O fogão a lenha no semiárido do Piauí: métodos tradicionais e alternativas tecnológicas eficientes
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1 O fogão a lenha no semiárido do Piauí: métodos tradicionais e alternativas tecnológicas eficientes Albemerc Moura de Moraes (Doutorando em Energia UFABC Santo André/SP - albemerc@gmail.com) O uso da lenha como combustível é uma prática milenar que, aos poucos, vem perdendo espaço frente ao consumo crescente de derivados de petróleo e gás natural. Entretanto, em muitos lugares do mundo, em especial no meio rural de países em desenvolvimento, a lenha ainda continua sendo a principal fonte energética, sendo usada principalmente para a cocção de alimentos. No Brasil, essa realidade não é diferente. Segundo dados do Balanço Energético Nacional de 2008 a lenha e o carvão vegetal representam 12% da matriz energética brasileira (MME, 2008). No entanto, levando-se em conta a dificuldade em obter dados sobre o consumo de lenha no País, principalmente em relação ao uso residencial em regiões remotas, esse número pode ser ainda maior. Este produto dendroenergético é utilizado, principalmente, para produzir carvão vegetal nas carvoarias e para o preparo de alimentos nas residências no meio rural. A combustão da lenha para a cocção de alimentos é, ainda hoje, uma prática comum no Brasil e em especial no Piauí, principalmente no meio rural, onde esse insumo é muitas vezes a principal fonte energética local, sendo encontrada disponível na natureza para coleta manual e sem ônus financeiro para o usuário. Para isso, utiliza-se o fogão a lenha como alternativa tecnológica e energética popular para o preparo de alimentos. O uso da combustão da biomassa, em especial a madeira ou lenha, para a cocção de alimentos é uma das alternativas energéticas mais antigas e difundidas da humanidade. Desde que o homem domesticou o fogo e passou a fabricar seus utensílios com metal e argila, o cozimento de seus alimentos tornou-se uma prática comum e, por conseguinte, alterou socioculturalmente seu modo de vida. Desta forma, apesar da evolução cultural e tecnológica que os seres humanos vêm sofrendo nas últimas décadas, o uso do fogão a lenha como utensílio doméstico popular destinado à cocção de alimentos, principalmente no meio rural, continua sendo uma prática bastante comum na atualidade, em várias partes do mundo. Vários são os modelos de fogão a lenha utilizados para a cocção de alimentos no Brasil e no mundo. Estes variam de região para região, sendo normalmente adaptados para as necessidades locais, de acordo com os materiais de fabricação disponíveis e as necessidades de uso. Um dos modelos mais antigos de fogão a lenha, que até hoje é utilizado, é o fogão de três pedras (ou trempe, como é conhecido no semiárido piauiense), sendo este o mais rudimentar e prático destes, no entanto, apresenta-se com baixíssimo rendimento energético e alta emissão de fumaça e particulados. Outro modelo bastante comum no semiárido piauiense é o modelo feito de alvenaria, cimento, argila e chapa metálica furada para duas ou três panelas, que não apresenta forno e nem chaminé. Este modelo, por não possuir chaminé, além de apresentar um baixo rendimento energético, também emite uma grande quantidade de fumaça e particulados para o ambiente interno, podendo causar danos à saúde de seus usuários a médio e logo prazo. Um dos grandes problemas relacionado ao uso desses fogões tradicionais em domicílios rurais é a baixa eficiência energética que eles apresentam, geralmente inferior a 10% (SANGA, 2004). Associado a isso está a necessidade de um maior consumo de madeira, que pode levar a uma maior devastação da vegetação nativa e conseqüentemente provocar erosões no solo que podem favorecer o processo de desertificação, problema já encontrado no sul do Piauí, em particular na Região de Gilbués.
2 Entretanto, o maior problema que o uso deste equipamento pode provocar está associado à combustão incompleta da madeira, que, por sua vez, emite gases e partículas poluentes para o ambiente da cozinha, que são muito nocivos à saúde humana, dos quais podemos destacar: insuficiência respiratória, doenças oftalmológicas, bronquite crônica e até câncer no pulmão. Esta atmosfera, à qual esses homens, mulheres e crianças do campo estão sujeitos, no interior de suas residências, pode ser comparada à poluição de grandes cidades e ao caso de fumar vários maços de cigarro por dia (BORGES, 1994). Além dos problemas de saúde já mencionados que a emissão de fumaça pode ocasionar, outro problema menos preocupante, mas que faz a dona de casa padecer, é o enegrecimento das panelas, que, além de dificultar a lavagem, pode atuar como isolante térmico, fazendo com que o consumo de lenha cresça ainda mais. Apesar de tudo isso, com o passar dos séculos, pouco se evoluiu na fabricação deste equipamento tão importante na vida de milhões de pessoas. Isso se deve em parte à falta de estudos científicos sobre o tema e sua respectiva difusão. No entanto, nos últimos 20 anos, diversos pesquisadores e instituições em várias partes do mundo têm trabalhado no desenvolvimento e difusão de modelos de fogões a lenha mais eficientes e menos nocivos ao homem e ao meio ambiente, de forma a possibilitar um aproveitamento mais racional deste importante instrumento energético popular (NOGUEIRA & LORA, 2003). Motivados por uma preocupação ambiental e de saúde pública, a partir da década de 80, em praticamente todos os continentes do mundo, em especial nos países em desenvolvimento, foram criados programas governamentais e não governamentais de desenvolvimento e disseminação de fogões de queima mais limpa e eficiente. Dentre os de maior destaque estão os exemplos da China e da Índia, onde milhões de pessoas foram beneficiados (SANGA, 2004). No Brasil, dentre os vários modelos já estudados que apresentam resultados satisfatórios quanto à redução de fumaça e melhor eficiência, está o fogão a lenha de combustão limpa e de baixo custo, desenvolvido por um grupo de pesquisadores brasileiros. Seu funcionamento tem como base o princípio de queima invertida, desenvolvido na Holanda, que proporciona uma combustão mais completa e limpa (MARTINS ET. AL., 1992). Contudo, no Brasil, pouco se tem feito para disseminação destas tecnologias de fogão eficientes, exceto em alguns casos pontuais. Dentre estes, podem ser destacados a atuação do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Energia Renováveis (IDER) com atuação no semiárido nordestino, em especial no Estado do Ceará. Em 2006 e 2007, com o apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e da Global Village Energy Partnership (GVEP), o IDER já havia instalado 100 unidades em Itapipoca, Trairi e Pentecoste. Os resultados levaram o Governo do Estado do Ceará a financiar mais 22 mil unidades, a serem instaladas até o final de Até agora, em torno de fogões ecoeficientes já foram implantados (RTS, 2009). Para o projeto o IDER baseou-se em um modelo adaptado do Fogão Lorena (Guatemala) (KÜSTER ET. AL., 2006). Quanto ao Piauí, pouco ou quase nada se tem feito nesse sentido. Tendo em vista este cenário e a grande popularidade do fogão a lenha no meio rural do Estado do Piauí, bem como os principais problemas relacionados ao seu uso, Moraes (2008) realizou uma pesquisa de campo sobre a utilização desse importante utensílio doméstico no semiárido piauiense. A seguir, será apresentado de forma sucinta os principais resultados desta pesquisa. O modelo mais comum que a pesquisa revelou é construído no interior da cozinha, com tijolos, argila e metal sobre uma base elevada feita de tijolos, cimento e areia. Assim, são armadas sobre a base duas pequenas paredes de tijolos para sustentar a placa de metal ou simplesmente a panela diretamente, sendo que, no espaço entre as pequenas paredes e a placa ou a panela forma-se a câmara de combustão da madeira. No entanto, para o controle da intensidade do fogo não é utilizado nenhum dispositivo especial, somente através do manejo da lenha no fogão. Assim como na pesquisa de Botelho (1989), feita no Rio de Janeiro, este estudo no
3 semiárido do Piauí, mostrou uma grande penetração do fogão a gás (80% do total dos domicílios pesquisados) nos lares do sertanejo, sendo destinado, no entanto, unicamente ao preparo de alimentos mais rápidos e mais urgentes, como o café da manhã (leite, café, cuscuz, ovo, tapioca, etc) e chás. Desta forma, todas as residências pesquisadas utilizam o fogão a lenha todos os dias, usando-o para a cocção de quase todos os alimentos, principalmente para o preparo do almoço e do jantar. Quanto a obtenção da lenha, a coleta de troncos, galhos e gravetos secos pelos donos da casa, de uma a três vezes por semana, em locais próximos das residências (menos de 500 m de distância), são as formas mais comuns de obtenção da lenha para o uso domestico no fogão. Quando as distâncias são maiores, recorre-se à tração animal, como o jumento, por exemplo. Das mais de dez espécies citadas pelos sertanejos na pesquisa, as mais utilizadas são: mameleiro, sabiá e canela de velho. A pesquisa revelou ainda que 70% dos entrevistados consideram como aspectos negativos no uso do fogão a lenha o calor no ambiente e o perigo às crianças, isto é perfeitamente compreensível, tendo em vista que a maioria dos fogões pesquisados são internos e apresentam alturas inferiores a 1 m. No entanto, o maior problema quanto ao uso do fogão a lenha, para os usuários, é certamente a emissão de fumaça e particulados para o ambiente, além disso o enegrecimento das panelas e das paredes devido à emissão de fumaça também foi citado como aspecto negativo. Desta forma, como a maioria dos fogões pesquisados não apresenta chaminé externa e nem um processo mais adequado e eficiente para combustão da lenha, de forma a proporcionar uma combustão mais completa, este problema torna-se também compreensível. Quanto aos motivos que levam os usuários a continuar usando esse utensílio, constatouse que é realmente por fatores econômicos, pois 70% concordam que utilizam o fogão a lenha por ele ser mais econômico, sendo que 30% declararam não poder comprar o Gás Liqüefeito de Petróleo (GLP) e 20% por não possuírem o fogão a gás. Assim, o uso do fogão a lenha no semiárido piauiense para cocção de alimentos, principalmente na zona rural, é uma prática bastante comum. Este fenômeno está associado não apenas a fatores econômicos, mas também a aspectos sócio-culturais, além disso, o uso de materiais locais (tanto para construção como para combustível) e de baixo custo favorece ainda mais essa prática. No entanto, apesar da importância deste equipamento doméstico na vida do sertanejo, faltam estudos mais detalhados sobre o tema, além da ausência de programas governamentais e não governamentais de grande alcance que incentivem a pesquisa e o desenvolvimento de modelos mais eficientes e menos poluentes, bem como a sua disseminação na zona rural. Assim, esse problema não é apenas de cunho cientifico-tecnológico, mas também sócio-ambiental e necessita de urgente intervenção governamental. Além disso, é de fundamental importância que associado a programas de disseminação do fogão a lenha ocorra um trabalho de educação e preservação ambiental, principalmente em parceria com escolas e sociedade. Referências bibliográficas BORGES, T. P. F. Fogão a Lenha de Combustão Limpa. pp Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas UNICAMP/SP/Brasil, BOTELHO, T. M. B. Tecnologia Popular e Energia no Setor Residencial Rural Um Estudo Sobre Fogão a Lenha. pp Dissertação de Mestrado. Coordenação do Programa de Pós-graduação de Engenharia (COPPE). Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ/RJ/Brasil, KÜSTER, A. MARTÍ, J. F. MELCHERS, I. (organizadores). Tecnologias Apropriadas para Terras Secas - Manejo sustentável de recursos naturais em regiões semi-áridas no Nordeste do Brasil Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, GTZ p. MARTINS, G.; Barros, I. F. R.; Lima, M. D. Design Social Vs Novas Tecnologias. Anais do Workshop Internacional Renovação Tecnológica, Curitiba, PR, MORAES, Albemerc Moura de; MARTINS, G. ; MORANTE, Federico. O uso do fogão à lenha no semi-árido piauiense: um estudo de caso. In: 7º Congresso internacional sobre geração distribuída e energia no meio rural (agrener), 2008, Fortaleza - Ceará. MME-EPE Balanço Energético Nacional 2008: ano base 2007, Ministério de Minas e Energia MME, Empresa de Pesquisa Energética EPE NOGUEIRA, L. A. H. LORA, E. E. S. Dendroenergia: Fundamentos e Aplicações. 2 ed. Rio de Janeiro: Interciência, SANGA, G. A. Avaliação de Impactos de Tecnologias Limpas e Substituição de Combustíveis para Cocção em Residências Urbanas na Tanzânia. pp.115. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Engenharia Mecânica. Universidade Estadual de Campinas
4 UNICAMP, Campinas-SP, RTS. Rede de Tecnologia Social. Disponível em: < > Acesso: 25 de maio de Imagens que podem ser usadas na matéria (não sei se é possível) Fogão a lenha tradicional no semi-árido piauiense (Assentamento Caldeirão, Oeiras - Piauí). [Foto: Alberto Moraes, maio 2008] Fogão a lenha de três pedras ou trempe. (Localidade Machado, Floresta do Piauí) [Foto: Alberto Moraes, maio 2008]
5 Fogão a lenha de combustão limpa. Fonte: Borges, 1994 Desenvolvido por pesquisadores brasileiros, este dispositivo proporciona uma combustão mais completa e limpa, seu funcionamento baseia-se na queima invertida. Na parte inferior são colocados pequenos gravetos, estes são queimados, liberando calor para as panelas.
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