PATRIMÔNIO CULTURAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL EM CARAMBEÍ
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- Edison Camelo Clementino
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1 PATRIMÔNIO CULTURAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL EM CARAMBEÍ 1 SILVA, Silmara Carneiro INTRODUÇÃO Este trabalho é resultado de um aprofundamento dos resultados da dissertação de Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas realizada pela autora. A partir de novos referenciais da área da geografia sobre patrimônio cultural realizamos uma reflexão teórico-crítica acerca das relações existentes entre o patrimônio cultural em Carambeí e o desenvolvimento local, frente aos resultados da dissertação de mestrado, cujo tema foi A configuração do poder local institucionalizado em Carambeí e suas perspectivas para o desenvolvimento social municipal. OBJETIVO Refletir sobre as relações entre o patrimônio cultural em Carambeí e o desenvolvimento local a partir da análise de sua particularidade histórica, no que se refere à formação de sua população, bem como da estrutura produtiva local. METODOLOGIA A metodologia se construiu a partir de pesquisa bibliográfica pautada em autores referenciais para as ciências sociais aplicadas e da geografia e análise dos 1 Graduada em Serviço Social - UEPG, Especialista em Administração Estratégica de Pessoas - Bagozzi, Acadêmica da Especialização em Mídia, Política e Atores Sociais UEPG e Mestre em Ciências Sociais Aplicadas UEPG.
2 resultados de pesquisa alcançados na dissertação de mestrado da autora, que se desenvolveu num estudo de caso sobre o município de Carambeí. RESULTADOS O desenvolvimento é cultural, pois o processo de invenção cultural é o substrato do desenvolvimento. (FURTADO, 1980). O patrimônio cultural pode ser considerado o resultado coletivo do processo de invenção cultural inscrito no curso do desenvolvimento societário. Monastirsky (200-) aponta que [...] o patrimônio cultural inclui não apenas as manifestações artísticas, mas também os hábitos, os usos e os costumes, as crenças, as formas de vida cotidiana da sociedade e a sua memória. Com efeito, a necessidade de sua conservação é um imperativo para a preservação da história e do desenvolvimento da sociedade. A formação da memória social é uma via para a conservação, preservação e promoção de novos caminhos tanto à história quanto ao desenvolvimento social. A memória social deve ser construída coletivamente, sem o abandono das singularidades e ou da pluralidade cultural dos lugares, pois conforme Monastirsky (200-) A memória coletiva transcende ao indivíduo ao apresentar uma ordem instituída, normativa à cultura local e às singularidades que a compõem. Neste sentido, neste trabalho refletimos sobre a relação entre o patrimônio cultural de Carambeí e suas relações com o desenvolvimento local, dado que a formação histórica deste município desponta para uma materialização destes presseitos teóricos, uma vez que historicamente desenvolveu suas características culturais, econômicas e sociais pautadas numa hibrida relação entre imigrantes holandeses e migrantes brasileiros, que no âmbito do desenvolvimento da estrutura produtiva local construíram o patrimônio cultural e o desenvolvimento local carambeiense.
3 Carambeí 2 compõe a região dos Campos Gerais e fez parte do município de Castro e Ponta Grossa até o ano de 1996, quando iniciou seu processo de emancipação, culminando com sua municipalização no mesmo ano. Em sua gênese de formação, Carambeí tem estreita relação com o tropeirismo, movimento que se intensifica ao sul, em virtude das capitanias do norte do Brasil buscarem, nesta região, animais para satisfazerem as necessidades de transporte demandadas pelo desenvolvimento agropecuário das mesmas. Embora não tenha sido este evento o motor de desenvolvimento econômico da região de Carambeí, constituiu-se relevante, histórico e culturalmente, para o espaço local, uma vez que a região constituiu-se, assim, parte da rota dos tropeiros. Com efeito, o tropeirismo constitui um dos primeiros traços culturais do local, portanto parte do patrimônio cultural carambeiense. Apesar de ter sido no século XVIII, com o tropeirismo, o início da formação histórica de Carambeí e consequentemente de seu patrimônio cultural, foi apenas no início do século XX que a região teve oportunidade de se desenvolver economicamente, dada a imigração européia ao local, momento histórico de fundamental relevância para a recepção de novos elementos ao patrimônio cultural de Carambeí, bem como para seu desenvolvimento local. Com a abertura do Brasil às imigrações européias, junto às vantagens oferecidas pelo governo brasileiro aos imigrantes, no início do século XX os holandeses viram nas terras brasileiras possibilidades para se instalarem e com isso desenvolverem suas atividades no ramo da agricultura e da pecuária. Segundo Furtado (1971) o governo brasileiro oferecia vantagens aos europeus para que eles imigrassem para o país. Cabe ressaltar que, embora do ponto de vista do desenvolvimento econômico as condições iniciais fossem oferecidas aos imigrantes pelo governo brasileiro, do ponto de vista cultural, tais condições foram sendo 2 Carambeí significa rio das tartarugas. Rio das tartarugas é a junção de carambé (carumbé) que significa tartaruga e y que significa rio, ambas as palavras advindas da língua guaraní. (CARAMBEÍ, 2008).
4 construídas na relação contextual com as particularidades do local. Os holandeses, embora não tivessem experiência com a agricultura, obtiveram auxílio dos brasileiros, que migraram para Carambeí, no anseio da venda de sua mão de obra qualificada para os serviços agrícolas. Nestes movimentos migratórios, seus agentes não trouxeram guardados apenas seus objetivos econômicos, mas também um imensurável patrimônio cultural intangível. Seus valores, costumes, crenças, religiosidade, bem como técnicas voltadas ao manejo da agricultura e da pecuária, foram algumas das contribuições dos imigrantes e migrantes para a formação do patrimônio cultural local. Desde então, a relação dos europeus, imigrantes e dos brasileiros, migrantes formaram o caldo cultural para a formação do patrimônio cultural de Carambeí. Com efeito, nesta híbrida relação criaram-se os elementos-chave para a formação do patrimônio cultural e do desenvolvimento local carambeiense. Os movimentos migratórios, a apropriação do espaço e a imposição de seus traços culturais particulares em torno a formação e desenvolvimento estrutura produtiva local, constituiram portanto o substrado para o patrimônio cultural e o desenvolvimento local. Disso posto, a relação sociocultural entre brasileiros e holandeses foi se estruturando, determinada pela realidade de trabalho em torno das terras e dos meios de produção que já estavam sob o domínio dos imigrantes. Desta forma, se estabelece historicamente a hierarquia social carambeiense entre as diferentes culturas de classe que se chocaram no âmbito do local. Conforme, dispõe Cuche (2002) as culturas de classe se diferenciam pelo sistema de valores, os modelos de comportamento e os princípios de educação. A condição de operariado dos brasileiros em relação aos holandeses fortalece a hierarquização das relações sociais em torno da estrutura produtiva local, determinando o substrato para a formação do patrimônio cultural e o desenvolvimento local de Carambeí. Segundo Cuche (2002) a cultura operária é formada por práticas culturais dos indívíduos, determinados pelas relações de produção.
5 Conforme Silva (2008, p. 92) No ano de 1925 foi fundada a Sociedade Cooperativa Holandesa de Laticínios sendo esta a primeira cooperativa de produção do Brasil e em 1941 a Cooperativa Mista Batavo [...], transformando-se mais tarde em Cooperativa Agropecuária Batavo Ltda, [...]. Tal cooperativa, em conjunto com a Cooperativa Castrolanda situada também em Castro, na época, e a Capal em Arapoti, construíram em Carambeí a Cooperativa Central de Laticínios do Paraná Ltda. - CCLPL, que se tornou referência nacional para a industrialização de derivados de leite e carne. Carambeí teve, assim consolidado um complexo agroindustrial local, construído pelo conjunto de ações realizadas pelos imigrantes e migrantes na sua história ao longo do século XX, que foi e ainda é no início deste século XXI o carro chefe do desenvolvimento local, uma vez que possui a maior parte na participação no PIB municipal. Assim, verificamos que o desenvolvimento em Carambeí possui hegemonicamente uma perspectiva histórica de dependência da estrutura produtiva local, uma vez que a lógica de desenvolvimento centrou-se no eixo econômico, ancorada na política de imigração promovida pelo governo brasileiro no início do século XX. Theodoro (2004) alerta para as conseqüências sociais para o Brasil a partir da introdução da adoção das políticas de imigrações. Em Carambeí verificamos que longo da história houve o desencadeamento das questões sociais no espaço local, principalmente em torno do desemprego local e quanto a questão da pobreza. Conforme dados do Ipardes (2003) o percentual de pobreza em Carambeí neste ano era de 18,81%, sendo que em 2008 passou para
6 22,24% (IBGE, 2008). Diante deste percentual de pobreza verificamos que a população carambeiense em seu conjunto não encontrou condições favoráveis para uma vida equânime. Houve, historicamente, uma estratificação entre as diferentes classes sociais, com o agravamento das expressões da questão social no espaço local, decorrente de um nível elevado de desigualdade social no espaço local. De acordo com o índice de GINI os 20% mais ricos de Carambei detém 62,35% da renda média municipal (IBGE, 2000), o que aponta um elevado grau de desigualdade de acesso à renda no espaço local. Em Carambeí, conforme vimos, a formação da população local se deu em torno da formação da estrutura produtiva, na qual os brasileiros, como trabalhadores, venderam historicamente sua mão de obra aos holandeses proprietários dos meios de produção através da relação capital/trabalho. Questão esta que, feitas as devidas mediações para o campo cultural, culminou historicamente com uma estratificação sociocultural entre a população local, cuja hegemonia durante todo o século XX, foi dos imigrantes holandeses. O panorama histórico apresentado em torno das características do espaço local carambeiense ao longo do século XX nos permite inferir que houve em Carambeí uma fragilização nas relações econômicas, sociais e culturais estabelecidas entre a população local, o que contribuiu para que a formação do patrimônio cultural e do desenvolvimento local em Carambeí, tenha se dado de forma dependente da subcultura e dos investimentos do colonizadores europeus presentes no espaços local, em detrimento das subculturas e dos investimentos dos demais segmentos da população local, tendo em vista a hegemonia dos imigrantes europeus uma vez que detiveram historicamente a propriedade dos bens econômicos em torno da estrutura produtiva local. Podemos dizer que o engendramento histórico da fragilização das relações econômicas, sociais e culturais no espaço local carambeiense fragiliza
7 consequentemente a formação do patrimônio cultural e o desenvolvimento local de Carambeí, uma vez que a estratificação social torna-se um dos determinantes para a divisão sócio-cultural entre a população local e que tais elementos são fundamentais para a construção da memória social e para a formação de sua identidade local. A memória social e a identidade locais tornam-se fundamentais para a conservação do patrimônio cultural e a promoção do desenvolvimento dos espaços locais nas sociedades contemporâneas, visto que a lógica de desenvolvimento do capitalismo tardio é globalizante e tende a desprezar a construção, conservação e ou preservação do patrimônio cultural e do desenvolvimento locais, em nome do protagonismo do mercado mundial. Em Carambeí, nesta primeira década do século XXI, podemos citar como uma das consequências da fragilização das relações econômicas, sociais e culturais locais para o patrimônio cultural e para o desenvolvimento local, a venda da maior parte do complexo agroindustrial local para empresas Perdigão S/A e Batávia S/A 3, empresas de economia mista, com participação de fundos difusos estrangeiros, pois com esta negociação os colonos holandeses de Carambeí, do início do século XX, não detém mais a hegemonia da posse no âmbito da estrutura produtiva local e a histórica relação capital/trabalho entre colonos holandeses e migrantes brasileiros encontra-se ainda mais fragilizada, uma vez que na lógica do mercado mundial, as relações de trabalho se convertem em relações estritamente econômicas, em detrimento das questões sociais e culturais locais. Desta forma, verificamos que durante todo o século XX, a lógica da colonização funcionou para a estruturação do desenvolvimento econômico, social e 3 A composição acionária da empresa Perdigão é a seguinte: 14,11% - PREVI Caixa Prev. Func. Bco Brasil; 12,04% - PETROS Fund. Petrobrás Seg. Soc.; 7,26% - Fundo BIRD; 4,53% - WEG Participação e Serviços S. A.; 4,00% - Fund. Telebrás Seg. Social SISTEL; 3,72% - VALIA Fund. Vale do Rio Doce; 1,68% - FPRV 1 Sabiá F I Multimercado Previd. 1,68%; 1,27% - REAL GRANDEZA Fundação de A.P.A.S; outros 51,39%, sendo um total de ações ordinárias. Das ações 20,5% são de controle difuso nacional e 30,3% são de controle difuso de estrangeiros.(disponível em: Acesso em: 24. out
8 cultural de Carambeí, sob as bases da formação da estrutura produtiva local, entretanto, já neste início do século XXI, observamos uma outra colonização, a proveniente do mercado mundial, que, utilizando-se das fragilidades econômicas e sociais historicamente construídas no país, continuam a fortelecer uma colonização do centro em relação à periferia do sistema capitalista, conquanto sem qualquer noção de pertencimento e ou relação cultural com o local. Assim, a situação de divisão sócio-cultural entre os diferentes grupos da população carambeiense se explica, sobremaneira, pela híbrida composição étnica da população local, associada às diferenças sociais nas condições de vida, entre os migrantes (trabalhadores) e imigrantes (proprietários dos meios de produção), que historicamente construíram-se na relação capital e trabalho e resultaram numa estrutura socioeconômica desigual, consequentemente gerando uma divisão sóciocultural no local. Verificamos, portanto, em Carambeí a expressão de uma nova colonização do espaço local, na qual o colonizador é o mercado. Sob a hegemonia do grande capital o patrimônio cultural e o desenvolvimento local carambeiense, com sua histórica dependência à estrutura produtiva local, encontram-se atualmente com maior fragilidade frente às determinações do mercado, questão esta que alerta para a necessidade da construção de uma política pública de conservação e preservação do patrimônio histórico e cultural do local, uma vez que a memória social de Carambeí está circunscrita pelos acontecimentos históricos e culturais que se sucederam aos processos migratórios e que ao longo destes promoveram as bases para o desenvolvimento local. O fortalecimento de tais características locais torna-se fundamental para o fortalecimento da memória e identidade sócio-culturais locais, frente à conjuntura atual, visto que tais são de extrema importância para a preservação do patrimônio cultural e desenvolvimento locais. Ortiz (2006, p. 75) dispõe Como as culturas entram em contato por meio dos homens, a base referencial
9 deve ser um agrupamento, uma coletividade de indivíduos que se desloca espacialmente. O choque ou a assimilação cultural se faz sempre no seio de um território, a nação, a cidade, o bairro. Desta forma, imigrantes, migrantes e nativos da região formam a essência do povo carambeiense e todos são basilares para a magnitude das características locais no seio de seu território, seja pela assimilação e ou conflito entre as diferentes culturas. Conforme acrescenta Ortiz (2006, p. 72) A especificidade cultural se manifesta no seio de contornos determinados, o que torna possível a descrição de seus traços 'essenciais'. Assim, explicitam os determinantes para o desenvolvimento econômico, social e cultural do município, sendo, igualmente, importantes à formação da coletividade carambeiense. CONCLUSÕES A divisão sócio-cultural construídas ao longo da história pela relação capital/trabalho em Carambeí, são responsáveis por hierarquizar social e culturalmente a sua população e por fragilizá-lo perante novos desafios na estrutura socioeconômica do espaço local. Assim, o fortalecimento da identidade local é fundamental para o enfrentamento de tais desafios. Conforme aponta Rocha e Monastirsky (2003, p. 149) Identidade é, portanto, o sentimento de afinidade, de pertencimento a um determinado grupo ou sociedade que reconhece algo em comum entre os indivíduos desta. Com este conceito, podemos perceber sob quais bases a identidade local carambeiense pode se fortalecer e se autoafirmar sóciohistoricamente mediante as suas particularidades, contribuindo portanto para o desenvolvimento local. Neste sentido, a horizontalização cultural em Carambeí, bem como a formação de uma identidade local, tornam-se pressupostos básicos para uma maior homogeneização entre as classes sociais e ainda para afirmar a existência, bem
10 como a necessidade de conservação e preservação do patrimônio cultural local, em detrimento de noções hierarquizadas e ou cristalizadas de uma identidade estática e fechada. Tais questões compõem a formação de um pressuposto para a construção de uma perspectiva de desenvolvimento local em que o patrimônio cultural carambeiense seja considerado em sua essência, cuja valorização esteja voltada à riqueza da pluralidade e particularidade da cultural local, que per si é fruto de um hibridismo cultural, entre a cultura européia (centrada na figura do imigrante holandês) e a cultura operária (centrada na figura do trabalhador brasileiro migrante) que uma vez interelacionadas no local, formam a identidade cultural carambeiense e contribuem historicamente para formação do patrimônio cultural, bem como para o desenvolvimento local, de forma que fortalecidos podem enfrentar os desafios das questões sócio-econômicas e culturais impostos pela sociedade contemporânea. REFERÊNCIAS CARAMBEÍ. Significado de Carambeí. Enciclopédia Wikipédia. Disponível em: Acesso em: 14. abr CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. - Bauru: EDUSP, FURTADO, C. Formação Econômica do Brasil. 11. ed. São Paulo: Nacional, 1971, 248 p. FURTADO, C. Pequena introdução ao desenvolvimento: enfoque interdisciplinar: São Paulo: Nacional, HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. - Rio de Janeiro: DP&A, MONASTIRSKY, L. B. Espaço Urbano: memória social e patrimônio cultural. Texto digitado, (200-). ORTIZ. Renato. A Mundialização da Cultura. - São Paulo: Brasiliense, ROCHA, A. R. P., MONASTIRSKY, L. B. A dialética entre o global e local: um
11 olhar sobre o turismo e o patrimônio cultural. Revista Terra Plural. n. 2, p , jan/jun THEODORO, M. A questão do desenvolvimento: uma releitura. In: RAMALHO, J. P. Desenvolvimento, subsistência e trabalho informal no Brasil. São Paulo: Cortez, Petrópolis, RJ: Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, CAALL, 2004, Parte I, p
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