A voz do outro lado da linha tinha um tom ríspido e peremptório, mas eu não conseguia entender muito bem o que dizia em parte porque eu ainda não
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- Pedro Garrau Barbosa
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1 1 A voz do outro lado da linha tinha um tom ríspido e peremptório, mas eu não conseguia entender muito bem o que dizia em parte porque eu ainda não estava totalmente acordado, em parte porque segurava o telefone de cabeça para baixo. Dei um jeito de colocá-lo na posição normal, emitindo um resmungo. Você está me ouvindo?! Disse que meu nome é Clyde Umney, o advogado. Clyde Umney, o advogado. Pensei que tivéssemos diversos deles. Você é Marlowe, não? Sim. Talvez eu seja. Olhei para meu relógio de pulso. Eram seis e meia, nem de longe minha melhor hora. Não banque o espertinho, rapaz. Desculpe, sr. Umney, mas há muito deixei de ser um rapaz. Estou velho, cansado e preciso urgentemente de uma xícara de café. Em que posso ajudá-lo, senhor? Quero que você espere o Super Chief das oito, identifique uma garota entre os passageiros, acompanhe-a até que ela se acomode em algum lugar e então me informe sua posição. Fui claro? Não. Como não? ele bradou. Não sei o suficiente para saber se posso aceitar o caso. Sou Clyde Um... Pare interrompi. Posso ter um ataque histérico. Atenha-se aos fatos. Talvez o senhor precise de um outro investigador. Nunca fui um desses caras do FBI. Ah. Minha secretária, a srta. Vermilyea estará em seu escritório em meia hora. Ela levará as informações que você precisa. Ela é muito eficiente. Espero o mesmo de você. Sou mais eficiente depois de tomar meu café-da-manhã. Pode pedir para que ela me encontre aqui? 7
2 Aqui onde? Dei-lhe meu endereço na Yucca Avenue e lhe indiquei o que ela teria que fazer para encontrá-lo. Tudo bem ele grunhiu, mas quero que uma coisa fique bem clara. A garota não deve saber que está sendo seguida. Isto é muito importante. Represento uma firma de influentes advogados de Washington. A srta. Vermilyea lhe adiantará um dinheiro para as despesas e a soma de 250 dólares relativa aos seus serviços. Espero um alto grau de eficiência. E basta de perdermos tempo com conversa fiada. Farei o melhor que puder, sr. Umney. Ele desligou. Rastejei para fora da cama, tomei um banho, fiz a barba e estava esvaziando minha terceira xícara de café quando soou a campainha. Sou a srta. Vermilyea, a secretária do sr. Umney ela disse numa voz um tanto cafona. Entre, por favor. Ela era bastante atraente. Vestia uma capa de chuva branca, afivelada na cintura, a cabeleira perfeita e platinada descoberta, botas que combinavam com a capa, um guarda chuva de plástico fechado, um par de olhos azuis acinzentados que me miravam como se eu tivesse dito algum tipo de sacanagem. Ajudei-a a se desfazer da capa. Ela cheirava muito bem. Tinha um par de pernas até onde pude perceber nada doloroso de se admirar. Usava meias transparentes. Olhei-as atentamente, em especial quando ela cruzou as pernas e estendeu um cigarro para que fosse aceso. Christian Dior ela disse, lendo, sem dificuldade, minha mente. Jamais uso qualquer outra coisa. Fogo, por favor. Bem, parece que hoje a senhorita está usando mais algumas coisinhas eu disse, acendendo o isqueiro com um estalo. Não sou muito suscetível a cantadas a esta hora da manhã. E qual seria o melhor horário, srta. Vermilyea? 8
3 Ela sorriu de um modo bastante ácido, vasculhou sua bolsa e me lançou um envelope de papel-manilha. Creio que você vai encontrar tudo o que precisa aí dentro. Bem... nem tudo. Vamos com isso, seu palhaço. Tenho sua ficha completa. Por que você acha que o sr. Umney escolheu você? Não foi ele. Fui eu. E pare de olhar para as minhas pernas. Abri o envelope. Dentro havia outro que estava lacrado e dois cheques endossados em meu nome. Um, de 250 dólares, estava marcado como adiantamento por serviços profissionais. O outro era de duzentos dólares e trazia escrito adiantamento para Philip Marlowe para as despesas necessárias. Você me fará um relatório completo de suas despesas disse a srta. Vermilyea. E deixe de fora suas bebidas. Deixei o outro envelope fechado pelo menos por enquanto. O que leva Umney a pensar que aceitarei um caso de que não sei nada a respeito? Você vai aceitá-lo. Ninguém está pedindo que faça algo errado. Dou-lhe minha palavra. E o que eu ganho além disso? Bem, podemos discutir isso tomando um drinque numa noite chuvosa, quando eu não estiver tão ocupada. Negócio fechado. Abri o outro envelope. Dentro havia uma fotografia de uma garota. A pose sugeria um bem-estar natural, ou bastante experiência em ser fotografada. A garota tinha um cabelo escuro que podia possivelmente ter sido ruivo, testa ampla e definida, olhos sérios, maçãs do rosto proeminentes, narinas nervosas e uma boca decidida. Era uma face de feições destacadas, nem um pouco feliz, em que quase se podia ler um ar de escárnio. Olhe o verso disse a srta. Vermilyea. Na parte de trás da foto havia informações datilografadas. 9
4 Nome: Eleanor King. Altura: 1,63 cm. Idade: 29 anos. Cabelo: marrom-avermelhado, grosso, naturalmente ondulado. Postura ereta, voz suave e nítida, bem-vestida, mas sem exageros. Maquiagem discreta. Nenhuma cicatriz visível. Modos característicos: hábito de mover os olhos sem mexer a cabeça ao entrar em um ambiente. Arranha a palma da mão direita quando está tensa. Canhota, mas capaz de esconder o fato. Joga bem tênis, nada e mergulha perfeitamente, tolerante à bebida. Nenhuma condenação, mas suas digitais estão nos arquivos. Esteve em cana eu disse, olhando para a srta. Vermilyea. Não sei nada além do que está escrito aí. Apenas siga suas instruções. Não me diga, srta. Vermilyea. Aos 29 uma belezura dessas certamente já deveria ter casado. Não há qualquer menção a respeito de uma aliança ou qualquer outro tipo de jóia. Isso me deixou curioso. Deu uma olhada em seu relógio. Melhor você levar essa sua curiosidade para a Union Station. Você não tem muito tempo. Ela se pôs de pé. Ajudei-a a vestir sua capa de chuva branca e lhe abri a porta. Você veio em seu carro? Sim. Depois de avançar até metade do caminho ela se voltou. Há uma coisa que gosto em você. Não é dos que passam a mão. E seus modos são decentes... de uma certa maneira. Tentar passar a mão... isso é uma técnica ultrapassada. E há uma coisa que não gosto em você. Tente adivinhar. Desculpe. Não faço a menor idéia... claro, algumas pessoas me odeiam pelo simples fato de eu estar vivo. Não foi isso que eu quis dizer. 10
5 Desci os degraus em sua companhia e lhe abri a porta de seu carro. Era uma máquina de segunda, um Fleetwood Cadillac. Ela me acenou brevemente e deslizou colina abaixo. Subi novamente e enchi uma sacola com alguns itens, apenas para me precaver. 2 Não havia nada de mais. O Super Chief estava no horário, como quase sempre ocorre, e foi tão fácil localizar a garota como encontrar um canguru vestindo um smoking. Ela não carregava nada além de um livro de bolso que jogou fora na primeira cesta de lixo que encontrou. Sentou-se e ficou olhando para o chão. Uma garota infeliz, se é que isso possa existir. Passado um instante, ela se levantou e entrou numa banca de livros. Saiu sem levar nada e lançou um olhar para o grande relógio na parede, fechando-se, em seguida, numa cabine telefônica. Conversava com alguém, após ter posto no aparelho uma mão cheia de moedas. Sua expressão se manteve inalterada. Desligou e foi até a banca de revista, pegou uma New Yorker, olhou novamente para o relógio e se sentou para ler. Ela vestia um terninho azul-escuro feito sob medida e uma blusa branca que se abria no pescoço, e um enorme broche de safira azul que provavelmente faria conjunto com os brincos em suas orelhas, caso eu pudesse enxergá-las. Seu cabelo era de um vermelho escuro. Parecia-se bastante com a fotografia, mas era um pouco mais alta do que eu imaginava. De seu chapéu de fita azul-escuro se projetava um pequeno véu. Ela usava luvas. Um pouco depois, ela cruzou os arcos em direção ao ponto onde os táxis estacionavam. Olhou para a cafeteria que ficava à sua esquerda, deu meia-volta e retornou à sala de espera principal, correu os olhos por uma tabacaria, por uma banca de jornais, pelo guichê de informações e pelas pessoas sentadas nos bancos de madeira. Alguns dos balcões 11
6 de bilhetes estavam abertos, outros não. Ela não parecia interessada nisso. Voltou a se sentar e a olhar para o relógio. Tirou a luva direita e acertou seu relógio de pulso um pequeno e fino brinquedo de platina, sem jóias conforme o da estação. Coloquei mentalmente a srta. Vermilyea ao seu lado. Ela não parecia delicada ou recatada, não parecia sequer decente, mas fazia com que a Vermilyea parecesse uma prostituta de beira de estrada. Dessa vez, ela também não ficou muito tempo sentada. Assim que se levantou, começou a caminhar de lá para cá. Foi até o pátio, voltou, foi à farmácia e ficou algum tempo na banca de livros. Duas coisas eram óbvias. Se alguém estava prestes a encontrá-la, o horário combinado não havia sido o da chegada do trem. Ela parecia esperar por uma baldeação. Seguiu para a cafeteria. Sentou-se numa das mesas de plástico, leu o cardápio e então começou a ler um livro. Uma garçonete apareceu com o inevitável copo de água gelada, trazendo também um cardápio. A garota fez seu pedido. A garçonete se afastou, e ela voltou à sua leitura. Era aproximadamente nove e quinze da manhã. Cruzei os arcos até o local onde um carregador aguardava pela partida do táxi. Você trabalha no Super Chief? perguntei a ele. Sim, em parte dele. Olhou sem muito interesse para o dólar que eu lhe estendia entre meus dedos. Eu estava esperando um passageiro no expresso Washington-San Diego. Sabe se alguém desceu? Você diz de modo definitivo? Bagagem e tudo mais? Concordei. Pensou um pouco, estudando-me com seus olhos inteligentes, de um castanho cor de noz. Um passageiro desceu ele disse afinal. Como era a pessoa que o senhor procurava? Descrevi um homem. Alguém que de algum modo se parecia com Edward Arnold. O carregador balançou a cabeça. 12
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