A PASSAGEM DAS ÁGUAS A HISTÓRIA DA FAMÍLIA DE ZÉ DE PEDRO E MARIA DO CARMO

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1 A PASSAGEM DAS ÁGUAS A HISTÓRIA DA FAMÍLIA DE ZÉ DE PEDRO E MARIA DO CARMO Adriana Galvão Freire, Bióloga, Mestre em Administração Rural, Assessora Técnica da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa AS-PTA, José Camelo Rocha, Manoel Roberval da Silva. Caixa Postal 33, Esperança/Paraíba, CEP: , adriana@aspta.org.br RESUMO O presente artigo refere-se a história de vida de uma família de agricultores familiares moradora da região do Curimataú de Solânea, Paraíba. E, com isso, pretende-se demonstrar a evolução, no tempo, das inovações tecnológicas desenvolvidas dentro da propriedade para abastecer e armazenar, com maior eficiência e segurança, a água utilizada nas diversas atividades domésticas e produtivas.

2 Palavras-Chave: Água, Agricultura Familiar, inovações tecnológicas. Não nos é dado conjurar o fenômeno da seca, nem, sequer, atinar com suas causas; mas sabemos neutralizar os seus efeitos por uma série de providências experimentadas, em situações idênticas, com segura eficiência. José Américo de Almeida A passagem das águas é a história do caminho de vidas; das vidas de Zé de Pedro, Maria do Carmo, de seus filhos e neto. É a história de uma gente simples, de um povo unido. É a história de pessoas que tiveram a capacidade de aprender nos livros da vida, do roçado, dos animais, enfim, nos livros de Deus. PASSAGEM DAS ÁGUAS, O CAMINHO DE VIDAS No Sítio Bom Sucesso, região do Curimataú de Solânea, moram Zé de Pedro, Maria do Carmo e 11 de seus 13 filhos. José e Maria do Carmo casaram-se em E em 1988, com a família já formada, foram morar nas terras em que vivem até hoje. Quando chegaram nas 16 quadras de hectare, terra comprada do irmão de Zé de Pedro, já encontraram toda a área desmatada. Meus irmãos já tinham brocado toda essa área do roçado, eu é que tirei as brocas. Por mim não teria feito isso não. Lá (no roçado) seria a mata e aqui na matinha seria meu roçado, disse Zé de Pedro. A família trabalhou duro no ano em que chegou para construir a casa onde mora. Depois de um ano de trabalho, todo o dinheiro da lavoura foi usado na construção da casa. No ano seguinte, mais um ano bom de colheita, a família cercou o terreno. Todo mundo da casa vive do que tira da terra. É ela que garante o sustento da família. Antes vivia melhor porque tinha o sisal e o algodão, conta Zé de Pedro. A renda destes produtos permitia a família comprar o que não se produzia na terra. Hoje a agricultura e,

3 principalmente, a criação rende o dinheiro para comprar alguns alimentos e materiais para casa. Os filhos, além de ajudar Zé de Pedro, possuem suas próprias roças e animais. Os meninos criam ovelhas, abelhas, além de possuírem os bois de tração. As meninas criam galinhas e guiné. É para comprar roupas e material escolar, explica Maria do Carmo. A casa ainda é enfeitada por passarinhos diferentes. ÁGUA BOA DE BEBER Nos primeiros anos, Zé de Pedro com ajuda de um burro, buscava água, no barreiro de seu pai, para sua casa. Quando o verão chegava e a água secava, Zé saia cedo para buscar água em um tanque em Casserengue, no Veloso, no tanque pelado ou nas terras de Chico Dezinho. E quando Zé de Pedro estava na feira, Maria do Carmo era quem buscava água. A água era boa, conta Zé, mas tinha que andar por volta de 6 quilômetros até cada uma das fontes. A água que trazia para beber era também dada aos animais que, segundo eles, eram poucos naquela época. Os anos foram passando, as meninas cresceram. Graça, Socorro e Adriana passaram a acordar às 5 horas da manhã para saírem juntas para buscar água. À tarde, novamente saíam as três moças para buscar água para casa. Os meninos cresceram, e agora são eles os responsáveis pela água. Nos últimos anos o carro de boi passou a aliviar o serviço pesado. A água é trazida todos os dias na cabeça ou de dois em dois dias, quando o carro de boi os ajuda. A água trazida é somente para o gasto. Mas nem sempre foi assim. Em anos de seca severa, a família chegou a comprar 7 carros-pipa, que abasteciam a cisterna da casa que hoje é de Beto, um irmão e vizinho. Hoje em dia, essa cisterna não funciona mais. No ano de 1992, Zé de Pedro resolveu ampliar a cisterna de casa que armazena água da chuva. Eles então construíram um tanque ao lado da parede da primeira cisterna, aumentando assim sua capacidade. Para isso, a família contou com recursos de um projeto realizado pela Cooperativa Agrícola Mista de Solânea. Mesmo recurso que veio financiar o campo de palma forrageira, cerca de arame e a construção de um barreiro. Essa cisterna foi abastecida pelo carro-pipa, por cinco vezes, nos anos de 1996 e No final de 1998, a família construiu uma nova cisterna. Esta agora de placas, com capacidade de armazenar litros de água. A cisterna foi construída com ajuda de um fundo rotativo, uma iniciativa da AS-PTA. Esta cisterna vem diminuindo o trabalho e os

4 custos da família. No ano de sua construção, foi a última vez que compraram carro-pipa. A cisterna precisava de água para não rachar, conta Zé de Pedro. Mas a água do caminhão não foi o suficiente para enche-la toda, quem acabou enchendo foi Jesus, termina Maria do Carmo. Nestes últimos anos, a água da cisterna vem sendo utilizada, por toda a família, somente para beber. Quando começa a chover, a família coleta e armazena as águas que caem da beirada do telhado nesta cisterna. Quando cheia, levam a água para a cisterna de casa e finalmente quando esta encher e sangrar, as águas irão cair no barreiro construído no caminho da água. Para Maria do Carmo, a capacidade de captação do telhado tem condições de encher uma nova cisterna, e se pudesse, ela faria outra. Ela ainda diz que a água de cisterna é a melhor, porque não entra sujeira. A ÁGUA DO GASTO Numa casa no Curimataú, além da água de beber, precisa-se de água para tomar banho, cozinhar, dar de beber aos animais, lavar a roupa. A água do gasto, de cozinhar e do banho, ainda é trazida diariamente. É a água trazida pelos filhos do barreiro das terras do pai de Zé de Pedro. Ainda hoje, quando o verão chega forte e tornam os dias mais secos, a família tem que caminhar até os poços maiores e mais distantes. A roupa da casa é lavada num tanque de pedra no terreno do vizinho, um primo de Zé de Pedro. Esse tanque é utilizado pela família e, de vez em quando, por uma outra família, também vizinha e parente de Zé. Chamado de tanque novo, foi construído pelo avô de Zé para reservar água de beber. Esse tanque era só para beber, hoje é que nós lavamos roupa lá, mas temos cuidado para não lavar dentro, tem que ser fora, conta Maria do Carmo. Neste terreno existe ainda o tanque velho que antes era utilizado para lavar as roupas e para os meninos brincarem. Todos os sábados, Maria do Carmo e mais 2 ou 3 filhas sobem o morro para lavarem as roupas. De bacia na cabeça, elas cortam o roçado, cortam a mata até chegarem no lajedo. Maria do Carmo ensina que são os usuários do barreiro os responsáveis por sua limpeza. Então, ela e suas filhas, sempre varrem o local para que a água se mantenha limpa. Para lavar a roupa, a água é retirada com ajuda de um balde. As moças esfregam as roupas em um pequeno lajedo ao lado da calçada do barreiro. Quando terminam levam a roupa limpa e ainda molhada para a casa, porque ali não tem espaço para serem estendidas. Os filhos mais velhos, muitas vezes, as ajudam.

5 Quando o verão é forte e a seca corta a água deste tanque, as roupas são lavadas diariamente para não acumular. Nesta época, usam a mesma água que serve para as outras atividades da casa. A ÁGUA DOS ANIMAIS, A ÁGUA NO ROÇADO Para facilitar o trato dos animais e, também, conter a água que descia rapidamente pelo roçado, a família construiu quatro barreiros. O primeiro foi construído logo que mudaram para aquelas terras, e ficava entre a rodagem e o rio, mas foi logo aterrado. Fizeram então uma barreira de pedra, plantaram capim para segurar a terra, e a área agora é utilizada para roçado. O maior barreiro foi construído no baixio próximo a casa. Este barreiro também foi quase aterrado. Para alimentar o gado e também conter as terras que desciam para o barreiro, a família plantou capim nas valetas. Mas, em um ano de muita seca e porque os animais eram criados no regime de solta, esse capim foi logo consumido. Eles ficaram 4 anos sem esta reserva. A quase 3 anos, a família vem desenvolvendo a experiência de plantar faixas, em curva de nível, de capim de pista no roçado. Explica Zé de Pedro que é para quebrar a força da água e, com isso, evitar que ela carregue as terras do roçado. A família construiu, no ano de 2000, uma barragem subterrânea com recursos próprios e, ainda hoje, aguardam a chuva chegar para enche-la. Construíram a barragem na baixada antes do barreiro. A barragem segurou a terra e a água para ajudar as plantinhas que tem lá, conta Zé de Pedro. Este é o local de maior número de plantas dentro do terreno. Mesmo não estando cheia, a barragem subterrânea mudou a alimentação da família. Zé de Pedro e Maria do Carmo listaram para esta área 30 plantas diferentes, sem contar com as plantas usadas como remédio, as plantas medicinais. Todas as plantas da barragem só estão sendo plantadas por causa dela. Em outros lugares que plantamos morreram. Pinha e caju são as únicas que podem dar em outros lugares, relata Zé de Pedro. O terceiro barreiro fica ao lado da casa, no caminho da passagem das águas do terreiro e da biqueira, quando ela termina de encher as cisternas. As águas desse barreiro são usadas para molhar as fruteiras e as plantas medicinais da faxina de Maria do Carmo. Segundo ela, esse barreiro tem lhe ajudado muito, deixando as águas mais perto. E quando essa água diminui, usa ainda a água servida do banho e da louça para molhar suas plantinhas. Mas, Maria do Carmo sempre fala que as plantas que a gente molha não ficam tão boas quanto as que Jesus molha. As águas desse barreiro ainda servem para matar a sede dos animais. Um quarto barreiro foi construído na área da matinha, também para reservar água aos animais.

6 Olhando as águas da chuva que corriam rapidamente pelo roçado, acharam que era preciso barrar aquela terra fértil que estava sendo carregada na velocidade com que a água passava. Várias medidas para bloquear esta terra e água já foram aqui mencionadas: construção dos barreiros, barragem subterrânea, faixas de capim no roçado. Mas, outra construção ainda foi feita: as barreiras de pedra. Em duas parcelas do terreno, foram construídas barreiras de pedra no caminho dessas águas e ali a família plantou capim elefante. Contam que nestes locais, o capim tem ficado verde por mais tempo, ajudando na alimentação dos animais. A família também explica que sempre utilizou as beiras do riacho para plantar. Zé de Pedro conta que sempre plantou capim, mas tinha que plantar todo o ano por causa dos animais. Hoje eles são criados presos e agora o capim está passando mais tempo. Esta área mostrou ser importante na reserva de alimentos para os animais. E foi assim... Em um dia chuvoso de conversa tranqüila, num tom ora cheio de saudades ora animado pelas novas conquistas, Zé de Pedro, Maria do Carmo, Adriana, Socorro, Gilcélia, Josélia, Edvânio, Edvaldo, Vilma, foram contando sobre as águas, sobre o roçado, as novas experiências, os novos resultados, foram dando notícias de chuva, notícias de um tempo. Um tempo que tem ficado melhor Para mim melhorou demais. Agora colho alface, uma macaxerinha. Antes plantava essas planta noutro lugar. Se os invernos fossem bons, ali poderia plantar muito.... A barragem que eu estou fazendo, acho que vai dar para manter o uso da terra. A barragem subterrânea... vale a pena, só a macaxeira que nós comemos dela! O ano passado já comemos tanta batata de lá, tanta macaxeira!... Achei melhor (com a cisterna) porque a água ficou mais perto de casa.... Hoje com a cisterna melhorou muito, diminuiu o trabalho para ir buscar água. Agora temos água na biqueira de casa. Sobrou mais tempo para trabalhar. Melhorou para aguar as plantas. Se eu pudesse, eu faria outra.... A (cisterna melhorou a) hora da gente levantar, antes ia pegar água bem cedo. Saía às cinco e chegava às oito, depois saia às 3 voltava às 5. Agora a água está perto de casa.... A cisterna é a melhor água porque não entra sujeira. Com a cisterna a gente passou a cuidar mais dela, é mais fácil de limpar.... Depois da cisterna aumentou o número de plantas na faxina, a água que era buscada para beber pode ser usada nas plantas.

7 ... A faixa de capim, pra mim, está tendo retorno porque segura a erosão da terra. Agora já tem gente pedindo muda para ele também. A faixa de capim serve até para os bichos, na seca braba.... O que tem melhorado também são as plantas medicinais. Melhora a saúde da gente, tem a farmácia em casa. Tem novos conhecimentos. Remédios para gripe e para quando adoece. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: Almeida, J.A. A Parahyba e seus problemas. Imprensa Oficial, Paraíba, 1923.