A Extensão da Cláusula Compromissória às Partes não Contratantes (Fora Grupos de Contratos e Grupos de Sociedades/Empresas) *
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- Thais Casado da Fonseca
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1 Doutrina Internacional A Extensão da Cláusula Compromissória às Partes não Contratantes (Fora Grupos de Contratos e Grupos de Sociedades/Empresas) * THOMAS CLAY Professor da Universidade de Versalhes, Vice-Reitor da Faculdade de Direito e de Ciências Políticas. SUMÁRIO: I - A extensão possível; A) A interposição de pessoas; B) A substituição de pessoas; II - A extensão impossível; A) A fiança e outras garantias; 1 A fiança; 2 A garantia autônoma; B) A estipulação a favor de terceiros; C) O contrato de transportes de mercadorias; D) As pessoas jurídicas de direito público. 1. Tradicionalmente, considera-se que existem dois mecanismos permitindo a circulação da cláusula compromissória: a transmissão e a extensão. A transmissão é a operação pela qual uma pessoa recebe direitos já nascidos (adquiridos) que lhe são transmitidos em estado natural. É o caso, por exemplo, dos herdeiros, do cessionário de crédito ou de contrato e de certos casos de sub-rogação de direitos. A pessoa inicial é, então, desobrigada de sua obrigação. A extensão é a operação pela qual se acrescenta uma pessoa a uma relação de obrigação. É o caso, por exemplo, de uma empresa matriz que se vê obrigada pelo contrato de uma de suas filiais. 2. Pode-se considerar que, com a transmissão, a cláusula segue o contrato no qual ela figura, porém com a extensão acrescenta-se um novo contratante que se vinculará ao contrato principal. O que acontece quando o contrato contém uma cláusula de litígio, e notadamente uma cláusula de arbitragem? 1 Esta se transmite com o contrato principal? Tal é precisamente o tema que
2 venho tratar aqui.
3 RBAr Nº 8 - Out-Dez/ DOUTRINA NACIONAL Desde que se afastam os dois principais mecanismos de circulação de obrigações contratuais, sabendo que a circulação é o centro de um grupo de contratos, ou de um grupo de sociedades (empresas) - que fazem o objeto de outras contribuições, permanecem-se as hipóteses de extensão? A resposta é afirmativa. Existem, de fato, espécies de ramos jurídicos, os quais, colocados ponta a ponta, acabam por criar um corpo suficientemente vasto que merece ser explorado e evocado. 4. Mas, antes de examinar a questão, convém lembrar duas distinções que aparelham o assunto: Primeiramente, é necessário distinguir entre a qualidade da parte à convenção e a qualidade do contratante da convenção. Pode-se, de fato, ser parte sem ser contratante, ou inversamente ser contratante sem ser parte. Na verdade, trata-se, sobretudo, de questionar-se como se pode tornar parte na arbitragem sem o ter sido na convenção de arbitragem. Em segundo lugar, é necessário distinguir entre as extensões ativas (o não-contratante solicita a participação na arbitragem) e as extensões passivas (o não-contratante é atraído para a arbitragem sem o desejar). Ver-se-á que a extensão é mais severamente admitida quando ela é passiva. 5. Estando essas noções esclarecidas, é tempo de entrar no essencial do tema. Antes de fazer uma exposição dos diversos casos que podem existir, o tema será apresentado agrupando o conjunto em duas categorias. Analisar-se-ão, inicialmente, todos os casos de extensão, sendo os mais geralmente admitidos (I) para apresentar em seguida os casos de extensão, não ainda admitidos, mas que mereciam sem dúvida o serem (II). Partir-se-ão, então, dos casos possíveis para, de Charybde e
4 Sylla, abordar os casos impossíveis, e, tal como o revolucionário, tentar-se-á transformar o impossível em possível. I - A EXTENSÃO POSSÍVEL 6. Fora os casos que serão examinados por outros palestrantes e que concernem particularmente aos grupos de contratos e aos grupos de empresas, os quais não são, aliás, formas particulares de contratos, é possível sintetizar a evolução geral das principais jurisprudências para concentrar-se sobre duas grandes famílias de casos de extensão da convenção de arbitragem às partes não-contratantes. Trata-se, seja de casos de hipóteses de fraude, ou seja, quando há uma interposição fraudulenta de pessoas, seja de mecanismos clássicos de substituição de pessoas em uma relação de obrigação. Vamos, então, examiná-los sucessivamente: primeiro a interposição de pessoas (A), depois a substituição de pessoas (B).
5 76 RBAr Nº 8 - Out-Dez/ DOUTRINA INTERNACIONAL A) A interposição de pessoas 7. Ao contrário do que se verá para a substituição de pessoas, os casos nos quais a convenção de arbitragem pode ser estendida quando há uma interposição de pessoas têm por objetivo restabelecerem a verdade jurídica de uma realidade travestida. De qualquer forma, a extensão aqui serve para determinar quem é a pessoa que se esconde atrás do contratante da convenção de arbitragem: visiona-se, assim, as hipóteses tais como o "empréstimo de nomes", o "laranja", a empresa fantasma... Em outros termos, a interposição de pessoas visa a restabelecer os feitos, quanto que a substituição de pessoas visa a analisar o direito. 8. O direito francês de arbitragem foi confrontado com um caso importante, no qual fixou sua jurisprudência em matéria de interposição de pessoas: o caso Orri de Neste negócio, um grupo petroleiro francês era credor de um grupo de empresas todas dirigidas por um mesmo homem, Sr. Orri. Eles fizeram juntos dois contratos; um, no qual o senhor Orri reconhecia suas dívidas, e, o outro, no qual as empresas do grupo do Sr. Orri comprometiam-se a fornecer uma prestação para reembolsar a dívida. Somente o segundo contrato continha uma cláusula compromissória. O segundo contrato não estava assinado pelo Sr. Orri, mas por uma pessoa de nome, aliás, impronunciável. A dívida não estando evidentemente paga, o grupo petroleiro agiu diretamente em arbitragem contra o Sr. Orri. Este, em defesa, alegou que a convenção de arbitragem não lhe era cabível. O tribunal, entretanto, do seu ponto de vista, reconheceu-se competente. A Corte de Apelação de Paris, em um recurso de anulação,
6 enunciou que havia "um subterfúgio [no qual] o verdadeiro contratante estava apagado para deixar lugar a um companheiro [...] sendo que este não estava estabelecido, nem mesmo sua qualidade para comprometer-se ao grupo de empresas e que esta manobra (estava) constitutiva de uma fraude manifestamente destinada a ocultar o verdadeiro contratante que (era) o Sr. Orri pessoalmente". A Corte de Cassação rejeitou o recurso formado pelo Sr. Orri, motivando sua decisão sobre o único motivo de subterfúgio. 9. Esse caso revolucionou o regime de extensão da convenção de arbitragem, pois não somente descartava as práticas fraudulentas de interposição de pessoas, mas, além disso, criava um novo caso de extensão a um terceiro não-contratante de pessoas. Este caso releva, então, a categoria dos possíveis, da mesma maneira que a substituição de pessoas.
7 RBAr Nº 8 - Out-Dez/ DOUTRINA NACIONAL 77 B) A substituição de pessoas 10. Do que se trata quando falamos de "substituição de pessoas"? A priori, a expressão faz estremecer. Não dizemos que as pessoas não são permutáveis? Não dizemos também, em sentido contrário, que a pessoa não é insubstituível? É infelizmente a esta triste verdade que convém resolver, por preocupação de realismo. 11. A substituição de pessoas pode ser definida como a circulação de uma obrigação contratual que vai pesar sobre um novo contratante, apesar de o contratante inicial não ter desaparecido inteiramente da relação de obrigações. O exemplo clássico é do advogado senior partner de um escritório que se compromete junto a seu cliente a tratar pessoalmente de seu processo. Imediatamente após ter se comprometido, ele transmite o processo a um de seus associados, um de seus colaboradores, ou mesmo a um colega de um outro escritório. O novo advogado está vinculado às obrigações de comprometimento do senior partner, mas se ele não cumpre com essas obrigações, o cliente poderá responsabilizar o senior partner. O que acontece se, no contrato inicial entre o cliente e o senior partner, há uma cláusula de arbitragem? Seus efeitos são, ou não, estendidos ao segundo advogado? 12. Essas hipóteses de substituição de pessoas são muito freqüentes e toma, às vezes, formas específicas como a substituição de mandatários, que é consagrado em certas legislações, como no direito francês, cujo Código Civil contém um artigo de 1994 que lhe é dedicado. 3 A jurisprudência francesa admitiu, aliás, expressamente em 2000, a extensão da cláusula compromissória em casos de substituição de mandatários. 4 Existem outros casos, ainda mais
8 técnicos, como a substituição de empresários, ou mesmo a substituição de beneficiários de uma promessa unilateral de venda. 13. Consta, então, que a substituição de pessoas é efetivamente um caso de extensão, e não de transmissão, pois o contratante inicial permanece na relação de obrigações. Há, efetivamente, a adição de uma nova parte na relação compromissória, e que não é signatário. Eis, então, um caso de extensão da convenção de arbitragem a um não-contratante que parece apropriado e bem-vindo, pois todas as partes vinculadas pelo litigo interno ou internacional serão julgadas pelo mesmo tribunal, mesmo tratando-se do mandatário principal ou dos mandatários substituídos, cada um é mantido pela convenção de arbitragem. Esta concentração do contencioso nas mãos dos mesmos juízes é um dos objetivos perseguidos pelas garantias fundamentais da boa justiça e deve, por conseguinte, ser aprovada.
9 78 RBAr Nº 8 - Out-Dez/ DOUTRINA INTERNACIONAL Seria necessário ir além e prolongar as fronteiras do possível para aumentar ainda os casos de extensão da convenção de arbitragem? O risco é, então, de defrontar-se com o doloroso muro do impossível. II - A EXTENSÃO IMPOSSÍVEL 14. As fronteiras do possível não ultrapassam necessariamente as fronteiras geográficas. O que é impossível em certos direitos é possível em outros. Aqui o direito comparado é fonte de reflexão e de progresso. Tanto que as operações jurídicas a três pessoas concernentes são mecanismos que se reencontra na maioria dos sistemas jurídicos. Vamos analisar sucessivamente os principais: os casos de contrato de fiança e das garantias autônomas (A), os casos de estipulação a favor de terceiros (B), os casos de transportes marítimos (C) e os casos de Estados vinculados pelas pessoas jurídicas de direito público (D). A) A fiança e outras garantias 15. Sabe-se que a diferença entre a fiança e a garantia autônoma é que a primeira é acessória ao contrato principal, enquanto a segunda é, como seu nome a indica, autônoma. A fiança ou a garantia são ligadas pela cláusula de arbitragem que figura no contrato principal? É uma pergunta muito importante, quando se vê o número de fiadores chamados nos procedimentos de cobrança. Tanto que, conforme a resposta, o credor deverá intentar, seja em uma única e mesma ação contra o devedor e seu fiador perante o tribunal arbitral,
10 ou em duas ações, uma contra o devedor perante o tribunal arbitral, e outra, em frente à jurisdição do país do fiador. O objetivo da convenção de arbitragem seria, então, totalmente falho. Vejamos, primeiramente, do que concerne ao contrato de fiança (1), depois à garantia autônoma (2). 1 A fiança 16. Em matéria de fiança, a jurisprudência francesa, por exemplo, recusa que esta possa prevalecer-se da convenção de arbitragem contida no contrato principal. 5 Mas esta jurisprudência, já antiga e fortemente criticada, é chamada a ser revertida no momento que a ocasião se apresentará. Três razões a explicam: primeiro, a jurisprudência considera que a sentença arbitral - ao inverso da convenção - é, entretanto, oponível à fiança; segundo, esta solução encontra-se em contradição com a jurisprudência existente em matéria de cláusula atributiva de jurisdição invocada pelo credor em respeito à fiança; 6 terceiro, o direito francês parece aqui retrógrado em relação aos outros direitos estrangeiros que estendem os efeitos da convenção de arbitragem ao fiador não-contratante, como, por exemplo, o direito italiano que aceita a extensão da cláusula compromissória ao fiador não-contratante desde e, geralmente, o direito italiano é sem dúvida o mais avançado, pois ele admite a extensão da cláusula compromissória em todos os mecanismos jurídicos fundamentado em uma sub-rogação de direito, que esta seja legal ou convencional. 8
11 RBAr Nº 8 - Out-Dez/ DOUTRINA NACIONAL 79 Se a fiança intervém, sobretudo, em direito interno, o comércio internacional é o reino das garantias autônomas. 2 A garantia autônoma 17. A cláusula de arbitragem é a mais facilmente estendida ao garantido do que ela o é à fiança? Para responder a essa questão, ao mesmo tempo técnica, é importante, é necessário realmente distinguir que a cláusula é inserida no contrato principal (entre o credor e o devedor) ou no contrato de garantia (entre o credor e o garantidor). Se ela é inserida no contrato principal, a jurisprudência, especialmente a francesa, recusa a extensão da cláusula ao garantidor. 9 Do mesmo modo, se a cláusula for inserida no contrato de garantia, ela não pode ser estendida ao devedor, 10 e este, por sua vez, não pode se prevalecer da situação. 11 A recusa da extensão aplica-se pela razão, precisamente, que o contrato de garantia é autônomo, e esta regra é a mesma para as contragarantias. Mas esta solução é criticada, sobretudo se a comparamos com a solução adotada em matéria de grupos de contratos em que a transmissão é amplamente admitida. Restemos ao tema técnico e analisemos um outro mecanismo: a estipulação a favor de terceiros. B) A estipulação a favor de terceiros 18. A estipulação a favor de terceiros é a operação pela qual uma pessoa compromete-se contratualmente em relação a uma outra pessoa em prol de um terceiro que é o beneficiário. O exemplo
12 clássico é o contrato de seguro de vida.
13 80 RBAr Nº 8 - Out-Dez/ DOUTRINA INTERNACIONAL Uma cláusula de arbitragem inserida em uma estipulação a favor de terceiros é imposta ao beneficiário? Aqui, ainda, o direito francês é reticente, pois recusa a extensão da convenção de arbitragem. 12 Esta solução faz da França um país isolado em direito comparado, considerando o número de países que admitem a extensão nos casos de estipulação a favor de terceiros. 19. Assim é o exemplo do direito americano, em que o mecanismo "The Third Party Benficiary" é uma técnica contratual utilizada freqüentemente por estender a cláusula de arbitragem aos beneficiários. 13 Na Europa, o direito italiano, 14 belga ou ainda alemão admite amplamente a extensão da cláusula compromissória no mecanismo da estipulação a favor de terceiros, seguindo o direito comunitário. Em direito inglês, existe uma disposição especial prevendo a estipulação da arbitragem a favor de terceiros, ou seja, uma estipulação a favor de terceiros, cujo objeto permite a um terceiro invocar um direito a participar da arbitragem Conseqüentemente, uma evolução da jurisprudência francesa é desejável, tanto que os tribunais arbitrais admitem com mais freqüência a extensão da cláusula compromissória na presença de uma estipulação a favor de terceiros. 16 Uma outra hipótese controversa é esta, igualmente importantíssima sobre o plano prático, do contrato de transporte marítimo de mercadorias. C) O contrato de transportes de mercadorias
14 21. Sem a arbitragem marítima, o direito de arbitragem não teria conhecido tal desenvolvimento. Tanto que o direito marítimo é freqüentemente precursor em matéria contratual. 22. Em geral, tem-se um contrato reagrupando três pessoas: um transportador e um expedidor, sendo estes os contratantes originais, e um destinatário que se acrescentará à relação contratual original, mas somente no fim de percurso. O destinatário, não-contratante do contrato inicial, será vinculado pela cláusula arbitral contida no contrato de transporte ligando o expedidor e o transportador?
15 RBAr Nº 8 - Out-Dez/ DOUTRINA NACIONAL Uma vez ainda, a jurisprudência francesa se mostra aqui um tanto em atraso, senão retrógrada. Para estender a cláusula arbitral ao destinatário, ela exige doravante (nem sempre foi assim) 17 que seja trazida a prova de que o destinatário teve conhecimento da existência da cláusula arbitral e que ele a aceitou de maneira certa. 18 É verdade que o direito francês não é o único a adotar esta posição que se baseia sobre uma análise muito rigorosa de expressão do consentimento. A recusa de estender a convenção de arbitragem ao destinatário encontra-se também no direito inglês, no direito espanhol, no direito australiano, no direito marroquino etc. Outros direitos adotaram a solução inversa, como, por exemplo, o direito americano, 19 o direito suíço 20 e o direito alemão. Para completar, um outro caso de extensão a não-contratantes merece, enfim, uma última palavra: a extensão da cláusula arbitral a um Estado não-contratante, quando uma pessoa de direito público é parte no contrato. D) As pessoas jurídicas de direito público 24. Trata-se, aqui, de um assunto sensível, das pessoas jurídicas de direito público que não são jamais, espontaneamente, atraídas para a arbitragem, preferindo sempre - como os jogadores de futebol - jogar em casa. Mas, freqüentemente, elas não têm escolha de celebrar uma convenção de arbitragem, se elas desejam operar no mercado do comércio internacional. 25. Nos anos 80, uma série de decisões jurisprudenciais, francesas e suíças, tratou da questão da extensão da cláusula de
16 arbitragem a um Estado não-contratante. 21 A solução adotada, então, consistia em recusar a extensão da cláusula de arbitragem ao Estado não-contratante. O motivo era que se tratava de entidades jurídicas distintas que tinham patrimônio próprio.
17 82 RBAr Nº 8 - Out-Dez/ DOUTRINA INTERNACIONAL Mas depois de uma dezena de anos, a corrente se inverteu, e a tendência é a de considerar os Estados como operadores do comércio internacional. Portanto, a extensão dos efeitos da cláusula de arbitragem é quase unanimidade. A jurisprudência, especialmente a americana, alinhou-se à jurisprudência arbitral, 22 o que deixa prever um alinhamento dos diferentes direitos sobre este ponto Esta homogeneidade de soluções é naturalmente encorajadora para a harmonização do dever de arbitragem. Eis, então, um domínio no qual o impossível de outrora tornou-se o possível de amanhã. Do impossível ao possível, existe uma passagem, e basta segui-la. Tal é o destino da arbitragem.
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