CIDADE: ELEMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DA PALAVRA. Sheila Elias de Oliveira DELET UNICENTRO / Guarapuava - PR sheilaelias@yahoo.
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- Matheus Henrique Weber Tomé
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1 CIDADE: ELEMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DA PALAVRA Sheila Elias de Oliveira DELET UNICENTRO / Guarapuava - PR sheilaelias@yahoo.com Universidade Estadual do Centro-Oeste Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes Palavras-chave: cidade, história da palavra, semântica, enunciação, dicionário Resumo: A presente comunicação expõe, a partir do aparato teórico-metodológico da Semântica do Acontecimento, uma análise do verbete cidade em dicionários brasileiros da língua portuguesa dos séculos XX e XXI. O objetivo é dar visibilidade às mudanças na designação da palavra, por meio das quais se buscará compreender o modo como a semântica de cidade reinterpreta o par de nomes latinos civitas/ urbs, dos quais é equivalente. Introdução A palavra cidade deriva morfologicamente da palavra latina civitas, da qual é equivalente. A etimologia faz parte da semântica de cidade, mas a relação com a língua latina vai além do étimo civitas. É o que percebemos ao ler o verbete cidade do Vocabulário Português Latino (1712), de Raphael Bluteau, bilíngüe que serviu de base para o primeiro monolíngüe do português, de Antonio de Moraes Silva. Nas traduções latinas, três palavras latinas aparecem: civitas, urbs e oppidum. Se oppidum não resultou em derivados no português, urbs resultou no equivalente urbe, e também em urbanidade, urbano, urbanístico, urbanamente, urbanisticamente, urbanizar; todos ligados semanticamente a cidade, o que indica que a palavra da língua portuguesa trabalhou, a seu modo, a relação com os nomes latinos urbs e civitas. É este modo de inscrição da memória latina na palavra cidade que queremos examinar, tomando como corpus um conjunto de dicionários brasileiros da língua portuguesa.
2 Materiais e Métodos Tomaremos como corpus os seguintes dicionários: o Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, primeiro dicionário brasileiro de língua portuguesa, lançado em 1938 por Hildebrando Lima e Gustavo Barroso, nas edições de 1938, 1939, 1942, 1944, 1946, 1955, 1963, 1967; o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de HoIanda, nas suas três edições (1975, 1986, 2000) e o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, lançado em 2001, após a morte de Antônio Houaiss, sob a coordenação de Mauro Villar. As análises serão norteadas pela Semântica do Acontecimento, tal como apresentada no livro homônimo (Guimarães, 2002), entre outros textos. Para esta teoria enunciativa, a história da palavra é a história de suas enunciações. Tomamos, assim, uma enunciação específica a de alguns lexicógrafos brasileiros, ao longo de aproximadamente setenta anos, para buscar compreender a designação da palavra e as mudanças representadas no dicionário. No verbete lexicográfico, concebido como um texto com estrutura própria dentro do texto do dicionário, a palavra-entrada (cidade) é para nós o ponto de deriva, de movimento sobre o qual trabalha o corpo definicional, na busca da produção de uma equivalência. Os elementos que compõem a definição as acepções, os exemplos, as marcações espaço-temporais, entre outros predicam a palavra-entrada, e compõem sua designação. Ao observar os movimentos semânticos da palavra, tal como representados no verbete lexicográfico ao longo do tempo, buscaremos responder de que modo o par latino urbs/civitas é ressignificado no nome português cidade, tal como este funciona no Brasil. Resultados e Discussão Apresentaremos, nesta seção, resultados e discussão sobre a parte inicial do corpus, aquela composta pelo primeiro dicionário brasileiro de língua portuguesa. Nas edições de 1938 e 1939 do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, cidade se divide entre a povoação de categoria superior à da vila e os habitantes dessa povoação em conjunto. Temos, então, um sentido administrativo, que distingue os espaços governados por categorias
3 (como cidade e vila), e um sentido social, pelo qual cidade não é um espaço povoado, mas um conjunto humano. A acepção social nos remete (ainda que de modo distante) à civitas latina, relacionada ao conjunto de cidadãos. No entanto, os sujeitos não são cidadãos politicamente definidos, mas habitantes, cuja reunião se dá pela partilha conjunta do espaço. Em 1942, 1944 e 1946, as duas acepções postas em 1938 e 1939 dividem a cena com uma terceira: tipo de povoamento em que a população é fortemente grupada e a maioria dos habitantes emprega a maior parte de seu tempo no interior da aglomeração e em actividades de carácter mercantil e industrial. Vemos, então, a entrada do sentido arquitetônico ([população] fortemente grupada) e do sócio-econômico: (a maioria dos habitantes emprega a maior parte de seu tempo no interior da aglomeração / e em actividades de carácter mercantil e industrial). A nova acepção nos remete à urbs latina, definida pela geografia, a arquitetura e pelos modos de ocupação do espaço. O dicionário brasileiro significa esta ocupação pelos sentidos arquitetônico e sócio-econômico. A ocupação do espaço está ligada à aglomeração e ao modo de produção, ambas as características inscrevendo, sem o explicitar, a distinção entre cidade e campo. Em 1955, as modificações não ocorrem no conjunto de acepções, e sim no aparecimento de expressões derivadas cujo núcleo é cidade. Temos, então: - alta: parte elevada de uma cidade, por contraposição a baixa; - dos pés juntos: (Bras.) (pop.): cemitério; ir para a - dos pés juntos: (V. Morrer); a - Eterna: Roma. A cidade como espaço ocupado (como memória da urbs latina) começa a se dividir e, nesta divisão, dá nome a cidades dentro da cidade: a parte alta e a baixa, que compõem sua topografia, a cidade dos mortos, reservada àqueles que já não ocupam mais o espaço da aglomeração. Aparece, ainda, a partir da expressão substantiva cidade dos pés juntos, a expressão verbal ir para a cidade dos pés juntos. A última expressão derivada cidade eterna, rememora a grande cidade da Antigüidade latina - Roma, e, por essa via, remete a um só tempo a urbs e civitas. Em 1963 e 1967, uma acepção e uma expressão derivada são acrescentadas. A acepção é: a área central de uma cidade; o centro comercial e a expressão derivada: - aberta: cidade não fortificada e sem objetivos militares, que a praxe beligerante convencionou poupar de bombardeios, ataques, etc..
4 Como nas duas primeiras expressões derivadas acrescentadas em 1955, a nova acepção de 1963 divide o espaço da aglomeração citadina, cujo centro geográfico e comercial passa a ser chamado de cidade. A expressão derivada, por sua vez, inaugura um nova relação semântica sobre o núcleo cidade, não mais para dizer uma divisão do seu espaço, mas sim um tipo, a cidade aberta. Conclusões O que se observará nos dicionários brasileiros é o predomínio crescente de um lugar de rememoração da urbs, em detrimento da civitas. Há um esvaziamento da cidade significada como espaço político, ou conjunto político, e uma intensificação nos modos de dizer a divisão do espaço citadino, que, em dado momento, passa a ser significada pelo olhar do urbanismo. Junto a este processo semântico, há a profícua e crescente divisão da palavra em expressões-derivadas, que referem a lugares dentro da cidade, a tipos de cidade, ou ainda a cidades específicas. O que se vê, então, é que a palavra passa a nomear diferentes espaços, significando-os em relação à memória do nome e do espaço maior a que ele refere. À medida que o espaço vai se re-dividindo em cidades, preenche-se o vão por onde poderia haver o silêncio a partir do qual poderíamos nos perguntar o que não é cidade, e o que é cidade. Essas divisões da palavra compõem uma memória complexa que, contraditoriamente, se apresenta, muitas vezes, sob o modo da evidência advinda de um efeito de referencial pelo qual cidade se torna para nós, sujeitos urbanos, o que está a nossa volta. Agradecimentos Agradeço à Capes/Cofecub pela bolsa de pós-doutorado que me permitiu desenvolver o projeto Nomes da Cidade, do qual apresento aqui uma pequena parte, e ao Laboratório Triangle, pela acolhida durante o pósdoutoramento. Referências BLUTEAU, R. Vocabulário Português e Latino. Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712.
5 FERREIRA, A.B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975/ Novo Aurélio Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000 (CD-ROM). Guimarães, E. Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, LIMA, H. e BARROSO, G. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro/São Paulo: Civilização Brasileira, 1938/1939/1942/1944/1946/1955/1963/1967.
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