MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

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1 Relatório de participação no encontro internacional para discussão da implementação da Resolução 16/18 adotado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas Combatendo intolerância, estigmatização e estereotipização negativas, discriminação, incitamento à violência e violência contra pessoas fundadas em religião ou crença Paulo Gilberto Cogo Leivas, Ministério Público Federal Rua Sete de Setembro, 1133, Porto Alegre/RS Telefone: +55(51) pauloleivas@prr4.mpf.gov.br Rua Sete de Setembro, CEP Porto Alegre - RS 1

2 Resumo Este relatório relata a participação no encontro internacional para discussão da implementação da Resolução 16/18 adotado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, realizado em Washington de 12 a 14 de dezembro de 2011, cujo tema foi Combatendo intolerância, estigmatização e estereotipização negativas, discriminação, incitamento à violência e violência contra pessoas fundadas em religião ou crença. Ao final do relatório são apresentadas observações gerais sobre o encontro e sugestões de ações. SUMÁRIO Resumo Antecedentes do encontro Relatório do encontro Observações gerais e sugestões Anexos...7 Rua Sete de Setembro, CEP Porto Alegre - RS 2

3 1. Antecedentes do encontro Em março de 2011, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em sua 16ª Sessão, adotou a Resolução 16/18, intitulada Combatendo intolerância, estigmatização e estereotipização negativas e discriminação, incitamento à violência e violência contra pessoas fundadas em religião ou crença. A Resolução 16/18 foca em medidas concretas que Estados podem adotar para combater intolerância religiosa. Em junho de 2011, o Escritório do Alto-Comissariado de Direitos Humanos das nações Unidas realizou um painel sobre essa resolução. Em julho de 2012, a Organização de Cooperação Islâmica co-patrocinou um evento ministerial de alto nível sobre a resolução. O evento de que participei, realizado em Washington, de 12 a 14 de dezembro de 2011, teve por objetivo reunir especialistas no tema de discriminação. O convite foi dirigido ao Ministério das Relações Exteriores brasileiro, que solicitou à Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Dra. Gilda Pereira de Carvalho, que indicasse um representante do Ministério Público Federal para participar do evento. 2. Relatório do encontro Dia 12/12/11 O evento teve lugar no Departamento de Estado dos EUA. No primeiro dia do evento, após a abertura, os delegados fizeram uma breve apresentação do marco legal sobre discriminação religiosa em seus respectivos países. Somente dois países da América Latina enviaram delegados: Brasil e Chile. Da apresentação dos representantes norte-americanos destaco que o Departamento do Estado possui uma Divisão de Direitos Civis. Essa divisão trabalha, por exemplo, na questão da discriminação praticada por agentes de segurança. Um dos temas trabalhados é a questão dos perfis dos indivíduos que são revistados nas fronteiras. Há um trabalho no sentido de se evitar que os agentes usem critérios de etnia, religião, etc. A lei de direitos civis norte-americana é de 1964 e resultou da luta pelos direitos civis encabeçada pelos negros norte-americanos. É nessa lei que está tipificada a discriminação por motivo religioso. Foi relatado que desde o ataque Rua Sete de Setembro, CEP Porto Alegre - RS 3

4 terrorista de 11/7 aumentou muito os casos de crimes de ódio nos EUA contra muçulmanos. Na parte da tarde teve lugar uma mesa redonda da qual participaram, além de representantes do Departamento do Estado norte-americano, representantes de religiões minoritárias e ONGs de direitos civis. A metodologia da mesa-redonda dava-se do seguinte modo: a sociedade civil apresentava suas demandas e os representantes do Depto. do Estado respondiam que medidas adotaram ou afirmavam que estudariam medidas para por fim às discriminações. O objetivo de tal evento foi demostrar que as minorias religiosas possuem um espaço efetivo para apresentar suas queixas e demandas contra atos considerados discriminatórios. Dia 13/12/11 No segundo dia foram formados dois grupos de trabalho. O primeiro deles sobre a implementação de leis anti-discriminação nos países participantes e o segundo sobre treinamento de funcionários públicos nas medidas anti-discriminação. Optei por participar do primeiro grupo. Na parte da manhã, no meu grupo, discutiu-se a prevenção de discriminação por religião envolvendo atores públicos, tais como discriminação no serviço público, perfilhamento pela polícia, discriminação na educação, etc. Representantes do Depto. de Justiça norte-americano coordenaram o grupo de que participei. Foi relatado que nos EUA o Ministério Público Federal pode atuar em casos de violações de direitos civis praticados por órgãos públicos estaduais e municipais e particulares. Os critérios para intervenção são a importância e impacto social do caso. Além disso, o governo federal inclui uma cláusula de proibição de discriminação em casos de repasses de verbas federais para estados e municípios. Exemplos de casos em que interveio o Ministério Público Federal: proibição de construção de mesquitas, cidade que proíbe que funcionários usem vestimentas religiosas, direito de usar barba em prisões. Debateu-se também sobre a inversão do ônus da prova em casos de discriminação. Na parte da tarde, discutiu-se a discriminação por atores privados. Nos EUA admitese o uso da prova preparada. Por exemplo, em casos de discriminação por moradia Rua Sete de Setembro, CEP Porto Alegre - RS 4

5 agentes públicos com características do grupo discriminado testam a discriminação. Discussão sobre se as igrejas podem discriminar no emprego. Nos EUA, as igrejas não podem discriminar para contratar pessoas para funções administrativas, também não podem discriminar instituições filantrópicas que recebem verbas federais. Discussão sobre direito de empregados participarem de festas religiosas. Foi concedida licença sem remuneração para empregado privado para participar de festa religiosa fora do país (visita a Meca). Dia 14/12/11 Terceiro dia. Manhã: Discussão sobre estatísticas de crimes de ódio. Os EUA têm dois sistemas, um deles é mantido pelo FBI. As polícias alimentam o sistema, que abrange 95% do território norte-americano. Os dados estão disponíveis na Internet. Mas há uma estimativa de que 50% dos crimes de ódio não são levados às autoridades. FBI tem um manual sobre como alimentar o sistema. No MPF norte-americano há um coordenador para os crimes de ódio. Na Suécia, a estimativa de subnotificação é a mesma. A Suécia realiza pesquisa anual sobre percepção dos crimes de ódio. Discussão sobre subnotificação. Há três tipos de crimes de ódio nos EUA (contra pessoa, propriedade e ameaça). Há uma lei nova para engano de crimes de ódio (o agressor pensa que a vítima é de uma minoria, mas ela não o é). Na Bélgica também há lei semelhante. O representante da União Europeia falou de uma nova diretriz sobre discriminação. Representante da OSDC falou sobre um programa de capacitação de promotores de justiça. Discutiu-se sobre as discriminações tipificadas nas leis de cada país. Cada país tem uma lista própria de casos de discriminação. Na Bélgica há 19 causas, incluindo riqueza, transexualidade, convicções políticas. Discutiu-se a definição de crimes de ódio. Nos EUA crimes de ódio são delitos contra alguém em razão de uma característica que a vítima não possa ou possa muito dificilmente alterar. No Canadá há uma lista aberta. Discutiu-se sobre o respeito à privacidade das vítimas. No encerramento, na parte da tarde, fez-se um breve apanhado das discussões do evento. Informou-se que o próximo evento será realizado em um país da Europa, em E por fim houve o discurso de encerramento da Secretária de Estado Hillary Clinton, que Rua Sete de Setembro, CEP Porto Alegre - RS 5

6 reafirmou o compromisso norte-americano com os direitos humanos, com o combate á discriminação e o respeito à liberdade de expressão. 3. Observações gerais e sugestões a) A primeira observação que eu faço diz respeito à importância conferida e a transversalidade dos temas de discriminação e direitos humanos nos EUA. É interessante que o problema da discriminação nos EUA seja uma questão de segurança nacional. No Brasil, direitos humanos é um tema para os órgãos de direitos humanos (nos Ministérios Públicos, direitos humanos é para os Procuradores dos Direitos do Cidadão e para os Promotores de Justiça da promotorias especializadas de direitos humanos). Penso que se deveria trabalhar com a transversalidade dos direitos humanos em todos os órgãos públicos e deve ser avaliado o modelo brasileiro de especialização. b) A segunda observação está ligada primeira e diz respeito à abordagem dos órgãos nacionais de segurança diante de indivíduos ou grupos vulneráveis à discriminação, como indígenas, favelados, etc. Muito interessante o modelo de diálogo do Depto. De Estado norte-americano com as organizações representantivas de minorias. Ultrapassa-se a burocracia e realiza-se um diálogo frente a frente, entre autoridades e organizações. Um exemplo de uma atuação interessante foi a solicitação de uma ONG, com base na lei de acesso à informação, de todos os manuais de instrução e capacitação de policiais. Em alguns manuais os muçulmanos estavam retratados como potenciais criminosos. Houve então uma ação para coibir esse tipo de perfilamento. No Brasil, outros são os grupos vulneráveis a esse tipo de perfilamento, tais como favelados, semterras. A minha sugestão é que cada secretaria federal e estadual de segurança, bem como que cada órgão policial possua um departamento de direitos humanos. A questão do perfilamento poderia também ser trabalhada pelos ministérios públicos. Rua Sete de Setembro, CEP Porto Alegre - RS 6

7 c) Um ponto importante diz respeito às estatísticas de casos de discriminação. Os sistemas norte-americanos de estatísticas, especialmente o do FBI, precisam ser estudados e então desenvolvido um sistema brasileiro. É verdade que seria um grande desafio desenvolver um sistema de estatística para crimes de discriminação considerando a precariedade das polícias estaduais em nosso país. Talvez seja o caso de um sistema alimentado pelos ministérios públicos. Mas parece-me que isso seja uma prioridade, pois não é possível trabalhar com políticas de combate à discriminação sem o connhecimento da realidade nacional. É um absurdo que os dados estatístcos hoje existentes de crimes contra população GLBT sejam coletados por uma ONG e com base em notícias de jornais. d) Poderia ser realizada uma capacitação específica em tema direito antidiscriminação de membros do Ministério Público, da Defensoria, da Magistratura e da Polícia. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) possui um programa de capacaitação de membros do Ministério Público e Magistratura em temas de discriminação. Eu proponho que as escolas dos ministérios públicos realizem atividades em relação a esse tema e que sejam convidados representantes dos países participantes do evento em Washington, especialmente Bélgica, EUA, Suécia e Canadá. No segundo semestre de 2012 já poderia ser reallzada uma conferência sobre discriminação. Dois temas importantes para serem abordados: a discriminação indireta e a prova da discriminação. e) Eu proponho que seja estudada a necessidade de atualização da legislação brasileira antidiscriminação. A Lei 7716 pune os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Há outras leis que punem discriminações contra grupos específicos (idosos, pessoas com deficiência, etc). Na Bélgica são vinte os casos de discriminação, por exemplo, a discriminação em razão da condição sócioeconômica, já o Canadá tem um tipo aberto de discriminação. Alguns países tem também introduzido tipos que enquadram discriminações por engano sobre a vítima, por exemplo, discriminação contra uma pessoa supondo o agressor que se trata de um homossexual ou praticante de religião afro, mas em verdade ele não o é.. Rua Sete de Setembro, CEP Porto Alegre - RS 7

8 f) Um tema debatido diz respeito aos discursos de ódio (hate speech). O Conselho da União Européia adotou a Decisão 2008/913/JHA sobre o combate ao racismo e a xenofobia, segundo a qual o discurso de ódiio deve constituir uma ofensa criminal noa páises-membros. Esse foi um ponto de divergência importante, pois nos EUA o discurso de ódio não é crime e é protegido com base na liberdade de expressão, salvo quando motivar um ato iminente de violência. No Brasil precisamos aprofundar esse tema, uma vez que os casos mais comuns de discriminação religiosa são casos de discursos de ódio dirigidos contra praticantes de religiões de matriz africana. g) Sugiro a criação de alguma instância de diálogo permanente e ação coordenada dos mnistérios públicos nacionais em relaçaõ ao tema de discriminação. Acho importante a participação do Ministério Público Federal, como ouvinte, no Comitê de Diversidade Religiosa recentemente criado no âmbito da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. h) Sugiro, por fim, que cópias desse relatório sejam enviados ao Depto. De Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores e à Secretaria Nacional dos Direitos Humanos. 4. Anexos Rua Sete de Setembro, CEP Porto Alegre - RS 8