INTOLERÂNCIA PERENE: A LUTA PENTECOSTAL CONTRA O COTIDIANO SATANIZADO Moisés Costa Neto
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1 INTOLERÂNCIA PERENE: A LUTA PENTECOSTAL CONTRA O COTIDIANO SATANIZADO Moisés Costa Neto
2 2 INTOLERÂNCIA PERENE: A LUTA PENTECOSTAL CONTRA O COTIDIANO SATANIZADO Moisés Costa Neto Graduando em História pela Universidade Federal da Paraíba Orientador: Prof.º Dr.º Carlos André Macedo Membro-sócio do Grupo de Estudos sobre Violência e Intolerância na História O cristianismo é uma religião onde figuram dois personagens centrais: Deus, que é perfeitamente bom, amoroso e abençoador, e o Diabo, que veio para matar, roubar e destruir. Durante toda a história o papel do demônio (utilizaremos aqui vários nomes para a mesma personagem, que é o Diabo) cresceu ou diminuiu de acordo com as mentalidades e a teologia da época. A figura do Diabo aparece bem delineada no século IX, consolida-se como nós a conhecemos hoje no século XIV, apaga-se relativamente durante o período Iluminista e começa a ressurgir com maior força a partir da segunda metade do século XX, período no qual intensifica-se o surgimento e propagação das doutrinas pentecostais. No protestantismo histórico aquele derivado da Reforma Protestante, o Diabo passará a figurar mais efetivamente nas mais diversas esferas da vida cotidiana do cristão reformado. Lutero em especial, terá constantemente lutado contra Lúcifer e seus anjos, tendo inclusive, segundo o próprio Lutero, atirado um tinteiro na cara do demônio. Já naquela época, será comum a ligação de elementos e acontecimentos corriqueiros com as peripécias de Satanás, que aparecerá ao ex-monge personificado nas mais diferentes formas: como macaco, periquitos, bodes, corujas, etc. Será comum também a associação do Maligno à Igreja Católica e seus valores, às autoridades seculares que possuam alguma divergência com a Igreja Reformada, etc. Fruto de um sentimento de reavivamento com os princípios fundamentais da Palavra de Deus, o pentecostalismo vai encontrar terreno fértil em meio às camadas mais pobres da sociedade, especialmente na América Latina. Surgidos no início do século XX, os movimentos religiosos de inspiração pentecostal terão um grande salto quantitativo a partir da década de 1970, efetivando sua participação na política e na
3 3 instituição de valores moralmente aceitos e difundidos pela igreja. Suas principais características favoreceram sua aceitação no seio das populações carentes e, por conseguinte, menos escolarizadas fator de grande importância na adesão de uma ascese pentecostal. Algumas dessas peculiaridades são: interpretações ao pé da letra das Escrituras; proximidade sócio-econômica de seus líderes com os fiéis, o que transformar o ambiente da igreja mais acessível às classes subalternas, que identificam-se com o líder espiritual; sincretismo religioso com as religiões e práticas populares e desnecessidade de alto nível intelectual ou escolar. Um dos fenômenos sociais que mais tem crescido, o pentecostalismo intriga a todos os estudiosos das ciências humanas como um todo, por sua peculiaridade e por criar, estrategicamente, mecanismos de autoctonia que o consolidem e legitimem sua atuação na sociedade a qual está inserido. O chamado avivamento espiritual ou pentecostalismo, tem feito parte da vida cotidiana até mesmo de quem não compartilha de suas idéias, pois ele estende suas influências nas diversas camadas sociais e níveis culturais do meio ao qual está inserido. É impossível não conhecer alguém, quer seja vizinho, amigo ou parente, que não faça parte das avivadas fileiras de Cristo. O tema ultrapassa as esferas mentais, alia-se com o místico e torna-se um fenômeno de transformação da realidade político-social. Troca-se o bar pela biblioteca, o jogo pelo trabalho e a diversão pela igreja. Este modo de vida foi denominado por Max Weber como ascetismo laico e extramuros, onde o fiel vive uma vida secular alienada do mundo, porém inserido neste e voltado para um alvo a ser atingido: a salvação de sua alma. Nas igrejas pentecostais podemos perceber a utilização de vários agentes coercitivos na vida de seus seguidores, um dos mais eficazes e curiosos é o diabo. Eterno inimigo de Cristo e suas ovelhas, as igrejas pentecostais têm usado sua imagem para aterrorizar, advertir e até mesmo incentivar a vida religiosa de seus fiéis. Uma das instituições que perfeitamente demonstram essa prática é a Igreja Universal do Reino de Deus, que cresce rapidamente por todo o mundo. No discurso da IURD, a vida financeira, afetiva e social de seus fiéis está intima e explicitamente ligada a uma constante batalha espiritual entre o bem e o mal, ou seja, entre Deus e o diabo. Desta
4 4 feita, as reais causas materiais da pobreza, do insucesso profissional, das doenças e dos relacionamentos são parcial ou totalmente excluídas tornando-se o resultado do emprenho individual do crente em derrotar, à maneira indicada pela igreja, o diabo e seus servos. Na Igreja Universal do Reino de Deus o fiel existe como um expectador de uma luta perpétua entre Deus e o Diabo, o bem e o mal, cuja felicidade e salvação da alma depende do resultado de tal disputa. Cabe ao crente uma constante vigilância para não cair nas mãos do Diabo, que usará de todos os métodos possíveis para tentar derrubálo. E o demônio não descansa: Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar. (2 Pedro 5:8). Desta feita, reforça-se a figura do Diabo no inconsciente da coletividade e a põe em constante estado de observância quanto aos estatutos e mandamentos da igreja, que visam preservar o crente das perversas e astutas investidas do demônio. Doenças; problemas financeiros, psicológicos e amorosos são apenas alguns dos instrumentos utilizados pelo Adversário da igreja para tentar destruí-la. A menor dor de cabeça pode indicar a possessão do fiel por um encosto maligno (espírito diabólico cuja função é destruir a vida do cristão, numa clara alusão a um suposto caráter demoníaco das religiões afro-brasileiras) do qual o crente sempre é a vítima. Justamente por estar constantemente na posição de ser atacado, é necessário que a igreja ponha-se prontamente em atitude defensiva e identifique os elementos possíveis que possam estar sendo instrumentos do Diabo. Dá-se então início a um repúdio e exclusão de tudo aquilo que represente perigo para a estabilidade espiritual e material, até mesmo o simples contato com alguém que possua um encosto pode significar dar lugar ao Inimigo e, por conseguinte, tornar-se um escravo dele. Um dos principais alvos das investidas do Diabo constitui-se a vida financeira do indivíduo. O inimigo está sempre disposto a pô-la por terra e a trazer a miséria a todo o rebanho de Cristo. Neste caso, o fiel precisa e deve possuir um senso de responsabilidade individual na luta pela prosperidade e contra o Diabo. As doenças psicológicas, como a depressão e síndrome do pânico, segundo o próprio Macedo, igualmente são indícios claros de possessão por encostos, a cura virá apenas com um
5 5 violento ritual de exorcismo público, que visa mostrar aos fiéis a autoridade do líder espiritual sobre as forças do maligno e do mesmo modo demonstrar a superioridade de tal doutrina sobre as demais.. Nas palavras do próprio Edir Macedo, pelo menos na hora da expulsão o crente pode considerar-se curado. Caberá a ele o papel de guerreiro, que determinará a vitória sobre o mal. A intolerância quanto ao cotidiano satanizado tem servido ao mesmo tempo para contestar os valores vigentes ou que começam a emergir em determinado período, quando estes contrariam o estatuto e os dogmas da igreja, como por exemplo a luta pela igualdade das mulheres, que vê como rebeldia à Palavra de Deus tal reivindicação feminina; as passeatas do orgulho gay; o comunismo e até mesmo pequenas normas pedagógicas adotadas pela família do século XX. Tudo isso, segundo a doutrina pentecostal, é na verdade uma artimanha do Diabo, que almeja penetrar no seio da vida familiar e cristã a idéia de que tais valores são normais quando, na verdade, são reflexos das ações diabólicas na terra. Como podemos perceber, o protestante que aquiesce às princípios pentecostais penetra num universo onde o místico e o real misturam-se, confundem-se e chocam-se, modificando a maneira pela qual as pessoas encaram a realidade e as relações sociais. Universo este do qual são participantes ativos e do qual depende o seu empenho individual como cristão, o que acaba por contribuir para crescente valorização das idéias pentecostais, uma vez que ela oferece ao indivíduo aquilo que lhe é negado pela sociedade a qual vive e que é, por vezes, marginalizado: a possibilidade de controlar direta e efetivamente sua condição espiritual, psicológica, social e política, como também participar de um mundo organizado e hierarquizado no caso, a igreja, o qual outrora parecia-lhe distante.
6 6 Referências Bibliográficas: LINK, Luther. O Diabo: A máscara sem rosto; tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, p. CAMPOS Jr. Luís de. Pentecostalismo. Sentidos da Palavra Divina. São Paulo: Editora Ática, p. NOGUEIRA, Carlos Roberto F. O Diabo no Imaginário Cristão. São Paulo: Editora Ática, SOUSA, Etiane Caloy Bovkalovski de; MAGALHÃES, Marionilde Dias Brepohl. Os pentecostais: entre a fé e a política. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 43, pp , 2002.
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