HANSENÍASE NO CONTEXTO EPIDEMIOLÓGICO ATUAL: BASES PARA CONTROLE DA ENDEMIA
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- Victoria Vieira Galvão
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1 UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO HANSENÍASE NO CONTEXTO EPIDEMIOLÓGICO ATUAL: BASES PARA CONTROLE DA ENDEMIA ISABELA TÓFOLI RIBEIRO CAMPINAS - SP 2009
2 2 UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO HANSENÍASE NO CONTEXTO EPIDEMIOLÓGICO ATUAL: BASES PARA CONTROLE DA ENDEMIA ISABELA TÓFOLI RIBEIRO Trabalho de conclusão de curso elaborado junto ao Programa de Pós Graduação latu sensu do curso de MBA em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da Família para a obtenção do Título de Especialista em Saúde Pública. CAMPINAS - SP 2009
3 3 Pesquisadora: Isabela Tófoli Ribeiro FOLHA DE APROVAÇÃO Título: Hanseníase no contexto epidemiológico atual: bases para controle da endemia f. Trabalho de conclusão de curso elaborado junto ao Programa de Pós Graduação latu sensu do curso de MBA em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da Família para a obtenção do Título de Especialista em Saúde Pública. Aprovado em: / / BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Instituição: Assinatura: Prof. Dr. Instituição: Assinatura: Prof. Dr. Instituição: Assinatura: Prof. Dr. Instituição: Assinatura:
4 4 AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, que meu deu forças para continuar apesar de todas as adversidades encontradas. A minha família, especialmente minha mãe, que não mediu esforços e para que eu pudesse concluir meus estudos. A meu noivo Adriano, pelos períodos de ausência. Aos meus cunhados Goreti e Luciano, que gentilmente abriram as portas de sua casa durante todos os módulos deste curso. Aos amigos que conquistei, pelos meses de convivência, especialmente a Gabriela, pelas preciosas caronas até a rodoviária. Foram muito importantes! A todos às pessoas vítimas da hanseníase que inspiraram a realização deste trabalho, meus sinceros agradecimentos.
5 5 Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível". São Francisco de Assis
6 6 RESUMO RIBEIRO, I.T. Hanseníase no contexto epidemiológico atual: bases para controle da endemia f. Trabalho de conclusão de curso (Especialização latu sensu) Universidade Castelo Branco, Campinas, Atualmente, a hanseníase é um dos maiores desafios da saúde pública, especialmente no Brasil onde os índices de prevalência e incidência são altos. Na presente pesquisa de natureza bibliográfica qualitativa objetivou-se apresentar a trajetória histórica e a epidemiologia da doença no Brasil e discutir as contribuições do Programa Nacional de Controle da Hanseníase e da Educação Continuada no controle da endemia. Foram trabalhados textos extraídos de livros, teses, artigos e revistas utilizando-se de palavras chaves relativas ao tema. Os resultados obtidos demonstraram que, embora o Programa de Controle da Hanseníase esteja formalmente estruturado no Brasil e seja fundamental para a reversão da endemia hansênica do país, sua execução depende da capacitação dos profissionais de saúde da atenção básica e da sensibilização dos gestores públicos sobre a problemática. Este estudo foi relevante pois, além de aprimorar os conhecimentos relativos à hanseníase, deixou como sugestão que o processo de educação continuada seja realizado pelo método libertador que possibilita ao educando a construção do conhecimento recebido e a humanização do atendimento prestado. Palavras chave: Lepra, Hanseníase, Educação Continuada, Programa Nacional de Controle da Hanseníase e Prevalência.
7 7 ABSTRACT RIBEIRO, IT Leprosy in current epidemiological context: bases to control the disease f. Completion of course work (sensu latu Expertise) - Universidade Castelo Branco, Campinas, Currently, leprosy is one of the major public health challenges, especially in Brazil where the incidence and prevalence rates are high. This paper, of qualitative bibliographical nature, aimed to present the historical trajectory and the epidemiology of the disease in Brazil and to discuss the contributions of the National Program of Control of Leprosy and Continuing Education for the control of this endemic disease. We worked from texts of books, thesis, articles and journals by using key words related to the subject. Results showed that while Leprosy Control Program is formally structured in Brazil and essential for the reversal of this endemic leprosy disease, its implementation depends on the training of professionals of health in primary care and on the awareness of public managers about the situation. This study was important because, besides improving the knowledge on leprosy, it leaves a suggestion that the process of Continuing Education must be done through an emancipatory method that allows the students the building of the received knowledge and the humanization of provided care. Keywords: "Leprosy, "Leprosy, "Continuing Education", "National Program of Control of Leprosy" and "Prevalence".
8 8 LISTA DE FIGURAS Página Figura 1. Série histórica da hanseníase no Brasil coeficiente de prevalência, incidência e óbitos Figura 2. Curva de detecção da hanseníase no Brasil 1994 a Figura 3. Formas de apresentação da hanseníase Figura 4. Esquema PB e MB da PQT utilizado em adultos e crianças para tratamento da hanseníase
9 9 LISTA DE TABELAS Página Tabela 1. Estudo de associação familiar para determinação do componente genético da hanseníase virchowiana Tabela 2. Situação da hanseníase nos países que ainda não atingiram a meta de eliminação da doença prevalência e incidência registradas nos anos de 2004, 2005 e Tabela 3. Situação da hanseníase nas Américas no início de
10 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACS = Agente Comunitário de Saúde IDH = Índice de Desenvolvimento Humano MB = Multibacilar MORHAN= Movimento de reintegração dos pacientes vítimas da hanseníase NOAS = Norma Operacional de Assistência à Saúde NOB = Norma Operacional Básica PAB = Piso da Atenção Básica PB = Paucibacilar PQT = Poliquimioterapia PSF = Programa de Saúde da Família OMS = Organização Mundial de Saúde OPAS = Organização Pan-Americana da Saúde SES-SP = Secretaria Estadual de Saúde São Paulo SUS = Sistema Único de Saúde UBS = Unidade Básica de Saúde
11 11 SUMÁRIO Página 1. Introdução Objetivos METODOLOGIA CONSIDERAÇÕES INICIAIS Considerações iniciais sobre a hanseníase O contexto histórico e epidemiológico atual da hanseníase O Programa Nacional de Controle da Hanseníase A educação como medida de controle/ eliminação da endemia CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS...65
12 12 1- INTRODUÇÃO A hanseníase apresenta-se hoje como um problema de saúde pública mundial, especialmente no Brasil onde os coeficientes de prevalência e incidência ainda são altos, superiores à meta estipulada pela Organização Mundial de Saúde que é a de menos de um caso da doença por 10 mil habitantes. Como profissional da área da saúde na atenção básica tive a oportunidade de participar de Seminários e Encontros sobre o tema, chamando-me a atenção o modo como o doente de hanseníase foi tratado durante toda a história da enfermidade e os reflexos disso em nossa realidade. Minha inquietação parte do pressuposto de que a doença é conhecida desde a antiguidade, possui tratamento poliquimioterápico ambulatorial disponível na atualidade e é regida por um programa nacional estruturado que prevê o envolvimento de gestores, serviço de atenção básica e sociedade em geral e, no entanto, ainda faz muitas vítimas. Vítimas da doença, do diagnóstico tardio que leva a sequela física e do preconceito social fortemente existente. Frente ao exposto algumas questões são colocadas, no sentido de entender o comportamento da doença na atualidade: Se o tratamento poliquimioterápico contra a hanseníase está disponível na rede pública, é gratuito e o diagnóstico precoce faz parte do programa de controle do Ministério da Saúde, cujo objetivo é tratar a doença o mais rápido possível, interrompendo sua cadeia de transmissão, por que a hanseníase
13 13 ainda é uma doença endêmica no Brasil e com coeficiente de prevalência tão alto? Se o processo de descentralização do atendimento em hanseníase está previsto em Lei e é parte das atribuições dos serviços de atenção básica, por que o diagnóstico da doença é feito tão tardiamente a ponto de alguns pacientes chegarem aos serviços de saúde já com sequelas graves? De que maneira vem sendo realizada a educação dos profissionais de saúde para a problemática da hanseníase? Ela tem se mostrado efetiva na sensibilização sobre o problema? A pesquisa pretende explicar o mecanismo fisiopatológico da hanseníase, sua evolução histórica e epidemiologia atual e apresentar o Programa Nacional do Ministério da Saúde de combate à doença, de modo que os profissionais de saúde envolvidos com a atenção básica possam se beneficiar dos conhecimentos adquiridos com a divulgação do trabalho. Para a aquisição de novos conhecimentos, o processo educativo faz-se necessário e assume posição estratégica na sensibilização do trabalhador da saúde. Assim, este trabalho também pretende mostrar a importância da educação na formação e replicação do saber sobre a hanseníase. Desta forma, esta pesquisa pretende contribuir para o aprimoramento do conhecimento em hanseníase, de modo que ele saia da esfera individual e atinja a esfera global representada pela educação continuada permanente dos profissionais de saúde e consequentemente da população por eles assistida. Com isso, espera-se que cada vez mais as pessoas (profissionais de saúde e população) possam discutir sobre a doença, os métodos de controle e o rompimento dos preconceitos sociais ainda existentes. Por fim, contribuir para que o Plano Estratégico de Eliminação da Hanseníase seja atingido, e que nós consigamos alcançar a meta de eliminação proposta pela Organização Mundial da Saúde.
14 OBJETIVOS Levantar e selecionar produções científicas que descrevam a trajetória histórica da hanseníase e o atual contexto epidemiológico da doença no Brasil. Levantar e selecionar trabalhos que apresentem o Programa Nacional de Controle da Hanseníase do Ministério da Saúde e sua importância para a eliminação da doença como problema de saúde pública, com ênfase no diagnóstico e tratamento clínico. Discutir o processo de educação dispensado ao profissional de saúde da rede básica, com ênfase na equipe de enfermagem, e a importância da capacitação contínua para as ações de controle da hanseníase. Divulgar os conhecimentos obtidos nesta pesquisa como forma de sensibilizar sobre a problemática da hanseníase no país.
15 15 2 METODOLOGIA Pesquisa, segundo Minayo, Deslandes e Gomes (2007, p.16; p.26) é a atividade da ciência encarregada da construção da realidade e envolve interesses e problemas da vida prática e social do pesquisador. Ela se constrói sobre conceitos, proposições, hipóteses e métodos, adquirindo o ritmo particular de quem a desenvolve. O presente trabalho configura-se como uma pesquisa bibliográfica qualitativa, em que se buscou através de textos, artigos, revistas e livros assuntos relacionados à hanseníase, sua evolução histórica e vertentes atuais, com o intuito de apreender novos conhecimentos sobre o tema e assim melhorar a qualidade da assistência prestada ao paciente, contribuindo para a eliminação da doença enquanto problema de saúde pública. Pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos como livros, artigos, teses, etc. utilizando-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registradas. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos (SEVERINO, 2007, p. 122).
16 16 Pesquisa qualitativa é aquela que trata de uma realidade que não pode ser quantificada, e que por isso mesmo deve ser interpretada pelo pesquisador, explica Minayo, Deslandes e Gomes (2007, p. 21). Ela trabalha com significados, justificativas e interesses que fazem parte da realidade social do homem. A elaboração desta pesquisa seguiu os seguintes passos: Escolha do tema e delimitação dos objetivos: A escolha do tema é o primeiro passo para elaboração de um trabalho científico. Ela surge da inquietação do autor, da necessidade de resposta a uma pergunta e deve estar inserida em um contexto atual. O tema deve ser problematizado e essa problemática deve surgir pela reflexão, pelo debate, pela leitura e pelas experiências diárias. (SEVERINO, 2007). Levantamento das referências bibliográficas. Definido o tema-problema e os objetivos propostos, partiu-se para o levantamento de referencial bibliográfico. A coleta de informações ocorreu por meio de pesquisa manual de materiais pertencentes a bibliotecas universitárias e ao Centro de Saúde Prof. Dr. José de Felipe do Município de Espírito Santo do Pinhal - SP. Para este levantamento, foram utilizadas palavras-chave como lepra, hanseníase, educação continuada, Programa Nacional de Combate à Hanseníase e prevalência. A seleção do material bibliográfico deu-se também via on-line através da base de dados Bireme, utilizando as mesmas palavras-chave citadas anteriormente, bem como através de consulta a sites de referência no assunto como Ministério da Saúde, Centro de Vigilância Epidemiológica, Instituto Lauro de Souza Lima e portal de busca Google. Para o levantamento bibliográfico a partir das referidas fontes foi delimitado espaço de tempo de quinze anos e realizado no período de julho de 2008 a fevereiro de 2009.
17 17 Seleção do material científico. De posse do material bibliográfico, foi realizada a leitura exploratória dos mesmos com a finalidade de determinar os textos que realmente interessassem à pesquisa proposta. O referencial bibliográfico foi analisado, fichado, selecionado e descrito, tendo em vista os objetivos propostos na monografia. A seleção do material científico deu-se entre agosto de 2008 e fevereiro de Foram selecionados 21 livros, 3 teses e 31 artigos. Organização do projeto: Todo trabalho científico deve constituir uma totalidade de inteligibilidade, estruturalmente orgânica, deve formar uma unidade com sentido intrínseco e autônomo para o leitor que não participou da sua elaboração, que internamente as partes de conectem logicamente. (SEVERINO, 2007). Os trabalhos selecionados foram organizados de maneira objetiva e referenciada, de forma que o texto introdutório pôde ser apresentado de forma clara e concisa, expondo a problemática central da pesquisa proposta. Seguindo uma ordem cronológica foi apresentado o contexto histórico da hanseníase, a epidemiologia da doença em nosso país e o marco decisório que foi a definição pela Organização Mundial de Saúde do Plano Estratégico para Eliminação da Hanseníase. Em seguida, foi apresentado o Programa Nacional de Combate à Hanseníase com ênfase no diagnóstico precoce e tratamento na forma de poliquimioterapia. Por fim, foi destacada a importância da educação continuada para eliminação da doença. A pesquisa foi construída entre julho de 2008 e março de 2009.
18 3 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 18
19 Considerações iniciais sobre a hanseníase A hanseníase é uma doença infecto-contagiosa de evolução lenta e que se manifesta por meio de sinais e sintomas dermato-neurológicos, sendo que os principais são as lesões de pele com perda de sensibilidade e as lesões nos nervos periféricos, com acometimento principalmente dos olhos, mãos e pés. Caso suspeito é a pessoa que apresenta uma ou mais das características citadas acima, além da baciloscopia positiva, conforme explica o Ministério da Saúde (2002). A doença tem como agente etiológico o mycobacterium leprae, bactéria intracelular obrigatória, com período de incubação prolongado e de evolução crônica, que afeta principalmente pele e nervos periféricos (MARTELLI et al, 2002). Michalany e Michalany (1988) explicam que a bactéria foi descoberta somente em 1873 pelo médico norueguês Gerhard Armauer Hansen e que ela possui uma grande semelhança com o bacilo de Koch causador da tuberculose. No entanto, apesar das semelhanças estruturais e de o bacilo de Koch já ter sido amplamente estudado, os autores relatam que, em relação ao mycobacterium leprae, até hoje não existe nenhum meio de cultura artificial ou experiências com animais que tenham conseguido reproduzir a bactéria laboratorialmente, tornando o homem a única fonte de infecção da doença.
20 20 O Ministério da Saúde (2002) comenta que o bacilo de Hansen, como a bactéria também é conhecida em homenagem a seu descobridor, tem afinidade por células cutâneas e nervosas, demorando em média de 11 a 16 dias para se multiplicar. Michalany e Michalany (1988) completam que, uma vez dentro do organismo, o bacilo dissemina-se via corrente sanguínea e linfática até encontrar estruturas favoráveis para seu desenvolvimento, externando-se através da mucosa nasal. De modo geral, a fonte de infecção é o paciente virchowiano que elimina a bactéria em grande quantidade pelas lesões cutâneas e muco nasal, na mesma proporção que um paciente com tuberculose pulmonar libera o bacilo de Koch pelo escarro. (TRABULSI; CASTRO, 1996). O Ministério da Saúde (2002) acrescenta que para a transmissão ocorrer é necessário um contato direto e prolongado com a pessoa doente e sem tratamento específico, e que se deve levar em consideração também as questões sócioeconômicas, questões individuais de saúde e mais recentemente as questões genéticas envolvidas na resistência ou não à doença. Em relação a esse componente genético, Arruda (1981) explica que a resistência à infecção pode ser avaliada através do teste de Mitsuda, que é uma suspensão de bacilos da lepra injetados no organismo intradermicamente e que induz a formação de anticorpos específicos. Uma resposta positiva é interpretada como resistência ao mycobacterium leprae, condição já presente no nascimento, e uma resposta negativa e repetitiva é interpretada como susceptível à infecção. Acredita-se que 10% da população pertençam a esta última situação e provavelmente permanecerão assim mesmo que estimuladas com antígeno específico, como por exemplo, a vacina BCG. Este não foi um estudo isolado e nem tampouco recente. Como nos mostra Prevedello e Mira (2007), já em 1937 Rotberg estudou a reação de Mitsuda e sugeriu que havia um componente genético ligado à suscetibilidade à doença, e um
21 21 fator natural de natureza desconhecida responsável pela resistência dos pacientes. Hoje se sabe que esses fatores são manifestações de um conjunto de genes interagindo de forma complexa. O Ministério da Saúde (1994) chama atenção para uma questão muito importante referente à imunologia da hanseníase virchowiana. Verificou-se que os portadores deste tipo de hanseníase possuíam uma quantidade extremamente reduzida de linfócitos T responsáveis pela produção e geração de clones antimycobacterium leprae. Esta alteração ainda não está completamente elucidada, mas acredita-se que haja um defeito no mecanismo de apresentação do mycobacterium leprae aos linfócitos ou mesmo ausência de linfócitos reativos ao bacilo. Beiguelman (1981) relata que em 1968 foi realizado um estudo de associação familiar para verificar a determinação do componente genético no aparecimento da hanseníase. O autor investigou famílias completas com no mínimo cinco anos de convivência, nas quais o pai ou a mãe ou ambos apresentavam hanseníase virchowiana. Os resultados estão condensados na Tabela 1 e torna evidente a hipótese de que filhos de pacientes com hanseníase virchowiana são mais suscetíveis a apresentar o mesmo tipo de hanseníase do que os não consanguíneos. Tabela 1 Estudo de associação familiar para determinação do componente genético da hanseníase virchowiana. União Virchowiano Tuberculóide Indeterminado Dimorfo Pai virchowiano x Mãe sem hanseníase Mãe virchowiano x Pai sem hanseníase Pai virchowiano x Mãe virchowiana Fonte: Beiguelman, ,3% 1,4% 4% 0,2% 9,3% 1,9% 4,5% 0 23,2% 3,8% 5,4% 0
22 22 A tabela mostra claramente que filhos de casais portadores ou que já trataram de hanseníase do tipo virchowiana possuem uma predisposição maior a desenvolverem esse tipo de hanseníase, quando comparados aos filhos dos casais em que um dos pares não tem ou nunca tratou da doença. Em relação ao desenvolvimento dos outros três tipos de hanseníase, novamente os filhos dos casais virchowianos apresentavam predisposição maior se comparados aos filhos dos casais com um dos membros sadio, o que reforça a hipótese do componente genético/ imunológico envolvido no surgimento da doença. Apesar das recentes descobertas acerca do componente genético envolvido no desenvolvimento da hanseníase, não se pode excluir os fatores sócio-econômicos e ambientais na determinação da doença e nem tampouco relegar para segundo plano as ações de combate e controle propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Ministério da Saúde, visto que são questões de suma importância na reversão do atual perfil epidemiológico da hanseníase no Brasil e importantes para o alcance da meta de eliminação da doença proposto pela OMS, que é a prevalência menor de um caso por 10 mil habitantes.
23 O contexto histórico e epidemiológico atual da hanseníase A hanseníase, conhecida desde os tempos bíblicos como lepra, é uma doença infecto-contagiosa de evolução crônica e que se manifesta principalmente por lesões cutâneas com diminuição da sensibilidade térmica, tátil e dolorosa. (EIDT, 2004). A autora, corroborada por Agrícola (1960, p.11) e Opromolla (2007, p.41) relata que a doença parece ser uma das mais antigas já descritas pelo homem e aponta dúvidas se o seu surgimento se deu na África ou Ásia. Descrições encontradas no papiro de Ramsés II sugerem que a lepra já era conhecida há mais de quatro mil anos a.c. no Egito. É difícil afirmar, com certeza, a época do aparecimento de uma doença baseada em textos antigos, a não ser que haja uma descrição razoável da mesma com citações dos aspectos que lhe são mais característicos. Se não for assim, e se nos basearmos apenas em dados fragmentários e em suposições dos tradutores daqueles textos, o assunto se torna confuso e gera uma série de falsas interpretações. (OPROMOLLA, 1981, p.1). Prevedello e Mira (2007) relatam que, recentemente, ferramentas de genômica comparativa foram utilizadas para confirmar à hipótese de que a doença teve origem na África Oriental e a partir daí se espalhou para o resto do mundo seguindo as rotas migratórias das primeiras populações humanas.
24 24 Opromolla (1981, p.1) também destaca diferentes obras da antiguidade onde foram descritos estados mórbidos que provocavam queda das sobrancelhas, nódulos, ulcerações, perda de sensibilidade, alterações na tonalidade da pele, cegueira, desabamento do nariz e deslocamento das articulações. Barbosa (2007, p.12), Eidt (2004) e Opromolla (1981, p.2) lembram que existem referências sobre a hanseníase em muitas outras publicações da Era Antiga, mas o que ocorreu na verdade foram interpretações e traduções errôneas do termo. Exemplo disso e que é citado por Opromolla (1981, p.3) é que na Babilônia e na Bíblia a palavra saraath, que foi traduzida como lepra, significava escamoso, que necessita de purificação. A hanseníase propriamente dita era chamada pelos gregos de elefantíase, já que a pele do paciente com a doença lembrava a pele escamosa de um elefante. Eidt (2004) completa que o termo lepra absorveu uma gama de diferentes doenças dermatológicas uma vez que os médicos antigos não tinham uma idéia exata sobre o modo como essas patologias de desenvolviam. Ela também afirma que até o século quinto a.c. a Europa desconhecia a hanseníase e que a doença foi levada ao continente pelas tropas de Alexandre o Grande no retorno de suas conquistas, pelos soldados cruzados infectados, por comerciantes e navegadores, fazendo com que a Europa da Idade Média apresentasse altas taxas de incidência da doença. Frente a este quadro, governantes, religiosos e comunidades científicas propuseram diferentes métodos de diagnóstico e profilaxia com base nos conhecimentos detidos na época, métodos estes moldados mais em práticas religioso-sociais do que propriamente científicas. Eidt (2004) lembra que o único método profilático da época consistia no isolamento. Em países como a França, por exemplo, essas medidas eram rigorosas e incluíam a realização de um ofício semelhante aos atestados de óbito e que obrigavam o doente a viver em moradias específicas e usar vestimentas
25 25 características que o identificavam como leproso. Nesta mesma época, a igreja católica ensinava que os portadores de lepra eram os pobres de Cristo e houve uma grande compaixão por estas pessoas a ponto de muitos acreditarem que o próprio Cristo havia morrido de hanseníase. O próprio método de diagnóstico mostrou-se impreciso. Conforme explica Opromolla (1981, p.5) o diagnóstico era realizado por quatro pessoas: um médico, um cirurgião e dois barbeiros e consistia na deposição de uma amostra de sangue em um recipiente contendo sal. Se houvesse decomposição do sangue a pessoa não estava doente. Em outro método, sangue e água eram misturados e se não houvesse mistura dos dois líquidos tratava-se de doente de lepra. Para Opromolla (1981, p.5) conceitos imprecisos sobre a doença e os métodos inapropriados de diagnóstico fizeram com que o número de doentes na Europa fosse falso, chegando a aproximadamente vinte mil. Apesar disso, por volta de 1870 a doença havia praticamente desaparecido no continente e esse declínio teve como causa principal as melhorias das condições sócio-econômicas das Idades Moderna e Contemporânea. (EIDT, 2004). Eidt (2004) afirma que a hanseníase deve ter chegado às Américas entre os séculos dezesseis e dezessete com os colonizadores, já que não há registros da doença entre as tribos indígenas. No Brasil, o ponto de partida foram os colonizadores portugueses e mais tarde os escravos africanos, porém não há consenso sobre o papel desempenhado pelos escravos na introdução da doença, uma vez que os critérios de negociação de compra eram rígidos. Magalhães e Rojas (2005) contam que os primeiros casos de lepra no Brasil foram registrados em 1600 no Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco e, acompanhando o fluxo migratório, a doença espalhou-se pelo país. Estas cidades tinham em comum o fato de serem importantes centros urbanos e as principais portas de entrada de europeus e escravos. Eidt (2004) lembra que Pernambuco era o mais importante centro açucareiro, a Bahia era a capital da Colônia e o Rio de
26 26 Janeiro apresentava um desenvolvimento muito grande. São Paulo iniciava seu desenvolvimento agrícola e, impulsionado pelos bandeirantes, a doença foi levada a Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Estados do Sul. A hanseníase teria chegado à região Norte através do fluxo migratório e comercial do Nordeste. Opromolla (2007, p.39) relata que a primeira documentação que comprova a presença da doença no Brasil é de 04/12/1697 na qual a Câmara do Rio de Janeiro pede ao Rei de Portugal a instalação de um lazareto na igreja da Conceição devido ao grande número de hansenianos da cidade. Em São Paulo, talvez por sua localização geográfica, somente no século dezoito começaram a surgir os primeiros documentos sobre a hanseníase, no entanto, foi o primeiro Estado do país a realizar inquérito censitário sobre a doença, o qual apontou um número de doentes cada vez maior, especialmente no Vale do Paraíba, seguindo o desenvolvimento agrícola e o fluxo migratório dos europeus. Apesar disso, Agrícola (1960, p.13) afirma que as primeiras providências oficiais em relação à hanseníase foram tomadas somente em 1714 no Recife pelo padre Antonio Manoel, que é considerado o precursor da campanha de combate à doença no Brasil, e incluiu a construção do primeiro asilo que deu origem ao Hospital dos Lázaros em A partir daí, outros asilos foram construídos, como por exemplo, o Hospital dos Lázaros no Rio de Janeiro, que hoje é chamado de Hospital Frei Antonio, o Hospital São Cristóvão dos Lázaros na Bahia, o Hospital dos Lázaros no Pará e o Hospital dos Morféticos em São Paulo, todos eles de caráter assistencial sem qualquer medida profilática de combate à doença. Opromolla (2007, p.46) relata que nesta mesma época pesquisadores brasileiros acreditavam que a hanseníase ocorria devido à combinação dos fatores hereditariedade, transmissão alimentar e clima quente. Ela nos fala que com a Proclamação da República e a promulgação da Constituição Brasileira, os serviços de saúde pública foram descentralizados ficando sob responsabilidade dos Estados. É criada a Lei de 30/12/1911 que reorganizou o Serviço Sanitário e o Código Sanitário Brasileiro, que dentre outras questões colocava a obrigatoriedade da notificação da lepra ulcerada e a construção de colônias para doentes com o
27 27 objetivo de isolá-los da sociedade sadia. Em 27/12/1926, a Lei 2169 estabelece as primeiras medidas de profilaxia da doença baseadas na notificação, isolamento dos pacientes em leprosários, inquérito censitário e educação sanitária da população em geral. Magalhães e Rojas (2005) contam que final do século dezenove e início do século vinte a hanseníase era considerada uma calamidade pública na região Norte e o estado do Pará concentrava o maior número de casos da doença. Já no Nordeste a lepra era considerada uma doença rara, mas as campanhas de saneamento rural da década de vinte mostraram uma grande quantidade de doentes, principalmente na região litorânea, sendo que o Ceará parece ter sido a porta de entrada devido ao fluxo comercial entre Amazônia e Nordeste. Já o Sudeste foi classificado como área endêmica, embora historicamente sempre fosse considerada uma região de baixa incidência. As autoras concluem que, nesta época existiam dois pólos de concentração da lepra: um na Amazônia e outro no Sudeste, responsáveis por 80% dos casos do país. Em termos de profilaxia, Eidt (2004) cita que as principais medidas legislativas tomadas para controle da endemia foram as que tornavam obrigatório o isolamento dos doentes em vários Estados brasileiros, a proibição do exercício de certas profissões e a criação de hospitais colônia. A autora ainda nos relata que durante séculos a endemia foi negligenciada e, somente em 1912, durante o I Congresso Sul Americano de Dermatologia e Sifilografia do Rio de Janeiro, o médico Emilio Ribas destacou a importância de se trabalhar na profilaxia da doença dentro dos hospitaiscolônia. Agrícola (1960, p.16) conta que em 1920 é criada a Inspetoria da Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas cuja função foi regulamentar o combate à endemia que até então não tinha a merecida atenção do poder público. Em 1934 ocorreu uma reformulação dos serviços de saúde com a extinção da Inspetoria e a criação da Diretoria dos Serviços Sanitários. Assim, o Ministério da Saúde e Educação elabora um Plano Nacional cujas principais orientações são a construção de leprosários tipo
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