PATRIMÔNIO E APROPRIAÇÃO POPULAR NA ARQUITETURA MODERNISTA RESIDENCIAL DE MARINGÁ
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- Luiz Guilherme Jardim Lacerda
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1 DOI: /4cih.pphuem.491 PATRIMÔNIO E APROPRIAÇÃO POPULAR NA ARQUITETURA MODERNISTA RESIDENCIAL DE MARINGÁ Renato Delmonico Mestrando do Programa de Pós-graduação em História, Linha de Pesquisa Fronteiras, Populações e Bens Culturais na Universidade Estadual de Maringá Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia Dra. Sandra C. A. Pelegrini Doutora em História Social pela USP e pós-doutora em Patrimônio Cultural pelo NEE/UNICAMP, docente da Universidade Estadual de Maringá A fundação e a ocupação da cidade de Maringá, no norte do estado do Paraná, ocorreram em paralelo com o período apontado por Segawa (1997) como o tempo de afirmação e hegemonia da Arquitetura Moderna no Brasil. Este fato pode ser evidenciado em várias residências construídas nesta época na cidade, que de uma forma simplificada em suas fachadas ou aplicada deste a planta, utilizaram-se dos preceitos preconizados pelo movimento. Este conjunto de casas modernistas espalhadas pela paisagem urbana de Maringá apresenta uma relevância local, como também nacional, pois estas construções representam uma parte da história de Maringá, tanto no contexto cultural como no patrimonial; e ao mesmo tempo simbolizam como o Movimento Moderno Brasileiro se difundiu nos mais variados pontos do país, reafirmando o seu caráter singular e nacionalista, em relação ao que se seguia no restante do mundo. Estas residências representam de forma concreta a apropriação por parte da população maringaense a este novo estilo arquitetônico que ganhava força no país. Registrar e entender este processo é de grande valia para a história da cidade e a história da arquitetura brasileira. Ressalta-se que a arquitetura do movimento moderno nunca foi popular no resto do mundo (JENCKS, 1990; VENTURI, 1966, apud LARA, 2005, p. 173). E a partir deste ponto este trabalho busca investigar o modernismo brasileiro pela ótica da recepção e da apropriação populares de seu vocabulário formal, buscando entender as razões da penetração desse movimento arquitetônico no interior do Brasil dos anos 50 aos anos 80 do século XX.
2 4314 Modernismo, Patrimônio e Memória A arquitetura moderna surgiu em seu contexto global, com propostas que revolucionaram todo o ambiente construído no século XX. Apresentava uma arquitetura correspondente ao contexto histórico de desenvolvimento, utilizando-se de toda tecnologia possível e dos mais diversos materiais, com formas puras e volumes geométricos, enaltecendo a beleza simples e funcional, ao contrário dos estilos pretéritos. Esse movimento difundiu-se mundo afora, transformando-se em um Estilo Internacional usado pelos arquitetos como um manual construtivo, baseado principalmente nos cinco pontos da nova arquitetura ditados por Le Corbusier: o pilotis, o terraço-jardim, as janelas corridas, a fachada livre e a planta livre. [...] a construção moderna estava assentada na planta livre - resultado de um pensamento funcionalista que separava a vedação da estrutura e das conquistas tecnológicas que possibilitaram as construções de concreto armado; na fachada livre e na janela que se estendia ao longo de toda a parede e mais tarde daria nos modernos panos de vidro, decorrentes dessa liberação da planta; no pilotis que elevava a edificação e liberava o solo para o automóvel; no terraço-jardim que eliminava o telhado e dava uma aparência nova, abstrata e geométrica à casa dos novos tempos (REGO E DELMONICO, 2003, p ). No Brasil, esse movimento começa a ser discutido e difundido em meados da década de 20, a partir de manifestos em jornais de dois arquitetos, Gregori Warchavchik e Rino Levi. Mas essa arquitetura só se consolida na década de 1930, devido principalmente a dois fatos importantes ocorridos no Rio de Janeiro, sendo o primeiro, a reforma na Escola de Belas Artes neste mesmo ano, e o segundo, a construção do Ministério da Educação e Saúde em 1937, este último realizado por uma equipe de arquitetos, tais como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Affonso Eduardo Reidy, contando também com a consultoria do arquiteto franco-suíço Le Corbusier. E, apesar das convulsões sociais e políticas, que marcaram a década de 30, a arquitetura brasileira conseguiu arrancar-se de um ecletismo provinciano e bisonho para se colocar, em dois decênios, ao lado e ao nível do que se fazia de melhor no mundo em matéria de produção arquitetônica. (GRAEFF, 1995, p.18). A arquitetura moderna brasileira começa a tomar novos rumos nos anos 40, com as obras da Pampulha, em Belo Horizonte, de Oscar Niemeyer, uma vez que rompe com o caráter ortodoxo e racionalista de Le Corbusier e encontra seu auge posteriormente, na década de 50, tendo como um dos ícones a construção da nova capital brasileira, Brasília.
3 4315 Algumas enormes diferenças assinalam, contudo, o nosso modernismo: a boa condição econômica do Brasil, o desejo de o governo buscar uma nova face para a capital federal e uma brilhante geração de intelectuais e arquitetos, com penetração nas brechas do aparelho cultural do estado, que transformaram o estilo em uma nova linguagem, inconfundivelmente brasileira e universal. (CAVALCANTI, 2001, p ). Essa nova arquitetura se generalizou rapidamente, dando início a outras novas correntes arquitetônicas, como a escola paulista e a escola carioca. Este crescimento acelerado não se manteve apenas nas grandes capitais, expandiu-se por todo o país, como é o caso da cidade de Maringá, foco deste nosso estudo. A cidade de Maringá teve dentre outros dois fatos importantes para o desenvolvimento de sua arquitetura, sendo a proximidade com a cidade de Londrina, onde vários arquitetos influenciaram de forma direta suas construções, como no caso de Vilanova Artigas; e o outro fato foi a fundação da primeira escola de arquitetura do Estado em Curitiba (1962), onde vários arquitetos paulistas participaram do corpo docente da instituição. Desta forma, Maringá desde seu surgimento em 1947, recebe a visita de vários arquitetos, dentre eles, José Augusto Bellucci e Rino Levi, ambos paulistas, que direta ou indiretamente influenciaram a paisagem urbana, estabelecendo um contato por parte da população a uma nova tipologia construtiva. Estes arquitetos, engenheiros, construtores e moradores, influenciados pelo Movimento Moderno, deixaram através das construções marcas culturais, registros edificados da história da cidade. Portanto preservar esse patrimônio edificado é de suma importância para se entender a história de crescimento de Maringá. Segundo Lê Goff (1996), a memória estabelece um vínculo entre as gerações humanas e o tempo histórico que as acompanha, fazendo um paralelo entre a memória individual e coletiva, e todos estes fatores acabam definindo as identidades plurais, sociais e étnicas, reforçando ainda mais a importância da preservação desse patrimônio. Atualmente, através da análise do patrimônio histórico e cultural brasileiro, percebe-se que seu caráter representativo amplia-se a cada dia, originando mais estudos, discussões e reivindicações a esse respeito. Busca-se cada vez mais estudos voltados ao vernacular, ao cotidiano, a imaterialidade, avaliando não só o passado distante, como também os períodos mais recentes. Na busca de uma abordagem integrada dos bens culturais como signos da memória e identidade brasileira, a cidade passa a ser observada como um cenário catalisador de diferenciados referenciais. Assim, tanto as manifestações populares e eruditas quanto as igrejas, os monumentos ou qualquer produção arquitetônica, as praças e os
4 4316 jardins, o traçado das ruas e caminhos, os arquivos e museus, as obras de arte, as peculiaridades do comportamento social, a paisagem e os vestígios arqueológicos passam a ser valorizados e reconhecidos como merecedores da proteção e da sua reinserção no seu contexto contemporâneo. (PELEGRINI, 2006, p ) As edificações de uma cidade define não só o tipo de arquitetura vigente em uma determinada época, como também possibilita descobrir hábitos e tradições culturais de uma população. Nesse sentido, vale lembrar: As edificações públicas ou privadas, como produtos de uma dada época, constituem registros visuais dos anseios, necessidades e contradições sociais. O traçado arquitetônico e as formas de organização do espaço comportam representações do contexto socioeconômico em que emergiram. Para percebê-las faz-se necessário empreender esforços no sentido de detectar fatores físicos inerentes à produção arquitetônica, tais como: atribuições funcionais, técnicas e materiais utilizados nas obras, dificuldades de implantação dos projetos, entre outros. (PELEGRINI, 2004, s/p) Estas construções constituem o registro da ligação da cidade com o restante do país em seu caráter desenvolvimentista, e demonstram a visão das pessoas que aqui tinham se fixado, aspecto que salienta, portanto a sua importância arquitetônica e patrimonial. Um registro edificado de uma época de crescimento da cidade, repleto de manifestações culturais. Uma memória até então esquecida da historiografia da cidade, e muitas vezes da própria arquitetura brasileira. Nota-se, porém, que nos últimos anos vários trabalhos foram realizados a fim de registrar, recuperar e entender essa arquitetura popular moderna. Tem-se como exemplo o trabalho de Fernando Lara, em Belo Horizonte: [...] em todo o mundo a arquitetura moderna foi implantada de cima para baixo, primeiro como um movimento vanguardista da elite cultural e em seguida como estilo oficial governamental (Europa pós-guerra e países emergentes) ou das grandes corporações (EUA). A peculiaridade do caso brasileiro se encontra no fato de que em nenhum outro lugar a arquitetura moderna ultrapassou a barreira da conservadora classe média. (LARA, 2005, p. 178) E como menciona FUNARI e PELEGRINI, tem que se voltar o olhar não somente para as coisas mais belas, da alta classe, mas sim, a todo tipo de manifestação que represente a história de uma sociedade:
5 4317 Com o despertar para importância da diversidade, já não fazia sentido valorizar apenas, e de forma isolada, o mais belo, o mais precioso ou o mais raro. Ao contrário, noção de preservação passava a incorporar um conjunto de bens que se repetem, que são, em certo sentido, comuns, mas sem os quais não pode existir o excepcional. É nesse contexto que se desenvolve a noção de imaterialidade do patrimônio. (2006, p ) Muitas vezes devido à simplicidade e superficialidade, essas construções modernistas são ignoradas pela historiografia brasileira. Esta apropriação formal do Movimento Moderno, não denuncia uma banalização do estilo, ao contrário, enaltece a boa aceitação por parte da população a uma nova ideologia arquitetônica. Exemplos da modernidade Através de algumas imagens pode-se perceber essa influência modernista nas construções maringaenses. A figura 1 representa o desenho da fachada de uma residência que na época seria construída na Rua Tomé de Souza, no ano de Esta foi a fachada aprovada pela prefeitura para a respectiva construção. Trata-se de uma típica casa da região, com telhado aparente (2 águas), janelas venezianas de madeira, outras aberturas basculantes, e volumetria convencional. Nos desenhos não havia especificações de outros materiais de revestimentos que seriam incorporados a obra. O projeto arquitetônico foi feito por um engenheiro, a pedido do proprietário, o Sr. Ary de Lima. Entretanto, quando contrapomos a Figura 1 com a Figura 2, ambas referentes à mesma residência, percebe-se que a fachada aprovada e desenhada no projeto arquitetônico não foi executada. A segunda imagem apresenta a forma atual da construção. Nota-se que a mesma sofreu algumas alterações para possibilitar um novo uso a edificação (lanchonete), porém a volumetria original foi mantida.
6 4318 Figura 1 Fachada da Residência na Rua Tomé de Souza n 27. Fonte: Prefeitura Municipal de Maringá (acervo de projetos). Figura 2 Residência na Rua Tomé de Souza n 27. Fonte: acervo do autor. Fotografada em A Figura 2 demonstra que a residência até então projetada para um telhado convencional de 2 águas, sofreu uma inversão, apresentando um telhado borboleta ou invertido. Esta cobertura foi muito difundida pelo Movimento Moderno Brasileiro, inclusive existem inúmeras obras do arquiteto paulista Vilanova Artigas que apresentam a mesma tipologia.
7 4319 A partir deste impasse, foi necessária uma entrevista com os antigos moradores para chegar-se a um consenso de quando este telhado foi realizado e por qual motivo o mesmo foi alterado em relação ao projeto aprovado na prefeitura. Infelizmente o Sr. Ary de Lima já havia falecido, mas sua esposa a Sra. Helena de Lima encontra-se viva, e a mesma foi aberta a uma conversa sobre sua residência e sobre sua história de vida i. Com base nesta entrevista, foi possível identificar que a modificação na cobertura foi solicitada pela proprietária, ainda na fase de execução do projeto, pois a mesma achava o telhado até então aprovado, muito simples. A Sra. Helena também informou que eram naturais do Estado de Minas Gerais, e como já foi abordado, a respectiva região foi palco de grandes transformações da arquitetura moderna, como é o caso do Conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte. Mesmo a entrevistada não abordando essa influência diretamente, foi perceptível este contato cultural que a mesma obteve em sua região. De certa forma, todo este contexto demonstra como as trocas culturais aconteciam na cidade de Maringá. Havia uma circularidade cultural, arquitetos, moradores, construtores, trabalhadores, entre outros que vinham de outras regiões, traziam em suas bagagens não somente roupas, mas experiências de vida e contextos sociais diferentes, e dentro do espaço urbano sofriam interações, originando novas identidades. Assim como esta residência, existem outras com as mesmas características do modernismo brasileiro, seja em sua totalidade ou superficialmente em suas fachadas. A respectiva casa da Rua Tomé de Souza, não apresenta em seu interior os mesmos preceitos do movimento moderno, entretanto, este fato não desmerece o seu caráter arquitetônico, histórico e cultural para a cidade. Dentre os vários agentes responsáveis pela expansão da arquitetura moderna no Brasil, um que merece destaque é Imprensa. A mídia se utilizou dessa modernidade para se vender de tudo. E isso não foi diferente em Maringá.
8 4320 Figura 3 Anúncio do Jornal O Diário, de 30/06/1974 Fonte: Museu da Bacia do Paraná. Na figura 3 pode-se perceber um exemplo das publicidades da época, uma propaganda de um loteamento, que foi veiculada em 30/06/1974, com o intuito de vender terrenos na cidade de Maringá, no Jornal O Diário. O anúncio que ocupa uma página inteira do jornal, dentre as várias informações que possui, ressalta-se um desenho de uma planta baixa de uma edificação residencial e também de uma fachada (frente da casa). Nota-se que a empresa ao utilizar o termo futuro derivando de uma suposta modernidade, utilizou-se de uma tipologia construtiva não convencional, fugindo um pouco da realidade da região, apresentando um projeto com o interior de divisões simples, porém com seu exterior totalmente influenciado pelos preceitos da arquitetura moderna. E esse subterfúgio era utilizado por inúmeros outros anúncios, expondo à população da cidade a idéia do moderno, do desenvolvimento. De certa forma o resultado é que a arquitetura moderna, de uma forma ou de outra, invadiu os lares brasileiros, seja através da publicidade, da presença de arquitetos nacionais e internacionais e do contato cotidiano com as construções modernas.
9 4321 Conclusões A apropriação da arquitetura moderna (mesmo que superficialmente) pela população maringaense caracteriza a singularidade, a particularidade, a sensação de propriedade das pessoas em relação a este novo vocabulário arquitetônico. As cidades são feitas não somente do traçado de suas ruas e construções, mas também de sonhos, de interpretações objetivas e subjetivas que são armazenadas em seu desenho. Revisitar essa arquitetura tem como intuito trazer a tona e registrar uma parte da memória da cidade. Na própria vulgarização de certas conquistas da arquitetura brasileira devemos ver o reflexo da simpatia geral pelo esforço renovador e pelas soluções que ela propõe. Há os que encaram a rápida aceitação e reprodução de certas formas construtivas sem suficiente assimilação crítica ou elaboração criadora, como um sintoma de decadência. A democratização das conquistas da arquitetura deve ser encarada como o desejo ardente, por parte do povo, da aquisição de uma linguagem nova no campo da arquitetura. (ARTIGAS, 1999) O intuito desta pesquisa, ainda não finalizada, é reconhecer a arquitetura moderna e entender o modo como ela se apresentou em Maringá. Através da coleta e análise de alguns projetos residenciais vinculados à arquitetura moderna edificados entre 1960 a 1980, poderá ser feito um contraponto das casas modernistas construídas pela classe média, o grau de penetração desse vocabulário moderno e os motivos que levaram a sua apropriação. Através do estudo dessa assimilação, certamente será recuperada uma história da arquitetura, da cidade e da população maringaense pouco estudada até hoje, e que em seu cerne ainda guarda uma vasta demonstração cultural e social, representativa, não somente com um caráter local, mas nacional, devido à singularidade da Arquitetura Moderna Brasileira. Enfim, é necessário evidenciar a importância dessas construções para a cidade, da preservação não só de um patrimônio edificado, mas de um patrimônio cultural, palco de várias manifestações sociais que ocorreram durante o crescimento do espaço urbano maringaense. É um trabalho que, antes de tudo, procura manter viva a relação entre os indivíduos e o seu passado. i Entrevista realizada com a Sra. Helena de Lima (91 anos) no dia 21/01/09 as 15h pelo pesquisador e autor Renato Delmonico.
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