Como se sabe, "crédito" provém do latim "creditum", que significa "confiança", "que se pode crer", "confiável".
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- Luciana Santiago Figueira
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2 Considerações Gerais sobre os Títulos de Créditos à Luz do Novo Código Civil: O art LIVIA ROSSI Pós Graduada da Faculdade de Direito da USP Advogada em São Paulo Sumário: 1. Introdução: relevância dos títulos de crédito na economia moderna. 2. Objetivos do legislador ao regular os títulos de crédito no novo Código Civil. 3. A utilidade e necessidade da criação de uma teoria geral dos títulos de crédito. 4. Considerações gerais sobre os títulos de crédito atípicos, à luz do novo Código Civil Requisitos mínimos e principais características dos títulos de crédito atípicos Espécies de títulos de crédito atípicos Aspectos processuais dos títulos de crédito atípicos. 5. Conclusão. 1. INTRODUÇÃO: RELEVÂNCIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO NA ECONOMIA MODERNA Como se sabe, "crédito" provém do latim "creditum", que significa "confiança", "que se pode crer", "confiável". Nas palavras de Paulo Armínio Tavares Buechele, o crédito importa um ato de fé, de confiança do credor. Quem aceita, em troca de sua mercadoria ou de seu dinheiro, a promessa de pagamento futuro, confia no devedor. 1 A economia moderna é creditória, creditícia ou "funcionalmente creditante", ou seja, essencialmente baseada no crédito. O homem não se satisfaz em apenas colher os frutos que a natureza espontaneamente põe à sua disposição; esse deseja ter cada vez mais, empregando meios tendentes a forçar a natureza a aumentar seus frutos; ele quer transformar esses mesmos produtos em bens a fim de satisfazer melhor as necessidades humanas, isto é, ele intenciona produzir riquezas. Para todas essas realizações, impõe-se a necessidade de crédito. 2 Os títulos de crédito, a seu turno, constituem a exteriorização dessa necessidade humana, uma vez que instrumentalizam, com certeza e segurança jurídica, esse ato de fé/confiança depositada pelo credor no devedor, possibilitando a mobilização da riqueza, o fomento das atividades econômicas, com a superação das dificuldades impostas pelo espaço e tempo. Dessa forma, o título de crédito é certamente um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento da economia das nações e, por conseguinte, de suas organizações empresariais. Constitui mérito de Tullio Ascarelli a astuta percepção a respeito da relevância dos títulos de crédito para o desenvolvimento da economia moderna, ao discorrer que: "se nos perguntassem qual a 1 Os títulos de crédito no projeto de Código Civil brasileiro, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano XXIX, n 78, p Ascarelli, Tullio. Teoria Geral dos Títulos de Crédito, Trad. Nicolau Nazo. São Paulo: Saraiva, 1943, p
3 TÍTULOS DE CRÉDITO contribuição do Direito Comercial na formação da economia moderna, outra não poderíamos talvez apontar que mais tipicamente tenha influído nessa economia do que o instituto dos títulos de crédito. A economia moderna seria incompreensível sem a densa rede de títulos de crédito; às invenções teriam faltado meios jurídicos para a sua adequada realização social; as relações comerciais tomariam necessariamente outro aspecto. Graças aos títulos de crédito pôde o mundo moderno mobilizar as próprias riquezas; graças a ele o direito consegue vencer tempo e espaço, transportando, com a maior facilidade, representados nesses títulos, bens distantes e materializando, no presente, as possíveis riquezas futuras. 3 A ampla utilização dos títulos de crédito na economia, tanto nas relações empresariais quanto nas privadas, se deve ao fato de que ele oferece segurança e certeza jurídica através do acolhimento de formalidades dotadas de valor absoluto, e através da separação das obrigações cambiais, presentes no documento, daquelas a ele estranhas. Assim, o presente estudo tem por objetivo traçar algumas considerações sobre as mudanças trazidas pelo novo diploma legal no tocante aos títulos de crédito, e os impactos que tais alterações podem acarretar na vida social e econômica. Não se pretende exaurir todas as vicissitudes que derivam do tema e assim não poderia ser. O que se busca é apenas retratar os principais elementos que compõem a questão, levantando alguns problemas que apenas serão solucionados com o labor da doutrina e com a consolidação das orientações jurisprudenciais. Dessa forma, este estudo é iniciado com a discussão a respeito da utilidade e necessidade de uma teoria geral dos títulos de crédito, como premissa fundamental para aquilatar o conteúdo da explanação. Prossegue-se com a exposição sobre o objetivo do novo Código em regular os títulos de crédito atípicos, explanando a opinião de eminentes estudiosos da matéria, tais como, Mauro Rodrigues Penteado, Rubens Requião, Fábio Konder Comparato e Mauro Brandão Lopes. Por fim, finaliza-se o trabalho discorrendo sobre os requisitos mínimos dos títulos de crédito atípicos, suas espécies e os aspectos processuais relevantes sobre o assunto. Nessa ordem de idéias, visa o estudo debater sobre os principais aspectos da matéria que foram alterados pela nova codificação civil. Uma vez que o trabalho não comportaria uma explanação abrangente de todas as modificações trazidas pelo diploma legal citado, buscou-se focar a atenção em pontos considerados elementares. Com isso, como dito, não se objetiva esgotar o estudo do tema ou monopolizar a verdade, mas apenas contribuir na demonstração dos aspectos fundamentais inerentes aos títulos de crédito. 2. OBJETIVOS DO LEGISLADOR AO REGULAR OS TÍTULOS DE CRÉDITO NO NOVO CÓDIGO CIVIL A promulgação do novo Código Civil/2002 causou grande alvoroço no mundo jurídico, especialmente entre os estudiosos e operadores do Direito Comercial. Isto porque a idéia de unificação dos Direitos Comercial e Civil causou arrepios à parcela dos doutrinadores e juristas especializados na matéria. 3 Op. cit., p. 3.
4 LIVIA ROSSI Criticou-se dizendo que a pretendida unificação teria sido um grande erro, sendo que, em verdade, não teria havido absorção alguma, nem didática, nem científica, do Direito Comercial pelo Direito Civil, uma vez que aquele ramo continuaria com seus princípios diferentes desse. Voraz crítico dessa unificação foi o Professor mineiro Wille Duarte Costa, ao comentar que: "a pretendida unificação foi um grande engano, (...). Em verdade, não houve absorção alguma do Direito Comercial pelo Direito Civil, como achavam. Não houve unificação didática e nem científica. O Direito Comercial continua com seus princípios, diferentes do Direito Civil. (...). É claro que algumas normas do Direito Comercial estão no Código Civil aprovado, como poderiam estar, também, as normas relativas ao Direito Penal, ao Direito Administrativo, ao Direito Processual e a qualquer outro ramo. Nesse caso, poderíamos dizer que o Direito Civil absorveria o Direito Penal, ou o Administrativo, ou o Processual?" 4 Rubens Requião, por sua vez, também se pronunciou a respeito do assunto perante a Comissão Especial da Câmara dos Deputados, encarregada de dar parecer ao Projeto de Lei n. 634/75, que instituía o novo Código Civil, ao desabafar que: "antes, porém, de examinarmos especificamente os dispositivos do projeto que consideramos passíveis de crítica e de aperfeiçoamento, pretendemos dar nossa posição doutrinária relativamente a um problema fundamental. Referimo-nos ao critério que prevaleceu, de unificação de Códigos, fazendo-se com que o Código Civil absorva e regule, também toda a matéria comercial. (...) Muita matéria privatista, com efeito, escapa de seu plano. Consiste a unificação, isto sim, na simples justaposição formal da matéria comercial, regulada num mesmo diploma. Constitui, repetimos, simples e inexpressiva unificação formal. Isso, na verdade, nada diz de científico e de lógico, pois, na verdade, como se disse em 'Exposições de Motivos' preliminar, o Direito Comercial, como disciplina autônoma, não desaparecerá com a codificação, pois nela apenas se integra formalmente. 5 Quanto aos títulos de crédito, que são o real objeto do presente estudo, grande temor houve entre os comercialistas a respeito das possíveis alterações que seriam implantadas pelo novo ordenamento jurídico. Temia-se que o legislador pudesse modificar substancialmente institutos que já estavam bem regulados, e que cumpriam a função a que se destinavam. No entanto, tal temor não se justificava, sendo que grande parte da doutrina tranqüilizou-se ao constatar que o novo Código, hoje aprovado e em vigor, no seu artigo 887, traz, apesar de não fie1 6, a famosa definição de títulos de crédito, construída por Cesare Vivante, qual seja, a de que o "título de crédito é o documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido". Referida definição é ainda completada com a determinação de que o título de crédito "somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. Crítica se fez sobre a inclusão de conceitos doutrinários na lei. Segundo Wille Duarte Costa, o legislador teria errado quando definiu título de crédito no rastro de Vivante. E continua: sabemos que tais conceitos não devem estar na lei, a não ser por absoluta necessidade, o que não é o caso, pois, modificados, a lei fica dando um tratamento errado ao que pode evoluir. 7 4 Títulos de crédito e o novo Código Civil. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, ano 2001, vol. 8, p Projeto de Código Civil. Apreciação crítica sobre a Parte Geral e o Livro I (Das obrigações). Revista dos Tribunais, Revista dos Tribunais: São Paulo, ano 64, n. 477, jul. 1975, p Doutrinadores, tais como, Newton de Lucca e Paulo Armínio Tavares Buechele, já se pronunciaram a respeito da deturpação do conceito de Vivante. Segundo eles, alguns juristas modificaram, com o apoio de Savigny, a definição de título de crédito de Vivante, quando afirmam que este é um documento que "contém" um direito literal e autônomo, ao invés de simplesmente "mencioná-lo". 7 Op. cit., p. 114.
5 TÍTULOS DE CRÉDITO Discordando dessa posição, Mauro Rodrigues Penteado 8 assim se manifestou, em artigo publicado pela Revista de Direito Mercantil: afirma-se, ademais, que o dispositivo é tautológico, porque contém definição de título de crédito, noção inexistente fora da ciência do direito, pois constitui tradução doutrinária simplificada da regulamentação normativa extravagante, que tem por objeto fatispecies determinadas, às quais não se aplicariam as disposições gerais do Projeto. A crítica procederia se esse complexo de normas especiais não padecesse, entre nós, das deficiências acima apontadas, e se o Projeto não visasse permitir a criação de títulos de crédito atípicos, incluindo ao só uma definição normativa, de cunho operacional (art. 889), mas também, e congruentemente, a explicitação tipológica dos requisitos mínimos que determinado documento deve preencher para ser reputado como tal (art. 891). Apesar de interessante, não cabe, no âmbito do presente trabalho, levar adiante tal debate, tendo em vista que outros tantos, igualmente importantes, surgirão no seu decorrer. Com efeito, de essencial importância é a discussão sobre a interpretação do artigo 903 do novo Código Civil, no tocante à aplicação desse diploma legal aos títulos de crédito previstos em legislação especial. Referido dispositivo assim dispõe: "Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código." Ao nosso ver, as disposições previstas no Título VIII do novo Código Civil, a respeito de títulos de crédito, têm simultaneamente duas funções, a primeira, de regular os títulos atípicos e, a segunda, de criar uma teoria geral dos títulos de crédito, que regulará, subsidiariamente, na ausência de disposição específica na lei especial, os títulos de crédito típicos. Nesse sentido já se pronunciou Mauro Rodrigues Penteado, ao sustentar que: "é certo que o Projeto não se aplicará, em princípio, aos títulos de crédito já devido e completamente tratados em leis especiais (notadamente às letras de câmbio, notas promissórias e cheque), não apenas em razão da vinvulação do país a tratados internacionais, mas porque suas disposições gerais não coincidem exatamente... com os lineamentos básicos desses títulos-paradigma. 9 Continua o citado autor, ao discorrer sobre a construção de uma teoria geral dos títulos de crédito: "ter-se-á, assim, um conjunto homogêneo de preceitos gerais, comuns aos títulos de crédito em espécie, conferindo organicidade ao sistema, ao qual irão necessariamente se integrar os documentos que vierem a ser legislativamente reconhecidos como tal, pautados por suas regras gerais, que a eles se aplicarão, no que não forem diversamente disciplinados (art. 905 do Projeto)." 10 Por sua vez, Newton de Lucca, em sua obra recém publicada "Comentários ao novo Código Civil - Dos atos unilaterais. Dos Títulos de Crédito", manifestou, inicialmente, entendimento contrário ao afirmar que: "a inovação poderá revelar-se absolutamente inócua, se se levar em consideração que o capítulo do Projeto relativo aos títulos de crédito, consoante repetidos pronunciamentos de seu autor nessa parte, o ilustre e saudoso Professor Mauro Brandão Lopes, apenas destinou-se à possibilidade de criação dos chamados títulos atípicos não podendo suas disposições, em conseqüência, ser aplicadas aos títulos de crédito típicos, tais como duplicatas, notas promissórias, cheques e letras de câmbio Título de crédito no projeto de Código Civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo : Revista dos Tribunais, ano XIV, n. 100, p Op. cit., p Op. cit., p Comentários do novo Código Civil - Dos atos unilaterais - Dos títulos de crédito, p. 137.
6 LIVIA ROSSI No decorrer de sua obra supra citada, Professor Newton de Lucca, expectador dos calorosos debates travados entre os célebres Mauro Brandão Lopes 12 e Antônio Mercado Jr., conclui que: assim, parece não haver mais dúvida quanto ao exato sentido e correto alcance desse art. 903, a partir das inestimáveis contribuições de Mercado Jr. e Mauro Brandão Lopes: sempre que a lei especial for omissa - e não houver contradição com os seus princípios - poderão ser aplicadas as normas constantes do Título VIII, conforme a dicção do artigo em tela. 13 Desse modo, diante dos entendimentos anteriormente esposados, pode-se concluir que a disciplina geral prevista no novo Código Civil não se aplica aos títulos de crédito típicos, tendo em vista que as respectivas leis de regência de tais títulos são anteriores a ele e, portanto, referida teoria geral não revoga as remissões feitas pelas leis especiais que a precederam. Todavia, respeitadas as remissões feitas pelas respectivas leis de regência aos títulos de crédito típicos, se essa lei especial contiver lacunas ou omissões a serem supridas, compartilha-se do entendimento de que a teoria geral poderá ser utilizada como fonte supletiva, desde que a norma que se pretende aplicar não conflite com o espírito e a lógica do título de crédito, tal como foi delineado pela norma que o criou. Resumindo: praticamente nada foi alterado com relação aos títulos de créditos típicos, ou seja, aqueles regulados em leis especiais, tais como, letras de câmbio, notas promissórias, cheques, duplicatas, títulos rurais e outros, a não ser, por exemplo, a possibilidade de serem criados títulos através de meios eletrônicos ( 3 do art. 889 do NCC), tendo em vista que tal dispositivo não conflita com as normas de regência dos títulos de crédito típicos. Seguindo adiante, ninguém melhor do que o Professor Mauro Brandão Lopes para explicar, resumidamente, quais foram os objetivos do legislador ao tratar no novo Código Civil a respeito dos títulos de crédito: "tem assim a aludida regulamentação dois objetivos básicos: de um lado, estabelecer os requisitos mínimos para título de crédito, ressalvadas as disposições em leis especiais; de outro lado, permitir a criação de títulos atípicos ou inominados. Neste último objetivo está o principal valor do Anteprojeto; regulando ele títulos atípicos, terão estes que se amoldar aos novos requisitos. Os títulos atípicos, que estão indubitavelmente surgindo, encontrarão assim o seu apoio e o seu corretivo no Título VII - apoio porque terão maior força jurídica do que os créditos de direito não-cambiário, embora menor força do que os títulos regulados em leis especiais como a letra de câmbio e a nota promissória; corretivo, porque se evitarão títulos sem requisitos mínimos de segurança, os quais ficarão desautorizados pelo Código Civil. 14 Assim, os próximos tópicos desse estudo servirão para discutir as duas intenções manifestadas pelo legislador, quais sejam: (1 ) fixar os requisitos mínimos dos títulos de crédito, criando, assim, uma teoria geral, que será aplicada, aos títulos típicos, na falta de disposição legal específica; e (2 ) permitir a criação de títulos de crédito atípicos ou inominados, com menos vantagens em relação aos títulos de crédito típicos, reconhecidos em leis especiais, visando, dessa forma, desembaraçar a atuação e a criatividade do meio empresarial. 12 Durante o ciclo de conferências sobre o projeto de Código Civil, ministradas na Associação dos Advogados de São Paulo, in Revista do Advogado n. 20, março/86, o Professor Mauro Brandão Lopes assim esclareceu sobre a sua participação na redação do Título VIII do Projeto de Código Civil: "Consistiu - a convite do professor Miguel Reale, que foi o Supervisor Geral do Projeto - no preparo do texto original, na iniciativa de alguns pontos básicos da revisão de 1973, e no preparo de justificativas de rejeição de emendas propostas na Câmara." 13 Op. cit., p Observações sobre o Livro I, Título VIII ("Dos Títulos de Crédito"). Anteprojeto de Código Civil. 2. Ed. Revisada. Brasília: Ministério da Justiça, 1973, p
7 TÍTULOS DE CRÉDITO 3. DIFICULDADE E UTILIDADE DE CRIAÇÃO DE UMA TEORIA GERAL SOBRE TÍTULOS DE CRÉDITO Discute a doutrina sobre possibilidade de criação de uma doutrina unitária a respeito dos títulos de crédito. Pretende-se, ainda, saber da utilidade da inserção de uma teoria geral dos títulos de crédito no sistema legislativo pátrio, seguindo-se os exemplos do Código Federal Suíço das Obrigações, o Código Civil italiano de 1942, a Lei Geral de Títulos e Operações de Crédito do México de 1932 e, agora, o novo Código Civil brasileiro, no tocante à solução dos problemas surgidos nessa matéria. Segundo Paulo Armínio Tavares Buechele 15, "a teoria geral dos títulos de crédito representa uma totalidade que está em permanente transformação, não apenas pela variação no número de elementos que a compõem (número variável de títulos de crédito), como pela modificação dos próprios elementos específicos, sujeitos às mais variadas influências do comércio nacional e internacional." Prossegue o citado autor: "à Vivante, segundo Ascarelli, cabe principalmente o mérito de haver tentado construir uma teoria unitária do título de crédito, fixando os caracteres comuns dos títulos ao portador, à ordem e nominativos. Entretanto, não foram poucos os tratadistas que revelaram seu receio de que era extremamente difícil - senão impossível - a construção de um sistema sólido, capaz de generalizar princípios comuns às diferentes espécies de títulos existentes. 16 Grandes críticos da oportunidade e utilidade de uma disciplina geral dos títulos de crédito em texto de lei são: Francesco Messineo e Tullio Ascarelli, ao comentarem sobre os dispositivos contidos no art e seguintes do Código Civil italiano. Segundo Messineo, a disciplina geral dos títulos de crédito tem sido ferozmente contestada em razão da falta de congruência entre os princípios nela consagrados e os existentes para os títulos emitidos em série ou em massa; da exagerada relevância atribuída aos chamados títulos de pagamento (títulos abstratos) em prejuízo dos títulos causais; da escassez de normas verdadeiramente gerais e a reduzida margem de aplicação das disposições do Código; da confusão que gera quando correlacionada com as particularidades dos títulos de crédito regidos por lei especial; e finalmente em razão da grande dificuldade do intérprete, fundado somente na teoria geral, de classificar como de crédito, títulos inominados ou atípicos. 17 Para Ascarelli, quando o legislador transporta para as Disposições Gerais o conceito de título de crédito formulado por Vivante, duas hipóteses podem ocorrer. Na primeira delas, ele estaria repetindo, sob designação genérica, as normas especiais de cada um dos títulos de crédito particularmente considerados. Na segunda, o legislador estaria permitindo a livre criação dos chamados títulos atípicos. Continua o ilustre mestre a sustentar que pareceria razoável supor-se que a primeira hipótese seria totalmente inócua, pois a simples repetição de normas gerais, por si só, não passaria de mero deleite didático. Já a segunda hipótese, poderia merecer, à primeira vista, acolhida. No entanto, segundo Ascarelli, a interpretação de que essa disciplina geral destina-se à livre possibilidade de criação de títulos atípicos levar-nos-ia a um "círculo vicioso". 15 Op. cit., p Op. cit., p Manuale di Diritto Civile e Commerciale, Milão: Giuffrè, v. 1972, p. 246.
8 LIVIA ROSSI Conforme afirma Ascarelli, estaríamos regulando um conceito que, na verdade, não existe e que não tem a menor utilidade, pois os títulos de crédito sempre correspondem a uma fattispecie determinada, às quais não se aplicam aquelas disposições gerais. Segundo o mestre, para cogitar-se da aplicação dessas disposições gerais seria necessário, preliminarmente, identificar-se a fattispecie dos títulos de crédito. Se essa disciplina normativa, no entanto, destina-se aos títulos inominados ou atípicos, não há fattispecie possível à qual poder-se-ia aplicar tais disposições gerais. Defendendo a utilidade da criação dessa disciplina geral dos títulos de créditos, temos Antônio Mercado Júnior 18, ao sustentar que: "em sentido contrário, poder-se-ia argumentar com os inconvenientes práticos que decorrem da falta em nosso direito, quanto aos títulos nominativos e os à ordem, de uma disciplina geral, como a existente sobre os ao portador. Essa falta faz com que a lei, ao prever a criação de um novo título, deva regulá-lo pormenorizadamente, mesmo quanto à circulação, se nominativo; e, se à ordem, determine sua sujeição às disposições da Lei Cambial, no que couber, com isso criando uma fonte de dúvidas para o intérprete. O saudoso e ilustre Professor Mauro Brandão Lopes 19 era também outro ferrenho defensor da regulamentação de uma disciplina geral dos títulos de crédito, já tendo se pronunciado sobre o assunto quando ministrou palestra junto à Associação dos Advogados de São Paulo: de qualquer modo, as leis especiais, quando regem determinada matéria, excluem a regulamentação geral, e, de outro lado, a regulamentação geral só se aplica na ausência de lei especial. O que tudo leva à conclusão de que a disciplina geral é uma disciplina que se dirige aos títulos atípicos. (...) Onde não existe uma disciplina geral, um dos títulos é tomado como paradigma. Entre nós, este título paradigma é a letra de câmbio, ou melhor, as duas cambiais: letra de câmbio e nota promissória. E, portanto, a Lei Uniforme de Genebra hoje nos serve como lei paradigma: toda vez que se precisa fazer uma remissão, nós fazemos remissão à Lei Uniforme. E essa remissão é feita com grande dificuldade por brasileiros, como tentarei agora demonstrar. Hoje no Brasil, quando se cria um título novo, recorre-se à Lei Uniforme de Genebra, como remissão. Isto é, remete-se, para determinados institutos, à Lei Uniforme de Genebra. É normal essa remissão, mas sempre imperfeita a sua aplicação. E vou dar exemplos. A Lei de Mercado de Capitais, o seu artigo 5º, parágrafo 5º, criou o título chamado conhecimento de depósito bancário, o CDB. Na disciplina do CDB, este parágrafo 5º diz o seguinte: 'Aplicam-se ao conhecimento de depósito bancário as disposições legais relativas à nota promissória.' Claro. O CDB tem um emitente. Não é um saque contra outrem, é uma promessa de pagamento. Mas, se vamos aplicar ao CDB as normas relativas à nota promissória, temos dificuldades insuperáveis. Pergunto: aplicam-se ao CDB as regras sobre pluralidade de exemplares, que estão na Lei Uniforme de Genebra no artigo 64? Isto é pode-se criar CDB com vários exemplares? A acreditar na remissão feita pela Lei nº 4.728, poder-se-ia fazê-lo, porque aplicam-se ao CDB, no que couber - eu não vejo por que não haveria de caber -, disposições legais relativas à nota promissória. Aplica-se ao CDB a possibilidade, que está na Lei de Genebra, de endosso sem regresso, isto é o endossamento, ao fazer o endosso, exime-se da responsabilidade e pagamento? Ou seja, contra ele teria o portador, eventualmente, direito de regresso? Aplica-se isso ao CDB? A acreditar na remissão, claramente se aplica." Conclui o notável mestre que: "temos então de tal maneira defeituosa nossa regulamentação, que não tenho dúvida de que é necessária uma lei básica, uma disciplina genérica, que sirva de suporte a 18 Observações sobre o anteprojeto de Código Civil, quanto à matéria "Dos títulos de crédito", constante da parte especial, Livro I, Título VIII. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo : Revista dos Tribunais, ano XII, n. 9, p Títulos de crédito atípicos. Ciclo de Conferências sobre o projeto de Código Civil - segunda parte. Revista do Advogado, n. 20. São Paulo: Associação dos advogados de São Paulo, março/198620, p. 25. Revista do Advogado n. 20, p. 24.
9 TÍTULOS DE CRÉDITO todas as remissões de títulos novos. Isto é, os títulos novos devem ser criados com apoio numa regulamentação que só pode ser uma disciplina geral, porque uma disciplina mínima." 20 Não obstante as razões expostas por Messineo e Ascarelli, filia-se à posição defendida por Mauro Brandão Lopes, no sentido de que a disciplina geral dos títulos de crédito é útil à medida que dará as diretrizes para a criação de títulos novos, satisfazendo assim uma aspiração dos empresários, bem como facilitará a vida do legislador dando suporte à remissão dos títulos típicos, nas matérias em que está ausente disposição específica na legislação. 4. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TÍTULOS DE CRÉDITO ATÍPICOS, À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL Quanto à liberdade de criação de títulos de crédito atípicos, pode-se afirmar, desde logo, que esta não só é concebível como, em verdade, é princípio acolhido por diversos ordenamentos, tanto de família romano-germânica como da common law. O que prevalece, de fato, é uma ampla tendência à negação do numerus clausus; quer no direito francês, onde vigora o conceito de effet de commerce, quer no inglês, e sobretudo no italiano, o acolhimento de novos tipos de documentos criados pela praxe comercial é uma possibilidade comum. O direito italiano destaca-se pelo implícito reconhecimento que se deu ali à liberdade de criação de títulos de crédito atípicos. Com efeito, o art do Código Civil de 1942, sob a rubrica "limitação da liberdade de emissão", dispõe que "os títulos de crédito que contêm obrigação de pagar uma soma de dinheiro não podem ser emitidos ao portador, senão nos casos estabelecidos em lei". Assim, admitiu-se, em linha de princípio, tal liberdade de criação de títulos de crédito atípicos, porém foi posta uma limitação, relativamente àqueles que têm por objeto uma soma de dinheiro; com o que se evitou o perigo de que tais títulos pudessem usurpar a função do papel moeda, cuja emissão não pode ser deixada ao arbítrio dos indivíduos. Como já adiantado, o segundo e maior objetivo do legislador brasileiro, ao tratar dos títulos de crédito no novo Código Civil, é a de possibilitar a criação dos chamados títulos de crédito atípicos, ou seja, aqueles que não estão previamente definidos e disciplinados pela própria lei, sendo que, no entendimento de seu redator Mauro Brandão Lopes, aí estaria o principal valor do Projeto. Prossegue Mauro Brandão Lopes 21, ao dissertar sobre o tratamento dispensado pelo Código Civil aos títulos de crédito: "assim, a disciplina geral, que está no Projeto, viria de encontro ao desejo daqueles que acham que mesmo na ausência de disciplina legislativa deve ser possível a criação de títulos de crédito, que neste caso seriam atípicos, porque não seriam nem letras de câmbio, nem promissórias, nem quaisquer outros títulos regulados. O fato é que no Brasil, como foi na Itália, os títulos não regulados, títulos que não têm sanção legislativa, não têm reconhecimento dos tribunais. E ao meu ver, isto fecha a questão: no Brasil, sem legislação específica, não é lícita a criação de títulos de crédito; o documento que se cria, mesmo com a denominação de título de crédito, não será título de crédito, isto é, não terá as características que veremos daqui a pouco." O novo Código, assim, pretendeu instituir uma categoria intermediária de documentação de direitos creditícios, a meio caminho entre os chamados "créditos de direito não-cambiário" - oriundos de negócios jurídicos celebrados por instrumento particular ou público - e os títulos de crédito típicos. 20 Op. cit., p Op. cit., p
10 LIVIA ROSSI Por esse motivo, o tratamento da matéria vem em Título distinto daquele consagrado às declarações unilaterais de vontade, uma vez que os títulos atípicos ou inominados, embora contenham declarações cartulares unilaterais, não se incluem entre os negócios jurídicos relativos a direitos nãocambiários. 22 Segundo Mauro Rodrigues Penteado 23, a opção do legislador ao criar os títulos atípicos ou inominados está baseada nos seguintes preceitos: a) permitir a criação de documentos necessários ao exercício do direito literal e autônomo neles contidos, sem as formalidades previstas para a validade dos atos jurídicos (arts. 104 e 221 do NCC) e que estejam aptos a agregar uma garantia de terceiros, de modo mais ágil e simplificado do que a fiança, porque consubstanciada em simples oposição da assinatura do garante; b) sem ficarem adstritos ao regime igualmente solene e dificultoso da cessão civil de créditos, permitir que esses documentos possam incorporar direitos suscetíveis de transferência por termo, tradição ou endosso, privilegiando, assim, a tendência atual e irreversível, verificada, sobretudo, no campo empresarial, de tornar mais célere e fácil a assunção e a circulação de direitos e obrigações. O que não se pode esquecer é que os títulos inominados ou atípicos não são documentos com vocação de serem produzidos em massa, consistindo, antes, em categoria documental intermediária apta a atender demandas negociais tópicas. Se determinado título atípico criado pela praxe empresarial vier a apresentar interesse significativo, sua utilização mais intensiva por certo se traduzirá em regulamentação própria, através de lei especial, como se deduz pela própria história do direito cartular. Acrescente-se que, esse emprego limitado dos títulos atípicos não apresenta nenhum risco para o mercado de capitais ou para o público em geral, visto que sua colocação e circulação, nele, é vedada pela Lei 6.385/ No mesmo sentido, já se pronunciou Antônio Mercado Júnior 25 : "há que se considerar o risco que a possibilidade de criação, indiscriminada, de novos títulos de crédito, poderia constituir para o público em geral. Esse risco, entretanto, talvez decorre, apenas, de situação transitória, que poderíamos designar, amplamente, como ' conjuntura atual do mercado creditício'. Se assim for, cumpre atender que as regras do Código Civil devem ser de caráter permanente, destinando-se a longa duração e, não, ditadas para resolver situações de momento, por isso mesmo mutáveis em tempo relativamente breve. Isso levaria a concluir pela manutenção, no anteprojeto, do princípio da liberdade de emissão de títulos atípicos ou inominados, ficando à legislação extravagante coibir possíveis abusos." 4.1. Requisitos mínimos e principais características dos títulos de crédito atípicos O "caput" do artigo 889 do novo Código Civil prevê que os títulos de crédito devem conter os seguintes requisitos mínimos: 22 Cf. Mauro Rodrigues Penteado. Op. cit., p Op. cit., p Cf. Mauro Rodrigues Penteado. Ob. cit., p Op. cit., p.117.
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