Protagonismo e Inserção Internacional: Opinião Pública e Política Externa no Brasil

Tamanho: px
Começar a partir da página:

Download "Protagonismo e Inserção Internacional: Opinião Pública e Política Externa no Brasil"

Transcrição

1 8º Encontro da ABCP 01 a 04 de agosto de 2012 Área Temática: Comunicação Política e Opinião Pública Protagonismo e Inserção Internacional: Opinião Pública e Política Externa no Brasil Janina Onuki (janonuki@usp.br) Rafael Nunes Magalhães (rnunesmagalhaes@gmail.com) Amâncio Jorge de Oliveira (amancio@caeni.com.br) Draft. Não citar sem autorização dos autores Gramado, RS

2 Protagonismo e Inserção Internacional: Opinião Pública e Política Externa no Brasil Resumo O objetivo deste trabalho é analisar a percepção da opinião pública brasileira sobre temas que envolvem a política externa do país. Tradicionalmente, questões de política externa são vistas como incapazes de despertar interesse na população, não sendo sequer incluídas em pesquisas regulares de avaliação governamental. A crescente exposição internacional do Brasil, entretanto, torna mais urgente a necessidade de avançar a compreensão dos canais de articulação entre decisões de política externa e sua avaliação em diferentes parcelas da sociedade. Com base em um survey, com amostra de 2000 questionários, aplicado nacionalmente no âmbito da pesquisa O Brasil, as Américas e o Mundo em 2011, o trabalho busca compreender a percepção do público sobre os principais temas da política externa brasileira recente e do protagonismo internacional do país. Introdução Para além da teoria realista das Relações Internacionais que toma o Estado como ator central do sistema e parte do princípio de que o interesse nacional orienta a ação externa de cada país (STEIN & GUZZINI, 2002), o campo da Análise de Política Externa (APE) foi se consolidando em torno da investigação das dimensões domésticas que influenciam a política externa. Assim, além de analisar o perfil do tomador de decisão, a APE buscou compreender como se estrutura o processo decisório e quais atores o influenciam. Em um contexto em que os regimes democráticos se multiplicaram pelo mundo, a opinião do público interno, que coincide em boa medida com o eleitorado, passou a fazer parte das indagações dos estudiosos de política externa preocupados em discernir as forças que influem na definição de ações externas que os governos tomam. Essa agenda de pesquisa sobre política externa vem se ampliando, inclusive no Brasil. Vale lembrar que a 'primeira geração' de estudos dedicados à análise de política externa comparada, de inspiração realista, tinha como proposta metodológica o levantamento de dados empíricos que permitissem estabelecer modelos causais monofatoriais, nos quais a política externa era explicada pelo interesse nacional, tal qual definido pelos tomadores de decisão, dada a posição do país no sistema internacional. A evolução para a segunda 2

3 geração implicou na busca de conexões causais mais complexas, combinando condicionantes externos e fatores domésticos. Existem continuidades entre as duas gerações de pesquisas. Mas é com a segunda abordagem que se aperfeiçoam os métodos de pesquisa, sobretudo no que se refere à aplicação de surveys que permitem captar a percepção dos cidadãos, seja como força de pressão sobre as decisões, seja como fator a conferir maior legitimidade às ações externas dos governos. Faz sentido submeter a teste empírico a afirmação da inexistência de visões minimamente coerentes com relação à política externa e temas internacionais entre o público de massa já que nas últimas décadas cada vez mais temas internacionais passaram a ocupar espaço, não só no debate político doméstico, mas na mídia eletrônica. Este trabalho analisa um conjunto de perguntas respondidas pelo público sobre política externa e as relações internacionais do Brasil, a partir da dimensão ideológica (esquerda e direita) e da dimensão federativa, embora ainda sem explicar os posicionamentos. Opinião pública e política externa No campo das Relações Internacionais, os primeiros trabalhos, conduzidos por pesquisadores norte-americanos, tinham como foco a percepção dos líderes que tomavam decisões ou das burocracias que as implementavam. A guerra do Vietnã, pelo impacto que teve na sociedade americana, trouxe o tema da opinião do público para o primeiro plano, marcando definitivamente sua relevância no processo decisório em política externa. Análises empíricas, utilizando surveys de atitudes e valores, passaram a ser conduzidas também no campo da política externa, destacando-se aqui o conjunto de trabalhos coordenados pelo Chicago Council of Foreign Relations, que teve início em O livro Faces of Internationalism. Public Opinion and Foreign Policy, de Eugene R. Wittkopf (1990), reune resultados de quase uma década de pesquisas promovidas pelo CCFR. 3

4 Outra referência importante é o Projeto Liderança em Política Externa (FPLP Foreign Policy Leadership Project) que James Rosenau (George Washington University), iniciou na década de 1970, em parceria com Ole Holsti (Duke University), e que tinha como objetivo acompanhar a opinião de líderes norte-americanos sobre a política externa, por meio da aplicação sistemática de surveys de opinião com as elites (políticos, empresários, acadêmicos, militares e representantes de centrais sindicais, igrejas). O projeto conduziu surveys nacionais com as elites americanas -- aos quais foram incorporados, posteriormente, surveys com a população), no período de 1974 a A partir de respostas a quatorze itens, os autores organizaram uma tipologia para identificar quatro tipos de opiniões domésticas (liberais, conservadores, populistas e libertários), associadas à definição de quatro tipos de política externa (realista, internacionalista, isolacionista e acomodacionista ), mostrando que havia uma alta correlação entre predomínio de atitudes e percepções das elites, no plano doméstico, e modelos de política externa. Essas mesmas variáveis foram testadas também com o público. Os resultados dos surveys e as análises realizadas geraram um debate importante e sugestões de aperfeiçoamento entre autores como Charles Kegley, o próprio Eugene Wittkopf e Thomas Ferguson. Mas, também, deram origem a diversas bases de dados que se tornaram referência no campo das Relações Internacionais, com informações para acompanhamento da política externa de forma comparada. Dentre as principais bases de dados, destacam-se quatro programas: COPDAB (Conflict and Peace Data Bank), organizado em 1980 pelo Institute for Social Science Research Data Archives, da Universidade da Califórnia- Los Angeles i ; WEIS Database (World Event/Interaction Survey, ), e CREON (Comparative Research on the Events of Nations), datado de 1984, ambos organizados pela ICPSR-Inter-University Consortium for Political and Social Research ii ; e o Foreign Relations Indicator (1975). Consolidou-se uma vertente de análise das Relações Internacionais que compreendia a política externa como um vetor resultante da interação entre as preferências de vários atores domésticos. A depender da conjuntura, haveria mais espaço para um ou outro atoras o comportamento externo de um país passou a ser explicado por um conjunto de variáveis independentes, dentre elas, a opinião pública, medida por surveys com grandes amostras da população. 4

5 No caso do Brasil e de outros países da América Latina, contemplados nesta pesquisa, as mudanças domésticas das duas últimas décadas estabilização monetária, abertura econômica, redemocratização, acordos regionais e internacionais, associadas às mudanças ocorridas no sistema internacional, tiveram impacto significativo na formulação da política externa, pressionando por sua poliarquização. O processo decisório tornou-se mais complexo, a partir do surgimento de demandas diferenciadas, vindas agências de governo (como Ministério da Fazenda, Ministério da Indústria e Comércio, Agricultura, etc.), e de vários outros atores da sociedade civil organizada (sindicatos, empresários e associações empresariais, acadêmicos, políticos, terceiro setor), mudando o jogo de interesses que influenciam a decisão em política externa. De outra parte, os temas de política externa, ainda que de forma limitada, passaram a fazer parte do debate público e da disputa eleitoral. Análise Empírica Em maio de 2011, foi aplicado um survey com o público em todas as regiões do Brasil (IPSOS, 2011). Foram realizadas entrevistas pessoais domiciliares, com homes e mulheres com 16 anos ou mais. O procedimento do sorteio da amostra foi dividido em alguns estágios: sorteio dos municípios, dos setores censitários e dos domicílios/pessoas. As entrevistas foram distribuídas proporcionalmente à população em três grandes estratos: no interior, nas capitais e nas regiões metropolitanas, conforme apresentado na tabela abaixo. Tabela 1 Região Número de entrevistas Nordeste 520 Norte/Centro Oeste 180 Sudeste 1020 Sul 280 Total

6 No caso das elites, foram entrevistadas 200 pessoas distribuídas nas categorias a seguir (Techne, 2011): Tabela 2 Segmentos Número de entrevistados % Acadêmicos 43 21,5 Associações empresariais 22 11,0 Associações trabalhistas 17 8,5 Congresso Nacional 21 10,5 Empresários 20 10,0 Jornalistas 16 8,0 ONGs 34 17,0 Poder Executivo 27 13,5 Total ,0 Este trabalho tem como objetivo apresentar resultados parciais da pesquisa, enfatizando a percepção do público e das elites sobre a atuação internacional do Brasil, por região e ideologia. Na tabela abaixo, quando perguntados sobre qual região o Brasil deveria prestar mais atenção, 30% dos entrevistados do público consideram que a América Latina deveria ser privilegiada. Chama atenção o fato da região centro oeste divergir significativamente desta posição, atribuindo maior relevância à América do Norte. 6

7 Tabela 3 7

8 Por outro lado, se perguntados a que processo de integração o Brasil deveria dar maior atenção, as respostas revelam que em todas as regiões, os entrevistados atribuem maior relevância ao Mercosul, em detrimento de acordo de livre comércio com os Estados Unidos, com destaque para as regiões Norte e Centro Oeste cujo percentual de apoio ao Mercosul é maior do que em outras regiões. Os gráficos 2 e 3 mostram que, de fato, os estados do Norte e Centro Oeste atribuem maior importância ao Mercosul. Gráfico 1 8

9 Gráfico 2 Quando perguntados sobre a relevância de se manter acordos com outras regiões do mundo, todas as regiões aparecem como importantes, com destaque para a América do Sul. No gráfico 4 fica bastante claro quais são os estados mais propensos à cooperação com os países sul-americanos. Gráfico 3 9

10 Gráfico 4 Além do posicionamento dos estados, outra variável incluída neste estuda é a ideologia. Já existe uma discussão sobre posicionamentos diferenciados de grupos de esquerda e direita no que se refere à política externa. Em particular a discussão sobre a prioridade atribuída à integração regional em detrimento de uma atuação multilateral é tema da literatura que, no geral, considera a esquerda mais integracionista/internacionalista do que direita (Milner, Kobota, 2004). Essa orientação geral converge com os resultados desta pesquisa, como se pode observar nos gráficos a seguir. 10

11 Gráfico 5. Distribuição dos Entrevistados por Ideologia Gráfico 6 11

12 O gráfico 5 mostra a distribuição ideológica dos entrevistados. No gráfico 6, mostra os resultados da pergunta: existem várias possibilidades para a inserção internacional do Brasil. Caso fosse necessário escolher apenas uma dessas opções, qual seria a opção mais vantajosa para o Brasil? Podemos observar que existe uma percepção diferente entre a esquerda e a direita que enfatiza a importância do Brasil manter relações bilaterais embora a prioridade à manutenção das negociações multilaterais apareça como central para os dois espectros. O resultado sobre o modelo de integração que se espera converge com os resultados anteriores. O gráfico 7 responde à questão: 0Qual deve ser o alcance da integração da AS? O Brasil deve apoiar uma integração seletiva (voltada apenas para o comércio, investimentos e infra-estrutura de transportes e comunicações), ou uma integração profunda (que estimule o desenvolvimento, reduza assimetrias entre os países da região e promova a cooperação política, social, ambiental, tecnológica e cultural)? Gráfico 7 12

13 A esquerda é mais propensa a uma integração mais profunda que a esquerda. Os mesmos resultados são mostrados nos gráficos 8 e 9, onde a direita opta por privilegiar negociações comerciais com países desenvolvidos e uma aproximação com os Estados Unidos, enquanto a esquerda interpreta que o melhor seria o Brasil priorizar negociações comerciais com países da América do Sul. Gráfico 8 Na sua opinião, qual é a melhor estratégia de inserção do Brasil no mercado mundial? 13

14 Gráfico 9 Falando das relações do Brasil com os países da América Latina, com qual das seguintes afirmações você concorda mais? Conclusões preliminares A análise de dados do survey com o público e a opinião pública mostra que existem percepções diferentes sobre a política externa brasileira e as opções internacionais que o Brasil deveria adotar. Podemos observar que existem diferenças significativas entre esquerda e direita em várias opções de inserção internacional. Nem sempre a diferença é estrutural e sim marginal, mas mostram que a divisão do alinhamento continua sendo Norte-Sul, onde a direita enfatiza a relevância de alinhamentos bilaterais, enquanto a esquerda privilegia a integração regional sul-americana. Quando a análise cruza dados de regiões do Brasil, observamos que existem estados mais propensos à integração regional e outros mais favoráveis a acordos bilaterais. Um estudo mais aprofundando incluindo variáveis de comércio poderão ajudar a explicar a diferença de posicionamento entre os estados. 14

15 Os estudos sobre atitudes e política internacional no Brasil têm dado especial ênfase ao papel da ideologia como estruturadores das preferências dos atores. A ideologia, expressa na forma de auto identificação no contínuo esquerda/direita e a filiação políticopartidária têm de fato figurado como a variável explicativa mais relevantes para explicar preferência internacionais de diversos seguimentos das elites nacionais, tais como representantes do legislativo, do executivo, empresários e líderes sindicais. A dimensão federativa tem, nesses estudos, mostrado pouco ou nenhum peso explicativo. O presente estudo procurou saber, por meio de survey nacional, em que medida a preferência do eleitor mediano também é determinado pela ideologia. Verificou-se que, de fato, a ideologia permanece como variável explicativa chave, por exemplo, da opinião dos leitores em relação ao comércio internacional. Esquerda e direita têm preferências estatisticamente diferentes no que tange às relações Norte e Sul do Brasil. Os entrevistados de centro-direita têm maior propensão a apoiar o estreitamento das relações do Brasil como os países desenvolvidos. Os dados de opinião pública demonstram, contudo, um elemento novo quando se compara às opiniões de elite. No caso da opinião pública, a variável federalismo tem sua importância destacada. Tanto no que diz respeito às preferências comerciais quanto ao grau de internacionalismo e isolacionismo do país há divergências significativas em função da região e estados da federação. Há estados com posturas mais isolacionistas e com posicionamento menos moderados nos temas internacionais. Coube a este artigo apontar esta diferença em relação às pesquisas sobre elites. Como agenda de pesquisa valerá um investimento mais sistemático sobre as razões explicativas deste papel do federalismo na definição e preferência em política externa e política comercial. O próximo passo da pesquisa será trabalhar com as co-variáveis potencialmente explicativas tais como interdependência comercial e proximidade geográfica. 15

16 Referências Bibliográficas ALMOND, Gabriel. The American People and Foreign Policy. London-New York: F.A. Praeger Publisher, BURSTEIN, Paul. The Impact of Public Opinion on Public Policy: a review and an agenda. Political Research Quarterly, vol. 56, n 1, March 2003, pp CONVERSE, Philip. The Nature of Belief Systems in Mass Publics. APTER, David. Ideology and Discontent. London: Collier MacMillan, 1967, pp FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Opinião pública e política externa: insulamento, politização e reforma na produção da política exterior do Brasil. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 51, n 2, pp , FONSECA JR., Gelson. A legitimidade e outras questões internacionais. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1998, 376p. GUILHON ALBUQUERQUE, José Augusto. Percepções das elites do Cone Sul sobre as relações internacionais do Brasil. Texto para discussão, n 693. Brasília: IPEA, HOLSTI, Ole & ROSENAU, James N. The Foreign Policy Beliefs of American Leaders: Some Further Thoughts on Theory and Method. International Studies Quarterly, vol. 30, nº 4, December 1986, pp HOLSTI, Ole. Public Opinion and American Foreign Policy. University of Michigan Press, HOLSTI, Ole. Public Opinion and Foreign Policy: Challenges to the Almond-Lippmann Consensus Mershon Series: Research Programs and Debates. International Studies Quarterly, vol. 36, n 4, December 1992, pp HUDSON, Valerie. Foreign Policy Analysis: Actor-Specific Theory and the Ground of International Relations: A Comprehensive Survey. Addison Werley Publishing Company, INGLEHART, Ronald & ABRAMSON, Paul R. Value Change in Global Perspective. Ann Arbor: University of Michigan Press,

17 INGLEHART, Ronald, MIGUEL BASANEZ, Jaime; DEIZ-MEDRANO, Loek & LUIJKX, Ruud. Human Beliefs and Values: A Cross-Cultural Sourcebook based on the values Surveys., Mexico City: Siglo XXI, INGLEHART, Ronald & WELZEL, Christian. Modernization, Cultural Change and Democracy: The Human Development Sequence, Cambridge University Press, KONO, Daniel Y. Does Public Opinion Affect Trade Policy?. Business and Politics, vol. 10, n 2, 2008, pp NEACK, Laura, HEY, Jeanne, HANEY, Patrick. Foreign Policy Analisis: Continuity and Change in Its Second Generation. Miami University, RISSE-KAPPEN, T. Public opinion, domestic structure and foreign policy in liberal democracies. World Politics, vol. 43, ANO pp ROSENAU, James N. Foreign Policy as Adaptative Behavior: Some Preliminary Notes for a Theoretical Model. Comparative Politics, vol. 2, nº 3, April 1970, pp SMITH, Steve; HADFIELD, Amelia & DUNNE, Tim (eds.). Foreign Policy: theories, actors, cases. Oxford: Oxford University Press, 2008, 400 p. SOBEL, R. The impact of public opinion on US foreign policy since Vietnam. Oxford: Oxford University Press, SOUZA, Amaury. A agenda internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Campus/CEBRI, 2009, 176 p. STEIN, Rynning & GUZZINI, Stefano. Realism and Foreign Policy Analysis. Mimeografado, WITTKOPF, Eugene R. Faces of Internationalism. Public Opinion and American Foreign Policy. Durham: Duke University Press, 1990, pp. 4141p. WOO, Jongseok & CHOI, Eunjung. Public Opinion and Foreign Policy: who influences whom?. Paper presented at the Annual Meeting of the Midwest Political Science Association. Chicago, Illinois, April Disponível online em: [ Consulta em i Base de dados disponível online: [ 17

18 ii Base de dados disponível online: [ 18