Carla- Oswaldo é como que você começou a se envolver com as questões sociais?

Transcrição

1 Depoimento de Oswaldo Setti de Almeida Filho Ação Moradia Carla- Bom dia, Oswaldo. Oswaldo Bom dia, meu nome... Carla- Eu gostaria que você me falasse primeiro o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu. Oswaldo Bom, meu nome é Oswaldo Setti de Almeida Filho, né, eu sou um paulista do interior, Sorocaba, caipirão, Sorocaba e nasci em 5 de agosto de 52, de uma família simples, tive mais duas irmãs e eu era o caçula, então era o mimado das irmãs, mais de uma família simples que passou muitas dificuldades pra poder ter a sua casa pra morar, então eu sei o que é difícil já desde criança a gente passar por dificuldade, mas foi uma vida alegre, meu pai, minha mãe sempre nos deram carinho, amor. Meu pai também foi uma pessoa de origem simples, foi ferroviário se sentia muito feliz de ter crescido dentro da profissão de ajustador mecânico e isso trouxe também pra mim o sentido do que é trabalhar, o sentido do que é participar em família, então desde pequeno já punha, não tinha a lei do ((risos)), não tinha a lei do estatuto da criança e do adolescente, então 8, 10 anos tá ajudando meu pai a pintar a casa e fazer os trabalhos diários o que pra mim eu senti que foi muito bom isso, desde pequeno tendo essa vivência. Mas com o passar do tempo, eu por ser o único, eu fui o único que conseguiu, o último, fui o único que conseguiu ir para a faculdade. O único que conseguiu estudar mais tempo, minhas irmãs não conseguiram, elas tiveram que já abandonar o estudo pra poder trabalhar e se sustentar. Então hoje eu devo muito, devo muito a elas a compreensão, devo aos meus pais, de ter conseguido ir pra uma faculdade tá certo, uma faculdade federal não pagando, mas mesmo eu sei que eles se sacrificaram para que eu pudesse estar aqui em Uberlândia estudando, depois a vida vai correndo, depois dessa situação né, de dificuldade e estudando, consegui me formar, formei em Uberlândia como engenheiro eletricista, casei, levei uma mineirinha pra São Paulo e moramos 15 anos. Trabalhei durante 15 anos numa multinacional, viajando pelos países da América Latina, países pobres como a Centro América e já começando a sentir um pouco incomodado também com essa pobreza. Carla- Oswaldo é como que você começou a se envolver com as questões sociais? Oswaldo Bom, eu trabalhei durante 15 anos né, numa multinacional, uma empresa em São Paulo, na cidade de Guarulhos, na realidade. E desses 15 anos eu fiquei uma parte boa deles viajando por países da América Latina, países da América Central e países muito pobres e vendo pobrezas até maiores do que as pobrezas que agente via no Brasil. Então já fui me sensibilizando também por estas diferenças sociais, né, mas na época eu ainda não me dava conta do que tava acontecendo comigo. Eu acho que o que fez a grande mudança e o que fez me acordar, foi num momento, que eu morava em Guarulhos, vizinho de uma favela e um dos barracos dessa favela foi destruído pela explosão de um botijão e a família ficou toda desabrigada. Então nós já fazíamos parte de uma comunidade religiosa ao redor, acolhemos Página 1 de 6

2 essa família, então pra casa foram os filhos com a mãe, outra casa recebeu o marido e esse grupo de amigos dessa comunidade decidiu fazer uma casa pra essa pessoa, pra essa família. Então foi a primeira casa que nós construímos, não tínhamos a mínima noção, talvez fosse a semente da Ação Moradia, mas isso lá em Guarulhos. Com o passar do tempo já em 1992, eu decidi vir pra Uberlândia, porque tava muito difícil criar filhos em São Paulo. Então vim pra Uberlândia, abri uma empresa de informática e também nesse momento a Eliana se envolvendo com os trabalhos de... da igreja, como catequista né. Fez a primeira incursão, num bairro pobre de Uberlândia, que era o Dom Almir e nessa visita, os jovens que estavam com ela e ela junto se incomodou com a pobreza existente e passaram a fazer um trabalho de apoio. Apoio para construção de casas, então acho que nesse momento que se criou a Ação Moradia, é nesse momento e eu ainda não estava presente em todo esse processo, então via o processo ao longe, mas a Eliana não deixa ninguém quieto, ninguém sem, sem trabalhar ficando ao lado, já foi me envolvendo no processo, foi me envolvendo também nas primeiras visitas às famílias, lá no Parque das Seringueiras, que já era um deslocamento dos jovens, dos jovens ou melhor deslocamento das famílias que moravam acampadas no Dom Almir, para um loteamento novo e foi nesse processo que nós começamos a ajudar as famílias na forma de apoio à construção e foi nesse apoio à construção que a gente foi vendo muita coisa, foi aprendendo, foi desenvolvendo, mas a grande mudança realmente, que até o ano 2000 nós construímos com métodos convencionais, foi em 2000 na época um vereador Aniceto Ferreira muito motivado com os tijolos ecológicos, nós convidou a visitar um trabalho feito na Prefeitura de Sacramento e lá eles já estavam fazendo o trabalho, inclusive um trabalho premiado né, com os tijolos ecológicos e a partir do momento que nós visitamos, inclusive na época foi uma pessoa muito querida nossa, foi o José Lelis, que já não, já é falecido. A Dona Vilma, fomos visitar o projeto de Sacramento e junto também foi uma arquiteta chamada Karen Nascimento e a partir desse momento houve uma paixão de todo o grupo pela utilização dos tijolos ecológicos, que além da conotação ecológica ele também era um processo que permitia uma inserção social muito forte, muito grande, e nessa época, no ano 2000 mais ou menos, trouxemos a tecnologia para Uberlândia e implementamos na Ação Moradia, mas com muita dificuldade, então o primeiro apoio veio da ONG Moradia e Cidadania, a ONG Moradia e Cidadania aportou recursos pra compra de uma prensa manual, né, e aí fomos iniciando esse trabalho de produção de tijolos, bem pequenos, porém já com bastante vontade e acreditando que é uma tecnologia legal. Mas a grande mudança mesmo né, veio a grande mudança na Ação Moradia e consequentemente na minha vida veio com o apoio da BrazilFoundation, para comprar mais prensas e apoiar a produção de tijolos, foram apenas 10 mil dólares, mas que 10 mil dólares que mudaram eu acho que a vida da Ação Moradia. Eu falo a vida da Ação Moradia e minha vida, porque eu não consigo a partir de um certo, eu acho que mais ou menos a partir de 98, desatrelar a minha vida da vida da Ação Moradia. Eu acabei me envolvendo muito forte no processo, a Eliana também envolvida muito forte no processo, então a minha vida passou a ser Ação Moradia e o meu trabalho, né, onde era o meu ganha pão, começou ficando a ser secundário e voluntariamente dedicar até 80% do meu tempo ao trabalho da Ação Moradia, mas continuamos esse processo de crescimento e a grande mudança na minha vida veio em 2004, quando por indicação da Página 2 de 6

3 BrazilFoundation, por meio da Suzane, Suzane Worcman, fui indicado para fazer parte do processo seletivo de empreendedor social da Ashoka, Ashoka é uma instituição internacional que apoia empreendedores sociais, apoia ideias né, ela apoia pessoas com ideias e a partir de 2004, passei a fazer parte da Rede Ashoka, encontrando muito empreendedores sociais no mundo inteiro e percebendo aí que a ação em prol do benefício da humanidade não é exclusividade de um grupo muito pequeno, tinham muitas pessoas, são milhares de pessoas no mundo, no Brasil e no mundo que fazem essa diferença e passei a acreditar fortemente naquilo que a Ashoka prega que qualquer pessoa, que qualquer um é capaz de mudar o mundo, basta você ter uma ideia e tomar a iniciativa e a gente percebe que muitas pessoas tem vontade de fazer alguma coisa, mudar o mundo, mas fica muito na vontade, com dificuldade de implementar, como eu também passei muitos anos com vontade de fazer alguma coisa, mas sem a coragem de botar o pé na estrada e fazer um trabalho. Porque isso demanda esforço, tempo, dedicação e principalmente, uma coisa que nenhuma instituição fica sem é a perseverança, qualquer instituição que não tiver pessoas perseverantes, ela tende a fracassar, então é um processo, é construção, ninguém constrói uma comunidade, constrói uma ação social se não for com muito trabalho, mais com a graça de Deus e esforço também de muitos amigos, muitas pessoas que passaram a fazer parte também da Ação Moradia ela foi crescendo, foi desenvolvendo, foi conseguindo né, o certificado de utilidade pública municipal, estadual, federal, conseguiu verbas de outras instituições e tudo foi voltado ao trabalho de apoio à comunidade e a minha vida cada vez mais atrelada a essa Ação Moradia, cada vez mais envolvida com esse processo, até que chegamos agora em A Ação Moradia é uma instituição grande e a semente que a gente plantou, ela frutificou, outras pessoas vieram regando, outras pessoas vieram colhendo junto conosco e essa semente se transformou em frutos saudáveis, então a Ação Moradia tem hoje uma trajetória bonita, e, eu acredito também que eu tenha minha trajetória bonita de vida que... Carla- Oswaldo, a metodologia de trabalho da Ação Moradia já foi replicada em algum lugar, em alguma outra instituição? Oswaldo Sim, tivermos algumas replicações né, por exemplo na Lua Nova, é uma... um abrigo pra mulheres, em Sorocaba, foi a primeira replicação muito interessante, eles permanecem até hoje, né, envolvendo as mulheres jovens, mães no processo de construção da casa, eles criaram um empreendimento, uma é escola, né, pra construção. Depois passamos também a replicar a metodologia na Arte Ideias, que é em Vitória do Espírito Santo, também até hoje eles continuam com o processo construtivo dos tijolos envolvendo também um bairro, uma favela, lá no bairro São Benedito e a gente tem a ideia, a pretensão de continuar oferecendo a nossa metodologia, tecnologia pra outras associações, pra outras cidades, principalmente prefeituras pequenas que não tenha a... uma equipe, não tenha uma equipe preparada e capacitada pra implementar projetos sociais né, de um porte maior que exige uma cidade, então acho que por aí nós podemos ajudar bastante, replicando a metodologia e trazendo o que nós adquirimos de conhecimento, de 93 até hoje, disponibilizando para que as prefeituras possam fazer um trabalho social, de desenvolvimento local e sustentável, com Página 3 de 6

4 bastante força além de outras associações de moradores que também queiram partilhar esse conhecimento. Carla- E hoje como que estão as unidades produtivas solidárias, aqui na Ação Moradia? Oswaldo ((risos)) Nós vimos que com bastante otimismo né, a forma como a Ação Moradia implementou a sua tecnologia, implementou a sua metodologia, a gente acredita que o desenvolvimento só acontece quando parte também das bases, quando a comunidade passa a fazer parte do desenvolvimento e criando condições e isso a economia solidária facilita, tá certo? Mas é muito difícil esse processo, por costume nós estamos vivendo uma economia capitalista de muitos e muitos anos, então uma mudança de mentalidade né, pra partilhar o capital, partilhar o bem comum não é muito usual, num sistema de vida nosso brasileiro e mesmo no exterior. Então é um processo, mas a economia solidária é importante porque ela abre os olhos de muitas pessoas de que existe uma alternativa e ninguém vai acabar com a economia capitalista, simplesmente pra implementar uma outra, mas que existem formas que podem caminhar paralelamente com um desenvolvimento mais solidário esquecendo um pouco essa visão patrão/empregado, né, e valorizando não somente o trabalho pelo que é trabalho, mas valorizando a pessoa pelo que ela é. E eu acho que é isso que a gente caminha, o mundo caminha, dentro das perspectivas também das unidades produtivas nós vemos que os tijolos ecológicos eles tem uma visão né, de futuro muito bonita, que a questão ecológica, ela está cada vez mais defendida na sociedade, cada vez mais pessoas tem a consciência que é importante preservar o meio ambiente e o tijolo ecológico principalmente pela origem da matéria prima, que não destrói né, as margens de rios, fundo de vales, como o processo de olaria convencional destrói. É até uma perspectiva de crescimento muito grande e vem crescendo fortemente o uso dos tijolos ecológicos nas construções né, de casas, principalmente de casas de um padrão médio pra padrão elevado, isso abre uma perspectiva boa também para a geração de renda, então a comunidade pode estar contribuindo no processo de melhoria do meio ambiente e também gerando renda e na nossa visão uma... a unidade produtiva tijolos ecológicos ela é um exemplo, ela é uma semente de que se pode construir né, um projeto econômico né, mas com uma visão solidária e social muito forte e é nisso que a gente batalha e vê perspectiva de cada vez mais a comunidade conseguir renda com isso. Carla- E como que você vê a Ação Moradia no futuro? Oswaldo Bom, a Ação Moradia no futuro eu vejo com perspectivas eh... muito grandes, a vida nossa, da Ação Moradia e como a minha é a vida de sonhos, quando a gente faz um projeto pra Ação Moradia ou faz um projeto social, a gente tá colocando sonhos da cabeça no papel e quando um parceiro, um financiador apoia um projeto no papel, ele tá apoiando sonhos de um grupo de pessoas que escreveram seus sonhos e que tentam transformar em realidade e a Ação Moradia vem transformando sonhos em realidade desde 93, então eu vejo que cada vez mais nós não vamos parar de sonhar, a equipe não para de sonhar, a equipe sempre sonha e as demandas também não diminuem, elas mudam as características, a Ação Moradia cresceu de 93 pra agora 2011 muito e continua crescendo, eu não vejo como pode mais parar, porque as demandas não param, elas mudam de características, né, os sonhos Página 4 de 6

5 também não param, então nossos sonhos vão continuar se tornando realidade sim, enquanto nós tivermos pessoas com força de vontade pra implementar esse sonho e eu no meu, na minha particularidade, mesmo já sendo uma pessoa que, me aposentei ano passado, não posso considerar que tenho uma aposentadoria que dá pra viver, mas eu vou estar muito animado em continuar passando informação e criando pessoas que possam assumir a Ação Moradia né, ajudando pessoas a assumir, que nós estamos partindo pra um momento né, e a gente tem que pensar no nosso futuro, não num futuro decrescente, mas num futuro que não tende a ser mais de entusiasmos grandes, de novas batalhas então pra isso a gente vai querer inserir pessoas e temos pra isso jovens, muitas pessoas que ainda tem animo e que tem vontade pra assumir a direção da Ação Moradia. Nós, não vamos nunca abandonar, acho que até morrer a gente não vai abandonar a Ação Moradia, mas já num pano de fundo, numa retaguarda, apoiando pessoas novas que vem, mas a Ação Moradia pela demanda que ela tem e também a equipe que tem, ela não para mais, ela vai cada vez mais tendendo a crescer e a desenvolver atividades cada vez maiores e melhores de apoio a comunidade. Carla- Oswaldo e na sua vida, o quê que... você tem algum sonho ainda pra realizar na sua vida particular? Oswaldo Ah.. eu, a vida é cheia de sonhos sabe, um sonho esse já é mais difícil mas eu sonho muito, né, eu sonho muito que é possível transformar o mundo num mundo melhor, esse sonho eu tenho quase certeza que ele não vai ser realizado ainda na minha vida, mas que eu vou estar contribuindo pra que um dia esse sonho realize, eu vou estar participando dessa construção desse sonho, né, talvez se existir uma forma de você enxergar de lá, daqui 50, 100, 200 anos né, o mundo como é que ele está, talvez eu vá conseguir ver que o sonho, que eu sonho hoje, ele pode se transformar numa realidade, esse mundo tem que ser melhor e ele tem que ser melhor aqui e agora né, até o próprio Mestre nos falou viver a vida em abundância não é sofrer aqui somente pra depois ter um mundo melhor, ele tem que ser bom aqui e agora e eu acredito fortemente nisso, que nós temos a capacidade de destruir o mundo, mas também temos a capacidade de construir um mundo muito bom, muito legal pra a gente viver. Carla- Oswaldo, é como foi participar dessa entrevista? Oswaldo É pra mim foi muito bom, recordar, reviver, né, fazer assim, uma retrospectiva do que eu consegui transformar de sonho em realidade né, e principalmente apoiado por um grupo, que meus sonhos não seriam sonhos realizados se não tivesse um grupo, que não são sonhos individuais, meu sonho é coletivo, e como coletivo eu dependo de amigos, eu dependo de pessoas que venham construir junto esse sonho, então eu vejo que daqui pra frente vou continuar sonhando e que muitas pessoas vão estar do lado ajudando a construir esse sonho, se não comigo, mas pelo menos pegando a semente do sonho e transformando ele na realidade. Carla- Isso aí, Oswaldo muito obrigada, a Ação Moradia só tem a agradecer por você ter compartilhado conosco os seus sonhos, as suas ideias e esse momento. Oswaldo Eu que agradeço mais ainda. Página 5 de 6

6 Carla- Obrigada. Oswaldo Ficou mais curtinha agora ((observação feita porque foi feita uma entrevista anterior que deu problema no áudio, e tivemos que refazer)). Página 6 de 6