AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA: BUSCANDO COMPREENDER CRIANÇAS COM QUEIXA DE DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM
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- Adelina Quintão Pinho
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1 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA: BUSCANDO COMPREENDER CRIANÇAS COM QUEIXA DE DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM Márcia Sandeville Mancine Silvana Aparecida de Lucca Sob a orientação da Professora Mestra Betânia Alves Veiga Dell Agli Banca examinadora: Ellika Trindade Valdete Maria Ruiz
2 i AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA: BUSCANDO COMPREENDER CRIANÇAS COM QUEIXA DE DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM RESUMO O presente trabalho abordou a prática da avaliação neuropsicológica em crianças com queixa de dificuldade de aprendizagem (DA). A neuropsicologia estuda as relações e inter-relações das funções cerebrais e do comportamento, e a avaliação da criança com DA é fundamental para documentar o grau desta evolução, obter dados que possibilitem desenvolver técnicas de intervenção, além de promover e aprofundar o conhecimento do funcionamento cerebral, permitindo avaliar como se desenvolvem os processos psicológicos, lingüísticos e perceptuais, e a interdependência dos mesmos. Este trabalho pretendeu contribuir para a compreensão das DA e do sentimento de fracasso e suas conseqüências, nas áreas acadêmicas e socioemocionais da criança. Buscou-se instrumentalizar pais e escola para lidar com esta dificuldade, propondo intervenções adequadas às suas habilidades. Participou deste trabalho, uma criança, do sexo masculino com queixa de dificuldade de aprendizagem, aluno da 4ª série do ensino fundamental, de uma escola da rede municipal de ensino de São João da Boa Vista, estado de São Paulo. Na avaliação neuropsicológica, foram utilizados instrumentos validados e aprovados para tal finalidade. As aplicações dos testes ocorreram de forma individual, com sessões semanais de 50 minutos cada, realizadas em sala cedida pela escola. Em vista dos resultados obtidos, pode-se perceber o valor da avaliação neuropsicológica para um diagnóstico mais específico das funções psicológicas superiores, podendo-se dar maior ênfase em medidas para o aprimoramento das habilidades consideradas deficitárias. A criança avaliada foi encaminhada para atendimento psicopedagógico e treino em psicomotricidade, contudo, não haverá dentro da rede de ensino, meios para que esses encaminhamentos se realizem. A prática da avaliação neuropsicológica também revelou a multicausalidade do fracasso escolar, em concordância com autores da área que não o atribuem a uma ou outra causa apenas. Palavras chave: dificuldades de aprendizagem, fracasso escolar, avaliação neuropsicológica.
3 ii ABSTRACT This work approached the practice of the neuropsychologic evaluation in children with complaint of learning desabilities (LD). The neuropsychology studies the relations and inter-relations of the cerebral functions and the behavior, and the evaluation of the children with LD, is fundamental to register the changing degree of this process, to obtain date which would make it possible the development of intervention techniques, besides promoting and deepening the knowledge on cerebral functioning, allowing, thus, to evaluate in whatever manner the psychological processes are developed, as well the linguistics, perceptual, and their interindependence. This work intended to contribute to the understanding of the LDs and the feeling of failure and its consequences, in the academic and social-emotional areas, childwise. Sought to provide parents and school with support and tools, to deal with this difficulty, suggesting adequate interventions to their skills. A child from the male organ, with learning desabilitie, participated in this project, he is student from municipal middle school at São João da Boa Vista, São Paulo state. In the neuropsychologic evaluation, instruments validated and approved for such purpose, were used. The applications of these tests were individual, with weekly sessions of 50 minutes each one, carried through in rooms provided by schools. According with the results, so far, it is noticeable the neuropsychological evaluation s worth, to a more accurate diagnosis in the superior psychological functions, enabling emphasize measures for the improvement in the deficitated skills. The evaluated child was directed for psycho pedagogic treatment and psycho motor training, however, there will not be within the school levels, any means to make such happen. The neuropsychological evaluation practice seems also to revealed the causes of the school failure, according with authors in the field, whom do not attribute it to one or another. Key-words: Learning desabilities, failure pertaining to school, neuropsychologic evaluation.
4 iii PARECER DO ORIENTADOR O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é um trabalho que possui uma boa fundamentação teórica, versando sobre importantes temas como o fracasso escolar, as dificuldades de aprendizagem e a neuropsicologia. As autoras conseguiram integrar os temas de forma coerente demonstrando a interdependência entre eles. Além disso, apresentam uma metodologia adequada, ou seja, explicitam claramente os objetivos, o método utilizado, os resultados e as considerações finais. Possui também uma adequada referência bibliográfica da área analisada. O TCC traz uma problemática que é antiga e ao mesmo tempo atual, visto que ainda o psicólogo escolar se depara freqüentemente com a queixa de dificuldade de aprendizagem, daí a necessidade de se continuar realizando estudos na área. Além disso, é um trabalho que busca acrescentar os conhecimentos atuais da neuropsicologia se constituindo mais um campo de atuação do psicólogo na tentativa de compreender a queixa escolar. Betânia Alves Veiga Dell Agli Professor Orientador
5 iv SUMÁRIO INTRODUÇÃO FRACASSO ESCOLAR: UMA DISCUSSÃO AINDA EM ABERTO BUSCANDO ENTENDER AS TERMINOLOGIAS: DIFICULDADE OU DISTÚRBIO DE APRENDIZAGEM? TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE E DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM CONTRIBUIÇÃO DA NEUROPSICOLOGIA ÀS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM OBJETIVO OBJETIVO GERAL OBJETIVOS ESPECÍFICOS MÉTODO PARTICIPANTES INSTRUMENTOS PROCEDIMENTOS RESULTADOS E DISCUSSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXOS... 79
6 v LISTA DE QUADROS Quadro 1: Avaliação Neuropsicológica...40 Quadro 2: Resultados da avaliação do nível intelectual e das habilidades escolares...50 Quadro 3: Resultados da prova de consciência fonológica...51 Quadro 4: Resultados do Exame Neuropsicológico...52
7 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA Não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Paulo Freire. A realidade escolar tem revelado um número crescente de crianças com dificuldades de aprendizagem (DA). Isto está longe de ser um fato isolado, visto que esse tema tem sido alvo de inúmeras preocupações e discussões tanto no Brasil como no restante do mundo. A partir desse quadro alarmante, pesquisas têm surgido, no âmbito nacional e internacional, na tentativa de compreender esse problema que se caracteriza por ser de difícil solução. Nessas incessantes tentativas observamos que existe uma busca em vão de encontrar culpados para o fracasso escolar, mas desde já verificamos que os pesquisadores apontam que se trata de uma problemática multifatorial que ultrapassa uma relação direta de causa e efeito. Não se pode atribuir ao fracasso escolar, tal como muitos fazem, somente à escola, à família ou ao aluno, com suas características e possíveis patologias. A dificuldade de aprendizagem é um tema que deve ser estudado levando-se em conta todas as esferas em que o indivíduo participa e podemos citar a escola, a família, a sociedade entre outros (CORRÊA, 2001). Sabe-se que nunca há uma causa única para o fracasso escolar e que também um aluno com dificuldade de aprendizagem não é um aluno que tem deficiência mental (FONSECA, 1995). Na verdade, existem aspectos fundamentais que precisam ser trabalhados para obter-se um melhor rendimento em todos os níveis de aprendizagem e conhecimento, embasado no conhecimento de qual e como está o desenvolvimento deste aluno. Quando se fala de aprendizagem e conhecimento não
8 2 está se referindo somente a conteúdos escolares, mas também a conhecimento e desenvolvimento físico-psíquico-intelectual, que são tão importantes quanto (CORRÊA, 2001). As dificuldades de aprendizagem são representadas por determinados aspectos considerados freqüentes, como: hiperatividade, problemas psicomotores, problemas gerais de orientação, labilidade emocional, desordem de atenção, memória e raciocínio, impulsividade e problemas de audição e fala. Elas podem ser gerais ou específicas e nesse caso envolveria a dislexia (dificuldade de leitura), a disgrafia (dificuldade de escrita), a disortografia (dificuldade da formação de idéias e sua expressão ortográfica) e a discalculia (dificuldade do cálculo ou aritmética) (FONSECA, 1995; CIASCA, 2003). Têm-se verificado sobre este tema, que a dificuldade de aprendizagem é oriunda de diversos fatores, entre eles o fator do desenvolvimento neuronal e psíquico do aluno. Segundo autoras como Lefèvre (1989) e Tabaquim (2003), o cérebro da criança está sempre evoluindo e por meio dessa interação com o meio ambiente, ela vai adquirindo a capacidade de perceber o mundo ao seu redor, por meio dos sentidos, e passa a atuar sobre o mundo. Durante o desenvolvimento, as interações vão se modificando promovendo a compreensão desse mundo, tornandose o pensamento mais complexo, adaptando-se melhor aos ambientes, e atuando sobre eles de forma mais precisa. Domina melhor o esquema corporal e dando conta de formular idéias mais corretas (TABAQUIM, 2003). Esta última autora citada considera que, como a neuropsicologia estuda as relações e inter-relações das funções cerebrais e do comportamento, a avaliação da criança com DA, torna-se essencial para registrar o nível desta evolução e permite a
9 3 aquisição de dados que possibilitem o desenvolvimento de técnicas de intervenção e produção científica. A avaliação neuropsicológica deve, também, promover e enriquecer o conhecimento do funcionamento cerebral. Tal conhecimento possibilita analisar como se desenvolvem os processos psicológicos, lingüísticos e perceptuais, podendo compará-los e mostrar a interdependência dos mesmos (LEFÈVRE, 1989; FONSECA, 1995; CIASCA, 2003; TABAQUIM, 2003). Esse trabalho teve como objetivo realizar avaliação neuropsicológica em uma criança com queixa de dificuldade de aprendizagem, matriculada no ensino fundamental, encaminhada para avaliação pela escola que freqüenta. A avaliação neuropsicológica tem uma grande relevância em virtude da falta de instrumentalização das escolas e dos pais em lidar com esta realidade e justifica a avaliação que oriente para um melhor aproveitamento das capacidades dos alunos. Assim sendo este trabalho pretende contribuir para a compreensão das DA, que levam tanto alunos quanto a instituição escolar a se debaterem diariamente com o sentimento de fracasso e suas conseqüências, nas áreas acadêmicas e socioemocionais. Assim, tendo em vista os objetivos, o presente trabalho consta de 8 capítulos, sendo os quatros primeiros, dedicados à revisão da literatura sobre questões que fundamentam este estudo. Como ponto de partida, o capítulo 1 tece considerações sobre o fenômeno do fracasso escolar, numa perspectiva histórica sobre este tema, procurando compreender suas repercussões para a criança que o experimenta. O capítulo 2 apresenta autores que definem e discutem os conceitos de Dificuldade de Aprendizagem e Distúrbio de Aprendizagem e suas respectivas características, fazendo uma distinção entre esses conceitos. O capítulo 3 destaca a prevalência de
10 4 transtornos associados às dificuldades de aprendizagem, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Na seqüência, no capítulo 4, encontram-se as informações referentes às contribuições da avaliação neuropsicológica para o entendimento das dificuldades de aprendizagem e do fracasso escolar. O capítulo 5 apresenta os objetivos deste trabalho. No capítulo 6, é relatada a metodologia empregada. O capítulo 7 expõe os procedimentos de análise, bem como um estudo de caso de Distúrbio de Aprendizagem. Finalmente, no capítulo 7, são apresentadas as considerações finais que foram possíveis ser encontradas.
11 5 1 FRACASSO ESCOLAR: UMA DISCUSSÃO AINDA EM ABERTO O tema relativo ao fracasso escolar na educação brasileira vem sendo estudado há tempos por estudiosos e pesquisadores na tentativa de entender e resolver um problema tão comum em nosso país. Vemos, no entanto, que as discussões atualmente propostas se diferem das antigas e isso se deve em parte pelas contribuições das pesquisas realizadas e reflexões acerca da educação, do ensino e da aprendizagem. Assim, podemos verificar mudanças em vários aspectos, bem como novas maneiras de olhar o problema. O avanço é incontestável. No entanto, ainda encontramos dificuldades que precisamos ultrapassar. No que se refere às mudanças ocorridas, Côrrea (2001) nos diz que elas giravam em torno dos altos índices de evasão e reprovação escolar. No intuito de solucionar tais problemas foram propostas algumas medidas por parte do governo federal e decisões de governos estaduais e municipais, como por exemplo, as classes de aceleração, a implantação dos Ciclos Básicos de Alfabetização e o regime de progressão continuada como medidas a serem utilizadas em todo o país. Com tais iniciativas, adotadas a partir da década de 1980, houve de fato diminuição nesses índices e assim a discussão e reflexão sobre a educação vem tomando outras vertentes como, por exemplo, a qualidade do ensino. Com base nos dados estatísticos, verificamos que de fato, houve mudanças como mostram os dados do Censo Escolar de 2005 (Mec, ), ou seja, houve uma sensível melhora dos dados do Ensino Fundamental no que se refere à promoção, repetência e evasão escolar. Embora os números apontem para uma melhora, nos 1 Ministério da Educação e Cultura
12 6 deparamos com uma redução de matrícula de 2004 para 2005 que foi justificada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Inep/Mec) pela taxa de natalidade e pela diminuição dos índices de repetência, especialmente de 1 a a 4 a série do ensino fundamental e tal justificativa aponta para uma melhora, mas que deve ser mais bem investigada. Os dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) desde sua implantação até os dias atuais (atualmente Aneb), apontam para uma diminuição do número de crianças fora da escola, mas também revelam uma discrepância entre os diferentes Estados e regiões do país, tanto no que se refere à infra-estrutura, quanto à qualidade do ensino. Sobre essa disparidade, Corrêa (2001) afirma que ela se deve à ausência de um princípio democrático nas políticas educacionais: o princípio de eqüidade. Tal princípio é fundamental nas políticas educacionais, tendo em vista as desigualdades sociais existentes em nosso país. Segundo a autora, um Estado democrático deve elaborar e implementar uma política de discriminação positiva em favor dos mais desiguais, acrescentando desta forma, a qualidade de eqüidade às políticas educacionais. Analisando tais dados, vimos que de fato houve melhoras a partir das tentativas implementadas, embora tenham sido insuficientes para acabar com os problemas educacionais tal a complexidade que o tema suscita. Apesar da melhora, os dados fornecidos pelo Saeb/2005 mostram que houve um decréscimo e, em algumas situações, melhoras pouco significativas no aproveitamento médio dos alunos de 4 a a 8 a série do Ensino Fundamental e da 3 a série do Ensino Médio no que se refere às habilidades mais complexas no trato dos
13 7 conteúdos curriculares, em todas as séries, tanto na aprendizagem da leitura quanto da matemática, sendo que o aproveitamento médio da aprendizagem da matemática é inferior ao da leitura. No geral, a análise mostra que o desempenho dos alunos encontra-se aquém do esperado e do desejável. Isso nos remete a uma outra questão que se refere aos processos pedagógicos. De acordo com Corrêa (2001) uma mudança nos processos pedagógicos está na dependência de fatores variados tais como: capacitação dos professores; instalações físicas e equipamentos; autonomia; capacidade de planejar e administrar os processos internos da escola gerando coesão da equipe em torno dos objetivos; valorização positiva da capacidade de aprender do aluno; presença e participação dos pais. Todos estes fatores, sem dúvida, são extremamente importantes para as mudanças nos processos pedagógicos, mas deve-se acentuar a capacitação dos professores na medida em que eles são os responsáveis por grande parte do processo de aprendizagem dos alunos. Assim, deve-se repensar antes de qualquer coisa, a formação dos profissionais ligados ao ensino, de tal modo a prepará-los melhor para a difícil e complicada tarefa que envolve o processo de ensino-aprendizagem. Outras pesquisas que foram realizadas em anos posteriores vêm corroborar com os dados relatados anteriormente, ou seja, que apesar da melhoria detectada no que se refere à reprovação, promoção e evasão escolar, os alunos não estão aprendendo conforme o esperado. Não se pode negar os acertos e progressos da política educacional na tentativa de eqüalizar a educação, mas os dados vêm nos impor a necessidade de medidas mais eficazes. Não basta apenas o aperfeiçoamento da parte estrutural e administrativa das escolas, como já vem sendo feito, é necessário antes de tudo enfocar o processo de
14 8 aprendizagem do aluno, modificar o sistema de avaliação e promover mudanças mais efetivas nas concepções e práticas pedagógicas. Se isso ocorrer, podemos elevar a educação a patamares considerados desejáveis. O fracasso escolar é um fenômeno com crescente visibilidade. Os estudos brasileiros sobre este tema apontam que apenas 27% das crianças concluem o primeiro grau (MACHADO, 1997), mesmo após as tentativas já mencionadas. O que queremos enfocar é que embora visualizemos um longo caminho a percorrer, as crianças que hoje estão na escola são vítimas de todo esse sistema que de alguma maneira precisa se mobilizar para atendê-las de forma mais adequada e efetiva. Sem desconsiderar toda a complexidade da escola e as mudanças necessárias em todos os aspectos, centraremos nossa discussão nas crianças que encontram dificuldades em aprender, pois sem dúvida elas são o ponto frágil de todos os problemas e eles recaem sobre elas prejudicando sua auto-estima e uma construção adequada de si. Além disso, a falta de apoio e compreensão do fenômeno leva na maioria das vezes à exclusão social dessas pessoas, pois a escola é uma das instituições que possibilita ao indivíduo uma maior inserção na sociedade. As crianças que não aprendem ou que fracassam na escola geralmente são encaminhadas para psicoterapia, avaliação psicológica, fonoaudiológica, neurológica, entre outras, visto que há uma crença de que o encaminhando possa resolver os problemas que ela enfrenta na escola. A avaliação é pertinente, sem dúvida, mas ela precisa ser repensada, adotando uma visão mais ampla, para não corrermos o risco de perpetuarmos na rotulação que em hipótese alguma auxilia na melhora no desenvolvimento da criança.
15 9 Machado (1997) ao analisarem os encaminhamentos de criança para clínicas-escola de Psicologia, nos informam que na maioria dos casos a principal queixa é referente a problemas escolares. Ressalta que esse dado deve ser analisado com cuidado, uma vez que os encaminhamentos partem dos professores. No que se refere à compreensão dos professores a respeito do fracasso escolar e ao desempenho dos alunos, pesquisas realizadas em algumas regiões do país (Minas Gerais, 1997/1998; Espírito Santo, 1999) denunciam que eles acreditam que o problema é do aluno e da sua família. Corrêa (2001) ao relatar sua experiência como psicóloga, acentua que quando um aluno é encaminhado para um especialista por apresentar comportamento inadequado, não é feita uma avaliação suficientemente precisa das causas existentes no próprio sistema escolar. Segundo suas palavras: Não passa pelas considerações desses educadores a possibilidade de questionar o sistema educacional, a escola e seu modo de organização e funcionamento, seus compromissos básicos, concepções e métodos de avaliação, didática, relação professor-aluno, currículo ou a forma de abordagem dos conteúdos e, menos ainda, o nível de aprendizagem real do aluno. (p.24) Vemos com isso, a falta de preparo do professor em lidar com alunos que fracassam na tarefa de aprender. Se o foco das causas está no aluno e na família, muito provavelmente não vêem mudanças possíveis em sua prática. Seria desejável antes de qualquer coisa, que se auto-avaliassem e que avaliassem a própria instituição escolar e que tentassem alternativas a partir dessas análises antes dos encaminhamentos que provavelmente serão mais danosos à criança e pouco contribuirão para seu aperfeiçoamento profissional.
16 10 A visão dos profissionais e da própria sociedade atribui normalmente ao aluno tal fracasso, ficando este como seu depositário. Embora muitas interpretações tenham sido propostas, todas apresentam características comuns: a causa do fracasso escolar está localizada no aluno ou na sua família (CÔRREA, 2001; PROENÇA & MACHADO, 2004). Côrrea (2001) faz uma interessante análise sobre a atribuição do fracasso escolar, nos dando parâmetros para uma reflexão mais consistente sobre o assunto. A autora analisa então alguns modelos que serão apresentados a seguir. O modelo médico, onde prevalece o inatismo do não aprendizado, busca a origem genética para o fracasso escolar e tem uma tendência patologizante dos fenômenos. Noutra vertente há a busca da causa do fracasso no processo de maturação do sistema nervoso central. Essa visão ocupa-se da sintomatologia do não aprender, dando suporte às atitudes de classificação e rotulação dos alunos que não aprendem. Esta visão que contribui para a prática de encaminhamentos dos alunos às classes especiais conduz à exclusão e segregação desses alunos. Sendo assim, o fracasso escolar tende a ser considerado um fator intrínseco da criança que não aprende, excluindo e eximindo de certa forma a responsabilidade da escola e do professor (CORRÊA, 2001). No mesmo sentido, Proença e Machado (2004) analisam essa questão acentuando o que elas denominam de patologização do aprender que acaba por cristalizar e naturalizar o problema das crianças que não conseguem aprender. As autoras chamam a atenção para o fato de que os encaminhamentos para médicos e psicólogos para diagnóstico muitas vezes selam destinos e trajetórias escolares,
17 11 devendo, portanto, sermos cuidadosos nessa questão. Desta forma, propõem a mudança de foco de nossas crenças para melhor intervir. Analisando a visão médica, vemos que ainda há um longo caminho a percorrer. Apesar das críticas, perfeitamente cabíveis nesse caso, em que há uma patologização do aprender, não se pode negar a importância desses estudos, já que dentre outros fatores, revelam implicitamente a complexidade que envolve o ato de aprender. Ainda hoje, pouco se sabe sobre a relação entre cérebro e aprendizagem. No entanto, é de consenso a necessidade de uma integridade orgânica básica para a aprendizagem. Os estudos nessa área devem ser sem dúvida ampliados, até mesmo para descartar qualquer hipótese neste sentido. O mais complicado no que se refere às críticas, é que elas muitas vezes se mostram radicalizadas, ao passo que devemos entender o ser humano como uma unidade que necessita tanto da integridade orgânica como das relações do organismo com o meio. Num outro viés, a partir do enfoque psicológico, tende-se a atribuir o fracasso escolar a questões intrínsecas da criança, todavia focadas na sua personalidade. Ao invés da genética como determinante, nesta visão encontra-se o meio-ambiente como fator desencadeante do problema. É a criança emocionalmente problemática. A escola e os conflitos familiares são entendidos como geradores de neurose na criança que se manifestam por sintomas e inibições da aprendizagem. O fracasso neste enfoque ainda pertence ao aluno e à sua família. Há também o enfoque psicométrico que vai buscar as causas do fracasso nas deficiências cognitivas do aluno, dando base científica aos problemas encontrados na escola. É uma estratégia que dá continuidade a visão médica, que rotula o aluno. Os testes psicométricos para avaliar as funções mentais superiores surgem
18 12 com Binet, em 1905, e têm por objetivo determinar a variação das faculdades mentais do ser humano e com isso conseguir uma base científica para os problemas encontrados na escola. A partir daí surgem alguns termos como idade mental e o famoso e vulgarizado Quociente Intelectual (QI) (ANASTASI & URBINA, 2000). Leite (1988) faz uma discussão a respeito do QI ressaltando que a literatura demonstra que o conceito de inteligência ainda gera polêmicas e que um consenso entre os estudiosos da área está bem longe de ser conseguido. Sobre isso o autor diz: [..]. discute-se ainda se se trata de uma capacidade global do indivíduo ou se na realidade corresponde a diferentes tipos de inteligência, o que levaria a se falar não em uma inteligência mas em diversos tipos. (p.515) Como vemos, a inteligência é ainda mal definida o que dificulta até mesmo a compreensão dos resultados dos testes. A questão principal é: os testes medem de fato a inteligência? Apesar das críticas, os testes vêm sendo amplamente utilizados como critério de cientificidade para avaliar crianças que apresentam problemas de aprendizagem. Com relação a esses instrumentos, eles devem ser mais bem pesquisados e critérios avaliativos, para essa população específica, devem ser propostos. Se por um lado os instrumentos podem auxiliar no diagnóstico dos problemas de aprendizagem, eles não devem ser considerados como tendo valor absoluto, sem que se leve em conta as relações individuais estabelecidas e as vivências particulares de cada ser humano. As mesmas críticas já feitas a respeito do rótulo, são pertinentes com relação ao QI. Em nenhum momento a classificação deve determinar a condição de aprendizagem de uma pessoa. O QI, como instrumento psicopedagógico absoluto é suspeito e não oferece soluções satisfatórias para a compreensão da complexidade das estruturas cognitivas (FONSECA, 1995). Assim, os testes padronizados devem
19 13 ser redimensionados devido a sua relativização, embora ainda sejam considerados como critérios de cientificidade. Nas perspectivas atuais da Educação, cujo tema central baseia-se na inclusão, não é mais cabível uma avaliação que identifica e etiqueta em categorias. Necessária se faz a reinterpretação ou se corre o risco de perpetuar a segregação das crianças que encontram problemas na aprendizagem, tal como era feita antigamente. Além disso, uma outra discussão se abre com relação aos testes: qual a informação que o resultado de um teste poderia fornecer ao professor na sua prática pedagógica, se os resultados trazem apenas dados quantitativos? Os testes não devem ser apenas redimensionados no sentido da estigmatização, mas também eles devem ser compreendidos de tal forma que possam ser úteis para auxiliar o educador e conseqüentemente a criança. Se isso não for possível não tem razão para que eles sejam utilizados em processo avaliativo como vem ocorrendo freqüentemente em consultórios e clínicas psicológicas. Passaremos agora a analisar a visão sociológica que como veremos teve grande impacto nas explicações sobre as dificuldades de aprendizagem. Segundo Corrêa (2001), há ainda a visão sociológica para o fenômeno do fracasso, que a partir da década de setenta, com a teoria da carência cultural, em que o fracasso escolar era explicado pelo entorno cultural da criança: a pobreza, a desestruturação familiar, problemas emocionais, falta de estimulação, a linguagem pobre, eram algumas das justificativas para explicá-lo. Assim sendo, há uma tendência em justificar o fracasso à carência cultural e sócio-econômica dos alunos advindos de classes menos favorecidas, eximindo a responsabilidade da escola que fica então a cargo da política.
20 14 Sem dúvida alguma, essa visão expande nosso olhar no que se refere às causas do fracasso escolar, daí sua importância. Não se pode negar que os problemas sociais vivenciados por determinada sociedade e diferenças culturais interferem na construção do ser humano ainda mais se há uma discrepância entre uma ideologia dominante e as classes populares. A visão sociológica aponta para a necessidade de levarmos em conta as diferenças sociais e culturais, ou seja, a bagagem que a crianças traz de seu meio e adequar a prática pedagógica em função desse determinante. O problema com relação a essa visão, é que ela gerou um pessimismo e um desânimo no meio educacional, devido, provavelmente, ao sentimento de incapacidade diante de uma situação que foge ao controle da instituição escolar. Adotar essa postura faz com que nos tornemos passivos frente ao problema que está ocorrendo dentro de nossas instituições escolares, já que a desigualdade social e as diferenças culturais estão permanentemente presentes. Segundo Corrêa (2001), mais recentemente os estudos passaram a investigar os fatores intra-escolares e suas relações com a seletividade operada na escola. Houve uma mudança de foco, o fracasso passa a ser visto como resultado de aspectos estruturais, funcionais e da dinâmica interna da instituição escolar. Passaram-se a estudar os obstáculos à escolarização das classes populares, que apesar de serem atendidas pela escola, esta não sofreu mudanças para atender à nova clientela, mantendo um papel de reprodução das desigualdades sociais. É a teoria da diferença cultural, que atribui o fracasso escolar à inadequação da escola para atender ao aluno de classe popular.
21 15 Há uma convergência com as idéias da teoria da carência cultural, onde as dificuldades de aprendizagem são manifestas na criança pobre. Ainda hoje as visões expostas anteriormente, influenciam as práticas pedagógicas e a compreensão do fracasso escolar. Por meio de um novo olhar sobre o fracasso escolar, a escola tem o seu papel revisto, ficando com a função de proporcionar ao indivíduo o que é indispensável à sua formação enquanto ser humano, capaz de agir no mundo, cidadão com seus direitos e deveres e como profissional, capaz de desempenhar suas funções de forma competente. Nessa visão busca-se um modelo de escola mais inclusiva e democrática. O construtivismo, com sua epistemologia genética, constitui atualmente uma grande influência e uma nova base para se repensar o problema do fracasso escolar, mais compatível com o modelo de uma escola inclusiva. Há uma mudança no foco da questão. Este se volta agora para a compreensão da não aprendizagem e não buscando somente justificar o fracasso. O fracasso e o sucesso na escola estão apenas parcialmente associados à aprendizagem de conteúdos escolares (CORRÊA, 2001, p.53) demonstrando que a questão é complexa. O presente trabalho busca a compreensão desta problemática dando ênfase à criança que já apresenta um nível de fracasso na escola, contudo, leva em consideração este novo olhar, procurando não enxergar esse indivíduo como um depositário do fracasso. É um trabalho que vai verificar as variáveis intervenientes desse processo, não no intuito de atribuição de causas, mas na proposta de sugestões para uma intervenção adequada e eficaz para a superação da problemática. Foi com esse intuito que o tema fracasso escolar foi abordado inicialmente,
22 16 pois é a partir dele que podemos entender a trama educacional visando sem dúvida a criança, mas sem desconsiderar que para chegarmos até ela precisamos repensar a escola em toda a sua complexidade para que de fato ela se torne um bem público cumprindo sua principal função que é Educar. Encerramos com a seguinte citação: Acreditamos que essas condições só serão possíveis à medida que consigamos fazer da escola um espaço efetivamente público, isto é, um espaço onde homens reunidos possam ver, ouvir e falar, ser vistos, falar e ouvir construindo na diferença a igualdade, o único espaço em que a liberdade se faz presente condição básica para a ação, cujo resultado pode não ser perfeito, mas será algo que poderá ultrapassar os limites, de onde se origina, tornando-se um bem público (Corrêa, 2001, p.52). Se assim fizermos garantiremos à escola o princípio de eqüidade tão necessário numa sociedade que pretende ser justa.
23 2 BUSCANDO ENTENDER AS TERMINOLOGIAS: DIFICULDADE OU DISTÚRBIO DE APRENDIZAGEM? 17 Antes de iniciar esse tema, é importante fazermos um esclarecimento. O fracasso escolar e a dificuldade de aprendizagem não são considerados sinônimos. É bem verdade que ambas parecem caminhar juntas, mas não podem ser considerados causa e conseqüência um do outro. Existe uma alta correlação de crianças com dificuldades de aprendizagem e fracasso na escola, mas há crianças que apresentam dificuldade de aprendizagem que não têm fracasso escolar. O termo dificuldade de aprendizagem surge oficialmente a partir do ano de 1963, quando um grupo de pais de crianças norte-americanas e canadenses se reuniu em Chicago para tratar sobre as dificuldades de aprendizagem de seus filhos sem razão aparente, principalmente na aprendizagem da leitura. Foram convidados profissionais de diferentes áreas médicos, neurologistas e psicólogos expertos no assunto, a fim de que lhes indicassem alguma solução e explicação para o fato. Esse encontro também visou a organização e a obtenção de fundos para a criação de serviços educativos eficazes que tratassem o problema de seus filhos. A partir desse encontro, foi criada a Associação de Crianças com Dificuldades de Aprendizagem (Association of Children with Learning Disabilities, ACLD). Tais crianças não se enquadravam nos atendimentos voltados para educação especial que atendiam crianças com atraso mental, deficiência auditiva, visual, motora ou múltipla etc. Até então, os especialistas consideravam essas crianças como tendo algum tipo de lesão cerebral ou disfunção cerebral, dislexia, entre outros (GARCIA, 1998). Na ocasião, o psicólogo Samuel Kirk estava trabalhando com crianças que
24 18 apresentavam atraso mental, dificuldades de linguagem e de leitura e foi nesse contexto que ele propôs o termo dificuldade de aprendizagem (learning disabilities). Tais dificuldades não podiam ser atribuídas ao nível de inteligência, ao ambiente familiar ou educativo, mas se referiam a problemas de aprendizagem acadêmica. Samuel Kirk foi considerado o pai do campo das dificuldades de aprendizagem (FONSECA, 1995; GARCÍA, 1998). Segundo Correia (1991), o conceito de dificuldades de aprendizagem (DA) surgiu da necessidade de se compreender a razão pela qual um conjunto de alunos, aparentemente normais, estava constantemente experimentando insucesso escolar, especialmente em áreas acadêmicas tal como a leitura, a escrita ou o cálculo. Segundo o National Joint Commitee on Learning Desabilities (NJCLD) dos Estados Unidos citado por Fonseca (1995), o conceito de Dificuldade de Aprendizagem (DA) é bastante amplo e engloba um grupo heterogêneo de desordens, que se manifestam em dificuldades relevantes na obtenção e emprego da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e do raciocínio matemático. Analisemos a definição consensual: Dificuldade de aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de alterações manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso de audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estas alterações são intrínsecas ao indivíduo e presumivelmente devidas à disfunção do sistema nervoso central. Apesar de um distúrbio de aprendizagem poder ocorrer concomitantemente com outras condições desfavoráveis (por exemplo, alteração sensorial, retardo mental, distúrbio social ou emocional) ou influências ambientais (por exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente/inadequada, fatores psicogênicos), não é resultado direto destas condições ou influências (apud MOYSÉS e COLLARES, 1992, p.32). Apesar de ter se estabelecido e chegado a um consenso sobre a definição de dificuldade de aprendizagem, notamos que ainda ela é pouco precisa e é pautada em
25 19 exclusões. No entanto, há de se considerar que aos poucos o termo foi sendo mais bem definido e conhecido, possibilitando uma melhor compreensão. Com a divulgação do tema e a real necessidade que a realidade educacional nos impõe, pesquisas têm sido feitas no sentido de identificar alguns fatores que possivelmente estão relacionados à causa das dificuldades de aprendizagem e do fracasso escolar. As dificuldades de aprendizagem (DA) são para Oliveira (1996) multideterminadas, isto é, possuem uma associação de causas e podem estar relacionadas à escola, como conseqüência de currículos inadequados, de um sistema de avaliação falho, do método e da própria relação com o professor, assim como a falta de estímulo dos professores, alunos trabalhando com material didático desatualizado e desprovido de significado, salas de aula com um número grande de alunos, crianças com diferenças culturais, sociais, econômicas, bem como seu nível de maturidade. Indo mais além, em relação ao aluno, problemas de ordem neurológica, fisiológica, de visão, falta de trocas e interação entre pais e filhos, perturbação afetiva e emocional. Sobre essa última é importante algumas considerações. Martinelli (2002) acentua a importância de se levar em consideração os aspectos afetivos quando o intuito é compreender o processo de aprendizagem dos alunos. Aponta algumas situações que considera intervenientes no processo de aprendizagem humana, como o abandono, a separação dos pais, a perda de um dos progenitores, um ambiente familiar desfavorável à manifestação afetiva e a depreciação. A autora ressalta que é consenso de profissionais da área que um bom ajustamento afetivo é condição necessária, embora não suficiente, ao
26 20 desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes, tal como demonstram algumas pesquisas. Segundo Martinelli (2002), os educadores na condução de seu trabalho devem propiciar um ambiente favorável à aprendizagem em que sejam trabalhados a auto-estima, a confiança, o respeito mútuo, a valorização do aluno, sem contudo esquecermos da importância de um ambiente desafiador, mas que mantenha um nível aceitável de tensões e cobranças [...]. (p.16). Ressalta que independentemente do referencial teórico adotado, sabe-se que na base de todo o processo de conhecimento existe uma necessidade, uma curiosidade, um desejo e uma recompensa que leva a buscar o novo que conduz a outros conhecimentos. Como podemos verificar, a autora traz uma importante discussão no campo das dificuldades de aprendizagem. Atualmente há uma tentativa de relacionar os aspectos cognitivos e afetivos, pois não podemos mais negar a unidade do ser humano. Infelizmente os aspectos afetivos e cognitivos estiveram por muito tempo separados, mas se quisermos avançar precisamos superar essa dicotomia. Assim, torna-se necessária a compreensão da problemática que leva tantos alunos a se debaterem diariamente com esse sentimento de incapacidade, e quais as conseqüências desta, nas áreas acadêmicas e socioemocionais. Os estudiosos da área utilizam-se de termos que são às vezes considerados sinônimos, mas que há que se diferenciar. Dificuldade de aprendizagem e Distúrbio de aprendizagem são termos que se acredita tratar do mesmo fenômeno, contudo, a revisão bibliográfica torna possível a diferenciação. Segundo Ciasca (2003), as Dificuldades de Aprendizagem (DA) são amplas e abrangem as Dificuldades Escolares e os Problemas de Aprendizagem. Esclarece que a diferença entre Distúrbio de Aprendizagem e Dificuldade Escolar, é que este
27 21 segundo, relaciona-se a um problema de ordem e origem pedagógica. Logo subentende-se que as dificuldades não são apenas problemas da escola, tampouco originadas apenas neste ambiente. Ciasca e Rossini 2 citado por Capellini (2006) diferenciaram as terminologias dificuldade de aprendizagem e Distúrbio de Aprendizagem 3. Para as autoras dificuldade de aprendizagem se refere a um déficit específico da atividade acadêmica, enquanto que o distúrbio relaciona-se com uma disfunção intrínseca à criança, geralmente neurológica ou neuropsicológica, que se manifesta por dificuldades específicas na aquisição e uso das capacidades de ouvir, falar, ler, escrever e raciocinar logicamente. Segundo Fonseca (1995), os Distúrbios de Aprendizagem são desordens intrínsecas aos indivíduos, onde se presume que são causadas por uma disfunção do Sistema Nervoso Central (SNC) e que podem se manifestar ao longo da vida. Problemas de auto-regulação, na percepção e interação social podem surgir conjuntamente com os distúrbios de aprendizagem. São definidos como desordens em um ou mais processos da linguagem falada, da letra, da ortografia, da caligrafia, resultantes de déficit ou desvios dos processos da aprendizagem, e que não são devidas ou provocadas por deficiência mental, por privação sensorial ou cultural, ou mesmo, por falta de habilidades pedagógicas. Lefévre 4 citada por Capellini (2006) expõe que o Distúrbio de Aprendizagem se caracteriza por várias combinações de déficits na percepção, conceituação, linguagem, memória, atenção e função motora. Um Distúrbio de Aprendizagem é 2 CIASCA, S.M. & ROSSINI, S.D.R.: Distúrbio de aprendizagem: mudanças ou não? Correlação de uma década de atendimento. Temas sobre desenvolvimento, 8(48): 11-16, Neste trabalho utiliza-se DA referindo-se à dificuldade de aprendizagem e Distúrbio de Aprendizagem para denominar tal transtorno. 4 LEFRÈVE, AB. ( Coord. ) Disfunção Cerebral Mínima. São Paulo: Editora Sarvier, 1975.
28 22 uma desordem no desenvolvimento normal característico por algum déficit psicomotor que conseqüentemente afeta os processos receptivos, integrativos e expressivos na realização simbólica do cérebro. De acordo com Fonseca (1995), o Distúrbio de Aprendizagem se constitui em uma discrepância do desenvolvimento que geralmente é caracterizada por uma falta de maturidade psicomotora que abrange perturbações nos processos de imaturidade psicomotora que inclui perturbações nos processos receptivos, integrativos e de expressão do processo simbólico. Pode-se considerar que as crianças com Distúrbio de Aprendizagem apresentam as seguintes características: discrepância significativa entre o seu potencial intelectual estimado e o nível atual de realização; desordens básicas nos processos de aprendizagem; apresentam ou não uma disfunção do SNC; não apresentam sinais de deficiência mental, privação cultural, perturbações emocionais ou privação sensorial; revelam dificuldades perceptivas, discrepância em vários aspectos do comportamento e problemas no processamento da informação, quer seja ao nível receptivo, integrativo ou expressivo (FONSECA, 1995; GARCIA, 1998). A criança com DA é aquela que revela um rendimento vagaroso, abaixo da faixa etária das crianças consideradas normais. Essa criança não é deficiente, todavia, no nível acadêmico, apresenta um conjunto de condutas que se desviam significativamente em relação à comunidade escolar em geral. A criança que apresenta um quadro de Distúrbio de Aprendizagem geralmente manifesta problemas psicomotores, de atenção, perceptivos, emocionais, cognitivos, de memória, psicolingüísticos e de comportamento (FONSECA, 1995). De acordo com Fonseca (1995), a maioria das crianças com distúrbio
29 23 apresentam um perfil psicomotor dispráxico com movimentos exagerados, rígidos e descontrolados. A harmonia nos movimentos parece afetada nas crianças com Distúrbio de aprendizagem. A criança com Distúrbio de Aprendizagem apresenta uma tensão muscular diferenciada, ora hipertônica, ligada à hiperatividade e ora hipotônica, ligada à insuficiência de atividade. Paratonias, dificuldade de relaxamento, também são encontradas nas crianças com Distúrbio de Aprendizagem. A criança também apresenta problemas com a equilibração e locomoção. Ela apresenta uma dificuldade em selecionar estímulos relevantes e focar a atenção nestes. São dispersos e geralmente são atraídas por outros sinais irrelevantes. A atenção concentrada também pode estar prejudicada, não mantendo as funções de alerta e vigilância. Essa desatenção pode ser motivada por inatenção ou superatenção, nos dois casos comprometendo a seleção da informação necessária à aprendizagem (FONSECA, 1995). Os problemas perceptivos geralmente apresentados pela criança demonstram certas dificuldades na identificação, discriminação e interpretação de estímulos. Os processos primários de percepção sensorial parecem apresentar anomalias que podem repercutir em dificuldades quanto à leitura, escrita e cálculo. Segundo o autor supracitado, pode fazer parte do quadro da criança com Distúrbio de Aprendizagem instabilidade emocional, dependência, baixa tolerância à frustração. A conduta social fica comprometida geralmente por conta das dificuldades de ajustamento à realidade e problemas de comunicação. Podem mostrar-se inseguras e instáveis afetivamente e tendem a manifestar ansiedade, reações agressivas, tensão, regressões, oposições, ruminações emocionais, narcisismos e negatividade. Há uma subvalorização de si mesmo e um autoconceito
30 24 negativo. Geralmente experimentam sentimentos de exclusão, de rejeição, de perseguição, abandono, de hostilidade e insucesso. Com relação à parte cognitiva pode-se dizer que nas crianças com Distúrbio de Aprendizagem esta capacidade se encontra fragilmente estruturada e consolidada. A questão da capacidade de lidar com símbolos abstratos está intimamente ligada às habilidades cognitivas, lingüísticas e lexicais. Essa criança apresenta geralmente maiores dificuldades nos conteúdos verbais. A criança com Distúrbio de Aprendizagem tem um nível intelectual normal, situando no intervalo de QI de 80 a 90, medido pela WISC-III, contudo o seu perfil cognitivo intra-individual é discrepante e heterogêneo, ou seja, entre as habilidades verbais e não verbais, existe uma discrepância. Há um nível intelectual normal e um déficit cognitivo global (FONSECA, 1995, GARCÍA, 1998). Os problemas de memória também tendem a se revelar na criança com Distúrbio de Aprendizagem. Geralmente são da ordem de memorização, conservação, consolidação, retenção, rememorização e rechamada da informação anteriormente recebida. As funções de atenção e compreensão estão contidas no processo de memorização. Apresentam dificuldades em reproduzir seqüências de objetos, de imagens, de desenhos, de formas geométricas, de letras, de números, de ritmos, gestos dos braços das mãos ou dos dedos, oriundos de estímulos auditivos, visuais ou tátil-cinestésicos (FONSECA, 1995). O referido autor relata que os sinais psicolingüísticos mais característicos do distúrbio são problemas na compreensão do significado de palavras, de frases, histórias, conversas telefônicas, diálogos etc. Problemas em seguir e executar instruções simples e complexas. Problemas de memória auditiva e seqüência
31 25 temporal, simbólica ou não simbólica. Apresentam também um vocabulário restrito e limitado, frases incompletas e mal estruturadas, dificuldades na rechamada de informações. A formação de idéias fica também comprometida assim como a articulação e repetição de frases. Os problemas comportamentais e de aprendizagem podem se dizer que são uma decorrência destes déficits previamente descritos. A partir dessas características apresentadas, podemos compreender a definição de Distúrbio de Aprendizagem, ou seja, que ele se caracteriza por um grupo heterogêneo de desordens. As crianças que apresentam DA podem ou não apresentar determinadas características, sem com isso deixar de pertencer a esse grupo. No que se refere ao diagnóstico e intervenção, podemos dizer que, dada essa heterogeneidade, justifica a dificuldade de conclusões precisas a respeito. Isso nos mostra que de fato devemos ter um olhar individual para cada criança com seus déficits e suas conquistas, além de observar os recursos internos tanto afetivos como cognitivos e sociais que possam ser utilizados para planejar intervenções que modifiquem qualitativamente seu aprendizado. Podemos concluir esse capítulo reconhecendo o avanço dos estudos e pesquisas na área, possibilitando-nos uma maior compreensão dessas crianças que não aprendem. Ao mesmo tempo em que isso nos reconforta, nos angustia, uma vez que sabemos que temos muito a aprender sobre elas. Relacionando esses conhecimentos apresentados sobre os distúrbios de aprendizagem com a discussão feita sobre o fracasso escolar, resta-nos ainda uma questão: será que nosso sistema educacional com as mudanças até então realizadas é capaz de atender a essa problemática? A prática tem nos mostrado que ainda não,
32 26 mas se estamos buscando respostas elas hão de aparecer. A seguir analisaremos o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), uma vez que muitas crianças que apresentam esse quadro, apresentam também problemas escolares, sendo, portanto um tema de grande relevância. Além do mais, nos dias atuais esse transtorno tem sido vulgarmente diagnosticado se caracterizando mais um problema a ser enfrentado. É importante salientar que não abordaremos exaustivamente esse transtorno visto que ele não é o foco central de nosso trabalho.
33 3 TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE E DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM 27 Até agora houve um esforço para distinguir dificuldade de aprendizagem (DA) e Distúrbio de Aprendizagem, procurando expor as características principais de cada problemática, contudo um outro quadro muito freqüente em crianças com problemas escoares e com ele relacionado, é o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Benczik (2000) relata que muitas vezes as crianças portadoras deste transtorno, apresentam-se no ambiente escolar como desobedientes, preguiçosas, mal educadas e inconvenientes, não se adaptando bem ao meio escolar nem ao ambiente sócio-familiar. Tais crianças não correspondem às expectativas dos adultos e dos professores, por isso o nível de estresse das pessoas que convivem com essas crianças é constantemente alto. Disto decorre que essas crianças muitas vezes são excluídas e consideradas os bodes expiatórios no ambiente escolar. O TDAH se caracteriza por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade. Alguns destes sintomas podem estar presentes na criança pré-escolar, embora a maioria seja diagnosticada após o ingresso na escola onde se evidenciam os principais sintomas, que também podem ser observados em diversas situações como em casa ou outros ambientes. Este transtorno causa interferência no desenvolvimento social, acadêmico ou funções ocupacionais. A desatenção e a falta de auto-controle colocam a criança em risco iminente para as dificuldades escolares, em termos do desempenho acadêmico e das interações sociais.
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