Pobreza e direitos humanos
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- Gabriella Braga Chaves
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1 DOSSIER Pobreza e direitos humanos Dos gestos s às políticas n Em Portugal, existem recursos materiais, humanos e institucionais bastantes para pôr termo à pobreza. Falta a consciência esclarecida das causas FÁTIMA MISSIONÁRIA 16 ANO LIV Outubro de 2008
2 olidários acionais Dar voz aos pobres para erradicar a pobreza é a proposta da audição pública, promovida pela Comissão Nacional de Justiça e Paz. A 8 de Novembro, em Lisboa, pobres e não-pobres são convocados para uma reflexão que visa desmontar preconceitos e dar voz aos pobres. A pobreza não é uma fatalidade, mas uma violação de direitos humanos fundamentais. Em Portugal, como em outros países europeus, existem recursos materiais, humanos e institucionais bastantes, para pôr termo à pobreza. São precisas acções concretas de prevenção da pobreza, que removam as causas e minimizem os efeitos texto Manuela Silva* fotos E. Assunção e Lusa e motivação forte para as ultrapassar 1Nos últimos tempos, muito se tem falado acerca da pobreza em Portugal e no mundo. As análises prospectivas anunciam pobreza para os próximos anos, dada a desordem económica instalada a nível global e a actual fragilidade dos mecanismos institucionais para a debelar. Depositaram-se tantas esperanças no Pacto do Milénio, das Nações Unidas, sobre a erradicação da pobreza no mundo. Mas o objectivo comum apresentase, agora, cada vez mais distante. Há, porém, um aspecto positivo. A pobreza é cada vez mais assumida como uma violação de direitos humanos fundamentais. Os governos e as sociedades civis, com as suas instituições, têm de assumir uma responsabilidade consequente. Esta terá de traduzir-se em acções concretas de prevenção da pobreza, na remoção das suas causas e de minimização dos seus efeitos que se fazem FÁTIMA MISSIONÁRIA 17 ANO LIV Outubro de 2008
3 DOSSIER Escola básica é um passo decisivo para vencer um tipo de pobreza frequente entre nós Falta, em primeiro lugar, uma consciência esclarecida acerca das causas geradoras da pobreza e uma motivação colectiva forte para as ultrapassar sentir na vida, saúde, educação, habitação, trabalho e demais direitos humanos fundamentais. A Comissão Nacional de Justiça e Paz (CNJP) tem dado o melhor do seu esforço a esta causa. Lembro, a título de exemplo, a Conferência Nacional, realizada em Maio de Os trabalhos estão já publicados em: Pobreza, cidadania e direitos humanos. Lembro ainda a petição pública apresentada à Assembleia da República que daí resultou e recolheu mais de 23 mil assinaturas. Enquanto violação de direitos humanos, o objectivo a atingir nesta causa será conseguir que a pobreza seja, o mais depressa possível, um fenómeno do passado, como sucedeu com a escravatura. 2Superar preconceitos, condição preliminar para erradicar a pobreza Em Portugal, como em outros países europeus, existem recursos materiais, humanos e institucionais bastantes, para pôr termo à pobreza. As suas manifestações mais severas são a fome, doença, falta ou precariedade de habitação, trabalho, segurança e educação. Que falta, então, para vencer a pobreza? Falta, em primeiro lugar, uma consciência esclarecida acerca das causas geradoras da pobreza e uma motivação colectiva forte para as ultrapassar. Papel das políticas públ na superação da pobreza De entre as políticas públicas, importa destacar, como particularmente relevantes para a erradicação da pobreza, as seguintes: Políticas de repartição do rendimento gerado na economia entre os salários, os juros e os lucros, visando corrigir os mecanismos do mercado. Políticas de segurança social, nomeadamente a fixação dos valores das pensões de reforma e de outros rendimentos sociais que devem ser tais que, em caso algum, se situem abaixo de um limiar de rendimento considerado suficiente para a satisfação de necessidades básicas e a consecução de uma vida digna por parte dos respectivos beneficiários. Vencer as causas da pobreza depende da superação de preconceitos ainda muito enraizados na mentalidade dos portugueses que entravam ou retardam os esforços públicos e privados no sentido de uma verdadeira erradicação da pobreza. Entre os preconceitos, cabe mencionar a ideia de que a pobreza é invencível. Por É sabido que, em Portugal, parte elevada da incidência da pobreza decorre da situação dos pensionistas de baixas pensões. Políticas activas de emprego e de fixação de salários. É conhecido que, entre as causas da pobreza, figuram, entre as mais relevantes, o desemprego, a precariedade do trabalho e os baixos salários. Em nenhum caso, o salário mínimo deveria ser estabelecido em valor inferior ao limiar da pobreza. Políticas de correcção das desigualdades, ao dispor dos governos, nomeadamente através da política fiscal e das transferências sociais. FÁTIMA MISSIONÁRIA 18 ANO LIV Outubro de 2008
4 A erradicação da pobreza em Portugal merece ser colocada no centro das políticas públicas, ocupando um espaço devido nos programas políti- vezes associa-se, indevidamente, à frase de Jesus: Pobres sempre os tereis convosco. Ou a convicção de que os pobres o são porque assim o querem, não se icas Políticas de ordenamento do território e do desenvolvimento local. Tem-se subestimado o alcance destas políticas. A luta contra a pobreza tem um dos seus alicerces em políticas assertivas de desenvolvimento local que permitam fixar as populações nos seus territórios de origem, através da valorização dos respectivos recursos locais. Por outro lado, um dos factores geradores de pobreza decorre do próprio habitat, nomeadamente da precariedade das habitações e da concentração das populações pobres em guetos onde faltam infra-estruturas mínimas de saneamento, segurança, comunicação com o exterior. Felizmente acaba de sair legislação que vem corrigir estas situações. esforçam ou vivem de modo desregrado. Ou que a pobreza é um disfarce para obter privilégios e tantos outros preconceitos. Estes modos de pensar são bloqueadores dos esforços necessários para vencer a pobreza. Consciente deste tipo de bloqueios, a CNJP tem em preparação, para 8 de Novembro próximo, uma Audição Pública, que procurará desmontar preconceitos e dar voz aos pobres. 3Políticas públicas, em geral Deixemos os aspectos culturais e concentremos a nossa atenção sobre as demais frentes de combate à pobreza. A erradicação da pobreza, num país como Portugal, merece ser colocada no centro das políticas públicas e ocupar a devida visibilidade e consistência nas propostas dos programas das várias forças políticas. De entre as políticas públicas, cabe destacar a política macroeconómica cujos objectivos devem passar a incluir, explicitamente, a erradicação da pobreza e a coesão social. Não se pode orientar apenas por critérios de crescimento económico, competitividade, inovação tecnológica, produtividade ou níveis de consecução de equilíbrio orçamental e externo. Tais objectivos correntes não são, obviamente, de menosprezar, mas têm de ser compatibilizados com outros objectivos, entre os quais a eliminação A erradicação da pobreza, num país como Portugal, merece ser colocada no centro das políticas públicas da pobreza e, de modo geral, a consecução de níveis de desenvolvimento humano e sustentável, incluindo neste a coesão social. Sucede frequentemente entre nós, no debate parlamentar ou por parte dos comentadores políticos, que se coloca maior ênfase na discussão acerca de algumas décimas percentuais nas taxas de crescimento do produto. Nesses casos, corre-se o risco de adensar a cortina de fumo sobre os problemas reais da população em geral e sobre as condições de vida dos pobres, em particular. As políticas públicas devem dar à erradicação da pobreza a devida centralidade, com o que tal implica de fixação de objectivos e metas concretizadas e de definição de critérios de avaliação de resultados, bem como uma definição clara de responsabilidade pela sua consecução, ao nível mais elevado da governação. Seria de desejar que, na composição dos governos, estivesse prevista uma autoridade governativa, com estatuto FÁTIMA MISSIONÁRIA 19 ANO LIV Outubro de 2008
5 DOSSIER equivalente a ministro, funcionando na dependência directa do Primeiro-Ministro. Esta medida permitiria articular a política de erradicação da pobreza com outros departamentos ministeriais cuja acção sempre interfere, positiva ou negativamente, na consecução do objectivo de erradicação da pobreza. 4Equipamento social e papel das Autarquias Na luta pela erradicação da pobreza, desempenha um papel preponderante a existência de equipamento social de resposta a necessidades sociais e a existência de serviços de proximidade. É ainda necessário equipamento social adequado para fazer face à situação específica de grupos de população mais vulneráveis, nomeadamente crianças e jovens, idosos, famílias monoparentais, desempregados, imigrantes e refugiados. Os equipamentos sociais, além do mérito próprio das valências para que estão vocacionados, desempenham um papel muito importante nas respectivas comunidades. Para além de serem geradores de oportunidades de emprego local, criam espaços de convívio, socialização e inclusão social. Neste domínio, as autarquias são chamadas a desempenhar um papel cada vez mais relevante. Estão próximas das populações abrangidas, conhecem as respectivas necessidades e os recursos potenciais existentes no meio. Por outro lado, estão directamente interessadas em resolver estes problemas nos respectivos municípios. O desempenho que tiverem nestes domínios traduzir-se-á em maior ou menor suporte nos sufrágios democráticos, por parte dos grupos sociais menos favorecidos, sob condição destes se encontrarem recenseados e dispostos a tomar parte activa nos actos eleitorais. Não significa isto que tenham de ser as próprias autarquias a criar e a manter, directamente, todo o equipamento social local. Felizmente existe no país uma vasta e multiforme rede de instituições de solidariedade social com as suas valências próprias que importa incentivar e apoiar. Há, no entanto, que manter, por parte A rede social da autarquia é um instrumento potencialmente muito útil para desenhar um plano de desenvolvimento social local dos poderes públicos, uma avaliação crítica permanente que confronte as acções programadas com os resultados efectivamente alcançados e bem assim que permita dar conta, atempadamente, de novas disfunções, necessidades e recursos. A rede social da autarquia é um instrumento potencialmente muito útil para desenhar um plano de desenvolvimento social local, promover a cooperação institucional pública e privada e manter permanentemente actualizado um diagnóstico prospectivo deslizante que sirva de referência estratégica. Para bem desempenhar estas funções, os municípios precisam de se dotarem A responsabilização dos pobres é fundamental para alcançar uma democracia inclusiva e prevenir conflitos sociais FÁTIMA MISSIONÁRIA 20 ANO LIV Outubro de 2008
6 de técnicos sociais à altura. Terão de ser em número suficiente para viabilizar um serviço social de proximidade. 5Dar voz aos pobres Numa estratégia compreensiva de erradicação da pobreza, cabe referir a importância de que se reveste a estratégia e correspondente acção de dar voz e poder aos mais pobres e excluídos. É fundamental valorizar o seu capital humano. A este propósito, merece lugar de destaque a garantia de acesso e de aproveitamento por parte das novas gerações no que respeita à educação. Trata-se de um objectivo de difícil consecução. Há que remover obstáculos da parte da escola, em geral pouco preparada para acolher as crianças oriundas de meios desfavorecidos. Os adultos desses meios desfavorecidos não valorizam devidamente a educação dos seus filhos e raramente se mostram completamente identificados e colaborantes em relação à escola. Não obstante as dificuldades reais, conseguir que as crianças dos meios desfavorecidos frequentem a escola básica e tenham aproveitamento é um passo decisivo para vencer um tipo de pobreza, ainda frequente entre nós. É a pobreza geracional, ou seja a pobreza que se transmite como herança de pais para filhos. A escola tem um papel chave no rompimento deste círculo vicioso. O mesmo se poderá dizer do acesso a uma qualificação profissional que permita aos jovens ingressar mais facilmente e com maior êxito no mundo do trabalho. Cabe mencionar aqui a importância de que se revestem os serviços de saúde. Por um lado, a doença é um factor indutor de pobreza, mas também, em boa parte, a falta de saúde é sua consequência. É nos centros de saúde que, muitas vezes, se podem fazer os primeiros despistes das situações de pobreza. Para tanto, os respectivos profissionais devem estar preparados para assumir esta função e dispor de meios para agir consequentemente, aproveitando das sinergias próprias da rede social local. Não esqueçamos que a As mulheres estão em melhor posição para influenciar o processo de superação da pobreza generalidade dos partos é hoje realizada em maternidades. O acompanhamento das grávidas e das crianças por parte dos serviços de saúde deveria ser um trampolim para ir ao encontro das causas geradoras de pobreza e, através de uma acção concertada com os serviços sociais, encontrar meios para as superar A responsabilização dos pobres é em si mesmo um objectivo, se queremos alcançar uma democracia inclusiva e prevenir os conflitos sociais. Nesse sentido, são de relevar as acções tendentes à criação de novas oportunidades de formação para adultos e jovens e a valorização dos espaços públicos de promoção da participação cívica e sócio-cultural. O papel decisivo das mulheres na erradicação da pobreza Por último, uma referência particular ao papel das mulheres pobres enquanto actores sociais. Como é sabido, a incidência da pobreza fustiga de modo particular a população feminina, tanto a população idosa, como a população feminina em idade activa. Neste último caso, pela via do trabalho precário, baixos salários e desemprego. Como é sabido, a incidência da pobreza fustiga de modo particular a população feminina, tanto a população idosa, como a população feminina em idade activa Acresce que são as mulheres que, frequentemente, se encontram numa situação de monoparentalidade, com um ou mais filhos (ou netos) a cargo. São as mulheres que estão, pela força das circunstâncias, em melhor posição para influenciar o rumo das respectivas famílias na superação da pobreza. Devem, pois, merecer uma atenção particular nas várias acções que visam combater a pobreza. A responsabilização das mulheres, através da sua formação e da criação de oportunidades para a sua participação na melhoria das condições de vida das respectivas famílias e comunidade local será o caminho mais seguro para erradicar a pobreza e promover a coesão social. * professora universitária aposentada e presidente da CNJP FÁTIMA MISSIONÁRIA 21 ANO LIV Outubro de 2008
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