MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA-GERAL CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO

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1 Origem: Interessado(s) 1: Interessado(s) 2: Assunto(s): PRT 17ª Região Justiça Global Vale S/A Igualdade de Oportunidades e Discriminação nas Relações de Trabalho RECURSO ADMINISTRATIVO. INTEMPESTIVIDADE. NÃO CONHECIMENTO. HOMOLOGAÇÃO DA PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO. VOTO Trata-se de recurso administrativo interposto por Justiça Global Brasil nos autos do procedimento administrativo instaurado em face de Vale S/A. A i. Procuradora oficiante promoveu o arquivamento do procedimento às fls. 99/100, consignando que a presente notícia de fato instaurada a partir do requerimento de desarquivamento da NF não apresentou qualquer relato novo apto a justificar a deflagração de investigação no âmbito trabalhista. Destaca-se o seguinte trecho da promoção de arquivamento: Conforme relatado, a representante busca, a partir da juntada de novos documentos, a reabertura da NF nº , para apurar as irregularidades trabalhistas alegadamente cometidas 1

2 pela representada, consistentes no monitoramento ilegal de seus empregados. Isso posto, convém salientar que o procedimento nº foi arquivado em função de vagueza do relato quanto às matérias de atribuição do Parquet do Trabalho. Nesse sentido, é interessante transcrever as considerações tecidas quando da determinação do arquivamento daquele procedimento, in verbis: A hipótese é de que a empresa representada mantém uma rede de espionagem, responsável por uma série de práticas ilegais contra seus funcionários trabalhadores de empresas terceirizadas, jornalistas, ambientalistas e integrantes de organizações e movimentos sociais. A Constituição da República conferiu ao Ministério Público do Trabalho a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, quando houver interesse público e o destinatário seja o bem geral, a coletividade, a sociedade ou o indivíduo que necessitar a proteção especial do Estado. Outrossim, é incumbência do Parquet Laboral, no âmbito trabalhista, instaurar procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais, consoante dispõe o art. 84 da Lei Complementar nº 75/93. Assim o presente procedimento deve cingir-se À análise de denúncia quanto às irregularidades noticiadas no âmbito das relações de trabalho. Isso posto, cabe observar que, em princípio, é possível que as empresas mantenham atividade de inteligência empresarial para obtenção de dados e informações que componham o conhecimento necessário à avaliação do ambiente empresarial interno e externo, 2

3 bem como para tomada de decisões. Trata-se de uma forma de proteger os interesses e o patrimônio da empresa e envolve a atividade de descobrir fraudes e condutas irregulares de empregados e empresas contratadas e de concorrentes. Mas é exigido que sempre transcorra em consonância com a ordem jurídica, respeitando os limites da lei. Todavia, como se vê, na presente representação o denunciante não especifica quais são as práticas ilegais direcionadas aos trabalhadores, limitandose a dizer, de forma genérica, que a companhia mantém uma rede de espionagem responsável por uma série de práticas ilegais contra seus funcionários, trabalhadores de empresas terceirizadas, jornalistas, ambientalistas e integrantes de organizações e movimentos sociais. Pois bem. Para que o Ministério Público do Trabalho possa instaurar procedimento com o fim de apurar eventuais lesões dos interesses e direitos cuja tutela está a seu cargo, é essencial que a requisição, representação ou comunicação formulada contenha informações sobre o fato e seu provável autor. Nesse sentido, dispõe o artigo 2º, inciso II, da Resolução nº 69, de 12 de dezembro de 2007: Art. 2º. O inquérito civil poderá ser instaurado: [...] II mediante requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou comunicação de outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade, desde que forneça, por qualquer meio legalmente permitido, informações sobre o 3

4 às fls. 109/111. fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e localização Assim, no caso em tela, a denúncia formulada não forneceu os elementos mínimos capazes de dar ensejo à atuação do Parquet, devendo ser indeferido o pedido de instauração de inquérito civil. Quanto às demais ilegalidades noticiadas, compete ressaltar a desnecessidade de encaminhamento da denúncia aos órgãos que têm a atribuição para apuralas, visto que consta da representação (fls. 02) que os foram destinatários da mesma denúncia." Compulsando a documentação acostada ao presente procedimento, no entanto, constato que não houve menção a qualquer relato novo no sentido de se fornecer elementos mínimos para a deflagração de investigação no âmbito trabalhista Não obstante as matérias jornalísticas forneçam maior acervam para a investigação dos demais fatos noticiados, na órbita das relações de trabalho não houve qualquer inovação quanto à NF nº , motivo pelo qual há que se indeferir o pedido de reabertura do procedimento outrora arquivado. 113/115, nos seguintes termos: O denunciante, inconformado, apresentou suas razões recursais O membro oficiante manteve o arquivamento do feito às fls. DESPACHO Vistos, etc, A presente Notícia de Fato foi arquivada com base no art. 5º da Resolução 69/2007 do Conselho Superior do Ministério 4

5 Público do Trabalho, da qual foi cientificado o representante, em 18 de novembro de O recurso administrativo foi interposto em 29 de novembro de Vieram os autos para cumprimento do 2º do art. 5º da Resolução mencionada. seguinte: Nas razões de recurso, o interessado alega o 1 a empresa VALE S.A é de grande porte e recebe vultosos aportes de financiamento público para executar suas atividades. 2 os fatos relatados indicam ofensas a direitos fundamentais de trabalhadores e ilegalidades que necessitam ser melhor analisados e investigados, atribuições que entende ser do Ministério Público do Trabalho e não da representante ou das vítimas das ilegalidades. 3 que houve audiência pública no Senado, onde foi juntada farta documentação. 4 na matéria apresentada ao MPT constam as declarações de espionagem da empresa formuladas por ex gerente de inteligência da Vale S.A. e tam pbem contra trabalhadores. 5 a empresa realizou interceptações telefônicas sem autorização judicial, lançou mão de quebra de sigilo bancário e telefônico, espionou a vida privada de seus próprios funcionários de empresas terceirizadas, bem como teve acesso a sistemas ao Poder Público (como INfoseg) e bases de dados da Receita Federal. Por tudo isso, requer a reapreciação da decisão de arquivamento ou encaminhamento do recurso à Câmara de Coordenação e Revisão do MPT. Inicialmente, constata-se que a primeira denúncia recebida no Ministério Público do Trabalho, autuada NF nº /, foi instaurada a partir de encaminhamento, por parte da Procuradoria-Geral do Trabalho, de representação formulada 5

6 pela ONG Justiça nos Trilhos, que noticiou supostas ilicitudes praticadas pela representada VALE S.A., denúncia esta que também foi dirigida à Presidente da República, à Ministra de Estado de Direitos Humanos, ao Ministro da Justiça, ao Diretor Geral da Agência Brasileira de Inteligência, ao Presidente do Senado, ao Presidente da Câmara de Deputados, ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, além do Procurador Geral do Trabalho. Segundo constou da denúncia, foram publicadas matérias na imprensa, nas quais um ex-gerente de Inteligência Corporativa e Segurança Empresarial da mineradora representada revelou a existência de uma rede de espionagem na companhia responsável por efetuar grampos telefônicos, quebra de sigilos bancários e telefônicos, acesso privilegiado a sistemas restritos, como o INFOSEG e a base de dados da Receita Federal, além da infiltração de pessoas que simulam engajamento em movimentos e organizações sociais, tais como na ONG denunciante e no MST, para coletar e repassar as informações obtidas para a empresa representada. 27/08/2013. O arquivamento dessa representação foi feito em Uma segunda denúncia foi apresentada ao Ministério Público do Trabalho por Justiça Global, nestes autos, onde foi requerido, em 28/10/2013, o desarquivamento da notícia de fato anterior, tendo em vista a publicação de novos dados por meio da notícia veiculada em 13/09/2013, denominada vazamento de informações expõe a Vale. Os fatos relatados, como se depreende, não dizem respeito à prática de ilegalidades no âmbito trabalhista. Nesse sentido, apenas foi mencionado que uma rede de espionagem levou a cabo uma série de práticas ilegais contra seus funcionários e trabalhadores de empresas terceirizadas. Porém, foram trazidos elementos mínimos para se iniciar uma investigação que pudesse resultar em provas para ajuizamento de ação civil pública perante a Justiça do Trabalho, único ramo do Poder Judiciário de atuação do Ministério Público do Trabalho. 6

7 Os mesmos fatos foram informados à polícia, ao Ministério Público Federal, os quais conforme dispõe o art. 6º da Lei 7347/85 deverão provocar a iniciativa do Ministério Público do Trabalho, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil de sua competência e indicando-lhe os elementos de convicção. Por enquanto, não é atribuição do MPT a investigação de rede de espionagem que envolve o MAB, MST, Instituo Políticas Alternativas para Cone Sul, Fase, Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Instituto Rosa Luxemburgo, Fórum Carajás, Campanha Justiça nos Trilhos, Conlutas, Movimento dos atingidos pela Vale, CUT, Assembleia Popular, dentre outros. Repita-se que ao Ministério Público do Trabalho compete, na forma prevista no art. 83, III da Lei Complementar 75/93 promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, não podendo os fatos denunciados serem conhecidos diretamente pela Justiça do Trabalho, pois o foco da espionagem, segundo o relato do representante, são movimentos sociais e defensores de direitos humanos. E, ainda que sejam mencionadas práticas ilegais contra seus funcionários, trabalhadores de empresas terceirizadas, não há qualquer elemento de convicção para a abertura de inquérito civil pelas razões já expostas. Assim, no caso em tela, a denúncia formulada não forneceu os elementos mínimos capazes de dar ensejo à atuação do Parquet, e por isso foi indeferido o pedido de instauração de inquérito civil. Contudo, antes de decidir manter o arquivamento, e considerando que o recorrente possa ter outros dados diretamente vinculadas à área trabalhista, determino à secretária: Notifique-se o recorrente para ciência do presente despacho e para que forneça o nome e endereço de trabalhadores que foram objeto de espionagem pela Vale S.A, bem como o nome dos prepostos da Vale que atuaram contra ou em prejuízo de direitos fundamentais dos trabalhadores. 7

8 Decorrido o prazo de 10 dias sem as informações requisitadas, remetam-se os autos, à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho, no prazo de três dias, juntamente com o recurso interposto para decisão. Distribuído o feito a minha relatoria, passo ao exame. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO O apelo é intempestivo (intimação em , petição em ). Assim, pelo não conhecimento do recurso interposto. Passa-se a análise revisional deste Órgão. Conforme observado pela ilustre Procuradora oficiante, os fatos relatados na denúncia não revelam ilegalidades na seara trabalhista. Como destacado pela colega, o Ministério Público do Trabalho tem por atribuição a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis no campo das relações de trabalho, e, no caso em exame, não se vislumbra lesão nesse âmbito. Logo, adequada a postura adotada pela Procuradora do Trabalho de aguardar eventual provocação da polícia ou do Ministério Público Federal, caso esses órgãos identifiquem algum fato que deva ser objeto de ação por parte do Parquet Trabalhista, conforme consta de seu despacho. 8

9 Assim, visto que não se extrai da denúncia elementos que autorizem a intervenção do Ministério Público do Trabalho, considera-se escorreito o indeferimento de instauração de inquérito civil proposto pela douta Procuradora oficiante. CONCLUSÃO Pelo exposto, voto no sentido de não conhecer o recurso administrativo interposto pelo denunciante, e de homologar a promoção de arquivamento subscrita pela Procuradora do Trabalho Maria de Lourdes Hora Rocha, determinando o retorno dos autos à origem. Dê-se ciência aos interessados, ao Procurador oficiante e à Chefia da Procuradoria Regional do Trabalho da 17ª Região. Brasília, 4 de abril de IVANA AUXILIADORA MENDONÇA SANTOS SUBPROCURADORA-GERAL DO TRABALHO 9