Análise dos Circuitos da Economia em Serrinha BA

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1 Análise dos Circuitos da Economia em Serrinha BA Resumo Lucicléia Silva Cardoso Nadja Silva de Oliveira UNEB-Campus XI Licenciandas em Geografia Diante das constantes transformações econômicas que vem ocorrendo em extensão global, este artigo pretende analisar como essa dinâmica vem se efetivando a nível local, em que a conservação e inserção de novos elementos na economia se entrecruzam modificando o espaço geográfico, tendo como recorte espacial o quarteirão comercial da cidade de Serrinha-BA, compreendido entre as ruas: Agenor de Freitas com limites entre a Rua Jonas Carvalho, a Rua Araújo Pinho até a Praça Miguel Carneiro, estudando de forma sistemática as práticas espaciais que a caracteriza desde a década de 1990 até os dias atuais, para tanto efetivou-se a partir de pesquisa teórica, pesquisa in locu,registro fotográfico, aplicação de entrevistas, coleta, análise e registro de dados. A análise possibilitou detectar a predominância do Circuito Inferior da economia, pautado na teoria dos dois Circuitos de Milton Santos. Dentro deste circuito encontra-se a prática varejista presente nas duas grandes feiras que contemplam esse local e dos estabelecimentos comerciais. Além disso, foi identificada a presença do circuito superior marginal. A cidade nos permite observar os diferentes contextos de surgimento dos circuitos da economia urbana e, neste sentido, procuramos refletir a respeito das condições locais do meio construído por esses diferentes circuitos da economia Miltoniana. Palavras Chaves: Circuito inferior, prática varejista, economia e circuito superior marginal. 1 Introdução Na obra Espaço Dividido, Milton Santos propõe a análise do espaço, sobretudo dos países subdesenvolvidos a partir da existência de dois circuitos da economia, tratados como circuito superior e circuito inferior. Por circuito superior entende-se uma economia moderna, fruto de uma alta tecnologia e que atende a uma parcela selecionada da população, enquanto que o circuito inferior é produto da exclusão das altas tecnologias para atender as demandas da classe pobre. Há ainda alguns desmembramentos desses circuitos como o

2 2 circuito superior marginal, o qual possui tanto características do circuito superior como do inferior. Contudo não se pode pensar na existência dos circuitos isoladamente, pois os dois fazem parte de um único sistema econômico. Nesse sentido o presente trabalho tem como objetivo analisar e descrever o recorte espacial da área central da cidade de Serrinha, perpassando uma parte da Rua Agenor de Freitas com limites entre a Rua Jonas Carvalho, a Rua Araújo Pinho até a Praça Miguel Carneiro. O estudo tem como base a teoria dos dois circuitos proposto por Milton Santos, o qual servirá para explicar o funcionamento tanto da feira livre (os camelôs, ambulantes, etc.) como dos estabelecimentos comerciais (supermercados, farmácias, etc.) dispostos neste espaço. A realização dessa análise ocorreu mediante uma pesquisa prévia do assunto, seguida por visitas de campo e a realização de entrevistas com os comerciantes locais, a fim de identificar em qual dos circuitos da economia os mesmos se encontram, bem como o registro do espaço por meio de fotografias. Após a coleta dos dados cabíveis buscou-se uma analise comparativa entre as informações colhidas e a teoria estudada. 2 Circuito inferiror No local analisado podemos perceber atividades ligadas aos dois circuitos da economia urbana proposto por Milton Santos, porém, há uma grande predominância do circuito inferior. Esta área é caracterizada por atividades de pequena escala, servindo em sua maioria à população pobre. O espaço é marcado pela existência de pequenos comércios de alimentos, de vestimentas, barbearias, farmácias, incluindo também vendedores ambulantes, e outras atividades e serviços. As práticas comerciais geralmente ocorrem a varejo e a grande maioria dos estabelecimentos não possui um grande estoque de mercadorias (foto 1).

3 3 Foto 1. Frigorífico. Fonte: CARDOSO, Lucicléia. Para Santos, o circuito inferior se caracterizaria por pequenos lucros em relação ao volume de negócios, já que as vendas são mínimas em relação às grandes redes do circuito superior o que proporciona relações diretas e pessoais entre empregados e empregadores e/ou usuários e consumidores. Santos também destaca as reduzidas relações com instituições financeiras que neste caso é apenas para depósito e pagamentos de faturas com a presença governamental inexistente no apoio ou estímulo às atividades nesses comércios do circuito inferior. Outro elemento importante do circuito inferior, detectado no espaço estudado diz respeito a não existência de propaganda ou a sua existência quase insignificante em relação à abrangência dos recursos utilizados e o qual não produz nem influencia em novos padrões de consumo. Os empregos

4 4 oferecidos geralmente não exigem qualificação profissional, fator contribuinte para a baixa remuneração dos mesmos. 2.1 Configuração do comércio no circuito Inferior O comércio, da mesma forma que a produção, estabelecido nos países subdesenvolvidos proporciona a transação e geração de capital. Investir é um dos fatores principais para o crescimento das empresas comerciais e também produtivas, em que as linhas de crédito são essenciais para o aumento do "lucro". A forma como o comércio se configura no mercado, através da obtenção de dinheiro líquido, do crédito e da não-exigência de qualificação profissional, possibilita uma maior margem de lucro e dinamiza o mercado interno quando relacionado ao circuito inferior. A existência de um contingente grande de trabalhadores não-assalariados não impede a população de participar da "economia monetarizada". A crescente urbanização proporciona a utilização do dinheiro líquido que circula no circuito inferior em detrimento do aumento das cidades. "Enquanto as trocas são feitas cada vez mais por intermédio de papéis à medida que se vai para o circuito superior, no circuito inferior, ao contrário, as operações são feitas em dinheiro líquido" (SANTOS, 2004, p. 230). A circulação de dinheiro líquido, neste contexto, proporciona uma maior margem de lucro e o surgimento de pequenos negócios temporários que ajudam na economia dos países subdesenvolvidos. Quando o capital é insuficiente nesse circuito deve-se recorrer ao crédito para sustentar as atividades comerciais e de fabricação. Segundo Santos, o dinheiro líquido é essencial para manter o crédito e efetuar o pagamento, ao menos, da parcela das dívidas feitas, funcionando

5 5 como pagamento para obtenção de créditos e, posteriormente, para conserválos. Em consonância à importância do dinheiro líquido, foi observado nos comércios estudados, após as entrevistas realizadas, que grande parte dos estabelecimentos utiliza uma soma do capital conseguido para obter créditos em mercadoria perante os atacadistas e/ou exportadoras, indústrias. Assim, esse dinheiro mantém o crédito possibilitando o consumo de pessoas de baixa renda. A utilização do dinheiro líquido para o funcionamento de comércios e fábricas faz com que não haja acumulação de capital, apesar de haver consumo, e dessa forma a população continua pobre. Por isso os estabelecimentos analisados não conseguem crescer e criar e conquistar uma clientela de maior poder aquisitivo. 2.2 O comércio familiar O emprego familiar é uma das características principais do circuito inferior e abrange o comércio e a indústria. Ocorre em empresas de pequeno porte que não possuem capacidade para satisfazer e atender todas as formas de regularização exigidas pelas instituições de regulamentação de empresas e do trabalho, como a Auditoria Fiscal e a Justiça do Trabalho. A existência desse comércio emprega pequena parte da população dos países subdesenvolvidos, em que a grande maioria dos funcionários é constituída por familiares. Milton Santos afirma que o emprego familiar possibilita o aumento da produção sem precisar mobilizar o capital de giro, ou capital circulante. Assim o comércio familiar permite que haja um aumento de renda e de mercadorias sem utilizar o lucro líquido das vendas.

6 6 Apelar para assalariados tornaria a pequena empresa pouco competitiva e a obrigaria a pagar encargos sociais e impostos (SANTOS, 2004, p. 219), o que poderia causar a falência e o conseqüente fechamento dessa empresa comercial. Da mesma forma que a empresa familiar o comércio familiar pode ir à falência caso seja transformado em empresa capitalista. Na pesquisa realizada foi constatada a existência de comércios familiares. Um supermercado, uma loja de artigos variados e uma bomboniere. Mas que apesar de não utilizarem carteira assinada e/ou salários fixos possuem obrigações fiscais na compra e venda de mercadorias. A existência dessas micro-empresas, forma como são denominadas perante a Legislação, não exige uma regularização rígida e contínua do trabalho e ainda permite que pessoas de classe baixa tenham um acesso, às mercadorias, condizente a suas respectivas rendas. 2.3 O comércio atacadista Os atacadistas, ou comerciantes intermediários, crescem bastante nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Porém, esses comerciantes, nos países subdesenvolvidos, assim como os intermediários em si, não consistem no aumento da produtividade e na criação de um mercado para as atividades de serviço, como afirma Milton Santos, mas possibilita o funcionamento da economia dentro das desigualdades sociais e dos fatores que as acarretam. O indivíduo pobre depende dos atacadistas para ter acesso aos produtos, dependência mais acentuada quando a cidade é maior, por possuir grandes disparidades econômicas. Isso significa que quando a cidade é pequena não há tanta necessidade desses intermediários. Milton Santos afirma que o papel do intermediário modifica-se com a modernização da economia (Idem, p. 225). E essa modernização somada à urbanização proporciona o surgimento de uma nova classe de atacadistas, que coletam produtos alimentícios. Esse surgimento possibilita que comerciantes

7 7 que não têm acesso aos produtores rurais, importadores e atacadistas possam abastecer suas dispensas. O número de intermediários diminui à medida que a demanda de produtos importados e exportados caem. E o aumento desses intermediários ocorre quando a urbanização aumenta e as cidades crescem. O atacadista dono de caminhão é um comerciante que possui capital ou financiamento para adquirir grandes estoques. O motorista do caminhão tem essencialmente duas funções: pode ser exclusivamente transportador, a serviço das casas atacadistas ou pode ser comerciante (Ibidem, p. 227). O que funciona como transportador concorre grandemente com o que é comerciante, pois pode se posicionar entre os produtores e os comerciantes varejistas abastecendo o mercado. No quarteirão analisado há donos de supermercado que possuem seu próprio caminhão não empregando serviços terceirizados, de transportadoras. Esses concorrem grandemente com os comerciantes de alimentos que por utilizarem empresas de terceirização não possuem estoque para comercializar e pagam fretes tendo, portanto menor lucro nas mercadorias. 2.4 O circuito inferior e a necessidade do dinheiro líquido Mesmo se tratando do circuito inferior da economia dos países subdesenvolvidos a circulação de capital é uma realidade constante. No entanto, o circuito inferior é dependente principalmente do dinheiro líquido. Nas áreas selecionadas como foco para nossa análise e estudo na cidade de Serrinha, composta por supermercados, farmácias, lojas de artigos para o lar; bem como a prestação de serviços, representados por barbearia, salão de beleza e academia de ginástica detectamos que o pagamento à vista é a forma de pagamento mais exigida, havendo apenas algumas exceções que aceitam o cartão de crédito e o pagamento a prazo, mediante nota promissória. Ficando

8 8 evidenciado que a circulação mais rápida do dinheiro líquido é uma necessidade para a expansão desse tipo de economia. Esta prática também é beneficiada em alguns períodos do ano, quando há uma maior circulação de dinheiro líquido no mercado. Segundo Santos,...Na América Latina, a prática do pagamento do décimo terceiro salário aos empregados e operários, na época das festas de Natal, contribui para aumentar a circulação da moeda, assim como o número de pequenos negócios temporários. (SANTOS, P. 231). Há ainda um fator interessante quanto à presença de moedas de pequeno valor no comércio para fazer as operações se concretizarem. Muitos autores perceberam essa realidade em diferentes países. Há os que devolvem o troco de pequenos valores em mercadorias de preços equivalentes. No Brasil, essa prática é percebida de uma forma esporádica em determinados períodos. É comum os pequenos mercados oferecerem o troco de pequenos valores (usualmente em moedas), em balas, prática essa que costuma incomodar uma parcela dos consumidores. Segundo Santos, dispor de dinheiro líquido significa escapar de intermediários financeiros, o qual acarretaria altas taxas de juros no final do pagamento, e poder obter um lucro maior nos negócios. Uma das saídas que os comerciantes encontram é o fato de vender seus produtos com certo prejuízo, para dessa forma escoar a produção e com dinheiro em mãos, poder comprar outras mercadorias que terá uma saída mais fácil e assim por diante. No quarteirão estudado ficou bem evidenciado que a venda ocorrida nas feiras-livres se dá à vista mediante o uso do dinheiro líquido, a fim de que seus estoques possam ser renovados sem que haja perda de mercadorias quando se refere as (verduras e frutas, etc.) ou que se passe a moda (no caso das roupas), causando assim um grande prejuízo.

9 9 Na realidade a preocupação primordial do comerciante do circuito inferior está relacionada à própria sobrevivência e não necessariamente a obtenção do lucro. Eles garantem que se conseguirem o sustento do dia já estarão satisfeitos e prontos para começarem tudo novamente no dia seguinte. Essa realidade é mais notável nos comerciantes das grandes feiras livres encontradas em todo o país, inclusive em nosso espaço de estudo. 3 As duas grandes feira livres A cidade de Serrinha é servida, atualmente, por duas grandes feiras livres, às quartas-feiras, mais dedicada a artigos de vestimentas e utensílios domésticos concentrada na Praça Miguel Carneiro e aos sábados, a feira tradicional voltada principalmente para o comércio de gêneros alimentícios como verduras, frutas, carnes, cereais, etc., ocupando as ruas Agenor de Freitas, Jonas Carvalho e Calçadão Araújo Pinho. Essas duas feiras nem sempre estiveram nessas áreas, pois até os anos 90 aproximadamente, elas aconteciam na Praça da Matriz, hoje conhecida como Praça Luiz Nogueira. Com o passar dos anos, as feiras se expandiram para as ruas centrais da cidade, que apesar de haver comercialização nos vários dias da semana ocorre com maior intensidade as quartas e sábados. Essas feiras são consideradas hoje como as maiores da região em que se pode encontrar produtos diversos, de coentro a roupas importadas, funcionando como um verdadeiro mercado. No entanto, apesar de uma grande movimentação de mercadorias, como diz Santos (2004), este tipo de comércio mobiliza pouco capital, uma vez que por estar no circuito inferior da economia compram em pequena quantidade e têm a formação do preço como resultado da discussão entre comprador e vendedor, obtendo uma relação direta com a clientela e operando com um custo fixo bastante baixo. 4 Vendedores de rua

10 10 O circuito inferior é constituído por um grande número de ocupações, muitas delas não regulamentadas e servidas de precariedades em meio a diversas maneiras de organização interna do trabalhador. As atividades são ainda realizadas com recursos mínimos, englobando longas jornadas de trabalho. Todos esses aspectos podem ser vistos no quarteirão selecionado para estudo em que se observou uma grande variedade de supermercados, lojas de variedades, farmácias, bem como uma grande concentração de vendedores de rua, caracterizando, como diz Santos (2004, p. 218) o nível inferior da pulverização do comércio, sendo que para ele existem: (...) duas categorias de vendedores de rua: (...) os que têm seu local fixo na calçada ou andam com suas mercadorias nas ruas do centro da cidade e aqueles que vão à procura de fregueses nos bairros. (SANTOS, 2004; p. 219). Partindo dessa citação, no contexto do espaço analisado percebe-se o predomínio da primeira categoria, pois apesar de boa parte dos vendedores de rua estudados se deslocarem de outras cidades ou da zona rural, em entrevista eles afirmaram possuir um local fixo em determinados dias da semana na cidade de Serrinha, mas precisamente aos sábados e quartas. Viu-se ainda aqueles vendedores que comercializam produtos periódicos, ou seja, vendem de acordo com os acontecimentos de um período. Por exemplo, nas observações a campo realizadas próximas as datas de comemorações juninas encontraram-se vendedores de chapéus de palha, mercadoria típica do são João e que é maior comercializada nesse período. Esse tipo de vendedor aproveita ao máximo essa ocasião para vender seus produtos. O trabalho do vendedor de rua exige o mínimo de recursos, por exemplo, percebeu-se que para montar uma barraca na rua é necessário apenas de lonas, cordas e algumas peças de ferro e muitas vezes basta a lona, pois o próprio chão dá suporte à mercadoria (Foto 2 e 3).

11 11 Foto 2. Comércio de calçados, feira livre. Foto 3. Comércio de variedades, feira livre. Fonte: CARDOSO, Lucicléia. Fonte: OLIVEIRA, Nadja. 5 O uso da tecnologia no circuito inferior Com o advento da Globalização e de todas as formas de modernização decorrentes dela, (inclusive a no que diz respeito à Tecnologia), nas diversas esferas sociais tem-se a aderência à modernização. Especificamente em relação à Economia, o Circuito Inferior tende a se adaptar parcialmente a essa modernização. Segundo Milton Santos: A modernização, que é acompanhada por uma mudança na estrutura do consumo, repercute diretamente na estrutura do circuito inferior. Facilita então o consumo de produtos modernos, produzindo-os ou comercializando-os com técnicas menos modernas. (SANTOS, 2004, p.255). Como se pode ver, o consumismo, principal agente do Sistema Capitalista caracteriza-se pela inovação e/ou modernização contínua dos produtos, a fim de atrair o mercado consumidor e garantir a manutenção financeira do Sistema, para que a prática consumista se efetive, o Circuito Inferior que é também significativamente importante para a Economia, precisa ir progressivamente atendendo aos requisitos do sistema, precisam também comercializar os produtos para a camada social consumidora específica, que,

12 12 mesmo se caracterizando por uma população pobre, também consome produtos modernos, sendo o consumo dessa população indispensável para o Sistema Capitalista. Essa importância se dar, por exemplo, por conta do montante de empregos que as atividades do Circuito Inferior proporcionam, com a geração cíclica de outras atividades interligadas. Sendo o Circuito Inferior geralmente um agregado de trabalhadores inseridos no subemprego, desempregados ou marginalizados em relação ao emprego no Circuito Superior. De acordo com Santos: Muitas dessas atividades estão a meio caminho entre a atividade secundária e a atividade terciária. Sendo uma atividade de fabricação, o conserto guarda, entretanto, semelhanças com os serviços destinados ao consumo final. (SANTOS, 2004, p. 257). Portanto o consumo de produtos modernos também se efetiva no Circuito Inferior, a diferença em relação ao Superior seriam as técnicas, que no Inferior são menos modernas.especificamente em relação á modernização tecnológica, com o processo da globalização e a revolução técnicoinformacional ela vem se tornando cada vez mais presente e atuante no espaço geográfico. Em relação à economia, percebe-se que mesmo sendo um determinado comércio integrante do circuito Inferior, há geralmente por parte deste, investimentos voltados para a aquisição de novas técnicas de trabalho. Sendo que esses estabelecimentos vêm se modernizando tecnologicamente. Mesmo se caracterizando por um sistema tecnológico relativamente primitivo, o comércio do Circuito Inferior tende a se adaptar e aderir parcialmente às novas tecnologias. Com base no estudo local, é notório que em alguns comércios há o uso de técnicas não tão primitivas. Apesar de estruturalmente serem considerados parte do Circuito Inferior, tais comerciantes declaram o uso do computador, por

13 13 exemplo, indispensável, fundamental para facilitar a comunicação entre a empresa e o fornecedor, e no caso da internet, utiliza-se para investigação de preços, e quando não possuem internet se utilizam do computador para ter controle de vendas. 6 A pobreza no espaço estudado A configuração sócio-econômica do mundo é conseqüência das atividades corporativas e estatais. O circuito inferior é um dos fenômenos dessa configuração, e expressa às desigualdades sociais resultantes da má distribuição de renda e também do desemprego. No espaço analisado pode ser visto a pobreza, expressa pelo mau zelo dos ambulantes e vendedores de rua e até de alguns comerciantes e funcionários. A situação econômica restringe-se a salários e margens de lucros baixos em que a grande maioria dos trabalhadores locais se encontram. A pobreza, como uma das características principais desse circuito, aumenta em detrimento de fatores como a inserção de multinacionais em países subdesenvolvidos e a falta de qualificação profissional. Cada nova atividade que vem se instalar num país subdesenvolvido leva, como corolário, à criação de um grande número de empregos no exterior (Santos, 19...) e diminuição do salário dos trabalhadores com a utilização de mão-de-obra barata. A partir da análise de Milton Santos entende-se que o número de trabalhadores desqualificados justifica de certa forma, a diminuição dos salários fazendo com que grande parte da população seja excluída do consumo dos meios de produção. O emprego de operários qualificados, em atividades altamente tecnológicas, culmina no aumento do salário. E ocorre ainda que com o desenvolvimento industrial, o número de operários qualificados aumenta mais rapidamente que o dos braçais, sendo estes últimos progressivamente substituídos pelas máquinas (Santos, 2004, p.191).

14 14 Os funcionários das empresas em estudo não possuem um nível de qualificação exigido pelo mercado de trabalho, e, portanto, recebem a quantia de um salário mínimo exigidos pelos sindicatos dos trabalhadores e pela Legislação. Essa falta de qualificação e consequentemente a renda mínima, torna inacessível os produtos e serviços oferecidos pelo mercado e, inclusive, os bens vendidos por estes funcionários. Há, então, certa exclusão dos trabalhadores pobres que terminam por não terem acesso às ofertas do mercado oferecidas pelo sistema capitalista. Sistema este, que acentua as desigualdades sociais e econômicas, causando miséria e dependência da população de baixa renda, ao aproveitar-se das exigências da urbanização e modernização. 7 A presença do circuito superior marginal Além da divisão do espaço econômico em circuito superior e circuito inferior, Santos propõe um terceiro sistema, originário do circuito Superior, denominado de circuito superior marginal, o qual é constituído tanto por características pertencentes ao circuito superior, quanto de características do circuito inferior. O surgimento do circuito superior marginal pode está ligado à resistência de algumas formas menos modernas do ponto de vista tecnológico organizacional ou resultado de uma demanda de nível intermediário incapaz de se sustentar no circuito superior, mas que ultrapassa a linha de demandas existentes no Circuito Inferior. Esse tipo de circuito econômico tende a atender a uma clientela oriunda das diversas classes sociais, em que o peso de uma população em crescimento e de baixo nível de vida representa uma possibilidade de manutenção das formas menos modernas (M. Santos, 2004, P. 104). Porém, se pode determinar que a taxa de lucro obtido no circuito superior marginal seja também de nível marginal ou intermediário, uma vez que sua

15 15 produtividade chega a ser mesmo superior à das grandes firmas (SANTOS, 2004, p. 105). Essa realidade justifica-se por algumas vantagens asseguradas ao circuito superior marginal, dentre as quais a diversidade de seu público alvo, o qual muitas vezes é bem maior do que a do circuito superior, bem como a fatores como pagamento de salários aos funcionários que se restringe apenas ao salário monetário, enquanto que as grandes empresas uma parte dos salários é paga freqüentemente sob a forma de beneficio social como alojamento, saúde etc. (SANTOS, 2004, p. 186). Em nosso estudo sobre um quarteirão na Cidade de Serrinha, perpassando entre a Rua Agenor de Freitas com Limites entre a Rua Jonas Carvalho, a Rua Araújo Pinho e a Praça Miguel Carneiro, foi possível constatar a presença de alguns comércios do tipo superior marginal (Foto 4). Foto 4. Loja de confecções e variedades. Fonte: OLIVEIRA, Nadja.

16 16 Entre os estabelecimentos elencados como pertencentes ao circuito superior marginal, encontra-se o Supermercado Chama, o qual a nosso ver é organizado ao mesmo tempo sobre aspectos primitivos e aspectos e/ou tecnologias modernas. A heterogeneidade da organização desse estabelecimento pode ser constatada por meio de alguns fatores como o uso intensivo de capital, porém contraposto pela presença do trabalho intensivo. O uso da tecnologia na administração dessa empresa é de fundamental importância, uma vez que o sistema interligado às empresas fornecedoras de mercadorias age virtualmente no controle do estoque e na realização dos pedidos dos produtos em baixa, configurando o uso de uma tecnologia moderna. Contudo se comparado ao nível da cidade de Serrinha, o número de empregos ofertados é bastante volumoso e esta é uma característica do Circuito Inferior, principalmente por se tratar de uma mão de obra não qualificada e conseqüentemente de baixa remuneração. Por outro lado a não utilização de propagandas por parte deste estabelecimento, não o conduz a uma relação pessoal com sua clientela, pelo contrario as relações são totalmente burocráticas, em que as formas de pagamento ou são a vista ou por meio do uso do cartão de crédito, este último traço, fundamental na organização do Circuito Superior. Outra empresa identificada como pertencente ao circuito superior marginal foi a Cesta do Povo, sobretudo por algumas especificidades, como o fato de não somente usufruir do uso de cartões de crédito, mas principalmente pelo fato dela mesma possuir uma linha de cartão de crédito o Credi-cesta, destinado apenas a uma pequena parcela da população (funcionários públicos estaduais). Nesta empresa o uso de propagandas é fundamental, sobretudo pela existência de muitas filiais. Esta organização poderia até mesmo ser pensada sobre uma ótica do circuito inferior, se, contudo sua própria origem não a denunciasse, uma vez que sua implantação se deu com o objetivo de atender as classes pobres,

17 17 assim como a tecnologia empregada neste estabelecimento não é tão moderna. É notório que ambos os estabelecimentos citados, bem como outros estabelecimentos (Foto 5), estão organizados de forma mista, em que há a presença de elementos do circuito superior e do circuito inferior, os quais os definem como circuito superior marginal. Considerações finais Diante dos resultados de nossa pesquisa, percebemos que os comércios presentes no recorte espacial estudado apresentam características dos dois circuitos, sendo que a maioria destes possui características predominantes do Circuito Inferior, bem como a presença de comércios do tipo familiar. Contudo identificamos no mesmo recorte a existência de alguns estabelecimentos pertencentes ao Circuito superior Marginal. Esta realidade evidencia o que Milton Santos propôs sobre as contradições existentes na configuração dos espaços dos Países Subdesenvolvidos. A análise em campo foi fundamental para aplicarmos na prática o conhecimento adquirido teoricamente e compreendermos alguns aspectos da dinâmica referente à economia local, sob uma perspectiva geográfica. Enfatizamos ainda que a pesquisa realizada tem caráter introdutório para a culminância de novos estudos sobre o espaço econômico no futuro.

18 18 Referências: FRANCO, Tasso. Serrinha: A colonização Portuguesa numa cidade do sertão da Bahia. Salvador: EGBA/Assembléia Legislativa do Estado, SANTOS, Milton. O Espaço dividido. São Paulo: Editora da universidade de São Paulo, 2004.