Análise crítica dos textos de Flusser e Key

Transcrição

1 Análise crítica dos textos de Flusser e Key Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo - FAU USP ECA-0800-Teoria das Mídias Prof. Dr. Mauro Wilton de Souza 4 semestre do Curso de Design Nome:Vinicius Franulovic Viana n USP:

2 1. O texto de Flusser bem como o de Kei abordam o processo da comunicação no âmbito do Design. O texto de Adriana Kei prefere abordar o design com uma linguagem mais simples, entretanto os textos de Flusser abordam o design de forma mais abrangente e profunda. Nem assim podemos desconsiderar os argumentos do texto A funcionalidade no design contemporâneo de Kei. Vale ressaltar que o livro O mundo codificado possui ensaios do final da década de setenta ao início dos anos dois mil, logo ele possui um estudo mais longo e mais complexo. Se a filosofia é a investigação crítica e fundamental dos princípios fundamentais do homem, Vilém Flusser procurou entender a essência do design. Primeiro, ele procurou entender a palavra design, desde sua origem até seu significado que ganhou atualmente. A palavra design pode ser tanto verbo quanto substantivo. Sendo verbo, design é projetar, esquematizar, engendrar, simular e configurar; enquanto que, sendo substantivo, design é plano, propósito, meta, forma e estruturação. Percebe-se, assim, que design está em contexto de fraudes. Se considerarmos o profissional(designer), percebemos que ele é o criador, já que utiliza algo(madeira, ferro, etc) e impõe uma forma. Logo, quando usamos a teoria das idéias de Platão, percebemos que o algo são as idéias e elas não podem ser representadas. Ocorre, portanto, que o designer é um traidor, pois seduzem os homens a contemplar idéias deformadas. Mas um artista também não as deforma? A palavra grega techné pode significar arte, artesanato e ofício, ou seja, techné é um método racional para produzir um objeto ou atingir um objetivo. Assim, se interpretamos o objeto como uma formatação de algo abstrato, entendemos que ele é um meio e não um fim. Um objeto doméstico é, por exemplo, um obstáculo que tenta retirar outros obstáculos ou problemas. Há uma contradição, já que se um obstáculo retira outros obstáculos, consequentemente, sempre existirá um algo obstruindo. Dessa forma, podemos considerar que o objeto tem uma função, tanto prática quanto simbólica, porém ocorre uma disfunção. Ele não consegue retirar um obstáculo por completo, nem ser impessoal, porque alguém o produziu. Associamos design e arte, mas não os diferenciamos. Uma boa comparação é usar os princípios funcionalistas do design e a funcionalidade do design contemporâneo como fez Kei. Para o design moderno, um bom objeto é aquele que consegue adequar sua forma à sua função. Não existia uma preocupação com a simbologia. Na verdade, é preciso lembrar que o alge do modernismo está inserido em um contexto histórico em que se valorizava mais a racionalidade funcional, pois estavámos no periodo anterior e entre as duas grandes guerras. Mesmo assim, os objetos modernistas não conseguiram esconder a importância da simboligia, porque, por exemplo, a cadeira Wassily de Marcel Breuer tornou-se um ícone do design moderno. O modernismo valorizou a forma e a função, porém alguns objetos ganharam conotações simbólicas e acima do que foram projetadas; ou seja, no caso a cadeira de Breuer, ela transformou-se em ídolo.

3 No entanto, o design contemporâneo já expõe essa transformação dos objetos em ídolos. A criação é transparente e, portanto, mais responsável, visto que o homem por trás do objeto é explícito. Assim, é possível entender o design como uma maneira de comunicação entre os homens, que para Flusser seria um modo menos obstrutivo e mais livre. E Adriana Kei diz o mesmo quando utiliza das palavras de Argan: é o design que promove uma coisa ao grau de objeto e coloca o objeto como perfectível, ou seja, participante do finalismo da existência humana. Então, para ela, cabe ao designer estabelecer uma relação entre o objeto e o indivíduo. 2. Sob o ponto de vista da Teoria da Comunicação, podese dizer que esses autores têm uma visão funcionalista do Design/Comunicação? Argumente a respeito (vide texto do Polistchuck e Trinta). A visão funcionalista acontece quando se procura explicar a sociedade através das funções exercidas por algo, podendo ser objeto, mídia, instituições, etc; ou seja, quando algo exerce uma função com o objetivo de atingir um fim. Dessa forma, Flusser e Kei procuram discutir qual é o papel do design e da comunicação na sociedade. No texto O modo de ver do designer, Flusser cita um verso de um poema: A alma tem dois olhos: um olha o tempo, o outro olha longe, em direção à eternidade. O designer possui esse olho que exerga a eternidade e a manipula. Admite-se que nós construimos as leis naturais. E porque os fenômenos acontecem de acordo com elas? Simples, somos nós que mesmos que criamos nossa realidade. Vilém diz também que o olhar da eternidade estava no começo da tecnização, já que as formas poderiam ser transformadas em equações. Mesmo assim, uma equação poderá ser um algoritmo na linguagem do computador. Isto é, as formas(que são eternas) são transformadas em equações que podem manipular as próprias formas ou até criar novas formas. Um círculo, por exemplo, pode ter o raio aumentado, ele pode ser deformado e ampliado. Logo, o designer manipula a enternidade como um Deus. Alem disso, o filosofo discute o que é a ética no campo do design. Quem seria o responsável por uma máquina que causou um acidente? O designer, o empresário que possui a máquina ou o mecânico que a construiu? Para ele, esse problema é antigo e ficou evidente na Alemanha nazista. Após a guerra, se questionou quem deveria responder pelos crimes cometidos durante o regime totalitário. Em uma carta, um industrial pedia desculpas pelo mal funcionamento de uma máquina que deveria matar milhares, porém ela matava centenas. Ficou claro que, na produção industrial, não existe um único responsável e, as vezes, o próprio sistema é o responsável. Já Adriana utiliza outros textos como argumentos do funcionalismo, como um trecho de O sistemas dos objetos Jean Baudrillard: A configuração do mobiliário é uma imagem fiel das estruturas familiares

4 e sociais de uma época(...), cada móvel, cada cômodo por sua vez interioriza sua função e reveste-lhe a dignidade simbólica. Portanto, existe duas funções no design: a prática e a simbólica. Não se pode desvincular os valores do objeto e a sociedade, ou melhor, a cultura. Philippe Starck, designer contextado para a maioria dos designer funcionalistas, foi um dos primeiros a entender que o objeto possuia um potêncial comunicativo. O objeto participa das relações sociais; pode expressar quem é o indivíduo. O objeto, por isso, desempenha um importante papel social. Contudo, se lembrarmos que um objeto é um obstáculo, será que ele não criou mais um obstáculo ao invés de dar mais liberdade ao homem? Antes de respoder a pergunta é importante dizer o que é mídia. De acordo com o texto Teorias da comunicação, a palavra mídia originada na palavra inglesa media, cujo significado é meio, espaço intermediário; ou ainda, onde tudo converge. Assim, mídia é algo que está ao alcance de todos. Ainda assim, se voltarmos um pouco na história, a tecnologia exerceu grande papel para a comunicação: inventou-se a televisão e o rádio. Na modernidade, os meios de comunicação tinham um papel importante, pois promovia uma cultura e servia como referência para o cotidiano das pessoas. Logo, se a mídia desempenhava uma papel importante, por que não usá-la a favor do governo? Um bom exemplo foi a ascensão do nazismo na Alemanha segundo o teorico russo Sergei Tchakhotine. Os cartazes e as propagandas criavam um ar romantico e enfático, valorizando a força, o nacionalismo e a guerra. Os partidos nazifascistas perceberam que tanto Alemanha quanto Itália viviam uma crise de identidade, então usaram de imagens, propagandas e notícias para enfatizar a nacionalidade. Eles conseguiram manipular e usaram de forma funcianal a mídia. Dessa maneira posso considerar o modelo de comunicação nazista como parte da teoria funcionalista da comunicação. No entanto, o que é o funcionalismo na comunicação? Já que viviamos um período de mudança de rural para urbano, onde a industria ganhava força, as pessoas tornaram-se receptores e a sociedade transformou-se em uma massa de pessoas sem rostos. A fonte emissora estava em extrema vantagem e promovia informação enquanto que a massa permanecia passiva. A mídia era, portanto, uma forma de imposição e controle. Todo ser humano pode escolher. Logo, seria mesmo verdade que as pessoas permaneciam passivas perante a mídia? Os meios de comunicação possuem um grande poder. Para Lazarsfeld, contudo, há diferentes fontes de informação e cabe ao homem escolher uma. Assim, a própria sociedade ganha a função de levar o homem a tomar descisões. As pessoas, que convivem juntas e gostam das mesmas coisas, costumam tomar as mesmas medidas, segundo Lazarsfeld. Contudo, o modelo teorico da comunicação de Lazarsfeld foi feito em 1940, quando o contexto histórico-social era diferente do que vivemos agora.

5 Outra corrente importante que merece ser citada é a da Escola de Frankfurt. Essa teoria adotou a filosofia marxista como base e dizia que os meios de comunicação são veículos manipuladores de classes dominantes para classes populares. Para ela, então, não existia cultura de massa, mas indústria da cultura. Alem disso, não era mais somente o estado que fazia parte da indústria da cultura, mas também a arte, a filosofia, a ciência e a religião. Se tanto os funcionalistas e os frankfurtianos pensavam que a mídia era um meio para um objetivo, qual seria a diferença da visão funcionalista e dos frankfurtianos? Na verdade, ambas possuem uma visão funcional. Entretanto, os frankfurtianos também levaram em conta os aspectos psicológicos e socio-culturais, mas os funcionalistas não. Logo, a visão frankfurtiana é semelhante a opinião de Kei, cujo texto diz: É escopo do designer oferecer ao indivíduo, trazendo-lhe satisfação e bem-estar, tanto físicos como emocionais, trabalhando em projetos que permitam-lhe uma experiência positiva. Flusser, seguindo o mesmo pensamento, também pode ser considerado um usuário das idéias de Frankfurt, pois, para ele, o designer é um Deus, ou seja, cria uma forma e a impõe em algo. Há, contudo, uma inquietação: se a mídia pode ser manipulada, as minhas palavras também são manipuladas por mim, pelo contexto e pela sociedade. Dessa forma, é preciso lembrar que Flusser tentou descobrir a essência do design e da comunicação e não fez uma investigação empírica. Em relação a Kei, fica uma lacuna: o designer deve permitir uma experiência positiva, mas referente a quem ou a o que? Fica claro, então, que estamos em um campo subjetivo, ou melhor, de acordo com Sartre, somos conscientes do nosso próprio estado e só, ou repetindo as palavras de Flusser: Mas é exatamente assim: tudo depende do design. 3. Pode-se igualmente dizer que esses autores refletem uma visão do Design dentro da Modernidade Capitalista? Argumente a respeito (vide Kumar). Antes de definir se Flusser e Kei possuem uma visão moderna de design, é preciso entender modernidade e pós-modernidade. O contexto social-histórico do modernismo é marcado pela rejeição das tradições por meio de técnicas e idéais novas. Logo, houve um questionamento da realidade. Se é o artista que questiona o real, a quebra de valores começou com a fotografia, o simbolismo e o impressionismo(não necessariamente nesta ordem). A fotografia ganha maior destaque, pois não era mais necessário representar a realidade como a olhamos. Surgiram, assim, as vanguardas modernistas: futurismo, fovismo, surrealismo, cubismo, etc. Entretanto, o modernismo apenas questionou a representação da realidade. A natureza continuava objetiva. A arte era um mundo enquanto que a realidade, com seus valores e sua cultura, era outro.

6 No campo social, a burguesia ganhava notoriedade e impunha seus valores. Anteriormente, o estado governava em conjunto com a igreja, mas, no modernismo, estado e igreja se separaram. Mesmo assim, igreja, estado e família eram as bases do período. O indivíduo ganhava autonomia, contudo dentro de um estado e de um sistema. A indústria, consequentemente, ganhava destaque. O consumo foi valorizado, já que o importante era ter. As máquinas, as técnicas e tecnologia eram usadas para aumentar o consumo e controlar a natureza. Logo, não é por acaso que contruiu-se a bomba atômica e houve duas grandes guerras. Vendo tamanha destruição que o uso desenfreado da tecnologia pode ocasionar, a sociedade entra em crise. Se antes as propagandas enfatizavam as qualidades, a produção e a procedência(importado ou nacional), agora elas enfatizam a experiência que o produto pode dar. Como exemplo, no livro Ócio criativo do sociologo Domenico De Masi, o autor diz que antes viviamos uma época de engenheiros, mas agora, a tendência é valorizarmos profissões no campo criativo como o designer, o publicitário e o artista. Outro ponto importante é que nas grandes metrópoles predomina o setor terciário(serviços), mas, no passado, predominava o setor secundário(indústria). Isto é, se o setor de serviços são transportes, entretenimento e prestação de serviços, o foco passou a ser os bens intangíveis, como a interação de pessoas, e não mais a transformação de bens físicos. Por fim, concluí-se que, anteriormente, os aspectos racionais e práticos eram mais valorizados perante os valores subjetivos. Ainda assim, vale destacar o poder das novas tecnologias, que permitiram essa transformação. A internet facilitou o acesso à informação e a horizontaliza. As fronteiras, que antes eram lineares, passaram a ser uma espécie de rede. Nesse ponto, vale destacar que a rede tem uma estrutura que é um cruzamento de infinitas linhas, que podem modificar-se sem alterar a estrutura toda. Mas será que podemos dizer que a rede possui uma estrutura? Alguns teoricos, como Baumam e Carlos Zibel dizem que essa estrutura é algo disforme, fluídico e dinâmico. Logo, a nova rede valorizou o receptor, permitiu que a comunicação fosse mais abrangente, pois o que era diálogo tornou-se colóquio. Assim, a interface midiática, ou seja, os meios ficaram mais visíveis. Isto é, a mídia ficou transparente e, consequentemente, os homens por trás dela podem ser melhor enxergados. É importante explicar, entretanto, que a mídia pode ser um objeto imaterial e, segundo Flusser, esses objetos são cultuados como ídolos. No texto Design: obstáculo para remoção de obstáculos? de Vilém Flusser, o objeto é descrito como um obstáculo, algo que está no meio do caminho; porém, o que o filosofo questiona é se a funcionalidade do objeto consegue ser certeira. Dessa forma, ele separa o objeto em duas categorias: os de ordem material e os de ordem imaterial. Os objetos imaterias são aqueles que estão no campo abstrato como a própria mídia(cinema, jornais, revistas, programas de computador, sites). Já aqueles do campo da matéria são os que possuem uma práticidade no campo físico, como a cadeira, o computador, o mobiliário. Como já dito,

7 o imaterial é um ídolo, mas e o material, ele também não é ídolo? A cadeira Wassily de Marcel Breuer é um bom exemplo do objeto material. É considerada o símbolo da modernidade doméstica, mesmo que o designer não tivesse intenção criar um símbolo, ou melhor, um ídolo. Constatamos, por meio desse exemplo, que o modernismo esqueceu que os objetos também possuem um funcionalidade símbolica. Por fim, percebe-se que tanto Vilém Flusser quanto Adriana Kei possuem uma visão pós-moderna e capitalista do design. Vilém, contudo, possui argumentos e uma lógica moderna, provavelmente porque ele viveu entre a modernidade e pós-modernidade. Já Kei preferiu enfatizar a diferença entre esses dois períodos, tomando partido pelo design pósmoderno.