Título do trabalho: O AMOR DE TRANSFERÊNCIA NO TRABALHO INSTITUCIONAL. Declaração de cessão de direitos autorais:

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1 Título do trabalho: O AMOR DE TRANSFERÊNCIA NO TRABALHO INSTITUCIONAL Declaração de cessão de direitos autorais: Eu Luciano Bregalanti Gomes, autor do trabalho intitulado O amor de transferência no trabalho institucional, o qual submeto à apreciação da Comissão Executiva do IV Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e X Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental, concordo que os direitos autorais a eles referentes se tornem propriedade exclusiva da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental AUPPF, sendo vedada qualquer reprodução total ou parcial, em qualquer outra parte ou meio de divulgação impressa ou virtual sem que a prévia e necessária autorização seja solicitada por escrito e obtida junto à AUPPF. São Paulo, 31 de julho de 2010 Luciano Bregalanti Gomes

2 Renato, um jovem que vinha morando nas ruas há alguns anos, chega ao CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) em um momento de especial fragilidade, pois havia recentemente iniciado o uso de crack. Este Centro destina-se a pessoas em situação de risco social e violação de direitos, e está inserido na política nacional de assistência social, colocando-se, portanto, em uma perspectiva de transformação social e promoção de direitos. Se por um lado, contudo, a proposta era de transformação social, por outro a relação psicólogo-paciente era marcada desde o início pelos lugares opostos ocupados na estrutura social, estando o primeiro incluído e designado em uma função de saber, e o segundo excluído e assistido, amparado. As situações de risco às quais estavam submetidas essas crianças e adolescentes também tinham grande peso na realização do trabalho, pois éramos chamados a intervir, muitas vezes, em caráter de urgência. Em um de nossos primeiros encontros após sua chegada, como ocorria com todos os casos, me aproximo para conversar sobre as atividades do local com Renato e iniciar um diálogo, que esperava ser reticente e permeado por informações forjadas a fim de resguardar seus locais de convívio, sua história, seu nome, etc., pois esta era uma estratégia corriqueira dos meninos recém-chegados ao programa. No entanto, após alguns poucos minutos, Renato volta-se a mim de súbito e pergunta: Eu só quero saber uma coisa. Vocês podem me ajudar?. Eu imediatamente respondo: Sim. Muito comunicativo e alegre, Renato despertava a simpatia de praticamente todos os funcionários da instituição. O atendimento, da mesma forma, ocorria em um ambiente extremamente agradável e ele repetidamente demonstrava sinais de afeição por mim. Após alguns encontros, chega a dizer que sou como um pai.

3 Importante ressaltar que suas idas à instituição, nesse início, ocorriam quase sempre em períodos de crise decorrentes de uso intenso e prolongado (principalmente) de crack. Nessas ocasiões, relatava fantasias de rejeição, abandono e ódio, que lhe causavam muito sofrimento. Parece pesadelo, ele dizia. Eu fico tentando segurar em alguém, mas elas (essas pessoas) dão risada de mim, viram as costas, não tão nem aí. O estreitamento da relação transferencial, neste sentido, se deu de forma proporcional ao surgimento de tais fantasias. A progressiva totalização do amor em minha pessoa enquanto terapeuta parecia ser reflexo do medo de fragmentação causado por essas ameaças interiores tão violentas, no sentido em que o delineia Fedida (1988). Ao associar-me ao lugar paterno por meio da transferência, Renato dava a este lugar uma função de proteção contra o perigo, o que gerava uma redução no nível de violência dos estados de angústia. Os conflitos pulsionais colocados em jogo na transferência mobilizam defesas narcísicas contra o horror de angústias de morte arcaicas, apresentando-se especialmente sob a forma de compulsão à repetição, o que acaba por tornar a proposta de unidade sedutora ao analista, ele próprio sujeito à sensação de fragmentação produzida por essas pulsões. (Koahara, 2009) Ao longo do processo, contudo, com a relação transferencial mais solidamente estabelecida, Renato deixa de vir nos períodos mais intensos de crise, e passa a frequentar a instituição com maior regularidade em períodos de abstinência, quando havia já passado vários dias sem fazer uso de crack. A cada encontro ele relata tais períodos de abstinência com grande satisfação, e ressalta que vai melhorar, ficar bom e mostrar pra ela, referindo-se a sua namorada, a quem conheceu durante uma consulta em um CAPS AD, ocasião em que eu o acompanhava. Por vezes também tecia esse comentário referindo-se a sua mãe, e era bastante nítido que sempre endereçava-se a mim, buscando agradar-me com sua melhora.

4 Sua organização fantasmática, operando ao redor da dependência, se acoplou à relação institucional de tal forma, que, a transferência que se estabeleceu, para além da implicação dos sujeitos ali presentes, era atravessada pelos ideais da instituição. Essa mudança que se operou nos períodos de frequência ao CREAS, indicava uma tentativa de demonstração de correspondência a esses ideais institucionais, e de retribuição a meu trabalho, cujo objetivo, como já citado, era parcialmente dado desde o início em função, justamente, desses ideais. Só com o decorrer dos atendimentos percebo que a cumplicidade e a afeição que marcavam nossos encontros passaram a dificultar as intervenções, pois a escuta vinha se tornando cada vez mais difícil. Por vezes restrito ao peso da situação social, ao caráter de urgência de alguns atendimentos, ou ainda ao desejo de garantir o espaço institucional como único refúgio contra a realidade na qual ele vivia, só podia pensar nas intervenções que poderia ter feito, quando o tempo de fazê-lo já havia se passado. Assim, ao buscar o CREAS com o intuito de fugir de sua dependência mortífera com a droga, Renato encontra na instituição uma disposição a acolher própria de um serviço de assistência social e do ideal que orienta o programa em questão, me levando a responder sim à sua pergunta sem pestanejar, embora fosse óbvia a possibilidade de investigação e elaboração de sua demanda, ao formular uma questão sobre ser ajudado. Além disso, a postura ativa que o trabalho institucional exigia a fim de garantir uma primeira vinculação, possibilitou a produção de uma esperança de unidade com o terapeuta, que amenizava o horror de angústias arcaicas de aniquilamento de Renato, enquanto, porém, me deixava dominado e imóvel. O desafio ao trabalho psicanalítico nesse caso, é intervir dentro de um tal enquadre, oferecendo interpretações que promovam a elaboração do sintoma, na transferência, mas sem

5 ignorar o próprio da relação estabelecida pelo sujeito com a instituição, como ressalta Koahara (2009). Ao me tomar por pai, Renato repete a relação de dependência que mantém com seus objetos de amor, relação fusional que é potencializada pela instituição. Ao me deixar colocar nesse lugar as dificuldades tornam-se evidentes, pois a voracidade desse tipo de relação objetal torna a sustentação do lugar de analista trabalhosa. No entanto, cabe ressaltar que é a relação institucional que permite a manutenção de um enquadre que torne o trabalho possível, e é nela que o sintoma ganhará significação e os ideais de ego poderão ser sustentados. Aos poucos, com incessante reflexão e discussão do caso, levando em consideração a especificidade da relação institucional que atravessava a transferência, o relato de Renato passa a ganhar riqueza, e deixa de me parecer apenas relato em si, com a faceta de repetição traumática que isto comporta. Sua fala passa, então, a engendrar possibilidades de resgate de memória, e principalmente de produção de significações, como preconiza Rosa (2004). Assim, quando me conta novamente que quer melhorar, diz que tem que ficar bom, ficar bonzinho pra ela ver, eu lhe pergunto: Mas pra ficar bom tem que ficar bonzinho?. Ele então silencia, o que era incomum durante nossos atendimentos. É, acho que eu preciso pensar nessas coisas mesmo, ele diz, com uma feição também incomumente séria. Alguns meses mais tarde, estando de partida da instituição, comunico-lhe minha decisão. Revivemos, desse modo, suas fantasias de abandono. Contudo, com o intermédio da instituição, surge um terceiro elemento, que sustenta o efeito de castração que tal separação contém, mas que também garante um efeito de sensação de pertencimento e ancoragem, tão necessário nesses casos. Quando chega o momento da partida de fato, ele me pergunta: mas e eu, agora?. Eu respondo: eu tenho que ir Renato, mas o CREAS continua aqui. Ele sorri timidamente, e diz:

6 Eu posso continuar vindo aqui mesmo assim, né.... Alguns meses após minha partida, tive notícias de que ele ainda frequentava a instituição, sendo atendido por um outro psicólogo que lhe havia sido apresentado por mim pouco antes de minha saída.

7 BIBLIOGRAFIA FÉDIDA, P. Amor e morte na transferência. In:. A clínica psicanalítica: estudos. São Paulo: Editora Escuta, FREUD, S. A Dinâmica da transferência. In: O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Edição eletrônica Brasileira das obras completas de Sigmund Freud, Vl. XII, Observações sobre o amor transferencial. In: O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Edição eletrônica Brasileira das obras completas de Sigmund Freud, Vl. XII, KOAHARA, P. K. I. A instituição para o sujeito - metapsicologia da prática psicanalítica na instituição. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo. São Paulo, ROSA, M. D.. Escutando vidas secas. Adolescência Um Problema de Fronteiras, Porto Alegre, p , O discurso e o laço social nos meninos de rua; in: Revista Psicologia USP, 1999, volume 10, n.2. Secretaria Nacional de Assistência Social. Guia de Orientação Nº 1 (1ª Versão) Brasília,DF. Disponível em:

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