ainda ancora o infinito
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- Mirella Arantes
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1 ainda ancora o infinito
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3 Ainda ancora o infinito Roberta Tostes
4 Moinhos, Roberta Tostes Daniel, Edição: Camila Araujo & Nathan Matos Revisão: Ana Kércia Faloneri Diagramação e projeto gráfico: LiteraturaBr Editorial Imagem da capa: Snow Storm: Steam-Boat off a Harbour s Mouth Capa: Sérgio Ricardo Nesta edição, respeitou-se o novo acordo ortográfico da língua portuguesa. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD T716a Tostes, Roberta Ainda ancora o infinito / Roberta Tostes Daniel. Belo Horizonte, MG : Moinhos, p. ; 14cm x 21cm. ISBN: XXX-XX-XXXXX-XX-X 1. Literatura brasileira. 2. Poesia. I. Título CDD CDU (81)-1 Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura brasileira : Poesia Literatura brasileira : Poesia (81)-1 Todos os direitos desta edição reservados à Editora Moinhos editoramoinhos.com.br contato@editoramoinhos.com.br
5 Sumário Ainda 15 Se eu disser 16 Arestas 18 Amor 20 Falar pela boca do poema 21 A boca é uma novena de silêncios 21 Onde a vegetação se rasga 24 Os tímidos, as rosas 25 (No precipício era o verbo) 26 Sim, a música 27 O silêncio que devora a noite 28 O coração, mesmerizado de amores, 29 Num quarto vazio, 30 Aelo 31 Doçura tanta: morre 34 Marítimos 35 Formas do mar 36 Dezembro 37 Anacrônicas 38 Transporte 39 Sabiam morrer juntos, 40 Eclesiastes 3:20 41 Palavras violadas 42 Nem anjos, nem homens 43 Magia 44 Exercícios de fé Dominical 45 Vocação 46 Jó foi feliz de estar sozinho 47 Chegada 48 Buscamos na vida 50 Itinerário poético 51 Como nascem os segredos 52 Resgate 53 Fibrilação 54 Isto que me mata 55 A morte do pássaro profeta 56 Um destinatário que fosse 57 Os que têm fome e sede 58
6 Poesia feita escápula 59 Singradouro 60 Jornada do herói 61 Meta-abismo 62 Para nunca esquecer 63 Uma vida inteira 64 Deeper 65 Já se articula um concerto 66 Encontro a nudez 67 Do tempo, espero 68 Teu peito se curva 70 Fim de mundo 71 O tempo vive 72 Água dura 73 Fugaz 74 Quando nas praias 75 Todas as casas me violaram. 76 Sombra 77 Refração 78 Tripartite 78 Passagem 82 Convite 83 Enquanto canta Joanna Newsom 84 Área de mapeamento 85 Terra lupanária 86 Vago dia 87 Súmula 88 Ver 89 Atrás do olhos 90 Cicios 91 Teu rosto, esta aparição 92 Vigésimo andar 93 Proporção 94 Outro entardecer 95 Lágrima de Ísis 96 Sob o signo da estrela 97 Estrangeiro 98 Crescimento 99 Fôlego 100 Nudez 101
7 Rabisco 102 Salvação 103 Cesura 104 Paisagem de Henri Michaux 106 Sevícia 107 Nem toda resistência é heroica. 108 A tarde morta, o frio. 109 Canto para Artaud 110 Eu não tenho a visão da Baía de Guanabara à minha janela 111
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9 Antiprefácio Âncora e Infinito são imagens que à primeira vista podem parecer paradoxais, o infinito como energia temporal nada tem de fixo, talvez seja uma metamorfose do tempo derivada de movimentos infinitesimais das coisas. O título deste livro ganha os contornos de um enigma e também da evocação de um afeto positivo em relação ao silêncio, certamente é no silêncio ou em seu mar que ancora o infinito. Podemos nos perguntar sempre sobre o pensamento de um poema e não sobre o pensamento por trás de um poema, por trás de um poema estão apenas as coisas e as paisagens, é como se o poema fosse um mecanismo interno da linguagem mais poderoso do que a memória e esticasse suas teias de silêncio em volta da realidade para que ela se convertesse na crisálida de outra realidade mais real. Arrancar palavras indizíveis essa frase do poema Arestas parece afirmar algo sobre o centro dessa poética. Arrancar palavras do indizível que é aqui a matéria do silêncio. É, não ainda, o uivo mas o toar do vento, que emudece o bicho, e faz o amor do homem. Nestes versos do poema Falar pela boca do poema algo começa a se decifrar desse enigma sem esfinge, os bichos são emudecidos pela força do acontecer do mundo e esta mesma força nos conduz aos caminhos da linguagem que tecem um estado amoroso, seria este estado um vórtice do poema do silêncio no mundo? E a esfera do desejo 9
10 aqui se anuncia como a boca do poema e não a do poeta, não como uma cisão mas como uma decisão. A poética de Roberta Tostes Daniel opta pelo silêncio como porto, como topologia de onde o poema pode falar por sua própria boca. O poema seguinte, como que explica esta opção da poeta: A boca é uma novena de silêncios; escala para a morte; oratório de pássaros migrantes, que cantam todas as tardes. Seria esta boca do poema, esta paisagem orgânica que exige uma escuta radical de mudez de bicho, uma novena de silêncios, um oratório de pássaros, aqui temos uma evocação sutil da dimensão epifânica-panteísta. É fácil perceber a tessitura narrativa complementar e sequencial dos poemas do livro, evocando um enorme campo dialógico. Há um poema que materializa este campo de um modo mais nítido do que os outros e o reproduzo aqui: A morte do pássaro profeta (extraído de Salvación, Pizarnik: la muerte del pájaro profeta ) Paz um pássaro invernal que sobrevoa os infernos. Existes como o sol de minha queda. De ouvir falar tua sombra já me alegrava quando esperava, pai. A sutileza de uma conversão do monólogo em diálogo, 10
11 tendo como ponto nomádico, não apenas Alejandra Pizarnik e seu poema devidamente nominados como endereços, mas também um núcleo de comunicabilidades indizíveis, que como em Hilda Hilst convergem para este ponto genesíaco do mundo, o pai, estamos longe da dimensão psicanalítica, desta dimensão que cresce cada vez mais em nosso tempo e parece engolir todas as comunicabilidades e atravessamentos. De um modo necessário e ao mesmo tempo magnetizante, os poemas de Roberta fogem e o que temos aqui denominado como pai é irreversivelmente: o mundo e mãe é a incancelável e incontornável natureza, fonte de densas e fortes poéticas, como a que atravessa este livro. Marcelo Ariel 11
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13 Dedico estas palavras à impossibilidade de achar uma palavra igual ao silêncio dentro de mim. Paul Auster Quando encontro neste meu silêncio uma palavra ela está cavada em minha vida como um abismo Giuseppe Ungaretti
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15 Ainda No silêncio: compasso de solidão. Depois que a música (me) acaba, fazer o sem-lugar onde desvio linguagem e desejo. Fremir de ondas entre mim e canção, escrever as pausas de outra: mais sutil, de sombra. O que eu não toco: pertença minha (toda escuta, posse). Onde não sou e não tenho; até que ouço, simplesmente. Presa por vontade de escutar o que é livre: o inalcançável movimento do mar o chamado: palavras instigando ondas. Ouvir o tempo insondável no mesmo silêncio de corredores e sótãos. Menina, lia. Escutava Quintana onde todas as canções comandam a nau apinhada de meninos mortos. Terrível-suave. E virgem. O silêncio virgem. Ocupá-lo com desejo e memória, violentá-lo. Se tento calar, bebo o tempo: nau frágil. Um ponto afogado e luminoso da escada, perto do peito: o porão do prédio. Sou eu, um barco ainda ouvindo em segredo. Degredada em sombra. 15
16 Um buraco de luz; deixada pela canção e pelas brechas nos tijolos. Abri a porta para o vazio. Veio a rebentação. Nem perto o mar. Os vizinhos não sabem; suas casas quando acendem; luzes me arrebentam faróis no peito. As cortinas me abrem. Não saí do quarto. Tudo veio à voz, depois da voz, minha voz sibilante. O corredor ainda grande. Meu sem-lugar: linha do tempo. Tento uma ausência. Tudo lembrando. Imagens correm, três delas, ardendo. O novo. Arrebenta o novo. Oscilações de novo. Até mesmo no fogo. Tudo são águas. É um estar-se preso, realmente (como no amor). Quem ouve o silêncio, sem fim, devorando quem canta, move o sagrado, morre em mim. Não só leveza. Todo instante é um corte, toda delicadeza funda o sal na voz e um corte sempre fala ao dentro. Arde o vigoroso. A carne não é rente; requentada no sangue, vem antes (na alma do que não fomos). Nos afogamos. A palavra, aprende: vai fracassar. Como a música, seu fim. Um tempo de mortes, no sempre. Mas não enquanto: o canto. 16
17 Se eu disser E se eu disser praia, Belo Horizonte me atravessa. Mar ou montanha? Rio, paisagem que abraça os lados. Montanha: a leste, o mar. Descaminhos possíveis. Destino nas veias, viadutos de São Paulo que ainda hei de habitar. Arfante, sudoendo. Gravada entre azul, verde, cinza. Dúbia, finita. Plano aberto. 17
18 Arestas Arrancar palavras indizíveis: os segredos têm arestas. Fluido como o tempo, o sangue nas mãos. Tenta correr com a pedra, segurar infância. Marcada, pisar a pedra cheia de musgo. Atirá-la aos peixes, predadores. Amar, amar a pedra. Testemunhar estigmas. O predador, vulnerável e louco, duas vezes pai, sangra. A órfã em sua busca de um pai já vasto e morto, como um impensado horizonte, lança (a pedra). Duro toque no corpo de uma criança invólucro 18
19 dos sonhos morrer. Então, dormir. Talvez, nascer. Já velha. Repisar areias. Marchar sobre conchas. Estrangular pérolas. Reescrever praias vermelhas que a maresia leva. Ou lava no fim do dia. 19
20 Amor minha arma favorita Maiakovski Eram ossos tocando palavras na carne, talvez as mãos fraturadas do amor. Rondas de esqueletos executando artérias na enlouquecida anatomia. Coração de múmias russas desnudando-se entre as vértebras de um poema. 20
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