M A N E I R O D E L A M E I R O S 1 - INTRODUÇÃO
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- Luiz Felipe Bennert Teves
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1 M A N E I R O D E L A M E I R O S 1 - INTRODUÇÃO Para os tentar definir de uma forma simples, podemos dizer que os lameiros não são mais do que prados naturais permanentes, cujas bordaduras das parcelas e mesmo o seu interior são ocupados por espécies arbustivas e arbóreas autóctones, principalmente os freixos. Contudo, estes biótipos que fazem parte dos sistemas agro-pecuários extensivos e são elementos do mosaico característico da paisagem da ITI-DI, são muito complexos e desempenham um papel fundamental como áreas de abrigo, de alimentação e de reprodução de muitas espécies da fauna, quer residente, quer migradora, desta região. Dada a sua génese, deixar alameirar a terra, isto é, deixar nascer e crescer espontaneamente as espécies autóctones, os lameiros constituem importantes espaços enorme diversidade florística e contribuem, de forma muito significativa para a preservação do solo e para a sustentabilidade de importantes actividades tradicionais como o pastoreio. São, provavelmente, as parcelas mais férteis das freguesias, pois situam-se quase sempre junto das linhas de água, permanentes ou tem-porárias, em solos de aluvião pelo que, conjuntamente com a sua complexidade e riqueza em espécies de vegetação autóctone podem ser considerados, com propriedade, pastagens permanentes com alto valor natural. Os lameiros da ITI DI são de secadal (isto é, não são de regadio, apenas são regados naturalmente no Inverno) e a sua manutenção é feita com técnicas de maneio ancestrais, através do pastoreio directo e do corte para produção de feno. Sendo solos muito férteis e apesar da enorme diversidade florística, não se pode considerar que tenham boas produções forrageiras quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo. Mas, conjuntamente com as espécies arbóreas que crescem nas bordaduras e no seu interior, têm um peso importante na alimentação dos animais, principalmente no verão quando outras pastagens escasseiam. O declínio da agricultura e outras alternativas para produzir forragens, levaram ao abandono progressivo de muitos lameiros, que rapidamente foram ocupados por vegetação arbustiva sem interesse para a alimentação animal, pelo que é necessário tomar medidas para manter este ecossistema imprescindível à continuidade de uma grande diversidade de espécies de aves, mamíferos, répteis, insectos e outros invertebrados.
2 2 - ESPÉCIES ARBÓREAS E ARBUSTIVAS A MANTER NOS LAMEIRO Sendo os planaltos da ITI-DI 1 zonas muito ventosas, as cortinas de árvores nas bordaduras das parcelas, desempenham um papel importantíssimo na protecção das culturas contra os efeitos mecânicos do vento. Nas searas, por exemplo, é fácil observar a diferença de desenvolvimento entre as áreas que estão protegidas e aquelas que são fustigadas pelos ventos. Por outro lado, estas espécies são também importantes na conservação dos solos e na manutenção das suas reservas de água, aumentando assim a produtividade das pastagens. Os animais em pastoreio, no pino do Verão, agradecem também o conforto das suas sombras frescas. Se acrescentarmos a tudo isto os já referidos aspectos paisagísticos e de conservação da biodiversidade, concluímos como é importante manter as seguintes espécies que estão associadas aos lameiros (ou que aí podem ocorrer): Amieiro (Alnus glutinosa), Carvalho negral (Quercus pyrenaica), Carrasco (Quercus rotundifolia), Cornalheira (Pistacia terebinthus), Enguelgue (Zêlha) (Acer Monspessulanum), Freixos (Fraxinus angustifolius e F. excelsior), Gilbardeira (Ruscus aculeatus), Lódão ou agreira (Celtis australis), Loureiro (Laurus nobilis), Macieira-brava (Malus sylvestris), Medronheiro (Arbutus unedo), Negrilho/Olmo (Ulmus minor procera), Pilriteiro (Crataegus monogyna), Pereira brava (Pyrus bourgaena), Roseira brava (Rosa canina), Salgueirobranco (Salix alba), Trovisco (Daphne gnidium). As que têm maior interesse sob o ponto de vista de disponibilidade alimentar, como complemento do pastoreio, são os freixos 2, que são desramados a cada sete ou oito anos, e cujas folhas e ramos tenros são um muito nutritivos para os ruminantes 3. 3 O MANEIO TRADICIONAL Como já foi referido, estas comunidades vegetais, localizadas predominantemente nas proximidades dos aglomerados populacionais, ocupam os vales mais húmidos e solos mais profundos e férteis e resultaram da emergência de herbáceas espontâneas que, ao longo dos tempos (nalguns casos mais de um século) têm vindo a ser pastoreadas principalmente por gado bovino. As espécies mais comuns na composição flo- (1) Planalto Mirandês e Planalto de Ribacôa. (2) Os olmos, antes de terem sido dizimados pela grafiose do ulmeiro (doença provocada por um fungo de que é vector um insecto), também tinham alguma expressão nos lameiros, mas as suas folhas eram mais usadas (ripadas) para a alimentação dos suínos. (3) O material lenhoso resultante destas desramações é aproveitado para aquecimento doméstico.
3 rística que podemos encontrar são os trevos, as festucas, as serradelas e os azevéns, entre outras. As técnicas de maneio tradicional usadas para fazer a manutenção dos lameiros consistem em impedir o acesso dos animais ao pastoreio, durante uma parte do ano (diz-se localmente guardar o lameiro ), para permitir o crescimento da erva que será depois cortada e fenada, e fazer o pastoreio directo durante outro período do ano. Esta prática poderá ter contribuído para que a qualidade das pastagens possa ter diminuído, pois o pastoreio selectivo dos animais (que comem as ervas boas e deixam as menos boas) e o corte para produção de feno (que é feito antes da maturação das sementes) têm impedido disseminação das melhores espécies forrageiras. Também o desequilíbrio leguminosas/gramíneas 4, que se verifica na composição florística da maioria dos lameiros, poderá estar relacionado com esta técnica de maneio, pois o crescimento primaveril rápido das gramíneas impede o desenvolvimento das leguminosas que são muito susceptíveis a falta de luminosidade. Assim, tendo em vista uma melhoria da utilização destes biótipos com resultados positivos quer para a actividade agro-pecuária, quer para a conservação da natureza e da biodiversidade, recomendamos as seguintes práticas, sem contrariar o maneio tradicional (4) Gramíneas festucas, azevéns; leguminosas trevos serradelas, ervilhacas.
4 3.1 - LAMEIROS DE EXPLORAÇÕES COM ACTIVIDADE AGRO-PECUÁRIA Os lameiros que fazem parte de explorações em que existe actividade pecuária devem ser guardados (impedir o acesso dos animais) logo que as ervas deixem a aparente dormência invernal e iniciem o crescimento primaveril, o que normalmente acontece pelo início do mês de Março. Os cortes para feno só deverão ser realizados a partir do início do mês de Junho (e sempre que for possível na segunda quinzena) de modo a respeitar o período de nidificação das aves, quer no solo, quer nas árvores, quer nos arbustos 5. Este corte tardio terá como objectivo, também, deixar que as plantas produzam algumas sementes, e permitir o espigamento das gramíneas. Após a retirada do feno, como em condições normais ainda existirá alguma humidade no solo, deve deixar-se que a erva faça um crescimento final e só depois deve ser permitido o acesso dos animais, que terão assim uma maior disponibilidade de pastoreio. Logo que se comece a fazer a desramação dos freixos (desgalha), a permanência dos animais deve ser reforçada, tendo em vista o aumento do pisoteio para fazer o enterramento das sementes, principalmente das leguminosas LAMEIROS DE EXPLORAÇÕES SEM ACTIVIDADE AGRO-PECUÁRIA Os lameiros que fazem parte de explorações em que a actividade pecuária deixou de existir correm o risco de se perderem por falta de utilização, pois rapidamente serão colonizados por vegetação arbustiva ou por outras espécies de plantas sem interesse forrageiro. Mas, dado o interesse deste ecossistema, e o seu valor patrimonial, é importante (5) Nas árvores Papa-figos, Rola, Pardal-espanhol, Picanço-barreteiro, Milhafre-preto, Verdilhão. No solo Trigueirão, Cotovia-pequena, Petinha-dos-campos Nos arbustos das bordaduras Felosa-poliglota, Carriça, Toutinegra-de-barrete, Melro-comum, Rouxinol-comum, Rouxi-nol-bravo.
5 a sua preservação, pelo que caso a pastagem não seja pastoreada, deverão ser feitos dois cortes de limpeza, um no início da Primavera e outro no fim do Verão (fora da época de acasalamento e nidificação da aves). Em ambos os casos se deve proceder à recolha da erva, devendo a mesma ser retirada da pastagem, pois caso contrário impedirá o crescimento da pastagem. Esta erva poderá ser fenada e vendida. Se a pastagem estiver infestada por fetos, silvas, juncos, cardos e outras plantas sem interesse para a alimentação dos animais, deve usarse um herbicida homologado mas aplicado de sempre de forma cautelosa e de acordo com as indicações constantes no rótulo da embalagem e recomendações de um técnico. 4 - FERTILIZAÇÃO Como já foi dito, os lameiros serão as parcelas mais férteis das explorações agro-pecuárias da ITI-DI. Talvez por isso, no maneio tradicional, os lameiros não são fertilizados intencionalmente. A sua fertilidade advém do potencial intrínseco dos solos, da decomposição da matéria vegetal que se vai depositando e dos dejectos dos animais que os pastoreiam. Contudo, quase todos os estudos que foram realizados sobre os lameiros referem que, quer a qualidade, quer a quantidade, da produção de erva e feno poderia ser aumentada através de adequadas fertilizações. Segundo Quelhas dos Santos (1990), no planalto mirandês, com vista a melhorar qualitativamente e quantitativamente a produção dos lameiros, a fertilização adequada é uma técnica cultural que poderá elevar as produções de 30 a 50%, até 6-8 t de MS por hectare e aumentar a percentagem de proteína bruta da forragem.
6 Devemos entender por fertilização a incorporação de correctivos e adubos no solo. Ainda segundo o mesmo autor, no caso concreto do Nordeste Transmontano poderá afirmar-se que uma parte significativa dos solos terá uma reacção ácida, muito em particular os solos do Planalto Mirandês, por isso, é de toda a conveniência fazer a correcção dos solos com um correctivo mineral alcalinizante, sendo que o mais vulgar é o calcário. Esta prática, denominada calagem, beneficiará vários aspectos como, por exemplo, a estrutura do solo, o desenvolvimento das leguminosas por proporcionar melhores condições de vida ao Rhizobium 6 e de outros microrganismos do solo, efacilitará a absorção dos outros nutrientes, nomeadamente dos microelementos. Relativamente à adubação ela deverá sempre ser feita segundo as recomendações dos resultados da análise do solo, sobretudo para os nutrientes principais fósforo e potássio. 5 - A ALTERNÂNCIA SAZONAL DOS LAMEIROS NO MEIO AMBIENTE Na primavera é tempo de guardar os lameiros, de ver crescer e florir as ervas, de ver vestir os freixos e as outras espécies caducifólias, para que as aves migradoras, como a rola, o papa-figos e o milhafre preto, quando chegarem já encontrem protecção e tranquilidade para nidificar. É tempo de ouvir as melodias de acasalamento dos melros e rouxinóis e de ver o vai-vem, entre os ninhos e as áreas de alimentação, para que nada falte às proles. Nas paredes, camuflados pelos líquenes os sardões aquecem-se ao sol. Alguns mamíferos, como a lebre e o coelho, procuram rebentos fres-cos das melhores ervas. No Verão gadanha-se a erva, vira-se para que seque bem, e sentese o agradável cheiro do feno. É tempo das boiadas regressarem aos pastos. É tempo de romances inter-aldeias muitos casamentos resultaram de conhecimentos que se travaram entre jovens que iam guardar os animais para lameiros situados no limite dos termos das aldeias e que confiavam com os das aldeias vizinhas. É tempo das sestas à sombra dos freixos e ao som do cantar dos grilos e do arrulhar das rolas e dos torcazes. Mais para o final desta estação, para os mais novos, é tempo das caçadas (felizmente em desuso) aos trolhões 7, com as formigasde-asa descavadas nos restolhos. Chegado o Outono, é tempo de recolher a lenha da desgalha, para acender as lareiras no Inverno. Começa a época de caça e as perdizes procuram refúgio entre os freixos cujas folhas vão amarelecer e cair bre- (6) De uma forma simplista podemos dizer que o Rhizobium é uma bactéria que trabalha em simbiose com as leguminosas e faz a fixação do azoto atmosférico que poderá ficar também disponível para outras plantas. (7) Nome vulgar dado, localmente, às espécies de pássaros conhecidos por papa-moscas
7 vemente. As boiadas continuam a aproveitar a erva e as sementes dos frei-xos que caiem ao solo. Com o Inverno aparecem as geadas e, mais raramente, a neve. Os ramos despidos dos freixos servem de dormitório aos milhafres reais, enquanto nas plantas das bordaduras pernoitam os tordos outros passeriformes. Bandos de estorninhos malhados procuram nos dejectos secos dos bovinos sementes que não foram digeridas e também algumas pupas de insectos que se preparavam para iniciar o novo ciclo que se aproxima.
8 BIBLIOGRAFIA D.R.A.T.M., 1983, Projecto de Desenvolvimento Rural Integrado de Trásos-Montes, (Propostas de reconversão no P.D.R.I.T.M., - Zona de Tratamento Homogéneo do Planalto Mirandês), Mirandela. PIRES, J. Maldonado, e tal, 1990, O efeito da fertilização na composição florística dos lameiros, Comunicação apresentada na XI Reunião de Primavera da SPPF, Bragança. SANTOS, J. Quelhas; COUTINHO, João F., 1990, As pastagens e Forragens no Nordeste Transmontano. Comunicação apresentada na XI Reunião de Primavera da SPPF, Bragança. TELES, A. N, 1970, Os Lameiros de Montanha do Norte de Portugal. Subsídios para a sua Caracterização Fitossociológica e Química. Agronomia Lusitana VASCONCELLOS, 1962, Ervas Forrageiras, Direcção Geral dos Serviços Agrícolas. Lisboa VIEIRA, José, et al, Os lameiros e a sustentabilidade dos sistemas de produção agro-pecuários de montanha em Trás-os-Montes, Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes, Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, Parque Natural do Alvão.
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