A ética do consumo sustentável: a atividade do Núcleo de Prática em Direito Ambiental
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- Jessica Balsemão Pereira
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1 A ética do consumo sustentável: a atividade do Núcleo de Prática em Direito Ambiental Ricardo Libel Waldman Doutor em Direito UniRitter-Laureate International Universities e PUC-RS ricardo_waldman@uniritter.edu.br Resumo: O presente trabalho propõe uma discussão de anteprojeto de Lei que tem como objetivo o consumo sustentável, parte de pesquisa mais ampla realizada pelo autor. Indica a existência de uma lacuna do Direito Ambiental, que está mais preocupado com a produção do que com o consumo. Neste contexto, apresenta o referido anteprojeto, elaborado pelos alunos do semestre do Núcleo de Prática em Direito Ambiental do Campus de Canoas do UniRitter e o relaciona com a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Constituição Federal. Chama atenção para o critério da integridade ecológica como base para o consumo sustentável é necessariamente o qual é menor que o atual e não apenas melhor. É necessário que o Direito Ambiental atue neste sentido, mas que isso somente é possível como uma nova ética. Neste sentido, defende a ruptura com a sociedade de consumo que considera o ser humano não só como consumidor, mas como ser capaz de virtudes em favor de uma sociedade mais justa e que consuma menos recursos naturais preservando a justiça não só no presente, mas também no futuro, conforme discussão realizada em outro artigo apresentado para esta X SePesq. 1 Introdução O direito ambiental tem seu foco na regulamentação da produção. Entretanto, supondo que este fosse totalmente eficaz em seus objetivos de reduzir a poluição e evitar acidentes no processo de produção, este seria ainda ineficaz no objetivo de preservar o meio ambiente, se o consumo não fosse reduzido, pois o número de produtos inseridos no mercado continua a aumentar (SALZMAN, 1997). O tema do consumo sustentável é, deste modo, de grande importância e é tema de pesquisa mais ampla do autor do presente artigo. O Núcleo de Prática em Direito Ambiental da Faculdade de Direito de Canoas do UniRitter-Laureate International Universities procura trabalhar neste nicho, desenvolvendo discussões para alterar a legislação nos planos federal, estadual e municipal visando estimular o consumo sustentável. Isto através de três projetos: o primeiro trata da anteprojeto de Lei que complementaria a Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que trata da água sanitária, o segundo da revisão da Legislação sobre criação e abate de animais de açougue e o terceiro sobre o plantio de árvores frutíferas e de hortas comunitárias no Município de Canoas. Neste trabalho, daremos destaque ao primeiro projeto. Os dados sobre custos são de 2012, em virtude de o projeto ter ficado com um X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq 20 a 24 de outubro de 2014
2 deputado federal para propositura no Congresso Nacional por longa data sem retorno, razão pela qual estamos o retomando, mas considerando-se a inflação as proporções devem se manter as mesmas. 2 Do conteúdo do Anteprojeto de Lei proposto e sua fundamentação Neste sentido, com relação a produtos não duráveis a questão da embalagem é bastante relevante. Uma possibilidade para produtos de validade mais longa é a determinação de legal de medidas mínimas para as embalagens, diminuindo o consumo de recursos naturais e o descarte de resíduos. Um exemplo desta possibilidade é o anteprojeto que ora se apresenta elaborado pelo Núcleo de Prática Jurídica em Direito Ambiental do Laureate International Universities, semestre de 2012/2. O grupo de alunos, coordenado pelo autor, elaborou anteprojeto de Lei regulamentando o volume das embalagens de água sanitária. Pretende-se uma inovação da Legislação Estadual que suplemente a regulamentação a respeito do produto água sanitária feita pela Resolução nº 55 de 10 de novembro de 2009 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Este anteprojeto tem como finalidade a regulamentação da produção e consumo proteção do meio ambiente, previstas, respectivamente, incisos V e VI do art. 24 da Constituição Federal, que estabelece a competência legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal. O referido produto é vendido nas apresentações de 1, 2 e 5 litros, mas, com o objetivo de, ao mesmo tempo, reduzir resíduos (menos embalagens) e reduzir o preço do produto para o consumidor, a proposta é que se proíba a apresentação de um litro. Veja-se que o preço por litro pago pelo consumidor é menor na embalagem de dois litros, então ele seria beneficiado, e o meio ambiente seria beneficiado porque gasta-se mais material para duas embalagens de dois litros do que para uma de dois litros e também se reduz a quantidade de resíduos sólidos (uma embalagem ao invés de duas para a mesma quantidade de produto). O preço das embalagens é bastante esclarecedor: a embalagem de 1 litro de matéria prima virgem (não reciclado), por exemplo, custa R$0,58, enquanto que uma embalagem do mesmo tipo de 2 litros custa R$0,79 (SASTRE, 2012). Simples cálculo aritmético mostra que o custo de duas embalagens de um litro é de R$1,16, valor bastante superior ao de uma embalagem de 2 litros. Ao exigir o uso de matéria prima reciclada a proposta reduz ainda mais o custo, pois a embalagem deste tipo com dois litros custa R$0,59 a unidade (SASTRE, 2012). Os fornecedores da água sanitária e das embalagens já utilizam esta apresentação, então não haveria custos com mudança de maquinários para produzir as embalagens ou mudança de fornecedor neste sentido e nem quanto à própria forma de embalar o produto. Além disso, não haveria aumento de gasto nos transportes porque os espaço ocupado pelas embalagens de um litro é equivalente ao das embalagens de dois litros com relação a mesma quantidade de produto (SASTRE, 2012). O anteprojeto ainda inclui a exigência de dosadores nas embalagens e novas informações no rótulo.
3 Pesquisa realizada pelo acadêmico Marcos Vinícius Medeiros em pequenos mercados do Bairro Niterói na cidade de Canoas, que atendem clientela de baixo poder aquisitivo revelou que os consumidores procuram mais as embalagens de 1 litro, respondendo estas por 73,24% das vendas. Este projeto tem, portanto, possibilidade de possibilitar uma redução relevante no consumo de embalagens. Este é um exemplo de como se como se pode reduzir o consumo de produtos que tem a vantagem de não produzir ônus nem para o consumidor, que vai pagar menos pelo produto (por litro) nem para o fornecedor, que não de terá de alterar seus processos produtivos. Outra regra a ser destacada no presente anteprojeto é a proibição da venda do hipoclorito de sódio para pessoas físicas ou jurídicas não licenciadas para produzir água sanitária. É que o hipoclorito de sódio é utilizado, por pessoas não licenciadas, para fabricar a água sanitária, a qual é vendida em garrafas pet, sem nenhum tipo de controle a respeito da produção e das informações repassadas ao consumidor. Pretende-se que este anteprojeto sirva de base para regulamentações semelhantes com relação a outros produtos, eis que o objetivo do consumo sustentável é essencial para a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 5º de nossa Constituição Federal. Por esta razão foi inserida uma parte principiológica (art. 2º) em uma legislação tão singela. O projeto coaduna-se com Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos, que em seu art. 7º, II estabelece que: Art. 7 o São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos: II - não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; Assim, o consumo sustentável, por interpretação literal do referido dispositivo, é um consumo menor do que atual, pois só não consumindo podemos não gerar resíduos, como quer a referida Lei. O consumo de embalagens de água sanitária restaria reduzido com a nossa proposta. O consumo sustentável é o que mantém a integridade ecológica, entendida como a manutenção dos ecossistemas (GEYER; WALDMAN, 2014). A atuação na natureza pelo homem, ainda que para os proteger os menos favorecidos realizando uma suposta justiça social. É o que requer a Constituição Federal, que, em seu art. 170, VI, o qual determina que:
4 Art A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; A atividade econômica, portanto, deve buscar a justiça social e preservar o meio ambiente. Aí estão as bases do consumo sustentável. O Núcleo de Prática está atualmente discutindo se a estratégia do Anteprojeto de Lei seria mais adequada para regular a questão, eis que se trata de assunto regulado por Resolução. Inicialmente se pensou que seria uma forma de levar a discussão sobre o consumo sustentável para o Legislativo. Mas o tempo mostrou que a especificidade do assunto pode não motivar um parlamentar a se esforçar neste sentido. Assim, o Núcleo está procurando um diálogo com a ANVISA de modo a viabilizar o projeto e a efetividade do projeto. O que se gostaria de provocar com ele, mais do que simplesmente a redução do consumo de embalagens de água sanitária, é uma discussão sobre o consumo sustentável a partir de uma ética diferenciada como se discutiu no artigo enviado pelo autor para o Colóquio de Pesquisa desta X SePesq (A ética do consumo sustentável) e que se reproduz abaixo. 3 A sociedade de consumo e a sociedade autárquica Vivemos a sociedade de consumo, na qual a realização pessoal se dá através do consumo, seja consumindo, seja sendo consumido e não do desenvolvimento das potencialidades humanas. A característica mais proeminente de uma sociedade de consumidores - ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta é a transformação dos consumidores em mercadorias (...) (BAUMAN, 2012, p. 21) grifo no original. A felicidade, neste contexto, é entendida como a satisfação de um número cada vez maior de desejos, os quais correspondem a novos objetos, tudo isso para atender a necessidades que não são suas, mas do mercado (BAUMAN, 2012). Tal sociedade, é preciso dizer, não é apenas danosa para o meio ambiente como também para as pessoas que são estimuladas a quererem sempre algo mais, a nunca estarem plenamente satisfeitas e, por tanto, serem infelizes (BAUMAN, 2012). Entretanto, o consumo sustentável exige uma visão de mundo diferente. A vida em sociedade surge para a realização da boa vida para o ser humano (WALDMAN, 2008) e não
5 para satisfazer a interesse de determinados setores que tiram proveito de uma mercantilização da sociedade. A boa vida requer atingir um ideal de autarquia, ou seja, a possibilidade de satisfazer por si as suas necessidades (mas não quaisquer necessidades), as necessidades de um homem bom, virtuoso, e de uma comunidade de homens bons, virtuosos, ou que busque a bondade e a justiça, como determina a natureza (humana) (WALDMAN, 2008). Assim, o consumo sustentável deve ser menor do que o atual no que não diz respeito à realização da virtude mais relevante para indivíduos e sociedades e que está por traz do princípio do desenvolvimento sustentável: a Justiça. Busca-se, assim, um consumo dos recursos naturais compatível com a Justiça para as presentes e futuras gerações. O consumo sustentável assim é a forma mais humana de se relacionar com a natureza, pois, do contrário, não seríamos mais do que parasitas que acabam por matar seu hospedeiro (e a si mesmos). Isso se considerarmos que seres humanos não são parasitas. (WALDMAN, 2008). O modo como os recursos são consumidos nos dias de hoje não é justo para quem consome e toma o consumo por felicidade, para aqueles que não consomem nem o mínimo para aspirar à realização pessoal e para as gerações por vir, que receberão um estoque muito menor de recursos com os quais buscar sua própria realização. Uma transição ética é necessária para romper esta cadeia de injustiça e insustentabilidade e ela é tão próxima quanto for a consciência da impossibilidade de manter as atuais práticas de consumo. 4 Considerações finais O Núcleo de Prática em Direito Ambiental do UniRitter procura atuar no sentido do consumo sustentável, projetando mudanças na Legislação. Foi discutida neste artigo a complementação de Resolução da ANVISA sobre a água sanitária visando sua alteração, restando demonstrada sua viabilidade econômica e claro benefício ambiental. O rumo deste projeto está em discussão saindo do Legislativo e indo para o âmbito técnico da ANVISA. O que é necessário, entretanto, é uma mudança de paradigma ético, que deixe de ter o mercado no centro e passe a considerar a justiça social e a proteção dos ecossistemas como o objetivo como requer a Constituição Federal. Referências
6 BAUMAN, Zigmunt. Vida para consumo (portuguese edition). Edição digital. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora Ltda.,2012. GEYER, S.; WALDMAN, R.L. A justiça corretiva como instrumento para o consumo sustentável. Artigo inédito. SALZMAN, James. Sustainable consumption and the law.27 Envtl. L p WALDMAN, Ricardo Libel. Fundamentos epistemológicos para uma teoria da justiça para o direito internacional ambiental: uma análise a partir do confronto entre comércio e meio ambiente. [Tese de doutorado] Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008.
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