Poemas de Ricardo Reis

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1 SUB Hamburg Fernando Pessoa Poemas de Ricardo Reis Edição de Luiz Fagundes Duarte PESSOANA EDIÇÕES LISBOA 2015 ÍNCM IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

2 ÍNDICE GERAL PRÓLOGO 5 PARTE I 11 ODES PUBLICADAS POR PESSOA LL A. Odes Livro Primeiro [Athena] 1 Seguro assento na coluna firme 13 2 As rosas amo dos jardins de Adónis, 13 3 O mar jaz; gemem em segredo os ventos 14 4 Não consentem os deuses mais que a vida Como se cada beijo 15 6 O ritmo antigo que há em pés descalços, 15 7 Ponho na altiva mente o fixo esforço 15 8 Quão breve tempo é a mais longa vida 16 9 Coroai-me de rosas, Melhor destino que o de conhecer-se Temo, Lídia, o destino. Nada é certo A flor que és, não a que dás, eu quero Olho os campos, Neera, De novo traz as aparentes novas Este, seu escasso campo ora lavrando, Tuas, não minhas, teço estas grinaldas, Não queiras, Lídia, edificar no espaço Saudoso já deste verão que vejo, Prazer, mas devagar, Cuidas, ínvio, que cumpres, apertando 22 B. Odes [presença] 21 Não só vinho, mas nele o olvido, deito Quanta tristeza e amargura afoga A nada imploram tuas mãos já coisas, O rastro breve que das ervas moles Já sobre a fronte vã se me acinzenta 25

3 Pessoana Edições 26 Quando, Lídia, vier o nosso outono Ténue, como se de Éolo a esquecessem, Para ser grande, sê inteiro: nada 26 PARTE II 27! ODES E OUTROS POEMAS INÉDITOS OU PUBLICADOS POSTUMAMENTE 27 C. Odes [Projeto de 1914] 29 Mestre, são plácidas Da lâmpada noturna Este, seu escasso campo ora lavrando, Não tenhas nada nas mãos Quero, Neera, que os teus lábios laves Ao longe os montes têm neve ao sol, O deus Pã não morreu De Apolo o carro rodou pra fora Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo, Os deuses desterrados, Coroai-me de rosas Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio Breve o inverno virá com sua branca Aqui, Neera, longe A palidez do dia é levemente dourada De anjos ou deuses, sempre nós tivemos, Da nossa semelhança com os deuses Cuidas tu, louro Flaco, que apertando O mar jaz. Gemem em segredo os ventos Neera, passeemos juntos Não pra mim mas pra ti teço as grinaldas Vós que, crentes em Cristos e Marias, Não como ante donzela ou mulher viva Só esta liberdade nos concedem O ritmo antigo que há nos pés descalços Não porque os deuses findaram, alva Lídia, choro

4 Poemas de Ricardo Reis 55 Passando a vida em ver passar a de outros, Deixemos, Lídia, a ciência que não põe Neste dia em que os campos são de Apolo É tão suave a fuga deste dia, Acima da verdade estão os deuses Não consentem os deuses mais que a vida Antes de nós nos mesmos arvoredos Cada cousa a seu tempo tem seu tempo Bocas roxas de vinho, Tirem-me os deuses Feliz aquele a quem a vida grata Olho os campos, Neera, Deixa passar o vento Só o ter flores pela vista fora 63 D. Odes e outros poemas Poemas com data 69 Pobres de nós que perdemos quanto 70 Diana através dos ramos 71 Aqui, sem outro Apolo do que Apolo, 72 Em Ceres anoitece. 73 Felizes, cujos corpos sob as árvores 74 Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia 75 Prefiro rosas, meu amor, à pátria, 76 Segue o teu destino, 77 Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero. 78 Não a ti, Cristo, odeio ou menos prezo 79 Não a ti, mas aos teus, odeio, Cristo. 80 Sofro, Lídia, do medo do destino. 81 Sê o dono de ti 82 Não sem lei, mas segundo leis diversas 83 Uma após uma as ondas apressadas 84 Manhã que raias sem olhar a mim, 85 Cedo de mais vem sempre, Cloe, o inverno

5 Pessoana Edições 86 No momento em que vamos pelos prados Os deuses são felizes Cumpre a lei, seja vil ou vil tu sejas A mão invisível do vento roça por cima das ervas Um verso repete Tornar-te-ás só quem tu sempre foste Em vão procuro o bem que me negaram Não quero a fama, que comigo a têm Pequeno é o espaço que de nós separa Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, Quero versos que sejam como jóias Não quero as oferendas Vossa formosa juventude leda, Não canto a noite porque no meu canto Não quero recordar nem conhecer-me A abelha que, voando, freme sobre Dia após dia a mesma vida é a mesma Pequena vida consciente, sempre De uma só vez recolhe Folha após folha vemos caem, Tão cedo passa tudo quanto passa! Não inquiro do anónimo futuro Hora a hora não dura a face antiga Não torna atrás a negregada prole Com que vida encherei os poucos breves Não perscrutes o anónimo futuro, No ciclo eterno das mudáveis cousas Não torna ao ramo a folha que o deixou, Nem vã esperança vem, não anos vão, Frutos, dão-os as árvores que vivem, Gozo sonhado é gozo, inda que em sonho O relógio de sol partido marca Solene passa sobre a fértil terra Atrás não torna, nem, como Orfeu, volta Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas

6 Poemas de Ricardo Reis 121 Aqui, dizeis, na cova a que me chego, Lenta, descansa a onda que a maré deixa Quantos gozam o gozo de gozar Floresce em ti, ó magna terra, em cores Toda visão da crença se acompanha, O sono é bom pois despertamos dele Pese a sentença igual da ignota morte Vou dormir, dormir, dormir, Dois é o prazer: gozar e o gozá-lo Concentra-te, e serás sereno e forte; Inglória é a vida, e inglório o conhecê-la Nos altos ramos de árvores frondosas O anel dado ao mendigo é injúria, e a sorte Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa Tarda o verão. No campo tributário A cada qual, como a estatura, cabe Nem da erva humilde se o Destino esquece Quem diz ao dia, Dura! e à treva, Acaba! Negue-me tudo a sorte, salvo vê-la, Sê lanterna, sê luz com vidro em torno, Se recordo quem fui, outrem me vejo, No breve número de doze meses Não sei de quem recordo meu passado Quem fui é externo a mim. Se lembro, vejo; O que sentimos, não o que é sentido, Débil no vício, débil na virtude Não sei se é amor que tens, ou amor que finges, Quer pouco: terás tudo Não só quem nos odia ou nos inveja Não quero, Cloe, teu amor, que oprime Nunca a alheia vontade, inda que grata, No mundo, só comigo, me deixaram Os deuses e os Messias que são deuses Do que quero renego, se o querê-lo Quem és, não o serás, que o tempo e a sorte

7 Pessoana Edições 156 Breve o dia, breve o ano, breve tudo Domina ou cala. Não te percas, dando Se a cada coisa que há um deus compete, Tudo, desde ermos astros afastados Ninguém, na vasta selva religiosa, Azuis os montes que estão longe param Lídia, ignoramos. Somos estrangeiros Severo narro. Quanto sinto penso Flores amo, não busco. Se aparecem Sereno aguarda o fim que pouco tarda Ninguém a outrem ama, senão que ama Para quê complicar inutilmente, Vive sem horas. Quanto mede lesa, Nada fica de nada. Nada somos Que mais que um ludo ou jogo é a extensa vida, Quanto faças, supremamente faze Rasteja mole pelos campos ermos Quero ignorado, e calmo Dia em que não gozaste não foi teu: Pois que nada que dure, ou que, durando, Estás só. Ninguém o sabe. Cala e'finge Aqui, neste misérrimo desterro Uns, com os olhos postos no passado, Súbdito inútil de astros dominantes, Grinalda ou coroa Aguardo, equânime, o que não conheço Amo o que vejo porque deixarei Vivem em nós inúmeros; 119 Poemas sem data Cada momento que a um prazer não voto Cada um é um mundo; e como em cada fonte Cantos, risos e flores alumiem Como este infante que alourado dorme Doce é o fruto à vista, e à boca amaro,

8 Poemas de Ricardo Reis 189 Eu nunca fui dos que a um sexo o outro Há uma cor que me persegue e que eu odeio, Ininterrupto e unido guia o teu curso Meu gesto que destrui Não mais pensada que a dos mudos brutos No grande espaço de não haver nada No magno dia até os sons são claros Outros com liras ou com harpas narram, Quatro vezes mudou a estação falsa Quero dos deuses só que me não lembrem Se hás de ser o que choras Se já não torna a eterna primavera Sem clepsidra ou relógio o tempo escorre Sob a leve tutela Sob estas árvores ou aquelas árvores 128 PARTE III 129 POEMAS VARIANTES 129 la Seguro assento na coluna firme 131 lb Seguro assento na coluna firme a A flor que és, não a que dás, eu quero a Não queiras, Lídia, edificar no espaço a Não tenhas nada nas mãos a Os deuses desterrados a Coroai-me de rosas! a Cuidas tu, louro Flaco, que cansando a Olho os campos, Neera, b Olho os campos, Neera a Sofro, Lídia, do medo do destino a Pequena vida consciente a A folha insciente, antes que a própria morra a Nada fica de nada. Nada somos a Uma cor me persegue na lembrança, 139 índice de primeiros versos