Efeito de borda na produção de frutos de Mollinedia schottiana (Sprengel) Perkins (Monimiaceae) L.F. Alberti a, S.B. Correa b L.A.
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1 Efeito de borda na produção de frutos de Mollinedia schottiana (Sprengel) Perkins (Monimiaceae) L.F. Alberti a, S.B. Correa b L.A. Sanches c, a Instituto de Biociências, Departamento de Botânica, Universidade Estadual Paulista, Av. 24-A, Bela Vista, Rio Claro, SP, CEP , Rio Claro (SP), Brasil. b Zoology Departament, University Of Florida Bartram Hall, 223. Gainesville, 32611, FL., USA. c SESC Interlagos, Av. Manoel Alves Soares, 1100, Interlagos, S. Paulo (SP). Resumo Uma das principais conseqüências da fragmentação florestal é a criação de bordas antrópicas. O entendimento da influência destas bordas na atividade reprodutiva vegetal é muito importante na elaboração de estratégias de preservação e recuperação de fragmentos florestais. Desta forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar a influência de uma borda antrópica na produção de frutos de Mollinedia schottiana (Sprengel) Perkins (Capixim, Monimiaceae) em floresta atlântica de planície localizada no parque estadual da Ilha do Cardoso-SP (48 05' W e 25 18' S). A abundância de frutos foi estimada em 42 indivíduos (20 na borda e 22 no interior da floresta). Os resultados não apontaram diferença significativa na produção de frutos na borda em comparação com o interior da floresta. Isto se deve, principalmente a uniformidade de condições estruturais e de luminosidade em ambos os ambientes, bem como o sistema reprodutivo da espécie (dioicia), a qual promove interações que dependem da distância entre indivíduos do mesmo e de diferentes sexos, sendo que a segunda não foi abordada no presente estudo. Keywords: floresta atlântica, fenologia, efeito de borda, Mollinedia schottiana 1. Introdução O processo de fragmentação florestal tem reduzido grandes áreas de florestas naturais a pequenas ilhas de vegetação (Whitmore, 1997). Seguindo esta tendência, o estado de São Paulo, no Brasil, possui apenas 5 % de sua cobertura constituída de florestas (Borém & Oliveira-Filho, 2002). Conhecer os processos que decorrem da fragmentação de habitats, como, por exemplo, a criação de bordas é fundamental para a elaboração de estratégias de recuperação de fragmentos florestais através da avaliação de habitats remanescentes favoráveis e fornecendo subsídios para o desenho de reservas (Restrepo et al. 1999) e medidas preventivas que evitem a extinção de espécies (Aguilar & Galetto, 2004). A variação temporal e espacial dos recursos é muito importante para os frugívoros, os quais tendem a procurar recursos onde estes estão em maior abundância (e.g. floresta secundarias, bordas e clareiras, Levey, 1988, mas veja Restrepo et al., 1999 e Galleti et al., 2003). Os estudos sobre bordas têm testado a influência das mesmas na diversidade (Ranney et al., 1981), recrutamento (Benitez-Malvido, 1998) e sucesso reprodutivo de espécies animais e vegetais (Aldrich & Hamrick, 1998; Fuchs et al., 2001; Gross 2001; Rocha & Aguilar, 2001). Os trabalhos supracitados têm alimentado discussões (Murcia, 1996) sobre a extensão dos efeitos de borda, os quais costumam variar
2 conforme a área (Galetti et al., 2003), grau de distúrbio da floresta (Cadenasso & Pickett, 2001) e idade e distância da borda (Restrepo et al., 1999). Na fenologia, o efeito de borda varia conforme a estação do ano (Restrepo et al., 1999) e forma de vida estudada (Ramirez, 2002). Embora os efeitos da fragmentação na fenologia reprodutiva sejam considerados de suma importância (Murcia, 1996), ainda existe uma carência de trabalhos sobre o efeito de borda nas fenofases reprodutivas de vegetais. Desta forma, o presente estudo visa contribuir para o conhecimento dos efeitos de borda na produção de frutos de Mollinedia schottiana. Espera-se que a atividade reprodutiva seja estimulada em árvores localizadas na borda (Restrepo et al., 1999; Dick, 2001; Laurance et al. 2003). 2. Metodologia O presente estudo foi realizado no parque estadual da Ilha do Cardoso, município de Cananéia (48 05' W e 25 18' S) localizado no extremo Sul do estado de São Paulo, Brasil. A região estudada possui clima do tipo Cfa mesotérmico superúmido (Melo, 2000). A temperatura média anual é de 21,3 C e a precipitação média anual está em torno de 2200 mm (Morais et al. 1999). Nos locais de estudo predominam latossolos vermelho-amarelos. A vegetação pertence à Floresta Pluvial Tropical Atlântica de planície (FPTAP), a qual é muito rica em espécies arbóreas (Melo & Mantovani, 1994). Os trabalhos concentraram-se em duas trilhas (ambientes), a primeira paralela à estrada principal da ilha (Transcardoso, borda) e a outra seguindo um curso de um riacho paralelo à primeira (interior da floresta). Foram amostrados 42 indivíduos de M. schottiana (22 no interior e 20 na borda). Em cada indivíduo amostrado foi contado o número de frutos (pelos três autores) e feita a média aritmética. Também foram medidos: diâmetro a altura do peito (dap), altura (estimada com auxilio de uma régua de 2m), percentagem de abertura do dossel (utilizando um densiômetro plano) e distância entre indivíduos de M. schottiana (variáveis estruturais). A existência ou não de diferença na produção entre borda e interior (ambientes) foi testada através de análise de covariância utilizando a raiz quadrada do numero de frutos e Log (10) do dap. O dap foi incluído como covariante, pois apresentou correlação com a produção de frutos (R² ajustado = 0,30, F (1,40) = 18,8 p<,00009). O contrário aconteceu com a altura e abertura do dossel, que foram omitidas desta análise. A influência de variáveis estruturais da floresta na produção de frutos foi testada utilizando análise dos componentes principais (PCA). O objetivo da análise de PCA foi verificar se os indivíduos de interior e borda estavam orientados ou separados em grupos devido a ação das variáveis estruturais, ou seja, as variáveis estruturais influem na produção de frutos? As variáveis estruturais foram comparadas no interior e borda utilizando o teste U de Mann- Whitney. O objetivo desta análise foi evidenciar diferenças estruturais que podem implicar em
3 diferença na produção de frutos. As análises estatísticas foram feitas utilizando o pacote Statistica 6.1 e PC-ORD (McCune & Mefford, 1999). 3. Resultados Embora maior na borda (59,5±71,7 frutos, n=20), a produção de frutos de M. schottiana não foi significativamente diferente entre esta e o interior da floresta (54,9±77,3 frutos, n=22, Figura 1a, Tabela 1). Os parâmetros estruturais da floresta não agruparam os indivíduos em borda e interior (Figura 1b). Na análise de PCA, os dois primeiros eixos representam 71,14% da variância da distribuição dos indivíduos de M. schottiana. O primeiro eixo (39,81% da variância) possui correlação negativa com a altura e dap. O segundo eixo (33,3% da variância) possui correlação positiva com altura, dap e cobertura do dossel dos indivíduos da referida espécie (Tabela 2, Figura 1b). Nenhuma das variaveis estruturais da floresta diferiu entre interior e borda (M-W U = 159, p<0,12, para altura, 178,5, p<0,29 para distância entre indivíduos, 172,5, p<0,23 para dap e 173, p<0,23, para abertura do dossel). Tabela 1. Análise de covariância para o número de frutos em M. schottiana no interior (n=22) e borda (n=20) de uma floresta de planície na Ilha do Cardoso, São Paulo, Brasil. Soma de Quadrados Quadrado médio gl F P Ambiente 22,81 22,81 1 1,77 0,19 Erro 503,30 12,90 39 a Interior Mean+SD Mean-SD Mean Outliers Extremes Outliers Extremes Borda Distância Cobertura do Dosel b Axis 2 Axis 1 Hab itat I nte rio r B o rd e Altura, Dap Figura 1a- Número médio de frutos em M. schottiana no interior (n=22) e borda (n=20) da floresta de planície na Ilha do Cardoso, São Paulo, Brasil. Figura 1b- Distribuição espacial de 42 indivíduos de Mollinedia schottiana no interior (n=22) e borda (n=20) da floresta de planície na Ilha do Cardoso, São Paulo, Brasil. Legenda: indivíduos do interior indivíduos da borda. As flechas representam a direção da correlação das variáveis com os dois primeiros eixos da ordenação.
4 Tabela 2. Análise de componentes principais (PCA) para 4 variáveis estruturais para M. schottiana no interior (n=22) e borda (n=20) de uma floresta de planície na Ilha do Cardoso, São Paulo, Brasil. 4. Discussão Eixo 1 Eixo 2 Eigenvalor 1,59 1,25 Porcentagem da variância explicada 39,81 31,33 Correlações com os eixos estruturais Variáveis estruturais Altura (m) -0,75 0,58 Distância ao vizinho mais próximo (m) 0,04-0,7 Cobertura do dossel (%) -0,10 0,69 Dap (cm) -0,84 0,41 As espécies do gênero Mollinedia são dióicas (Renner & Riecklyfs, 1995), consumidas por aves, morcegos e macacos (Santos & Peixoto, 2001). Florestas secundárias, clareiras, e bordas são ambientes que recebem maior incidência de luz (Murcia, 1995), promovendo diferentes respostas fisiológicas nas plantas e, conseqüentemente, interferindo na sua fenologia (Kato & Hiura, 1999; Laurance et al., 2003). A maioria dos estudos concorda que a borda atua favorecendo a quantidade de flores e frutos produzidos (Blake & Hoppes, 1986; Levey, 1988; Aldrich & Hamrick, 1998; Restrepo et al., 1999 Dick, 2001). Mas veja Aguilar & Galetto, 2004; Restrepo & Vargas, 1999 e Rocha & Aguilar, 2001 que observaram oferta de recursos inalterada na borda (Fuchs et al., Pachira quinata). Os estudos supracitados apontam a limitação de polinizadores como sendo a causa do insucesso reprodutivo na borda ou pequenos fragmentos. Alberti (dados não publicados) encontrou diferença significativa entre interior da floresta e borda na produção de frutos de Myrocarpus frondosus (Fabaceae, anemocórica, hermafrodita, Xint.= 11,9 frutos para cada 0,5 m 3 de copa e Xbord.= 27,12/0,5 m 3 ) e Parapiptadenia rigida (Mimosaceae, anemocórica, hermafrodita, Xint.= 2,7% da copa com frutos e Xbord.= 12%, Alberti, 2003). Em Gymnanthes concolor (Euphorbiaceae, autocórica, monóica, Xint.2002= 0,37 frutos por 0,25 m 3, Xbord.2002= 0,75/0,25 m 3, Xint.2003= 0,60/0,25 m 3 e Xbord.2003= 2,12/0,25 m 3 ), não correram diferenças significativas (Teste U de Mann-Whitney, Alberti, dados não publicados), o mesmo ocorrendo para Nectandra megapotamica (Lauraceae, zoocórica, monóica, Xint= 26,4 frutos por 25 m 2 de copa e Xborda= 50,6/25 m 2 ). Em M. schottiana as médias de produção são muito semelhantes, sendo que do conjunto de espécies analisadas, é a espécie que possui as medias mais parecidas entre interior e borda. Este resultado suscita a dúvida: espécies dióicas possuiriam menor resposta em comparação às espécies monóicas em relação ao efeito de borda? House (1992) estudando a densidade populacional e produção de frutos de três espécies dióicas em floresta tropical Australiana verificou que indivíduos masculinos produzem mais flores e indivíduos femininos distantes de indivíduos masculinos produzem poucos frutos. A duração da floração possui
5 importância na quantidade futura de frutos produzidos: espécies com florações longas tendem a produzir mais frutos em relação a aquelas de floração curta. Como as variáveis supracitadas não foram medidas no presente estudo, podem ser fonte de variância não explicada, devendo ser consideradas em estudos futuros com Mollinedia spp. Os resultados do PCA sugerem que distribuição dos indivíduos de M. schottiana no interior e borda da floresta não possui relação com as variáveis estruturais (Figura 1b). Uma explicação possível é que as variáveis estruturais medidas não são suficientemente diferentes entre interior e borda da floresta. De fato quando foi efetuado o teste de média de Mann-Witney com as variáveis estruturais comparando interior e borda, não foi evidenciada qualquer diferença significativa nas médias. No presente estudo, a abertura do dossel não diferiu significativamente entre interior e borda. Isto se deve em parte pelo tipo de aparelho utilizado na medição: um densiômetro plano, o qual capta melhor o espectro luminoso sobre o dossel em relação à luz lateral. Com a devida ressalva em relação ao densiômetro, se pode sugerir que se a produção depende da abertura do dossel (Kato & Hiura, 1999), então é esperado que aberturas semelhantes de dossel no interior e borda apresentem produção semelhante de frutos. O fato de alguns indivíduos amostrados no interior estarem perto de um pequeno córrego poderia adicionar um fator de erro na separação de habitats, nestes locais é comum a menor densidade de árvores e maior abertura de dossel (Bianchini et al., 2001). Este efeito se dissolveria com o tempo depois que os indivíduos se aclimatassem com as condições presentes (Levey, 1988). 5. Conclusão Os resultados do presente estudo demonstram que um aspecto importante da atividade reprodutiva (female fitness) não foi significativamente alterado pelo efeito de borda. Ramirez (2002) sugere que a fenologia de um determinado habitat depende das formas e vida que nele habitam. A borda neste caso seria um ambiente favorável às espécies que regeneram em clareiras, as quais possuem histórias de vida diferentes das espécies do interior da mata, possuindo padrões fenológicos distintos e potencialidade para produzir maior quantidade de frutos. Os resultados do efeito de borda irão causar modificações nos padrões de recrutamento e estes serão influenciados em muito pela capacidade de regeneração da espécie. Se a espécie possui facilidade de estabelecimento em áreas abertas (não parece ser o caso de M. schottiana), então a fragmentação e os efeitos de borda poderão beneficiar tal grupo. 6. Referências bibliográficas Aguilar, R., Galleto, L Effects of forest fragmentation on male and female reproductive success in Cestrum parqui (Solanaceae). Oecologia 138: Alberti, L. F Fenologia comparativa de Parapiptadenia rigida Benth. Brenan em Santa Maria, RS. In: Congresso Florestal Estadual, 9, Nova Prata. Congresso Florestal Estadual, 9, Santa Maria: UFSM. (CD ROM)
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