( ) justifica a inscrição de novos utentes naquela lista com o facto de se tratar de crianças nascidas de mães já inscritas cfr. resposta ao pedido de elementos da ERS, de 26 de Junho de O utente J. pode, caso necessário, ser seguido pela Dr.ª E., médica de família responsável pela saúde infantil das crianças sem médico atribuído, que o terá já consultado em 25 de Maio de III. AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS 21. A presente decisão foi precedida da necessária audiência escrita de interessados, nos termos do art. 101.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, tendo sido chamados a pronunciar-se, relativamente ao projecto de deliberação da ERS, a exponente A., o Centro de Saúde de ( ) e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. 22. A exponente manifestou a sua concordância ao Projecto de Deliberação em causa. III.1. A pronúncia do Centro de Saúde de ( ) 23. Por ofício de 21 de Agosto de 2008, veio o Centro de Saúde de ( ) afirmar que, relativamente à exponente, procedeu nesta data à inscrição do seu filho menor, J., na 4

5 Lista de Utentes da Médica de Família do agregado, Dra. C., conforme comprovativo que se anexa, bem como à devida comunicação do mesmo à progenitora. 24. E, efectivamente, do documento comprovativo junto aos autos, relativo ao utente J., consta a menção Médico: C Por outro lado, no sentido de garantir o esclarecimento dos Médicos de Família em exercício de funções naquele Centro de Saúde relativamente ao assunto em causa, foi emitida uma Nota de Serviço, com o seguinte teor: ( ) a recusa de inscrição de uma criança, filha de utentes (pai e/ou mãe) já inscritos na lista de Utentes do Médico de Família, poderá ser interpretado como motivo violador do superior interesse da criança. Esta recusa constitui uma violação do direito de acesso universal e igual a todas as pessoas aos cuidados de saúde primários prestados nestes Centros de Saúde, que é tanto mais grave quando se trata de um menor. O mesmo em relação aos ascendentes de utentes que com eles passem a coabitar de forma permanente. Estes devem ser agregados na mesma Lista de Utentes que os seus filhos. ( ) A configuração legal dos cuidados de saúde primários baseia-se no núcleo central e aglutinador Família o que implicará, naturalmente, a não separação dos menores dos seus progenitores e dos ascendentes dos utentes inscritos na lista de Utentes do Médico de Família cfr. cópia da Nota de Serviço n.º 21/2008, junta aos autos. III.2. A pronúncia da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo 26. Por ofício de 8 de Setembro de 2008, veio a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo informar da emissão de uma instrução ao Centro de Saúde de ( ), de conteúdo idêntico à constante do Projecto de Deliberação da ERS. 27. Reiterando o sentido daquele Projecto de Deliberação, afirmou igualmente a ARS LVT que esta situação de aceitação da criança em lista, cujo progenitor já está inscrito como doente da Dra. C., é perfeitamente similar à situação das crianças cujas mães já 5

6 fazem parte da lista da mesma médica, e que esta aceita, apesar de a lista já estar completa. III.3. Análise 28. Na verdade, o Projecto de Deliberação da ERS tinha em vista a emissão de uma instrução ao Centro de Saúde de ( ), por intermédio da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, da qual o mesmo depende orgânica e funcionalmente, nos seguintes termos: a. O Centro de Saúde de ( ) não deverá, em qualquer situação e independentemente de se tratarem de actos adoptados pelo próprio Centro de Saúde ou de funcionários ou colaboradores do mesmo, discriminar os indivíduos em função do sexo, devendo permitir, designadamente, a agregação dos menores ao processo dos pais, sempre que estes assim o pretendam, no exercício da liberdade de escolha do médico de família; b. O Centro de Saúde de ( ) deverá proceder à inscrição imediata do menor J. na lista de utentes da Dr.ª C., remetendo a respectiva prova documental à ERS, no prazo máximo de 10 dias úteis. 29. Constata-se, porém, que no decurso do prazo da audiência de interessados, o Centro de Saúde de ( ) deu cabal cumprimento à alínea b) da instrução projectada, tendo igualmente diligenciado, mediante a emissão da Nota de Serviço n.º 21/2008, no sentido de se acautelarem futuramente situações análogas à ocorrida, que constituía o objectivo visado pela alínea a) do Projecto de Deliberação. 30. Por outro lado, verifica-se a pertinência da questão suscitada pelo Centro de Saúde de ( ), no que respeita à inscrição dos ascendentes na lista do médico de família do agregado familiar, o que não deverá ser recusado. 31. Assim, resulta da audiência de interessados a desnecessidade de emitir uma instrução ao Centro de Saúde de ( ), no sentido de proceder à inscrição imediata do menor J. na lista de utentes da Dr.ª C Verifica-se, igualmente, que a não discriminação dos indivíduos em função do sexo, permitindo-se, designadamente, a agregação dos menores ao processo do pai, 6

7 constitui um direito fundamental de todos os utentes dos cuidados de saúde primários prestados no SNS. 33. Nesta medida, e ainda que a questão se tenha concretamente suscitado relativamente ao menor J., inscrito no Centro de Saúde de ( ) o que justificará o arquivamento do processo de inquérito nesta parte, importa notar que compete a todos os Centros de Saúde assegurar, no exercício da liberdade de escolha do médico de família, a possibilidade de agregação dos menores ao processo individual do pai, da mesma forma que seria permitida a agregação ao processo da mãe; 34. Notando-se, desde já, que assim entendeu também a ARS LVT, na sua pronúncia relativamente ao Projecto de Deliberação da ERS. 35. Sucede, contudo, que a prática que se achava implementada no Centro de Saúde de ( ), assente num princípio de exclusividade de agregação dos filhos menores ao processo da mãe, indicia uma eventual menor sensibilidade dos Centros de Saúde para um tal dever de não discriminação da figura do pai relativamente à figura da mãe no tocante ao acompanhamento dos filhos menores; 36. O que suscita, igualmente, a possibilidade de existência de situações semelhantes ou similares que, por uma tal menor sensibilidade para a questão, não hajam sido ainda devidamente enquadradas; 37. Pelo que, com o objecto de promover (i) (ii) a efectiva e generalizada sensibilização a tal questão; a resolução de tais eventuais situações semelhantes ou similares; e (iii) a prevenção de não ocorrência de situações idênticas à aqui casuisticamente obviada; 38. E considerado a dependência orgânica e funcional dos Centros de Saúde relativamente às respectivas ARS, nos termos do preceituado no art. 6.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, e com vista a assegurar o direito de acesso universal e igual a todas as pessoas ao serviço público de saúde, revela-se adequada a emissão de uma recomendação à Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., à Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., à Administração Regional de 7

8 Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., à Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P., e à Administração Regional de Saúde do Algarve, I.P.. IV. DO DIREITO 39. De acordo com o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, a ERS tem por objecto a regulação, a supervisão e o acompanhamento, nos termos previstos naquele diploma, da actividade dos estabelecimentos, instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde. 40. As atribuições da ERS, de acordo com o art. 6.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, compreendem a regulação e a supervisão dos estabelecimentos, instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde, no que respeita ao cumprimento das suas obrigações legais e contratuais relativas ao acesso dos utentes aos cuidados de saúde, à observância dos níveis de qualidade e à segurança e aos direitos dos utentes, bem como, nos termos do n.º 2, alínea a), daquele preceito legal, defender os interesses dos utentes. 41. De acordo com a alínea a) do art. 25.º n.º 1 do citado Decreto-Lei, incumbe à ERS assegurar o direito de acesso universal e igual a todas as pessoas ao serviço público de saúde, e nos termos da alínea c) do mesmo preceito legal, assegurar os direitos e interesses legítimos dos utentes. 42. Os Centros de Saúde são estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, para efeitos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, encontrando-se na dependência das respectivas ARS. 43. Os Centros de Saúde integram o conjunto das instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde, isto é, pertencem ao Serviço Nacional de Saúde, tal como definido pelo n.º 2 da Base XII da Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto), e cujo Estatuto foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro. 44. Nessa medida, e na qualidade de prestadores de cuidados de saúde primários, constituem um dos pontos fundamentais de contacto dos indivíduos com o sistema de saúde, efectivando e concretizando, num primeiro patamar, o direito à protecção da 8

9 saúde consagrado no art. 64.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP). 45. Neste quadro, e atendendo à obrigação constitucional, que impende sobre o Estado, de garantir a efectivação do direito à protecção da saúde, os cuidados de saúde primários não podem deixar de considerar-se abrangidos pela universalidade, generalidade e tendencial gratuitidade a que alude a alínea a) do n.º 2 do art. 64.º da CRP, enquanto concretização do direito de acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde. 46. Por outro lado, é a própria Lei de Bases da Saúde que, no n.º 1 da sua Base XIII, faz assentar o sistema de saúde nos cuidados de saúde primários, que devem situar-se junto das comunidades. 47. Os cuidados de saúde prestados nos Centros de Saúde assumem, assim, um papel de relevo na promoção da saúde dos cidadãos, em especial na vertente da medicina geral e familiar, vocacionada para a prestação de cuidados personalizados e continuados a um conjunto de indivíduos e de famílias. 48. E, de facto, é a família e não os indivíduos isoladamente considerados que constitui o núcleo central e aglutinador dos cuidados de saúde prestados nos Centros de Saúde e Unidades de Saúde Familiar. 49. Neste sentido, segundo o Guia do Utente do SNS, é desejável que todos os elementos da família se inscrevam no mesmo médico. Assim, será possível uma maior compreensão dos problemas que afectam a família, mais eficaz o trabalho do médico e mais satisfatória a relação médico-doente. No entanto, por diversas razões, é possível que nem toda a família se inscreva no mesmo médico (ponto 3.3.). 50. Ora, estabelece o art. 68.º n.º 1 da CRP que os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos ( ), erigindo o n.º 2 do mesmo preceito constitucional a maternidade e paternidade a valores sociais eminentes. 51. Consagra-se, assim, o direito fundamental dos pais e das mães enquanto tais, isto é, nas suas relações com os filhos, e dá-se particular relevância à equiparação da paternidade à maternidade. 9

10 52. Esta equiparação constitui, desde logo, corolário a. Do princípio da igualdade, previsto genericamente no art. 13.º n.º 2 da CRP e art. 21.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, designadamente, da proibição de discriminação em função do sexo; b. Do princípio da igualdade entre cônjuges, em especial no que respeita à manutenção e educação dos filhos, consagrado no art. 36.º n.º 3 da CRP; e c. Do princípio da igualdade entre homens e mulheres, garantido, como concretização do primeiro, pelo art. 23.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 53. É nessa mesma qualidade que os pais e as mães têm um direito à protecção da sociedade e do Estado, que se concretiza num direito a prestações de cariz social. 54. A Lei de Bases da Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, após reafirmar o princípio da igualdade dos beneficiários, designadamente em função do sexo (art. 7.º), veio consagrar mecanismos especiais de apoio à maternidade e à paternidade, destinados a favorecer a conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar dos pais (art. 27.º e alínea b) do n.º 1 do art. 52.º daquela Lei de Bases); 55. Equiparando, deste modo, também para efeitos de atribuição de prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido, a paternidade à maternidade. 56. Já nos casos de situações de carência económica, determinadas pela inexistência ou insuficiência de carreira contributiva em regime de protecção social de enquadramento obrigatório ou pela exclusão de atribuição dos correspondentes subsídios do sistema previdencial, o art. 4.º do Decreto-Lei n.º 105/2008, de 25 de Junho prevê a concessão de subsídios sociais de maternidade e paternidade. 57. Da mesma forma, a legislação laboral, no âmbito da protecção da maternidade e paternidade, atribui ao pai o direito a uma licença por paternidade de cinco dias úteis, bem como o direito a licença, por período de duração igual àquele a que a mãe teria direito ( ) ou ao remanescente daquele período caso a mãe já tenha gozado alguns dias de licença, o que poderá ter lugar, nomeadamente, por decisão conjunta dos pais cfr. art. 36.º do Código do Trabalho. 10

11 58. Atribui-se, igualmente, ao pai a possibilidade de, por decisão conjunta, beneficiar da dispensa de trabalho conferida pelo art. 39.º do Código do Trabalho, para efeitos de aleitação. 59. E ainda, o direito a faltar ao trabalho, até um limite máximo de 30 dias por ano, para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, a filhos, adoptados ou a enteados menores de 10 anos cfr. art. 40.º n.º 1 do Código do Trabalho. 60. Na verdade, a Directiva 96/34/CE do Conselho de 3 de Junho de 1996, relativa ao Acordo-Quadro sobre a licença parental celebrado pelas organizações interprofissionais de vocação geral, atendendo à necessidade de aplicar prescrições mínimas sobre a licença parental e as faltas ao trabalho por motivo de força maior, enquanto meio importante de conciliar a vida profissional e a vida familiar e de promover a igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres, bem como considerando que os homens deveriam ser encorajados a assumir uma parte igual das responsabilidades familiares (Considerando 8.); 61. Previa já a concessão aos trabalhadores de ambos os sexos um direito individual à licença parental, com fundamento no nascimento ou na adopção de um filho ( ) cfr. cláusula 2.ª n.º 1 do Acordo-Quadro. 62. Abre-se, assim, a possibilidade de os pais exercerem junto dos filhos menores e recém-nascidos a assistência necessária aos primeiros anos de vida, função que deixa de estar exclusivamente atribuída às mães. 63. E esta equiparação é tanto mais relevante quanto a assistência na doença aos filhos recém-nascidos abrangerá naturalmente a necessidade de acompanhamento dos mesmos aquando da prestação de cuidados de saúde primários, por exemplo, nas consultas de vigilância ou com carácter pontual, junto do respectivo médico de família. 64. Por outro lado, a liberdade de escolha dos utentes relativamente ao Centro de Saúde e ao médico de família encontra-se prevista no regime jurídico dos Centros de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio, em concretização do que estabelece a alínea a) do n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde, segundo a qual os utentes têm direito a escolher, no âmbito do sistema de saúde e na medida 11

12 dos recursos existentes e de acordo com as regras de organização, o serviço e agentes prestadores. 65. Na verdade, ao contrário do que acontece no âmbito da saúde pública comunitária, que abrangerá necessariamente os indivíduos residentes na área geográfica abrangida por cada Centro de Saúde, os cuidados de saúde prestados de forma personalizada aos utentes dependem da livre escolha, por estes, tanto do Centro de Saúde, como do médico de família. 66. Assim, de acordo com os n.º 3 e 4 do art. 5.º do citado Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio, todos os utentes podem inscrever-se num Centro de Saúde por si livremente escolhido, devendo dar-se prioridade, no caso de carência de recursos, aos residentes da respectiva área, bem como deverão indicar o médico de família. 67. Repare-se que o art. 4.º n.º 1 do Despacho Normativo n.º 97/83, de 22 de Abril considerava já naturais utentes do centro de saúde os indivíduos residentes, incluindo os residentes ou deslocados temporariamente, e ainda aqueles que, por motivo de doença súbita ou de acidente, necessitem de cuidados de saúde urgentes, sendo que se encontrava também prevista, na alínea a) do n.º 1 do art. 13.º do mesmo diploma, a livre escolha do médico assistente no centro de saúde. 68. Segundo o próprio Guia do Utente do SNS, a única restrição a esta liberdade de escolha reside nos casos em que o médico escolhido tem a sua lista de utentes completamente preenchida, caso em que o utente será aconselhado a optar por um dos médicos em cuja lista existam vagas (ponto 3.1.). 69. Recorde-se, igualmente, que segundo o mesmo Guia do Utente do SNS, é desejável que todos os elementos da família se inscrevam no mesmo médico. Assim, será possível uma maior compreensão dos problemas que afectam a família, mais eficaz o trabalho do médico e mais satisfatória a relação médico-doente. (ponto 3.3.). 70. Considera-se existirem, de facto, motivos ponderosos para que os recém-nascidos sejam agregados ao médico de família de um dos progenitores, o que no caso do menor J., nascido em 8 de Maio de 2007, não terá inicialmente acontecido, por alegada recusa expressa da médica de família do pai, Dr.ª C Recorde-se que a Directora do Centro de Saúde de ( ) veio afirmar que 12

13 só se inscreve na lista da Dr.ª C. quem a médica autoriza, por escrito, uma vez que a sua lista de utentes está completa. A excepção a esta regra é feita em relação às crianças nascidas de todas as mães que estejam já na lista, o que não é o caso de Vª Exª. cfr. cópia do ofício enviado à utente, em 14 de Maio de 2008, junto aos autos. 72. E isto apesar de, segundo os dados fornecidos pelo próprio Centro de Saúde de ( ), a Dr.ª F., médica de família naquele Centro de Saúde ter 1954 utentes inscritos na respectiva lista, o Dr. D utentes e a Dr.ª T cfr. resposta ao pedido de elementos da ERS, de 26 de Junho de Ou seja, o número de utentes inscritos nas listas dos referidos médicos é superior ao da Dr.ª C., que, em Maio de 2008, era de 1930 utentes. 74. Pelo que o preenchimento completo da lista não poderia e não poderá em qualquer circunstância ser invocado como factor que vem, a final, potenciar a discriminação de uns utentes em relação a outros. 75. Note-se, ainda, que de acordo com o art. 24.º n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, todos os actos relativos às crianças, quer praticadas por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. 76. De acordo com o vindo de expor, a recusa de inscrição de um menor na lista de utentes de um dado médico de família, mediante agregação ao processo individual do pai, revela-se não só infundada, como susceptível de violar o seu interesse superior. 77. Esta recusa constitui uma violação do direito de acesso universal e igual a todas as pessoas aos cuidados de saúde primários prestados nos Centros de Saúde, que à ERS cumpre garantir e impor, nos termos da alínea a) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 309/2003; 78. Violação que é tanto mais grave quando se trata de um recém-nascido. 79. Neste ponto, não poderá deixar de salientar-se o facto de a configuração legal dos cuidados de saúde primários ter como núcleo central e aglutinador a família o que implicará, naturalmente, a não separação dos recém-nascidos dos seus progenitores 13

14 e de os mesmos se acharem pautados, nos termos da própria Lei de Bases da Saúde, por critérios de proximidade à comunidade. 80. Na medida em que a discriminação dos progenitores em função do sexo é, em si, violadora do princípio constitucional da igualdade, a opção conjunta dos pais pela agregação do menor ao processo individual do pai deverá ser atendida da mesma forma que seria a agregação ao processo da mãe. 81. Note-se que, actualmente, a existência de um processo único junto do respectivo médico de família é tanto mais relevante quanto podem os pais gozar a licença de paternidade posterior ao parto, beneficiar da dispensa de trabalho para efeitos de aleitação e faltar ao trabalho, em condições de igualdade face às mães, para prestar assistência, em caso de doença ou acidente, aos filhos menores cfr. os citados artigos 36.º, 39.º e 40.º do Código do Trabalho. 82. A agregação dos menores ao processo individual do pai, enquanto corolário da liberdade de escolha do médico de família, constitui, assim, o exercício de um direito que permitirá efectivar o preceito constitucional que considera, a par da maternidade, também a paternidade como valor social eminente. V. DECISÃO 83. O Conselho Directivo da ERS delibera, assim, nos termos e para os efeitos do preceituado nos art. 27.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro: a. Arquivar o presente processo de inquérito, na parte relativa à exposição da utente A., uma vez que o Centro de Saúde de ( ) já procedeu, em 20 de Agosto de 2008, à inscrição do menor J. na lista de utentes da médica de família do pai, Dr.ª C.; b. Emitir uma recomendação à Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., à Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., à Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P., e à Administração Regional de Saúde do Algarve, I.P., no sentido de informarem os Centros de Saúde sob a sua dependência orgânica e funcional do dever de não discriminação dos 14

15 indivíduos em função do sexo e do consequente dever de assegurar, no que respeita à inscrição dos seus actuais e futuros utentes nas listas dos médicos de família, a agregação dos menores ao processo do pai ou da mãe, de acordo com a opção familiar, no exercício da liberdade de escolha do médico de família. 84. A presente decisão será publicitada no sítio oficial da ERS na Internet. Porto, 18 de Setembro de 2008 O Conselho Directivo. 15