A importância da Governança Corporativa nas empresas para o desenvolvimento econômico e social do País

Tamanho: px
Começar a partir da página:

Download "A importância da Governança Corporativa nas empresas para o desenvolvimento econômico e social do País"

Transcrição

1 A importância da Governança Corporativa nas empresas para o desenvolvimento econômico e social do País A gestão das empresas não é um tema novo. Desde os primórdios da Revolução Industrial, quando as primeiras estruturas empresariais começaram a se formar, é assunto obrigatório, especialmente entre os intelectuais da época que, conscientes que as estruturas das relações humanas, representada por três classes, já estava decadente há algum tempo. A ponto de que a formação da burguesia trazia uma ruptura. Com a formação das primeiras grandes companhias industriais, a discussão sobre as melhores condições de trabalho e a não exploração dos trabalhadores cresceu. Mas alguns outros, também debatiam sobre como uma empresa deveria fabricar seus produtos e quais as vantagens que a população teria em sua utilização. Ainda hoje, a discussão é apaixonante. A Guerra de Secessão dos EUA ( ) teve um forte impacto nas relações humanas e entre as estruturas empresariais agrárias e urbanas, pois o Norte, industrializado, necessitava de trabalhadores assalariados e o Sul, agrícola, tinha mão de obra formada basicamente por trabalhadores escravos. Nessa região, por óbvias razões, não existia o debate sobre o papel econômico e social das fazendas leia-se, empresas rurais, à vida das pessoas. Enquanto isso, no Norte, já existia o debate sobre o papel social que a estrada de ferro e as indústrias poderiam desempenhar. Notou-se que os habitantes destes estados estavam mais expostos à educação e ao conhecimento. Podemos afirmar que foram as empresas que contribuíram para o desenvolvimento sócio-econômico dessa região, mesmo que neste inicio poucos promovessem a valorização profissional dos trabalhadores. A formação dos primeiros sindicatos fez com que se discutisse a qualidade de vida no trabalho, mesmo que naquela época não tivesse a real dimensão do conceito: diminuição da jornada de trabalho, que em alguns casos chegavam há 18 horas diárias, alimentação, benefícios e outros. Em 1908, na Inglaterra, foi fundado o Institute of Directors que reunia os gestores das empresas, mas não promoveu avanços significativos. Basicamente, os participantes ordenaram os princípios que deveriam orientar os gestores das empresas e as relações conflitantes existentes. Quando os sindicatos dos trabalhadores estavam consolidados, por volta da década de 1960, nos EUA e Europa começaram a surgir com muita força as Organizações Não-Governamentais (ONG). Muitas foram criadas para cobrar das empresas boas relações com a comunidade, especialmente nas questões social e ambiental. Ainda nessa época, no Mundo todo começou a surgir legislações especificas da relação da empresa e o público. O movimento ficou mais forte nas décadas subseqüentes, quando também foram criadas diversas entidades de defesa dos interesses do consumidor. NASCE UM CONCEITO Seguindo esta tendência, os investidores que inicialmente entregavam os recursos interessados unicamente no retorno financeiro e sem a preocupação de como a empresa iria atuar para atingir este objetivo, começaram a alterar suas posturas. Tornou-se óbvio para todos que organizações com péssimas relações trabalhistas apresentariam um passivo enorme, menor produtividade e baixa motivação, o que refletiria negativamente nos resultados operacionais. Além disso, empresas que poluem o meio ambiente comprometerão o resultado financeiro, graças às autuações dos órgãos reguladores e a própria atitude dos consumidores. A comunidade está mais esclarecida e consciente do papel que a empresa deve

2 representar. Se esta não atende as necessidades do público consumidor e as responsabilidades perante a ocorrência de equívocos, com certeza terá diminuído a participação no market share, o que representará, mais uma vez, resultados financeiros negativos. Ao sonegar impostos terá posteriormente multas e será cobrada pela quantia que não havia sido paga, com juros e correção, acarretando uma corrosão do resultado financeiro. E assim nasce o conceito que temos hoje de Governança Corporativa, em que as relações da empresa com todas as partes interessadas (acionistas, fornecedores, clientes, trabalhadores, governos, comunidade etc.) são fundamentais para a execução de uma boa gestão. Já estávamos no final do século XX. Em 1992 podemos dizer que surgiu o primeiro código de orientação das relações dos acionistas e gestores das empresas: o The Cadbury Report. Cinco anos mais tarde, o The Hampel Report abordou mais as relações dos agentes envolvidos direta e indiretamente na empresa. A OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em 1999, elaborou o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, com ênfase nas relações da empresa com os stakeholders (partes interessadas). Neste, dois capítulos tem uma forte dedicação aos stakeholders que aproveito para aqui reproduzir e demonstrar a importância que as partes interessadas têm para o sucesso das empresas:...iii. O papel das partes interessadas (stakeholders) na governança corporativa A estrutura da governança corporativa deve reconhecer os direitos das partes interessadas (stakeholders), conforme previsto em lei, e incentivar a cooperação ativa entre empresas e partes interessadas (stakeholders) na criação de riquezas, empregos e na sustentação de empresas economicamente sólidas. A. A estrutura da governança corporativa deve assegurar o respeito aos direitos das partes interessadas (stakeholders) garantidos por lei. B. Quando os direitos das partes interessadas (stakeholders) são protegidos por lei, elas devem ter a oportunidade de obter reparação efetiva pela violação de seus direitos. C. A estrutura da governança corporativa deverá permitir mecanismos de melhoria do desempenho para a participação de partes interessadas (stakeholders). D. As partes interessadas (stakeholders) que participam do processo de governança corporativa devem ter acesso a informações pertinentes. IV. Divulgação e transparência - A estrutura da governança corporativa deverá assegurar a divulgação oportuna e precisa de todos os fatos relevantes referentes à empresa, inclusive situação financeira, desempenho, participação acionária e governança da empresa. A. A divulgação deve incluir, sem estar limitado a, fatos relevantes a respeito das seguintes questões: 1.Os resultados financeiros e operacionais da empresa. 2.Objetivos da empresa. 3.Principais participações acionárias e direitos de voto.

3 4.Conselheiros e principais executivos e sua remuneração. 5.Fatores de risco previsíveis e relevantes. 6.Fatos relevantes a respeito de funcionários e outras partes interessadas (stakeholders). 7.Estruturas e políticas de governança corporativa. B. As informações devem ser preparadas, auditadas e divulgadas segundo os mais altos critérios contábeis, divulgação financeira e não-financeira e auditoria. C. Deverá ser realizada uma auditoria anual por um auditor independente, a fim de proporcionar uma garantia externa e objetiva sobre a maneira pela qual os demonstrativos financeiros foram preparados e apresentados. D. Os canais para a disseminação das informações devem permitir aos usuários acesso justo, oportuno e de custo aceitável às informações relevantes. No Brasil, em 1995, fundou-se o IBCA (Instituto Brasileiro de Conselho de Administração). Começava, no País, o debate a questão da Governança nas Empresas praticamente no mesmo instante que nas nações mais industrializadas. Este teve a denominação modificada, em 1997, para IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). Em 1999, apresenta o primeiro código das melhores práticas de governança made in brazil, focado unicamente no Conselho de Administração, que levou em consideração sugestões do Top Management Summit realizado em abril de Em abril de 2001, o IBGC lança a segunda edição. Esta já aborda, além do Conselho de Administração, a questão da propriedade, acionistas, diretoria executiva, auditoria independente, conselho fiscal, ética/conflito de Interesses, e menciona pela primeira vez a relação com os Stakeholders, deixando claro que o CEO e a diretoria são responsáveis pela relação com as partes interessadas. DIFERENÇAS É importante destacar que a questão da Governança Corporativa se iniciou na Europa por um motivo e nos EUA por outro. No Velho Continente apresentava uma concentração do capital da propriedade e debateu-se sobre os direitos dos acionistas que não faziam parte do bloco de controle, ou seja, aqueles que não estavam no grupo com mais de 50% das ações com direito a voto das empresas. Nos EUA, a grande pulverização das ações fez com que a direção das empresas efetuasse aumentos para si, tanto na remuneração fixa como na variável, ampliando a participação nos resultados e poucos reflexos em caso de ocorrência de riscos, fazendo com que os detentores do capital da propriedade não fossem devidamente remunerados. Em outras palavras: nos EUA, a gestão praticamente não estava dando ouvidos aos acionistas. A gestão detinha todo o controle e não os acionistas. Em muitos casos os CEO são também chairman - os presidentes da diretoria é também o presidente do Conselho de Administração. Estes deveriam defender os interesses da empresa e maximizar os retornos para os acionistas, só que, na prática, defendem mais os interesses dos gestores. Vale aqui uma explicação. Quando falo em defender os interesses da empresa penso no melhor desenvolvimento da Companhia, o que envolve as relações da

4 corporação com todos os stakeholders. UM SÓ CONCEITO Todos esses fatos e idéias levaram à união do conceito de governança corporativa ao da responsabilidade social corporativa, que tem início com os que estão ao lado, ou seja, os sócios, os trabalhadores, clientes, fornecedores, acionistas e comunidade. Nenhuma empresa pode afirmar ter responsabilidade social corporativa quando não permite a sociedade ter acesso a informações relevantes para o desenvolvimento sócio-econômico do País. Temos aí dois casos distintos. As companhias de capital aberto, direta ou indiretamente, acabam oferecendo ao mercado todas as informações relativas a governança e responsabilidade sociais corporativa. O mesmo não se aplica às empresas de capital fechado. Os analistas de crédito deveriam começar a exigir destas a mesma transparência existente das companhias abertas, na verdade toda a governança corporativa que esta sendo implementada nas empresas listadas na Bolsa Brasileira. Uma empresa de capital fechado nacional ou estrangeira não pode ser considerada socialmente responsável ou que possui governança corporativa quando se posiciona veementemente contra a publicação de Demonstrações Financeiras iguais a de uma companhia aberta, e principalmente do DVA (Demonstração do Valor Adicionado), pois esta demonstração contábil apresenta a geração de riqueza pela empresa e como ela foi distribuída. Um supermercado brasileiro aberto listado na Bolsa publica todas as informações sobre as operações, econômico-financeiras, sociais, etc... enquanto que um supermercado estrangeiro aqui instalado se recusa a divulgar demonstrações financeiras de suas operações no Brasil e qualquer informação sobre o desenvolvimento do seu negócio e potenciais ações futuras. Conclui-se, então, que esta última não possui governança e muito menos responsabilidade social corporativa. Na verdade, a concorrência é desleal, pois um player possui informações sobre o outro mas este não as possui. BALANÇO SOCIAL Voltado às empresas de capital aberto, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão regulador das companhias abertas, já editou vários pareceres que favorecem a governança corporativa, como o parecer de orientação nº 15, de 28 de dezembro de 1987, que trata do Relatório de Administração (na questão de Gestão de Pessoas), e o Parecer de Orientação nº 24, de 15 de janeiro de 1992, que trata sobre a divulgação do DVA. Em 1997, o órgão promoveu uma audiência pública sobre a possível divulgação de uma instrução definindo a necessidade da elaboração do Balanço Social Corporativo. O encontro resultou na determinação de um modelo que teve a participação de entidades como o Ibase (defina) e a CVM optou pela não publicação da instrução, e sim sugerir e incentivar as empresas a divulgar anualmente o documento. A nova lei das S.A., aprovada no ano passado, trouxe alguns avanços em relação à

5 proteção dos acionistas não-controladores. Não é a legislação ideal, mas visivelmente melhor do que a que estava em vigor no mercado. No artigo 140, que trata sobre o Conselho de Administração, no inciso IV, único, temos escrito: O estatuto poderá prever a participação no conselho de representantes dos empregados, escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, organizada pela empresa, em conjunto com as entidades sindicais que os representem. A partir disso, muitos podem dizer: Mas isto a empresa já poderia fazer..., Com certeza, só que a lei agora lembra desta possibilidade dando um valor maior à questão. Em relação à venda da empresa pelo grupo controlador e os direitos dos acionistas não-controladores (que antes não tinham direito algum), hoje o dispositivo garante aos acionistas não-controladores detentores de ações ordinárias 80% do valor pago aos acionistas controladores. Mas há empresas que foram além da determinação. O Banco Itaú, por exemplo, em abril aprovou em assembléia que todos os detentores de ações preferenciais também terão os mesmos direitos. No mesmo mês, a Gerdau propôs 100% do valor que for pago aos controladores a todos os acionistas, sejam eles ordinários ou preferenciais. Estas atitudes tiveram reflexos positivos na variação do valor das ações em Bolsa. A nova lei também descreve que os membros do Conselho de Administração que não representarem os controladores poderão vetar a escolha do auditor independente, mais uma prova de boa governança da lei. A lei vem contribuir para valorizar o nosso decadente Mercado de Capitais, visto que os investidores institucionais estão dispostos a pagar 23% a mais por um papel de uma empresa com bons níveis de governança corporativa, segundo estudo realizado pela McKinsey e publicado no jornal O Estado de São Paulo em 30 de setembro do ano passado. Algumas delas possuem Organizações do Terceiro Setor no seu bloco de controle e o conhecimento da gestão destas organizações é fundamental para os princípios da boa governança das empresas. Não basta ter acesso às informações da empresa se o controlador é fechado e não informa a sociedade sobre sua estrutura de funcionamento, processo de decisão etc. A Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) estruturou o Novo Mercado, que é muito mais avançado do que a lei, e várias empresas já estão se posicionando neste novo segmento de listagem. Este se divide em três níveis e o primeiro é praticamente o que toda companhia aberta deveria fazer, isto é, no mínimo todas as empresas listadas na Bolsa deveriam estar neste nível. O nível 2, além de todas as regras do nível 1 possui exigências mais rígidas como por exemplo, a empresa concordar que todas as pendências acionárias sejam julgadas pela Câmara de Arbitragem, o que torna mais ágil o processo, com benefícios diretos à credibilidade do nosso Mercado de Capitais. No nível 3, além de todas as regras dos níveis anteriores, as empresas somente podem possuir ações ordinárias. No Brasil, a Governança Corporativa ainda está sendo tratada quase que exclusivamente em relação aos direitos dos acionistas não controladores. O próximo passo deverá ser o da relação das empresas com os stakeholders. O assunto ganhou tanta importância que os paises do G-7 escolheram a Governança Corporativa como o principal pilar da arquitetura econômica mundial. As entidades financiadoras como BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), IFC (defina) exigem cada vez mais práticas de boa governança e responsabilidade social para

6 liberarem recursos para os projetos empresariais. FINALMENTES... Por tudo isso, a frase dita por um industrial alemão, no final do Século XIX,...os investidores são uns tolos, por que nos dão seus recursos e arrogantes por que ainda querem explicações a respeito..., não tem mais espaço no Mundo atual e as corporações que assim pensarem estarão caminhando a passos largos em direção à não-existência. No passado, a empresa atendia somente aos proprietários, cotistas e acionistas. Atualmente, os profissionais da empresas são consumidores e investidores, os fornecedores e clientes são consumidores e investidores etc. No futuro, cada vez mais presente, a sociedade é consumidora e investidora. Isto faz com que a empresa para sobreviver no mercado tenha governança e responsabilidade social corporativa. Roberto Sousa Gonzalez é Diretor de Estratégia Social da CorpBrasil Comunicação Corporativa, foi superintendente de desenvolvimento da Apimec/SP (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), formado em Administração com MBA em Mercado de Capitais na USP, foi consultor em Balanço Social para Companhias Abertas, realizando os primeiros Balanços Sociais de empresas como Sadia, VCP, Comgás. É professor na Universidade Mackenzie onde ministra a disciplina Balanço Social e Governança Corporativa Este artigo foi publicado na Revista Bem Comum n 76 da Fides (Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social) - 2 Trimestre 2002 Apoio : CEO é a sigla inglesa de Chief Executive Officer, que significa Diretor Executivo em Português. CEO é a pessoa com maior autoridade na hierarquia operacional de uma organização. É o responsável pelas estratégias e pela visão da empresa. Chairman é o mais alto representante de um grupo ou empresa, nomeadamente um Conselho de Administração, Comitê ou Assembleia Deliberativa. Market Share:, significa participação de mercado, em português, e é a fatia ou quota de mercado que uma empresa tem no seu segmento ou no segmento de um determinado produto Stakeholder é uma pessoa ou grupo que possui participação, investimento ou ações e que possui interesse em uma determinada empresa ou negócio. O inglês stake significa interesse, participação, risco. Enquanto holder significa aquele que possui. Autor: Roberto Sousa Gonzalez roberto.gonzalez@corpbrasil.com.br

7 Perguntas para serem respondidas em duplas : 1. Quais itens forçaram o nascimento da governança corporativa segundo o texto? 2. Quais são as relaçoes da Governança Corporativa? 3. Qual é o papel dos stakeholders na governança corporativa? 4. Como deve-se proceder e o que deve ser divulgado na governança corporativa? 5. Uma empresa de capital fechado nacional ou estrangeira pode ser considerada socialmente responsável? Ela pode possuir governança corporativa?