ESTRATÉGIAS DE CONTROLE NA PRODUÇÃO CAPITALISTA: considerações teóricas
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1 1 ESTRATÉGIAS DE CONTROLE NA PRODUÇÃO CAPITALISTA: considerações teóricas Reivan Marinho de Souza Carneiro RESUMO Este texto aborda as estratégias de controle do capital sobre o trabalho na produção capitalista, desde as formas iniciais (cooperação, manufatura e grande industria) até as formas históricas contemporâneas (taylorismofordismo e toyotismo). Pretende-se, portanto, explicitar as diferenças e similitudes entre as diversas estratégias de controle e, de que modo mantém e renovam a subordinação do trabalho ao capital. Palavras-chave: controle, gestão, produção capitalista, mundo do trabalho. ABSTRACT This text approaches the control strategies of the capital over the work in the capitalist production, from the inicial forms(cooperation, manufactory and greaty industry) until the contamporary historical forms(taylorism-fordism and toyotism). We intend, therefore, to bring forward the differences and similities among the several control forms and to show the way they keep e renew the working subornation to the capital. Keywords: control, management, capitalistic production, word of work. 1 INTRODUÇÃO Este texto resulta de estudos referentes ao objeto de pesquisa no doutorado. Em particular, trata das formas de gestão e controle que se constituíram a partir do momento em que o trabalhador é usado como integrante de um organismo ativo que aumenta a sua capacidade produtiva pelo caráter coletivo e coordenado do trabalho cooperação, manufatura e grande indústria - até as formas históricas da produção capitalista contemporânea do taylorismo-fordismo à produção flexível no sentido de verificar como se expressa o controle do capital sobre o trabalho ao longo do desenvolvimento das suas potências sociais. O resgate dos métodos de produção mencionados se faz necessário como referência histórica e teórica para evidenciar as formas de controle que, de modo diverso, exerceram a subordinação do trabalho ao capital. Contudo, não há pretensão de fazer uma descrição minuciosa dos processos de produção, acima referidos, o objetivo é situar e Assistente social, mestre em Serviço Social, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
2 2 distinguir as estratégias de controle em cada uma delas, tendo em vista apreender os elementos fundamentais que podem contribuir para explicitar como elas mantém e renovam a subordinação do trabalho ao capital. Ao tratar do controle do trabalho estamos nos referindo a determinação imanente à lógica reprodutiva do capital, traduzido na forma específica da produção capitalista. O termo controle tanto remete às expressões objetivas quanto subjetivas de domínio do capital sobre o trabalho. Ou seja, o controle refere-se às formas de subordinação formal e real do trabalho ao capital, que se distinguem das formas de controle subjetivas que se traduziram no domínio religioso e nas formas de servidão, sem o traço eminentemente econômico característico das formas de controle no capitalismo. O controle sobre o processo de trabalho implica formas de disciplinamento da força de trabalho, de fragmentação do saber operário e de desqualificação profissional. Estas implicações atingem materialmente as condições da produção capitalista, da reprodução da força de trabalho e, subjetivamente, as relações que resultam do processo de trabalho. No desenvolvimento deste trabalho, serão abordadas as formas de controle que se constituíram desde o início das modificações nas condições objetivas do processo de trabalho na produção capitalista verificadas na cooperação, na manufatura até a grande indústria, quando então as condições de trabalho se autonomizam em relação ao trabalhador, consolidando a divisão social e técnica do trabalho. Será ainda tratada a diversidade e as metamorfoses das estratégias de gestão e controle capitalista nos processos de produção contemporâneos - taylorista-fordista até a produção flexível, que, de modo complexo, modernizam as formas de subordinação do trabalho ao capital. 2 CONTROLE DO CAPITAL SOBRE O TRABALHO NOS PROCESSOS DE PRODUÇÃO CAPITALISTA É a partir da cooperação, organização do trabalho de forma coletiva e combinada, que se constitui uma força produtiva que funda a produção capitalista. A organização simultânea de um número de trabalhadores assalariados livres sob o comando de um mesmo capital constitui a primeira manifestação que o processo de trabalho experimenta. A forma planejada de realizar trabalho cooperado produz, ao mesmo tempo, mudanças objetivas aumento do número de mercadorias, diminuição do trabalho socialmente necessário, autonomização das condições de trabalho em relação ao trabalhador, economia no uso dos meios de trabalho decorrente do consumo coletivo e muitos trabalhadores, e mudanças subjetivas como o reconhecimento do trabalhador de sua capacidade coletiva e, simultaneamente, o fenômeno da alienação do trabalho.
3 3 Na cooperação e na manufatura objetivam-se formas de controle que elevam a continuidade do trabalho, desenvolvem as variações da capacidade de trabalho e a relação entre proprietário dos meios de produção e operário a uma mera relação monetária. Alterase a relação de superioridade e subordinação que, de traço servil, patriarcal tornou-se de natureza material, econômica e, ao mesmo tempo, livre/ voluntária dada a venda da força de trabalho como mercadoria ao capital. Apreende-se que no período em que se manteve historicamente a cooperação e a manufatura objetivam-se estratégias de controle coercitivas que traduzem a subsunção formal do trabalho capital. Ou seja, estratégias que atuam sobre objetos específicos uma incipiente divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, a introdução de supervisores na produção, a manutenção da habilidade artesanal centrada na virtuosidade, a fragmentação do saber operário, a preservação do trabalhador individual e parcial que ainda tem domínio sobre o processo de trabalho. Entretanto, uma das obras mais completas do capitalismo as máquinas proporcionaram a superação da atividade artesanal como princípio regulador da produção social. Assim, por um lado é removido o motivo técnico de anexação do trabalhador a uma função parcial, por toda a vida. Por outro, caem as barreiras que o mesmo princípio impunha ao domínio do capital (MARX, 1988, p.276). De modo distinto, na grande indústria o capital torna-se a forma genérica de organização e expansão da produção social. Há continuidade de determinados aspectos do controle do capital presentes na manufatura, todavia são identificadas modificações substanciais que atingem tanto o processo de trabalho quanto a produção social. Ocorre a subsunção real do trabalho ao capital, ou seja, o trabalho torna-se integralmente subsumido às exigências da produção capitalista produção de mais-valia como um fim em si mesma. O controle se objetiva de forma estritamente coercitiva pela transformação da condição técnica e subjetiva do trabalho. O trabalhador torna-se um mero objeto de extração de mais trabalho através do uso intensivo da maquinaria e pela elevação da intensidade da jornada de trabalho. A introdução da maquinaria como instrumento de trabalho permite a diminuição dos poros da produção, o barateamento das mercadorias e a utilização do trabalho feminino e infantil como meio de extração de mais-valia relativa. Este é o fundamento que explica a radical transformação no modo capitalista de produção no final do século XVIII. A maquinaria constitui o órgão específico que centraliza a realização do trabalho coletivo combinado, diferentemente do princípio subjetivo da divisão do trabalho na manufatura. Consolida-se, nesse período, o desempenho da atividade produtiva em função da valorização do valor, deixando evidente o caráter econômico das formas de controle traduzidas na disciplina rígida do trabalho, na habilidade do trabalhador reduzida a uma atividade repetitiva, alheia e acessória da máquina, na cobrança de penas pecuniárias do trabalhador resistente às normas fabris, na destituição do domínio do trabalhador sobre os
4 4 instrumentos e dos conhecimentos mais gerais do processo produtivo e na emergência de trabalhadores intelectuais responsáveis pela vigilância dos que operam diretamente a produção. Consolida-se a clássica divisão social e técnica do trabalho, a fragmentação do saber operário e conforma-se a ampliação da produtividade e da acumulação capitalista pela exploração intensiva da força de trabalho (mais-valia relativa). As grandes mudanças na produção capitalista, no início do século XX, exigiram novos mecanismos de controle da força de trabalho. Identificou-se no período de vigência do taylorismo a construção de uma teoria sobre gerência científica que visava aplicar os métodos científicos aos problemas de controle da força de trabalho em organizações. Surge então a administração científica para exercer o controle dos tempos e movimentos do trabalho das atividades mais simples às mais complexas, tendo em vista alcançar a eficiência e evitar a morosidade sistemática dos trabalhadores na produção. A gerência passa a deter o domínio das decisões sobre a produção e sobre o processo de trabalho e, ainda, moderniza a divisão social do trabalho, colocando de um lado os trabalhadores da produção e, do outro os supervisores, os engenheiros, os administradores que planejam e detém o domínio intelectual do processo produtivo. Mais adiante, em meados do século XX, identificou-se na investigação das estratégias de controle nos processos de produção contemporâneos a vigência do fordismo. A objetivação das proposições fordistas não se diferencia substantivamente das propostas tayloristas. A distinção entre ambos é que, nos anos 30/40, exigem-se estratégias de controle de traço mais ideológico. Nesse momento, uma produção em larga escala gerava um consumo em massa, deste modo, um novo sistema de reprodução da força de trabalho e uma nova política de gestão e controle. O planejamento em larga escala no fordismo implicou nova racionalidade do processo de trabalho para garantir uma eficiência na produção que respondesse a crise do capitalismo no pós-guerra. Inaugura-se um sistema de controle e de reprodução da força de trabalho que, além de permitir uma renda satisfatória e ampliar o consumo dos produtos em massa, ampliou o controle sobre a vida do indivíduo no que se refere às questões familiares, à probidade moral e à sexualidade. Enfim, propõe-se um novo padrão de conduta do trabalhador que articula os novos métodos de trabalho [...] ligados a determinado modo de viver, de pensar e sentir a vida, [posto que] não é possível obter êxito num campo sem obter resultados tangíveis no outro. (GRAMSCI, 1988, p. 396) Apreende-se teoricamente que as formas de controle traduziram-se num controle mais rígido do processo produtivo, na constituição de sujeitos mais submissos às regras de consumo, à probidade moral, ao lazer orientado e a aceitação de que a expansão da produtividade capitalista era compatível com as necessidades individuais e sociais da classe trabalhadora. Coerção e consenso articulam-se formando uma unidade no processo de produzir e reproduzir o capitalismo. Esta articulação torna evidente no projeto fordista a
5 5 importância que a subjetividade, a política e a ideologia exercem na reprodução da vida material. A exploração do trabalho vai tornando-se mais complexa e menos acessível à desmistificação pela classe trabalhadora. Apesar do fordismo ter como referência as proposições de Taylor, não se pode entendê-lo como mera ampliação dos princípios da administração científica, mas como uma proposta diferenciada de controle que garante uma certa hegemonia para a gerência científica comandada pelo capital. Contudo, com a crise de acumulação capitalista, nos anos 70, ensaia-se tanto em termos produtivos como organizacionais o redirecionamento do controle do capital na sociedade. É pela assimilação dos princípios centrais do modelo japonês que se redireciona a organização da atividade produtiva. A introdução do modelo japonês na fase da produção flexível não implicou necessariamente a supressão dos princípios da organização do trabalho de base fordista. Embora os princípios do taylorismo-fordismo e as concepções do modelo japonês sejam diferentes, Hirata demonstra numa pesquisa que envolve países de três continentes distintos que as técnicas tayloristas e os Programas de Controle de Qualidade não são exclusivos, podem coexistir e até mesmo ser complementares (HIRATA, 2002, p.40). Supõe-se com esta afirmação que o fordismo não foi superado para que as técnicas do modelo de gestão japonês fossem implementadas; as duas formas convivem, em determinadas experiências, de forma complementar e desigual. Há, nesse sentido, contradições que revelam que a absorção de um novo modo de organização do trabalho não implica, necessariamente, negar as bases da produção que o antecederam. A realidade social e as contingências em que se deu a objetivação de um dado modelo de produção é que determinará a introdução de uma nova concepção de organização do trabalho. É após um longo período de crescimento econômico mundial, que se identificam na contemporaneidade os traços mais contundentes de uma crise estrutural do capital. Esta crise traduz a queda tendencial da taxa de lucro, o insuficiente atendimento das necessidades sociais básicas da maior parte das populações no mundo, a precarização e flexibilização das relações de trabalho, a emergência do desemprego estrutural e na hipertrofia do mercado financeiro. A proporção desta crise revela-se, ainda de modo específico, no desgaste do padrão taylorista-fordista de produção e na desestruturação do Welfare State. Torna-se evidente a incapacidade das forças econômicas-sociais de controlar, através do fordismo e das políticas keynesianas, as contradições inerentes ao desenvolvimento capitalista. Este é o ambiente onde se constituem novas estratégias de controle da força de trabalho. O modelo japonês exige alterações nas relações de produção na medida em que implica cooperação entre capital, gerências e empregados. A dinâmica do novo paradigma busca a flexibilidade das linhas de produção, utilizando, de forma combinada, novos meios de trabalho que introduzem os conhecimentos inovadores oriundos da informática e da
6 6 eletrônica, adequando-os à instabilidade dos mercados. Apesar da finalidade de ampliar os ganhos de produtividade em empresa e conter a crise do capital em evidência no mundo contemporâneo, o modelo japonês denominado de toyotismo ou ohismo, traduz uma série de técnicas organizacionais no processo produtivo, uma nova gestão empresarial e novas relações de trabalho. Desenham-se com este modelo novas estratégias de subordinação do trabalho, as quais têm na subjetividade a centralidade da intervenção do capital. Estas estratégias se expressam nos programas de Gestão Participativa (Círculos de Controle da Qualidade e Programas de Controle da qualidade Total) em que os trabalhadores, diretamente ou representados por delegação, são capacitados a interferir na gestão da empresa; são estimulados a tornarem-se líderes cujo objetivo é reduzir os conflitos fabris e o desinteresse dos operários pelo trabalho, inovando em termos de mais responsabilidades, mais participação e novos espaços para desenvolver a criatividade do trabalhador. Atua-se no sentido de formar novas subjetividades mais flexíveis às mudanças no mercado. Inova-se em termos de uma nova cultura do trabalho que potencialize a subjetividade dos trabalhadores por novas formas de consentimento. O controle assumiu uma nova dimensão, as concepções de consenso, autocontrole e comprometimento presidem o cerne dos novos princípios gerenciais. Há nestes programas uma ênfase no indivíduo, na pessoa e nos valores de auto-renovação, de criatividade e de polivalência. Procura-se produzir um novo homem que encontre na sua individualidade a razão de ser da sociedade. O desafio que se coloca à sociedade é ideológico; deve-se investir na capacitação de trabalhadores para que assimilem e transmitam as novas mudanças gerenciais e tecnológicas. Com o toyotismo o consenso entre capital e trabalho não mais se estabelece através dos pactos fordistas que tinham nos incentivos salariais e na garantia dos direitos sociais e trabalhistas a sua centralidade. O consenso vai sendo gestado no espaço fabril através de uma cultura de qualidade que tem no envolvimento e na cooperação do trabalhador sua base de sustentação (DRUCK, 1999, p.126). O consenso vai se estabelecendo pela crescente universalização da ideologia do capital através destes novos programas de gestão empresarial pela sua disseminação nas diversas esferas da vida social. Sabe-se, que se mantém e se renova a subordinação do trabalho ao capital, mas, no entanto o capital vai tornando cada vez mais subjetiva às necessidades objetivas de sua reprodução. Por isso, que o investimento nos elementos ideológicos, culturais é o centro da nova gestão empresarial. A disseminação dessa nova gestão do trabalho é direcionada às necessidades de reprodução do trabalho abstrato, ampliando por sua vez a intensificação da exploração do trabalho e, tornando menos acessível para o trabalho a possibilidade de desmistificação das contradições que regem a relação capital.
7 7 3 CONCLUSÃO Portanto, embora aceitemos a tese de que o controle se objetiva em função da necessidade do capital de manter a subordinação do trabalho pela extração do sobre trabalho e, que esta natureza do controle coercitiva não poderá ser suprimida enquanto for mantida a ordem capitalista, admitimos que as estratégias de controle podem adquirir feições diferenciadas historicamente. Ora podem manifestar apenas traços coercitivos (grande indústria), ora traços consensuais e coercitivos (fordismo) e ora aparentemente traços consensuais (toyotismo). Aprende-se ainda que as estratégias de controle não se constituem pela necessidade de emancipação humana em que os produtores associados deteriam o controle da produção bem como de sua própria vida. Elas se referem ao domínio do capital sobre as relações de produção e reprodução social para manter a continuidade da lei geral da acumulação capitalista pela exploração e alienação do trabalho. REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, [199?]. CATANNI, Antônio D. Gestão Participativa. In:. (org.) Trabalho e Tecnologia: Dicionário Crítico. Petrópolis (RJ): Vozes, DRUCK, Maria da Graça. Terceirização: (des) fordizando a fábrica: um estudo do complexo petroquímico. São Paulo: Boitempo; Salvador: EDUFBA;1999. GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo,1999. GRAMSCI, Antônio. Americanismo e Fordismo (Parte VI). In:.Maquiavel, a política e o estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, HIRATA, Helena. Divisão Internacional do Trabalho e Taylorismo: Brasil, Japão e França. In:. Nova Divisão sexual do trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a sociedade. São Paulo: Boitempo, 2002.
8 8 MARX, Karl. O Capital: crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, v. 1, t. 1 e 2. (Os Economistas).
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