ANÁLISE DE COMPONENTES PRINCIPAIS DA PRECIPITAÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

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1 ANÁLISE DE COMPONENTES PRINCIPAIS DA PRECIPITAÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS José Hilário Delconte Ferreira Docente do Curso de Tecnologia Ambiental /CEFET-PR/CM Jonas Teixeira Nery Docente do Departamento de Física/UEM Coordenador da Área de Meteorologia ABSTRACT The objective of this paper was to analyze the precipitation in Minas Gerais State, southeast area of Brazil. The dataset used in this paper was provided by Agência Nacional de Água e Energia Elétrica (ANEEL). Anomalies were calculated for some years of events El Niño and La Niña among 1968 and Principal Components Analysis was used to study a variability of the precipitation in this State. Key words: anomalies, precipitation, variability. INTRODUÇÃO A precipitação é um fator importante para a definição climática de qualquer área e determinante para a economia, principalmente em regiões onde a agropecuária predomina. O Estado de Minas Gerais, localizado na região sudeste do Brasil, é um estado onde, especialmente no interior, a principal atividade é agropecuária. A atividade agrária está direta ou indiretamente ligada ao clima e os fatores preponderantes nessa relação são a temperatura e a precipitação. Normalmente associam-se as variações desses fatores à época do ano, mas nem sempre essas associações mostram-se acertadas, pois, diferente do que podemos esperar, o tempo tem variações interanuais. Essas variações, ou anomalias, afetam mais as atividades humanas por serem, na maioria das vezes, não previstas. Este estudo pretende analisar a variedade interanual da precipitação para o Estado e os fatores que a influenciam. Localizado na região Sudeste do Brasil (figura 1), Minas Gerais é o quarto estado em extensão territorial, ocupando uma superfície de km 2, 7% do território brasileiro. Mais da metade das terras mineiras integra o Planalto Atlântico, com altitudes médias de 700 m, onde se destacam serras cristalinas. Abrange em sua superfície boa parte das terras altas do Brasil do Sudeste. Com 93% de seu território acima de 300 m de altitude, 57% acima de 600 m e quase 20% situados entre 900 e 1500 m de altitude é o Estado mais elevado do Brasil (figura 2). O Estado de Minas Gerais possui clima tropical, com chuvas de verão e invernos secos, nas regiões menos elevadas, isto é, Zona da Mata, Depressão do S. Francisco e porção nordeste do planalto cristalino. Nessas regiões as temperaturas médias anuais estão entre 22º e 23ºC. A vegetação predominante é a floresta latifoliada tropical. Porém, em descontínuas e estreitas faixas da região Leste, encontra-se a floresta latifoliada tropical úmida da encosta e em outros locais ainda podem ser observados os cerrados e os campos limpos. O Estado de Minas Gerais, por sua localização geográfica, sofre influência de fenômenos meteorológicos de latitudes médias e tropicais. Duas estações bem definidas podem ser identificadas: um seca (inverno), na qual atuam a Frente Polar Atlântica (FPA) e o anticiclone Subtropical do Atlântico Sul; e uma outra chuvosa (verão), na qual predominam os sistemas convectivos associados ao aquecimento continental e a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) (Quadro e Abreu, 1986; Nobre 1988; Rocha e Gandu, 1996).

2 Figura 1: Localização do Estado de Minas Gerais. b Mapa Hipsométrico a Figura 2 a e b: Mapa Hipsométrico e de Densidade demográfica do Estado de Minas Gerais METODOLOGIA Os dados foram obtidos junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) inicialmente dispondo-se de 162 estações. Foram selecionadas aquelas que compunham série abrangendo o período 1968/1999, resultando então em 123 estações (Figura 4a). Para a Análise por Componentes Principais, e por haver uma grande concentração de estações em uma mesma região, optou-se por utilizar-se a análise tipológica Cluster uma técnica de análise de dados de caráter classificatório com objetivo de formação de grupos tão familiares entre si quanto possível, partindo de um conjunto de dados multivariado (Andrade, Baldo e Nery, 1999), sobre os totais anuais das estações. O critério de 2

3 agrupamento utilizado foi o de Ward ou de inércia e a distância utilizada para medir a similaridade entre as estações foi a euclidiana (Braga et al ). O método Ward utiliza uma análise de variância para avaliar a distância entre os grupos (Schunk Silva E., Nery J.T., 2000). Através de Cluster, agruparam-se as estações por similaridade (Figura 3), e da análise da distribuição espacial das mesmas selecionou-se 45 estações (Figura 4b). Com as 45 estações selecionadas, através da análise de Cluster, foram realizadas as seguintes análises: Análise por componentes principais (ACP) para a distribuição espacial; Análise por componentes principais para a distribuição temporal (T); totais anuais, média anual e desvio padrão anual (S) e anomalia (valor anual menos a média anual da estação) para o período estudado. Tanto a ACP modo S (figura 10 a b c) quanto a ACP modo T (figura 11) foram utilizadas sobre uma matriz construída considerando como variáveis as séries de precipitação total das 45 estações. Segundo Schunk Silva E., Nery J.T. a aplicação da ACP a um conjunto de dados de grande dimensão é interessante, inicialmente para determinar combinações lineares das variáveis originais que expliquem o máximo possível a variação existente nos dados iniciais. O processamento dos dados através da ACP elimina as informações redundantes e separa o sinal de grande escala (variância comum) do ruído (variância específica) associado a cada estação. Fornecendo ainda uma síntese do conjunto de dados, isenta de subjetividade e justificada em um critério estatístico. X X, onde X é o valor de determinado dado e Para o cálculo de anomalia, utilizou-se a seguinte fórmula: ( ) X é a média desse dado dentro do período utilizado (exemplo X é o valor do ano de 1982 e X é o valor médio de todos os anos). Através do cálculo da anomalia, foi verificado se o valor da precipitação pluviométrica, em um dado momento, era maior ou menor do que a média desse parâmetro dentro da série. Os gráficos de barras foram elaborados através dos softwares Microsoft Excel e Statistic. Para desenhar as isolinhas, trabalhou-se com o software Surfer que utiliza um arquivo com o contorno da área de estudo (digitalizado, utilizando-se os valores de latitude e longitude) e outro arquivo com os valores de cada estação e as coordenadas (latitude e longitude). O software Surfer utiliza métodos de gradeamento para realizar a interpolação de dados com os quais vai gerar valores para a construção de isolinhas. Os mapas de contorno com isolinhas foram criados a partir de dados gradeados. A documentação do software Surfer sugere que se testem os vários métodos de interpolação definidos na mesma (Inverse Distance, Radial Basis Functions, Kriging, Shepard s Method, Minimum Curvature e Triangulation) até chegar ao que fornece melhores resultados. O método Kriging aparece como o método default, ou seja, padrão, havendo a indicação de que o mesmo é o mais versátil e também aquele sugerido para trabalhar com grandes conjuntos de dados. Optou-se, então, por utilizar o método Kriging por ser o algoritmo que apresentou a melhor adequação aos dados de precipitação. Análise Cluster Método Ward - Distância Euclidiana 2000 L 0 MG159 MG150 MG158 MG162 MG154 MG138 MG134 MG130 MG139 MG125 MG129 MG083 MG075 MG079 MG076 MG102 MG071 MG111 MG105 MG119 MG080 MG157 MG085 MG084 MG089 MG122 MG092 MG051 MG049 MG108 MG117 MG069 MG115 MG086 MG047 MG048 MG113 MG039 MG035 MG101 MG099 MG061 MG060 MG081 MG055 MG021 MG059 MG057 MG024 MG023 MG026 MG017 MG014 MG002 MG006 MG001 3

4 Figura 3: Gráfico com a Análise de Cluster mostrando os agrupamentos. a Estações Selecionadas b Figura 4 a e b: Mapa com as estações disponíveis (a) e as estações selecionadas (b). DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Com as 45 estações selecionadas agruparam-se os valores de precipitação em totais anuais e com esses totais foram realizados os cálculos de anomalias. Com a análise das anomalias elegeram-se alguns anos (1980, 1982, 1983, 1985, 1990, 1996, 1988 e 1999) e com os mesmos foram traçadas isolinhas (Figuras 5, 6, 7, e 8 a e b). A partir da análise dessas isolinhas e considerando-se também as isolinhas de desvio padrão e de média anual (Figura 9 a e b), percebe-se um agrupamento dos dados em quatro regiões distintas, uma região ao norte, uma região no oeste, uma região ao sul e uma área no centro-sudeste. Comparando-se essas regiões com o mapa hipsométrico do Estado (Figura 2) percebe-se uma certa similaridade entre as distribuições, confirmando a influência do relevo sobre a distribuição da precipitação. Esse agrupamento observado nas isolinhas de anomalias também aparece na análise das isolinhas da ACP. O ano de 1980 apresentou anomalias positivas na região noroeste no extremo oeste e na região sul do Estado. No centro/sudeste, no centro oeste e no norte tem-se três pontos com anomalias negativas. O ano de 1982 apresentou anomalias positivas no sul e no oeste, com anomalias negativas na região norte e centro sul (Figura 5 a e b) Figura 5 a e b: Anomalias de precipitação para os anos de 1980 (a) e 1982 (b) O ano de 1983 apresentou as maiores anomalias positivas em todo o Estado, sendo maiores na região sul e decaindo em direção ao oeste e norte. O ano de 1985 apresentou uma tendência diferente dos anos anteriores: 4

5 anomalias negativas no sul/sudoeste com um aumento da precipitação em direção ao centro/sudeste, apresentando, esta região juntamente com o nordeste um centro de anomalias positivas (Figura 6 a e b) Figura 6 a e b: Anomalias de precipitação para os anos de 1983 (a) e 1985 (b) O ano de 1990 é o que apresentou as maiores anomalias negativas, observando-se estas anomalias concentradas nas regiões sul e centro/sudeste, estando as menores anomalias no nordeste e extremo oeste. O ano de 1996 apresenta anomalias positivas no centro, sul, e sudoeste do Estado. Na região norte e o oeste apresentam anomalias negativas (Figura 7 a e b) Figura 7 a e b: Anomalias de precipitação para os anos de 1990 (a) e 1996 (b) O ano de 1998 apresenta centros com anomalias positivas na região oeste, no centro /sudeste e no norte, no resto do Estado predominam as anomalias negativas. No ano de 1999, apenas a região nordeste apresenta anomalias positivas enquanto o resto do Estado, principalmente, a região oeste apresenta anomalias negativas (Figura 8 a e b). 5

6 Figura 8 a e b: Anomalias de precipitação para os anos de 1998 (a) e 1999 (b) As áreas de maior variabilidade da precipitação (que apresentam as maiores anomalias, tanto positivas quanto negativas) são o centro-sudoeste, o centro-sudeste e o sul do Estado, que também são as áreas de maior ocupação demográfica, sugerindo uma influência antrópica sobre a variabilidade da precipitação (figura 2 b). Média Desvio Padrão Figura 9 a b: Média da precipitação anual (a) e Desvio padrão da precipitação anual (b), no período. Nas tabelas I e II apresentam, respectivamente, a relação dos 5 primeiros fatores para a análise de componentes principais distribuição espacial (ACP-s) e análise de componentes principais distribuição temporal (ACP-t) da precipitação do Estado de Minas Gerais para o período estudado (1968/1999). Na ACP-s os três primeiros fatores respondem por 62,76% da variância explicada e na ACP-7 os três primeiros fatores respondem por 65,42% da variância explicada. Aplicando-se o teste scree (Pinto et al 2002) e analisando-se o gráfico da distribuição dos fatores da ACP, (figura 10 a e b) percebe-se que os três primeiros fatores explicam mais de 60 por cento da variabilidade da precipitação, tanto em relação à distribuição espacial, quanto na distribuição temporal. Por esse motivo, optou-se por elaborar as isolinhas de distribuição espacial (figura 11 a b c) e o gráfico da distribuição temporal representando esses três fatores (figura 12). 6

7 20 16 ACP-s ACP-t Figura 10: Distribuição dos fatores da ACP espaço(a) e ACP-tempo (b) Fator ACP s Percentual Autovalor Percentual Autovalor Autovalor % Acumulado Acumulado Fator Fator Fator Fator Fator Tabela I: Autovalores para 5 fatores da ACP-s, onde os autovalores expressam a variância de cada fator. Fator ACP t Percentual Autovalor Percentual Autovalor Autovalor % Acumulado Acumulado Fator Fator Fator Fator Fator Tabela II: Autovalores para 5 fatores da ACP-t, onde os autovalores expressam a variância de cada fator O fator 1 da ACP-s apresenta valores positivos para todo o Estado, apresentando maiores valores numa faixa que corta perpendicularmente o Estado, no sentido noroeste-sudoeste e menores valores nas regiões nordeste e extremo oeste. O fator 2 apresenta valores positivos para a região sul e sudoeste do Estado e valores negativos para o resto do Estado, separados no sentido noroeste/sudoeste. O fator 3 apresentou distribuição semelhante: sendo invertidos os valores, positivos, ao norte, e negativos, ao sul, com um centro de valores positivos na região sudeste (baixos valores). Ao compararem-se os valores do fator 1 da ACP-s com a distribuição das isolinhas de precipitação para os anos selecionados é possível observar que existe uma relação, principalmente com o fator 1. Quando se comparam os fatores da ACP-t com a distribuição temporal da precipitação, observa-se que o fator 1 tem uma relação direta com a precipitação (figura12), nos anos de maior precipitação ele apresenta valores mais altos que nos anos de menor precipitação, para os outros valores não aparece uma relação tão direta. Ao compararem-se os fatores de ACP-s e ACP-t entre si, aparece uma certa relação entre os fatores 1 das duas distribuições. As regiões do Estado onde a precipitação em um determinado ano é menor podem ser relacionadas à diferença do valor do fator 1 da ACP-t (valor do ano em questão) e ACP-s (figuras 11a e 12). 7

8 Fator 1 - s Fator 2 - s Fator 3 - s Figura 11 a, b e c: Isolinhas da Análise por Componentes Principais (Distribuição Espacial). 1.0 Análise por Components Principais - t Figura 12: Gráfico da Análise por Componentes Principais (Distribuição Temporal). FACTOR_1 FACTOR_2 FACTOR_3 8

9 CONCLUSÕES Há uma relação entre a distribuição da precipitação e o relevo do Estado, não necessariamente na quantidade, mas na distribuição espacial. Pode-se inferir, também, uma relação entre a variabilidade de precipitação e a concentração populacional, as áreas de maior variabilidade estão concentradas nas áreas de maior concentração demográfica. A ACP foi eficaz para o tratamento proposto. O primeiro fator da análise espacial em conjunto com o primeiro fator da análise temporal estão diretamente relacionados à quantidade de precipitação. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, R. A., BALDO, M. C., NERY, J.T. Variabilidade sazonal da precipitação pluviométrica de Santa Catarina. Acta Scientiarum 21(4): , 1999 Maringá PR. SCHUNK-SILVA E., NERY J.T., Distribuição espacial e temporal da precipitação na região centro sul do Estado do Paraná. Congresso de Biometeorologia, em Maringá, PR ROCHA, A. M. G. C., GANDU, A. W., A Zona de Convergência do Atlântico Sul. Climanálise Especial: edição comemorativa de 10 anos NOBRE, C.A Ainda sobre a Zona de Convergência do Atlântico Sul: A importância do Oceano Atlântico. 3(4), QUADRO, M.F.L.; ABREU, M.L Estudo de episódios da Zona de Convergência do Atlântico Sul. Anais do VIII Congresso Brasileiro de Meteorologia. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, S.J. dos Campos, SP. PINTO, S.S., KRUSCHE, N., HUMBERTO, C.P., Análise de Componentes Principais de Observações Meteorológicas de superfície em Rio Grande, RS, em BRAGA, C.C., MELO, M.L.D de., MELO, E.C.S., Análise de agrupamento aplicada à distribuição da precipitação no Estado da Bahia. STUDZINSKI, C.D.S., Um estudo da precipitação na região Sul do Brasil e sua relação com o Oceano Pacífico e Oceano Atlântico Tropical e Sul. 9