No núcleo da célula comunista: passagem de documentos e repressão na Penitenciária de Linhares.
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- Lucca Paixão Ferrão
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1 Flávia Maria Franchini Ribeiro. No núcleo da célula comunista: passagem de documentos e repressão na Penitenciária de Linhares. (UFJF pós-graduanda do Programa de Pós-Graduação em História História, Cultura e Poder). Até Sempre Abril de Na saída da Penitenciária Regional de Juiz de Fora (MG), Theofredo Pinto da Silva é interrogado por policiais militares e tem seus pertences revistados. Assim terminava sua visita a presos políticos onde reencontrara seus dois filhos, Ângelo e Murilo, militantes da organização política COLINA (Comando de Libertação Nacional) e acusados de infringir a Lei de Segurança Nacional, sendo também processados na 4ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM). O resultado da busca foi a apreensão de um folheto com diversas folhas e escrito à mão, que estava na caixa de isopor dobrado em quatro partes, chamado Até Sempre 3. Uma semana depois a já visada família seria alvo de novas revistas e apreensões. A tia materna, Ângela Pezzuti havia sido advertida sobre os fatos envolvendo os sobrinhos e o pai, mas insistiu no encontro que estaria limitado ao conforto espiritual e material que, dizia ela, desejava levar a seus sobrinhos (...). No entanto a tia levava consigo jornais camuflados, contendo notícias de interesse de Ângelo e Murilo, como embalagens de cada ovo da dúzia que carregava. Informações que, aos olhos da Justiça Militar, serviam como matéria prima para o acirramento do ódio, da veiculação de calúnias e difamações contra as Autoridades, as Forças Armadas (...). 1 Os parágrafos iniciais deste texto relatam a denúncia elaborada pelo Procurador Militar da IV Região Militar (RM), Joaquim Simeão de Faria, contra alguns presos políticos e seus familiares, baseado nos acontecimentos daquelas duas quintas-feiras, dias 02 e 09. Os fatos apontavam para a urgência de medidas drásticas, na opinião de Simeão de Faria, visto que no interior da Penitenciária Regional de Juiz de Fora havia uma perfeita célula comunista em funcionamento. E que a documentação ali produzida e encontrada indicava, segundo o Procurador Militar, (...) a execução da técnica da agitação e propaganda, nos moldes internacionais comunistas, em funcionamento naquela Penitenciária, entre os detentos, (...). 2 A denúncia resultou no processo de número 32/70, um exemplo do processo legislativo instaurado pelos próprios militares que, apesar de uma aparente legalidade, foi marcado por variadas distorções, como o caso relatado. Isso porque qualquer ato poderia ser considerado pelas autoridades militares como propaganda subversiva, sendo este um conceito amplo aplicado genericamente e de forma abusiva, 1 Processo 32/70, Theofredo Pinto da Silva e outros. Processo recolhido no Arquivo do Superior Tribunal Militar em Brasília (DF). Denúncia apresentada pela Procuradoria Militar da IV Região Militar sobre o IPM 47/70. Volume 1, p. 04. Pesquisa realizada na sede da 4ª Circunscrição de Justiça Miltiar (4ª CJM) em Juiz de Fora (MG). 2 Idem, p. 03. (Grifo deles).
2 segundo relata o Projeto Brasil Nunca Mais. Neste, o processo por nós citado, figura como exemplo da distorção praticada em tribunais nos anos do regime militar. 3 No entanto, a conseqüência para os presos políticos da Penitenciária de Juiz de Fora seria ainda mais radical. Já na denúncia, a Procuradoria Militar trata o local de visitas aos presos como algo precário pela inexistência de um parlatório, ou seja, por possibilitar o contato físico entre os detentos e seus familiares e amigos. A denúncia desembocaria na instituição do parlatório, cercas separando os presos políticos e suas visitas. Essa atitude era ainda mais agressiva, dentro de uma prática constante utilizada como forma de coerção, visto que a maioria dos familiares dos presos vinha de outras cidades. O processo originário da apreensão dos documentos, envolvendo os familiares de militantes do COLINA é, portanto, mais do que significativo. Ele ilustra o comportamento carcerário sob duas diretrizes - a resistência e a repressão ao tratar o intercâmbio de documentos entre presos políticos da Penitenciária Regional de Juiz de Fora. É uma amostra da evolução repressiva desenvolvida dentro de um órgão da Ditadura contra a atitude afirmativa de luta, encabeçada por alguns militantes do período, e que foi produzida pela própria instituição militar. A Penitenciária de Linhares e sua transformação em presídio político Em 21 de julho de 1948 a Câmara Municipal de Juiz de Fora fez circular, entre o legislativo de 312 municípios mineiros, ofício que solicitava pressionar o Estado a construir novas penitenciárias dentro das técnicas modernas, bem como a melhoria das cadeias públicas. O objetivo, segundo o documento, seria a melhora da condição de vida dos detentos, evitando-se assim a promiscuidade de criminosos primários com os costumazes. 4 Esse apelo originou um extenso debate envolvendo a opinião pública e o Legislativo juizforano. Após quase duas décadas o resultado seria a inauguração de uma Penitenciária Regional na cidade, em 22 de janeiro de 1966, com o nome de José Edson Cavalieri. O local ficaria conhecido entre os presos políticos como presídio de Linhares devido à sua localização. Segundo o projeto original a penitenciária deveria conter gabinete médico e dentário, enfermaria com cinco leitos, dois refeitórios para 100 pessoas, 20 celas fortes 3 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985, p Processo 310/48, 1º. Volume, caixa 097. Arquivo da Câmara Municipal de Juiz de Fora. JÚNIOR, João Felício Fernandes (presidente Câmara. Municipal Juiz de Fora). Circular 430 de 21 de julho de 1948 a todos os presidentes das Câmaras Municipais de Minas Gerais. Assunto: Criação de novas penitenciárias.
3 distribuídas em dois pavimentos, cinema, capela e auditório com palco. 5 Mas entre o projeto de construção da Penitenciária e sua efetivação decorreram muitos anos. A instituição, inaugurada com as obras inacabadas, passou a ser chamada na imprensa local como presente de grego. Possuía capacidade para comportar 196 presos dispostos em celas individuais. 6 Na opinião de seu primeiro diretor, Silvio de Andrade Abreu funcionaria como órgão técnico de recuperação de delinqüentes. 7 Ainda no início da campanha para a construção de um novo centro de reclusão na cidade os vereadores alardeavam: Talvez que com o funcionamento da Penitenciária estes infelizes segregados da sociedade possam cumprir suas penas com mais respeito e humanidade. 8 É interessante notar que esta é a posição da mesma Câmara Municipal que apoiou a nova ordem brasileira instalada em 31 de março de 1964, com o golpe militar. Uma parte da opinião pública de Juiz de Fora, cidade de onde partiram as tropas comandadas pelo General Olympio de Mourão Filho, proclamava-a capital da liberdade. 9 Mas convém esclarecer que sujeitos considerados criminosos, infratores ou subversivos são portadores de um estigma, segundo o qual rompem com determinadas expectativas normativas. 10 Sendo que certos comportamentos físicos ou morais subvertem a ordem a ponto de se tornar necessário o encaminhamento do indivíduo a instituições responsáveis pela sua guarda permanente ou a sua redefinição para ser reincorporado à sociedade. Para esse segundo vetor existem as organizações totalitárias que são responsáveis por isolar e redefinir a identidade que o indivíduo possa ter. 11 Entre os vários tipos de instituições desse tipo estão os hospícios, escolas e as prisões. Assim, o sucesso da recuperação ocorre quando o detento (...) adiantar-se nas atividades prescritas, ou delas participar segundo formas nãoprescritas ou por objetivos não-prescritos. 12 Em fins de março de 1967 a Polícia Militar deteve 16 homens do MNR (Movimento Nacional Revolucionário) que faziam operações de guerrilha na Serra do Caparaó, localizada na fronteira entre Minas Gerais e o Espírito Santo. Com o IPM instaurado na 4ª CJM os presos foram transferidos para a sede, Juiz de 5 Processo 310/48, 1º. Volume, caixa 097. Departamento de Assistência Municipal Secretaria do Interior Serviço de Urbanismo Penitenciaria Regional. Projeto de José Cantagalli, Belo Horizonte junho de Projeto da Penitenciária a ser construída em Juiz de Fora. 6 Os cubículos na denominação dos presos. Depoimento de Gilney Amorim Viana à autora realizado em 18 de novembro de ESTADO terá dificuldade para amenizar o presente de grego da penitenciária de JF. Jornal Diário Mercantil, Juiz de Fora, 25 de janeiro de 1966, p Idem. Parecer da comissão criada para investigar condições de vida dos presos das repartições policiais, formada pelos vereadores Eduardo Vidal de Freitas, Amílcar Campos Padovani e Nery Mendonça, de 19 de março de Solicita arquivar o processo. 9 As forças da liberdade serão recebidas festivamente em JF. Jornal Diário Mercantil Extra,Juiz de Fora, 06 de abril de 1964, Capa. (Setor de Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes) 10 GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1988, p Idem. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Ed Perspectiva, 1996, p GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e convento, Op. cit., p. 157.
4 Fora. Nesse momento a Penitenciária Regional sofreu uma transformação significativa que marcou sua história como presídio político. De fato Linhares era uma prisão política, sob controle militar, relembrou a mãe de um guerrilheiro que passou quase seis anos nesta instituição. Isso porque após a prisão dos guerrilheiros de Caparaó a instituição foi assumida pelo Exército da IV R.M. E uma das galerias foi isolada para ser ocupada pelos presos da guerrilha rural. 13 Com o tempo, houve a dispersão entre os militantes do MNR presos, que foram enviados a diversos outros presídios no país. Mas em 1969 chegam ao presídio os guerrilheiros urbanos de diversos movimentos e, que estavam com IPMs instaurados nessa Circunscrição Militar. Embora a Penitenciária continuasse a receber presos comuns, a entrada de presos políticos tornou-se significativa até os primeiros anos da década de 1970, dando a Linhares uma característica de presídio político até Várias galerias da instituição foram ocupadas com presos políticos e apenas uma ala ficou reservada aos presos comuns. Ao ser ocupada pelo Exército, a Penitenciária modelada para ser uma instituição penal exemplar, e que já sofria algumas adversidades na administração, volta a sofrer novas alterações. A instituição é transformada também em presídio, ou seja, além de receber presos condenados, passa também a abrigar aqueles que aguardavam julgamento e respondiam a processos ou apenas a inquéritos. 14 As transformações no interior da instituição, porém, se farão sentir de forma mais significativa. Ao tratar Linhares enquanto penitenciária e presídio para presos políticos, a ditadura militar estará descaracterizando qualquer sentido que se possa dar a ambas as espécies de instituição. Obviamente, por exemplo, não será levado em conta a noção de que o réu é supostamente inocente até que se prove o contrário. Muitos dos presos políticos que chegam à Linhares durante esse período vêem de experiências traumáticas sofridas em interrogatórios realizados em lugares como o DOPS ou DOI-CODI, onde foram obrigados sob torturas a assinarem declarações forjadas por seus algozes. 15 Considerados culpados pelo regime militar, os presos políticos ainda não julgados e os condenados sofrerão todo o tipo de coação imposta pela administração penitenciária, em diferentes níveis, segundo o seu grau de periculosidade a ser considerado pela ditadura. A dificuldade de acesso aos presos pelos advogados e familiares será uma constante, desde Em abril daquele ano o Jornal do Brasil noticiava a situação dos presos de Caparaó: A Anistia Internacional, sediada em Londres, resolve interceder junto às autoridades 13 VIANA, Gilney Amorim. Glória Mãe de Preso Político. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária 2 a. ed. Rio de Janeiro: Forense, pp É comum encontrarmos nos Termos de Inquirição de Testemunha nas audiências públicas realizadas nas Auditorias Militares, perante o Juiz Auditor, Promotor e Advogados de Defesa, declarações de presos políticos afirmando terem sido coagidos a assinar as falsas declarações que constituem os inquéritos originários de seus processos. Para citar um exemplo, remetemo-nos ao processo 73/69 da OPM COLINA. O livro Brasil Nunca Mais dedica o capítulo Confissões falsas ao assunto, pp
5 brasileiras pela libertação do professor Bayard Boiteux, preso incomunicável na Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora. 16 A incomunicabilidade de presos políticos em Linhares chega a comprometer o andamento dos processos, dando demonstrações claras da intransigência de um regime no descumprimento de regras elaboradas por seus próprios condutores. Em março de 1970 é remetido um ofício ao Juiz Auditor da IV RM, onde o advogado de presos sem contato com o seu defensor solicita (...)ao dd. Diretor daquele estabelecimento penal, no sentido de em cooperando com a Justiça, consulte SS. Os referidos acusados no sentido de fornecerem o nome, com a respectiva qualificação, de duas testemunhas para cada um (...). 17 No entanto outras conseqüências serão registradas no interior da Penitenciária de Linhares enquanto funcionou como local de reclusão para os presos políticos. Essas no entanto terão reflexos na aparente legalidade do regime militar. Entre os presos políticos nem todos consideravam a possibilidade de continuar a luta contra o regime no cárcere. No entanto, havia um grupo que considerava a importância das ações independentemente das circunstâncias. Eram no linguajar deles os pontas-firmes, em oposição aos desbundados. 18 Mas apesar das divergências no debate político, a organização dos presos políticos no coletivo também funcionará como contraponto à disciplina penitenciária. Os irmãos Ângelo Pezzuti e Murilo Pinto Silva e vários de seus companheiros do COLINA presos em Linhares são pontas-firmes. Durante o tempo de cárcere até o período do exílio permaneceram em intensa disputa contra o regime instituído em Foram eles os responsáveis, com outros dez companheiros, por uma das denúncias mais importantes sobre a instituição da tortura durante os interrogatórios a presos políticos. O documento em questão denunciava os casos em prisões do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Seu conteúdo foi ignorado pelas autoridades nacionais, mas amplamente divulgado no exterior em O material ficou conhecido como Documento de Linhares por ter sido produzido no interior daquela instituição, em Portanto, quando foi apreendido o livreto Até Sempre 3 em posse do pai dos irmãos do COLINA, e o material com a tia deles, as autoridades militares já sentiam o incômodo da reunião de militantes políticos naquela instituição. Com o tempo, o assunto havia tomado proporções federais tendo sido tema de um relatório produzido pela comunidade de informações visando negar as denúncias de tortura que eram 16 JORNAL do Brasil de 12 de abril de Apud: REBELLO, Gilson. A Guerrilha de Caparaó. Ed. Alfa-Omega, p Processo 73/69, p Entrevista com Jaime de Almeida em 17 de novembro de Num presídio carioca eram os facas-grande e bundas-mole, segundo: RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução brasileira. São Paulo: Editora Unesp, 1993, p Cf. CHAGAS, Fábio. VPR A Vanguarda Popular Revolucionária: dilemas e perspectivas da luta armada no Brasil ( ). Franca: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, (Dissertação de Mestrado), p. 117 nota 08; GASPARI, Elio, A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 274; PAIVA, Maurício. Companheira Carmela: A história da luta de Carmela Pezzuti e seus dois filhos na resistência ao regime militar e no exílio. Rio de Janeiro: Ed. Mauad, 1996, p. 251 e O Sonho Exilado. Rio de Janeiro: Ed. Mauad, 2004, p.70; e em < em 25/05/05.
6 divulgados no exterior. Os presos da Penitenciária Regional foram tratados enquanto caso Ângelo Pezzuti e da penitenciária de Linhares. 20 O intercâmbio de documentos com o exterior não foi a única fonte de preocupação para as autoridades no que se refere ao comportamento de alguns presos políticos na Penitenciária de Linhares. A organização dos presos no coletivo, o contato com presos comuns e com a guarda interna e ações de cunho político também são práticas denunciadas contra os presos políticos pelas testemunhas de acusação do processo. O panfleto apreendido, e que gerou este processo, possui oito páginas e foi escrito à mão. Entre as preocupações das autoridades militares está o número 3 somado ao título, o que significaria ser este material o terceiro de uma série. Onde estariam os outros? Essa foi uma das perguntas que permeou os interrogatórios. Os presos políticos alegaram que outras produções do gênero foram afixadas no próprio refeitório da penitenciária. 21 O objetivo do material apreendido seria a divulgação do interrogatório realizado no dia 19 de março de 1970, na sede da Auditoria da 4ª CJM perante o Conselho Militar. Em seus depoimentos, alguns presos políticos processados por vínculo com a organização COLINA, negaram o teor dos IPMs formulados sob tortura, denunciaram os responsáveis pelas sevícias em diversas instituições e maus-tratos na Penitenciária de Linhares e desafiaram o governo instituído após o golpe militar. O caderno foi datado como Revista Quinzenal, e o seu cabeçalho indica a data de fevereiro e março do ano corrente. O título A Ditadura no Banco dos Réus é uma amostra do texto de abertura que afirma em seu conteúdo: (...) os processados, numa autêntica postura de comunistas e revolucionários, assumiram perante a História, o papel de Promotores, apresentando para o oportuno julgamento denúncia dos crimes cometidos contra o povo pela gorilagem. 22 Assina o material certo H. Expect. O que torna a atitude desses presos políticos ainda mais desafiadora é o fato de que esses acontecimentos se desenrolaram nos anos considerados os mais tenebrosos do regime militar no que diz respeito à repressão. E eles sabiam muito bem o nível de barbárie que a ação da polícia política poderia alcançar pois foram protagonistas de uma aula de torturas na Polícia do Exército da Guanabara, segundo relataram perante o Conselho Militar. Ao compararmos as declarações transcritas no caderno Até sempre 3 com as cópias dos autos de interrogatório e qualificação, de cada militante, a respeito da mesma sessão ocorrida na Auditoria Militar, 20 IN: FICO, C. Como eles agiam: Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001, p nota Idem. Termo de Inquirição de Testemunha: Ângelo Pezzuti da Silva. Sessão realizada na sede da 4ª CJM em 24 de abril de Volume I, p Idem. Panfleto apreendido Ate Sempre 3, Volume I, p. 13.
7 que estão no processo do COLINA, 23 a fidelidade é impressionante. Esse comportamento durante uma sessão perante o Conselho Militar nem sempre aconteceu, embora o documento apreendido narre atitude semelhante de militantes presos da CORRENTE (Corrente Revolucionária) naquela mesma sede. Esse fator já denota uma comunicação e organização política, inclusive, entre presos de diferentes organizações no interior da Penitenciária Regional de Linhares. No entanto uma questão chama a atenção: a postura de alguns presos políticos reflete a negação de toda a proposta de reeducação de indivíduos transviados para sua reincorporarão à sociedade. E o que seria disciplinar um militante político para reconduzi-lo à sociedade? Os presos políticos do Presídio de Tiradentes em São Paulo foram surpreendidos com a atitude de alguns ex-companheiros que foram à televisão em horário nobre declararem-se arrependidos. No entanto, o processo pode ser mais atribuído à dificuldade de resistir às torturas e ao cotidiano da prisão do que aos efeitos de uma proposta sócio-educativa bem intencionada. 24 Hasta Siempre! Durante o processo de inquirição aos envolvidos na passagem de documentos, apreendidos em abril de 70, o preso político Ângelo Pezzuti respondeu ao ser perguntado o que era Até Sempre 3 que pensava significar Até Sempre, uma saudação e o 3 o número do exemplar (..). 25 Porém, na realidade, para os militantes da esquerda dos anos 60 e 70 o significado da expressão ia além. A saudação proferida pelos guerrilheiros da Revolução Cubana tornou-se um dos símbolos da luta anti-imperialismo. O processo resultou na construção de um parlatório. Uma tática de separação que, mais do que evitar a troca de documentos entre presos e suas visitas, representava uma punição àqueles que ousassem manter a luta no interior da penitenciária. A medida punitiva não era aplicada a todos os presos pela direção da Penitenciária Regional de Juiz de Fora que, ao longo da década de 70 foi transformada e tornou-se mais intransigente. No entanto, não foi capaz de impedir ações de resistência dos presos políticos que, em setembro de 1971, realizaram greve de fome pela abolição do parlatório. 26 Segundo algumas análises a concentração de presos políticos em uma mesma ala poderia ser a causa principal das ocorrências que desagradaram à repressão. Segundo Foucault, uma das garantias para o sucesso do poder disciplinador, a função de uma instituição desta espécie, se refere à capacidade de realizar a eficaz distribuição dos indivíduos no espaço. Sugere, portanto, a divisão em celas, ocupadas individualmente, bem 23 Processo 73/69, 3º volume. 24 FREIRE, Alípio, ALMADA, Izaías, PONCE, J. A. de Granville (orgs.). Tiradentes, um Presídio da Ditadura: Memórias de Presos Políticos. São Paulo: Scipione Cultural, Processo 32/70, p VIANA, A. G. e CIPRIANO, Perly. Fome de Liberdade. Vitória: Fundação Ciciliano Abel de Almeida, 1992.
8 como a dissolução dos grupos. Nesse sentido, rompe-se a comunicação inútil e favorece por meio da decomposição a informação útil para controle. Pois, para Michel Foucault, a disciplina fabrica indivíduos. 27 No entanto, é importante levarmos em conta a observação referente aos estudos de Erving Goffman que trata esse tipo de idealização, em seu estudo caracterizado por instituições totais, como algo impossível de ser efetivamente concretizado empiricamente. 28 No entanto, cabe perguntar: se durante os anos do regime militar conviveram no mesmo cárcere presos políticos e comuns (mas em alas diferentes no caso da Penitenciária de Linhares), porque aqueles assumiram uma postura afirmativa perante o poder constituído gerando ações de resistência no interior da própria instituição repressiva? Em nossa opinião à falência do sistema penal e à impossibilidade de realizar empiricamente o processo idealizado, soma-se o fator preponderante que é a impossibilidade de se prever as ações humanas. De fato muitos presos políticos resolveram não aderir às ações do coletivo político ou participar de movimentos como a confecção do panfleto Até Sempre 3, embora não se arrependessem do passado de lutas. Outros, no entanto, decidiram que aquele período no cárcere representava uma ruptura com o passado militante e desejavam a liberdade para retornar à vida de antes dos movimentos organizados. Mas muitos não interromperam a luta. Estavam alimentados pelo gás do que Marcelo Ridenti caracterizou como romantismo revolucionário, fruto daquele período específico, e que intentava uma nova conduta humana visando à coletividade 29 inspirados no grande comandante que afirmou: Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás. 27 FOUCAULT, Ml. Op. cit, pp e SÁ, Geraldo Ribeiro de. O prisioneiro: um processo de qualificação e requalificação. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, (Trabalho de Doutorado em Ciências Sociais), p RIDENTI, M. Em busca do povo brasileiro: artistas da Revolução, do CPC à era da tv. Rio de Janeiro: Record, 2000, pp. 27 e 31.
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