ACERVOS FOTOGRÁFICOS HISTÓRICOS. Organização, Pesquisa e Usos de Documentos Visuais. Aline Lopes de Lacerda alopeslacerda@gmail.
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1 ACERVOS FOTOGRÁFICOS HISTÓRICOS Organização, Pesquisa e Usos de Documentos Visuais Aline Lopes de Lacerda alopeslacerda@gmail.com
2 Parte I - Fotografia e valor documentário Parte II - A fotografia nos arquivos: etapas de trabalho, processos de significação Parte III - Pesquisa e usos de documentos em acervos fotográficos
3 Parte I Fotografia e valor documentário Rica problematização sobre a fotografia documentária, tanto nos estudos de teoria fotográfica quanto nos estudos sobre a história da fotografia. Origem do valor documentário da imagem fotográfica se dá fora do campo dos arquivos. Arquivos e teoria e metodologia arquivística moldados a partir da documentação de caráter textual, administrativa e pública.
4 No campo da teoria fotográfica, um aspecto que importa apresentar é a forma de atuação da fotografia enquanto um signo visual. Ela atua, sobretudo, como: Índice um signo cujo significado é entendido a partir de sua relação de contiguidade física com seu referente (sua origem); Ícone a mais proeminente qualidade da fotografia fotografias tem seu significado compreendido pela similaridade com o referente. Representam com alto grau de semelhança o objeto fotografado.
5 A fotografia, como uma imagem técnica, distingue-se frontalmente das formas pictóricas tradicionais de representação: pintura, desenho, gravura etc primeiramente pela sua produção por intermédio de uma aparato técnico, responsável pela captação da imagem. A ilusão de verossimilhança trazida pelo código de representação ocidental tende a reprimir o código que opera no sistema simbólico, ocultar seu papel de produtor de sentido.
6 Além do aspecto da analogia com o real, a relação de indicialidade que o signo fotográfico mantém com o objeto representado, é responsável pelo compartilhamento do valor documental do registro fotográfico. Sendo um índice de uma presença, a fotografia é reconhecida por seu caráter de testemunho do fato.
7 No âmbito das discussões teóricas sobre a fotografia, ideia de desconstrução desse valor de objetividade. Foto considerada resultado de uma construção da câmera que traduz a realidade em imagem. Segundo Rouillé, a imagem documental se apoiaria numa tripla negação: da subjetividade do fotógrafo, das relações sociais ou subjetivas com os modelos e com as coisas, e da escrita fotográfica.
8 A despeito das discussões no âmbito da teoria, a posição hegemônica em relação às imagens fotográficas é a que as reconhece como transcrições das aparências físicas de forma não mediada e fidedigna. Um exemplo é que as fotografias continuam sendo a única forma de prova pictórica rotineiramente admitida nas cortes de justiça...
9 O status da fotografia se apoiou na crença de sua capacidade de transcrição objetiva. Esse realismo instrumental serviu ao registro visual, na forma de inventário dos aspectos visuais de fenômenos os mais diversos, em áreas como as das ciências, do comércio, da política, das artes, da administração, além da vida cotidiana. Entender a foto num quadro de discursos, práticas e usos dos modernos dispositivos do século XIX. Função documentária da fotografia não é ontológica, mas histórica.
10 Entender a questão do realismo fotográfico como a mola propulsora de seus usos documentários. Sua capacidade instrumental e sua força persuasiva. Usos diversos, e início de sua acumulação como série documental nos espaços institucionais e privados também. Somar a isso o caráter de testemunho do registro. Segundo F. Hartog, em estudo sobre a relação do testemunho como evidência para o trabalho do historiador, a participação do visual no testemunho aumenta, ao ponto de se tornar constitutiva de sua autenticidade e de sua verdade.
11 A fotografia no universo dos arquivos Práticas de colecionamento: Indivíduos Famílias Instituições Século XIX fase de produção e acumulação de fotografias nos espaços de produção e consumo. Aparecimento nos depósitos de arquivo mais tarde, no século XX.
12 Na literatura sobre história da fotografia, começam a surgir referências sobre arquivos fotográficos de organismos e instituições só no século XX. Mas já há referências sobre prática institucionais de produção fotográfica desde 1840 (polícia, por exemplo). Usos mais recorrentes da fotografia nas instituições no século XIX: Instituições de controle social (polícia, asilos, etc); Instituições de produção de conhecimento (órgãos de saúde pública, atividades científicas em geral, estudos antropológicos etc).
13 Valores de observação e registro vão dando forma às noções de documentação fotográfica e de prova pelo uso dessa imagem. Ideia de arquivamento como valor intrínseco ao meio fotográfico possibilidade de reprodução ilimitada, confecção de cópias para arquivamento. O arquivamento das imagens constituindo arquivos remete à ideia de controle e poder sobre o novo tipo de conhecimento resultante do registro visual.
14 Relação da fotografia com instituições de guarda de acervos já no século XIX: Lei de depósito legal na França (fotos produzidas e entregues à guarda da Biblioteca Nacional); Nos museus, também no século XIX, surge no contexto das viagens dos antropólogos e no registro fotográfico, feito de forma sistemática, dos povos estudados, que alimenta as coleções dos museus e sociedades profissionais, que muitas vezes custodiavam esses estudos; Em 1908, arquivos do Canadá organizam seção especial para a guarda desse tipo de documento;
15 Em 1926, decreto na URSS ordena a integração, nos arquivos centrais, dos positivos e negativos fotográficos e cinematográficos de interesse para a história da Revolução de Outubro; Na Alemanha, recolheu-se todo material fotográfico do Reicharchiv, fundado em 1920 e criou-se, para filmes e fotografias, uma instituição especial em 1935; Arquivos Nacionais em Washington também constituíram seção para esses documentos em 1934.
16 Esses exemplos nos mostram um movimento de especialização de locais de armazenamento desses materiais em relação aos arquivos tradicionais, aspecto que contribuirá para acentuar as diferenças também metodológicas entre eles.
17 A fotografia como vestígio e exteriorização da memória Foto não apenas fornece informações ou conhecimento, mas retém também, no congelamento, a própria percepção de uma época em termos visuais. As formas de ver de uma época. Papel da foto como suporte de memória e como traço, vestígio do passado. Ato de leitura do traço/vestígio é um ato de reconhecimento.
18 O conceito de traço/vestígio em fotografia, na sua relação com o passado, aponta para a sua temporalidade. Essa é uma riqueza do trabalho com imagens do passado: competência para acionar lembranças. Auxílio em depoimentos de história oral, por exemplo. Auxílio para acionar informações de contexto de produção do registro. Uma imagem pode apontar para um universo de informações que não estão nela.
19 Fotografias mostram mas não explicam o que as originou. Os usuários do universo de produção de uma documentação fotográfica pessoal sabem o contexto do que é visível numa imagem fotográfica, ou por experiência pessoal ou por conversas com parentes ou amigos. Ao contrário, os usuários do universo da preservação (instituições de guarda), bem como os leitores mais amplos não podem penetrar na superfície das imagens porque não tem acesso a esse conhecimento privado e portanto tentam encontrar sentido nas imagens.
20 O caminho capaz de apresentar uma mediação entre os dois universos o do produtor e o do usuário mais amplo constitui exatamente o trabalho de organização desses acervos pelos profissionais das instituições de guarda (documentalistas, arquivistas, bibliotecários, museólogos etc).
21 Documentalistas têm que operar nesse vazio, nesse fosso que separa os significados específicos com as inferências posteriores. O vazio deve ser preenchido com informações contextuais e de conteúdo dos documentos esse é o trabalho arquivístico. Documentalistas são os mediadores entre as imagens do passado oferecidas hoje a (re)usos e ressignificações pelos usuários.
22 A fotografia como documento de arquivo Fotos nos arquivos são pouco problematizadas quanto às relações entre as suas características de registro visual e os atributos exigidos para a aferição de seu valor documental. Registros visuais irregulares, inconstantes. Produzidos fora de procedimentos controlados e sem estarem de acordo com regulamentação oficial ou preocupação jurídico-legal.
23 Fotos de arquivo não compartilham dos mesmos elementos de forma documental presentes nos documentos textuais. Sua autenticidade associada a seu contexto funcional e não mais à supervalorização de seu conteúdo informativo. Necessário problematizar as práticas de produção e acumulação desses registros no interior dos arquivos.
24 Singularidade do registro somada ao contexto de seu aparecimento como documento numa situação específica é o caminho a ser percorrido na busca do entendimento de seu contexto arquivístico. Embora geralmente careçam de dados contextuais, as fotografias podem trazer indícios de suas ligações com o arquivo e de seus usos pretéritos.
25 Na investigação sobre o contexto de produção, necessária a pesquisa a outras fontes. Fotos: documentos produzidos informalmente. Entre criação e arquivamento, trajetória sui generis. Criação e utilização nem sempre mantém relações evidentes. Registros polissêmicos, criados e reutilizados constantemente. Novos usos, novos documentos.
26 O conteúdo (valor informacional) da imagem: não é capaz de apontar para o papel que o documento teve na ação da qual teve participação. O significado do documento no arquivo (valor probatório): só permitido pelo entendimento do contexto de produção, objetivo e uso mais amplos. Nem absoluto nem estático, ao contrário, varia segundo circunstâncias de criação do documento.
27 Importante diferenciar o tipo de autoridade simbólica, socialmente compartilhada e relativa ao dispositivo que gera as imagens fotográficas da autenticidade, autoridade e valor enquanto elementos que formam o caráter dos documentos de arquivo. Elementos que auxiliam e autenticam: a inserção numa série, a relação imagem-realidade, a relação imagem-legenda, a relação imagem-outros documentos, a relação imagem-titular do arquivo e, sobretudo, o conhecimento do contexto de produção.
28 Fim da parte I Aline Lopes de Lacerda lacerda@fiocruz.br
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