GICELLY MARIA LORENZI ZANATTA INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO FEMININA: UMA ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA

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1 GICELLY MARIA LORENZI ZANATTA INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO FEMININA: UMA ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA Cascavel 2003

2 GICELLY MARIA LORENZI ZANATTA INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO FEMININA: UMA ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus Cascavel, como pré-requisito para a obtenção do Título de graduado em Fisioterapia. Orientadora: Juliana Cristina Frare. Cascavel 2003

3 TERMO DE APROVAÇÃO GICELLY MARIA LORENZI ZANATTA INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO FEMININA: UMA ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA Trabalho de Conclusão do Curso aprovado como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Fisioterapia, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Prof. Juliana Cristina Frare - UNIOESTE (orientadora) Prof. Ceres Giacometti - UNIOESTE Prof. Joseane Rodrigues da Silva - UNIOESTE Cascavel, 16 de abril de 2003.

4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais, Orestes e Laiz, por terem me dado o bem mais preciso, a vida. E por, apesar da distância, estarem sempre comigo me incentivando e me apoiando em todos os momentos.

5 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pois sem Ele nada seria possível. Agradeço aos meus pais, pelos exemplos de vida. Agradeço aos meus irmãos, Lucas, Felipe e Rafael, pela força e carinho que me deram. Agradeço ao meu namorado, Vinícius, por seu carinho e dedicação. Agradeço às minhas amigas de vida acadêmica: Cristiani, Grasieli, Josyane e Katren, pelos momentos juntas e que hoje deixam imensa saudade. Agradeço também aos professores que auxiliaram na minha formação acadêmica, em especial à Juliana C. Frare pelo carinho e dedicação na orientação deste trabalho. Agradeço também aos demais formandos pela conquista e resultados alcançados.

6 RESUMO A Incontinência Urinária de Esforço (IUE) é uma situação bastante comum na população feminina e traz repercussões físicas, psicológicas e sociais às mulheres por ela acometidas. A incontinência urinária de esforço é a perda involuntária de urina resultante de qualquer atividade que leve a um aumento da pressão intraabdominal excedendo a pressão de fechamento uretral, na ausência da contração da musculatura detrusora. Este estudo teve por objetivos: esclarecer os mecanismos da continência e da incontinência urinária; justificar e demonstrar a eficácia da abordagem fisioterapêutica na Incontinência Urinária de Esforço em mulheres, bem como proporcionar uma forma de consulta e pesquisa sobre o assunto. Através deste estudo pôde-se verificar que o tratamento cirúrgico, embora ainda seja o tratamento padrão, apresenta altas taxas de insucesso e recidivas. De acordo com vários estudos, foi demonstrada a eficácia da Fisioterapia no tratamento da Incontinência Urinária de Esforço feminina de leve a moderada com taxas de melhora variando de 50 a 90%. Palavras-chaves: Incontinência Urinária de Esforço; Tratamento e Fisioterapia.

7 SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS LISTA DE TABELAS LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS INTRODUÇÃO BASES ANATÔMICAS CONEXÕES NERVOSAS FISIOLOGIA DA CONTINÊNCIA E DA MICÇÃO INCONTINÊNCIA URINÁRIA (IU) INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO (IUE) INCIDÊNCIA CLASSIFICAÇÃO FISIOPATOLOGIA DIAGNÓSTICO HISTÓRIA EXAME FÍSICO PROPEDÊUTICA SUBSIDIÁRIA URINA I UROCULTURA ULTRA-SONOGRAFIA DO COLO VESICAL... TESTE DO ABSORVENTE OU PAD-TEST OU TESTE DA ALMOFADA

8 TESTE DO COTONETE OU Q-TIP TEST OU TESTE DE CHRYSTLE TESTE DE ESTRESSE EM PÉ TESTE DE BONNEY URODINÂMICA UROFLUXOMETRIA CISTOMETRIA RESIDUAL PÓS-MICÇÃO PERFIL URETRAL TESTES DE PRESSÃO DE PERDA TRATAMENTO TRATAMENTO CIRÚRGICO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO ALFA-AGONISTAS ESTRÓGENOS TERAPIA COMBINADA TRATAMENTO CONSERVADOR ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA NA IUE AVALIAÇÃO DIÁRIO MICCIONAL EXAME FÍSICO QUESTIONÁRIO DE QUALIDADE DE VIDA OBJETIVOS GERAIS DO TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO TERAPIA COMPORTAMENTAL CINESIOTERAPIA CONES VAGINAIS... 68

9 ELETROESTIMULAÇÃO... BIOFEEDBACK (BFK) MATERIAIS E MÉTODOS CONCLUSÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXO 01 AVALIAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA PARA IUE... ANEXO 02 QUESTIONÁRIO DE QUALIDADE DE VIDA

10 LISTA DE FIGURAS Figura 01 Figura 02 Figura 03 Figura 04 Figura 05 Figura 06 Figura 07 Figura 08 Vista inferior do assoalho pélvico feminino... Esfíncter interno e externo... Coaptação da mucosa uretral... Função da bexiga... Teste de estresse em pé... Colocação dos cones vaginais... Procedimento fisioterapêutico com eletroestimulação perineal. Procedimento fisioterapêutico com biofeedback de pressão em paciente em posição ginecológica modificada

11 LISTA DE TABELAS Tabela 01 Tabela 02 Tabela 03 Tabela 04 Tabela 05 Tabela 06 Tabela 07 Quadro 01 PREVALÊNCIA DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA EM MULHERES DE ACORDO COM A IDADE... CLASSIFICAÇÃO DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO... CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA A IUE... PARÂMETROS FLUXOMÉTRICOS NORMAIS... PARÂMETROS CISTOMÉTRICOS NORMAIS... GRADUAÇÃO DE FORÇA DO ASSOALHO PÉLVICO... ESCALA DE AVALIAÇÃO FUNCIONAL DA FORÇA DE CONTRAÇÃO DA MUSCULATURA DO ASSOALHO PÉLVICO... ABC DAS ORIENTAÇÕES SOBRE OS EXERCÍCIOS PERINEAIS

12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AVC acidente vascular cerebral BFK biofeedback cm centímetros cmh 2 O centímetros de água DBPOC doença broncopulmonar obstrutiva crônica ECA enzima de conversão de angiotensina F fluxo urinário HDA história da doença atual Hz hertz ICC insuficiência cardíaca congestiva ICS Sociedade Internacional de Continência IU incontinência urinária IUE incontinência urinária de esforço m. músculo ml mililitros ml/cmh 2 O mililitros por centímetros de água ml/s mililitros por segundo mm milímetros mmhg mililitros de mercúrio OMS Organização Mundial da Saúde p. página Pabd pressão advinda de fontes extravesicais Pdet pressão gerada por eventos da parede vesical Pves pressão vesical VLPP pressão de perda abdominal

13 1 INTRODUÇÃO A expressão Incontinência Urinária de Esforço é utilizada para denominar a perda involuntária e inconsciente de urina através da uretra intacta, a qualquer esforço, sem que haja a contração da musculatura lisa da bexiga, sendo uma condição freqüente na população feminina (SILVEIRA e SILVEIRA, 2002). A incontinência, segundo os mesmos autores, está usualmente associada ao envelhecimento da mulher e ao número de partos, muito embora é possível observar mulheres jovens, nulíparas, queixando-se de perdas urinárias. Inadequação psicossocial, familiar ou individual está relacionada à Incontinência Urinária de Esforço, resultando na perda da auto-estima e diminuição da interação social, predispondo ao isolamento pessoal, tendo, portanto, efeito negativo sobre a qualidade de vida das pacientes (GLASHAN et al, 2002). O diagnóstico clínico correto da Incontinência Urinária de Esforço é imprescindível para o sucesso terapêutico. O tratamento padrão para a Incontinência Urinária de Esforço feminina tem sido a cirurgia (MARTINS, 2000). No entanto, desde 1999, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a assistência fisioterapêutica em pacientes com Incontinência Urinária de Esforço de leve a moderada como primeiro tratamento, sendo que após a intervenção fisioterapêutica, por aproximadamente três meses, é que se deve avaliar a necessidade das alternativas cirúrgica ou farmacológicas (O COFFITO, 2002). De acordo com Thompson et al (1994), o tratamento efetivo requer uma abordagem sensível que considera a mulher como um todo. O fisioterapeuta precisa ter consciência dos aspectos sociais e emocionais da feminilidade, assim como ter um conhecimento sólido da anatomia e fisiologia. A musculatura do períneo assume papel relevante no mecanismo da continência urinária (RIBEIRO e ROSSI, 2000a), o que justifica o seu treinamento através de técnicas de estimulação e fortalecimento desta musculatura. As principais intervenções fisioterapêuticas estão relacionadas a mudanças de comportamento (terapia comportamental), cinesioterapia específica e global, cones vaginais, eletroestimulação e biofeedback.

14 Objetivos deste estudo: 1. Esclarecer os mecanismos da continência e da incontinência urinária. 2. Justificar e demonstrar a eficácia da abordagem fisioterapêutica na incontinência urinária de esforço em mulheres. 3. Proporcionar uma forma de consulta e pesquisa sobre o assunto.

15 2 BASES ANATÔMICAS O assoalho pélvico (figura 01) pode ser visto de cima como um diamante, com a sínfise púbica e o sacro nos ápices anterior e posterior, e as espinhas isquiáticas como âncoras laterais do suporte ligamentar. Utiliza-se uma linha traçada entre as espinhas isquiáticas para dividir o assoalho pélvico em segmentos anterior e posterior (WEI et al., 1999). Figura 01 Vista inferior do assoalho pélvico feminino. Fonte: PUTZ, R.; PABST, R. Sobotta Atlas de Anatomia Humana. 20 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p Para Lacerda (1999), o assoalho pélvico é composto pelos diafragmas pélvico e urogenital e pela fáscia endopélvica. A musculatura estriada do assoalho pélvico, juntamente com a fáscia endopélvica, exerce papel fundamental no suporte dos órgãos pélvicos e na manutenção da continência urinária (RIBEIRO e ROSSI, 2000a). Diafragma pélvico é a denominação do conjunto anatômico formado pelos músculos elevador do ânus e coccígeo, que limitam caudalmente a cavidade pélvica (LACERDA, 1999).

16 O diafragma pélvico tem forma de tenda invertida ou de funil inserindo-se, lateralmente, num nível mais elevado que a porção central, que é mais baixa. Na mulher, essa porção central tem fibras musculares afastadas nos pontos onde é atravessada pela uretra (ventral), pela vagina (intermediário) e pelo reto (dorsal) (LACERDA, 1999). O grupo muscular do elevador do ânus e a sua fáscia, também denominada fáscia endopélvica, juntamente com o músculo coccígeo constituem esse diafragma (WEI et al., 1999). O músculo elevador do ânus é par, apresenta simetria bilateral e é composto por três feixes: pubo-coccígeo, pubo-retal e ílio-coccígeo (LACERDA, 1999). Esse músculo é talvez melhor compreendido se considerado como uma ampla faixa integrada de músculo que se extende da superfície interna do púbis lateral à sínfise anteriormente, até a superfície pélvica das espinhas isquiáticas posteriormente (WEI et al., 1999). As fibras do elevador do ânus, segundo os mesmos autores, se extendem em sentido póstero-medial do seu ponto de origem e conseqüentemente se juntam com as fibras correspondentes do lado contralateral entre o reto e o cóccix em uma rafe mediana, e também à parte lateral da ponta do cóccix. As fibras mais mediais e inferiores, que são parte da sua porção pubo-coccígea, caminham em sentido posterior ao longo da uretra, da vagina e do reto para se fundirem anterior e lateralmente ao reto, fornecendo suporte perineal. O músculo coccígeo complementa, dorsalmente, o elevador do ânus no fechamento da cavidade pélvica (LACERDA, 1999). Esse músculo passa entre as espinhas isquiáticas e a parte lateral do sacro e cóccix, sobre os ligamentos sacroespinhosos (WEI et al., 1999). O diafragma urogenital é, de acordo com Lacerda (1999), uma estrutura músculo-fascial formada principalmente pelos músculos transversos superficial e profundo do períneo e situada caudalmente ao diafragma pélvico, no períneo ventral ou trígono urogenital, atravessado, na mulher, pela uretra e pela vagina. Recebe ramos da artéria pudenda interna e do nervo pudendo. A musculatura do assoalho pélvico é constituída por dois tipos de fibras: as fibras Tipo I de contração lenta, cujas células são ricas em mitocôndrias e resistentes à fadiga, portanto, importantes na manutenção da continência ao repouso, e as fibras Tipo II de contração rápida caracterizando-se por alta

17 concentração de glicogênio e fadiga rápida, permitindo, assim, uma resposta imediata a mudanças súbitas de pressão (FIGUEIREDO, 2000). A contração do elevador do ânus (especialmente do feixe pubo-coccígeo) move o reto, vagina e uretra anteriormente, determinando a oclusão destas estruturas. Isto pode ser observado durante a contração reflexa em manobras de esforço com aumento da pressão abdominal (tosse ou espirro, por exemplo) para manter a continência e a estática dos órgãos pélvicos (RIBEIRO e ROSSI, 2000a). Segundo Lacerda (1999), apoiado sobre o diafragma pélvico existe um conteúdo de tecido conjuntivo que funciona como um coxim entre o peritônio e esse músculo. Este tecido conjuntivo, também chamado de fáscia endopélvica, é altamente organizado, tem simetria bilateral e apresenta espessamentos que interligam as vísceras pélvicas entre si e essas às paredes pélvicas. É o denominado retináculo do útero sendo composto por vários ligamentos: pubo-vesical, redondo do útero, uterossacro e ligamento cervical transverso. Estes ligamentos constituem o aparelho de sustentação pélvica e são importantes para manter as estruturas pélvicas em suas posições normais. No entanto, desempenham um papel de suporte secundário, uma vez que o tecido conjuntivo pode alongar-se quando submetido à tensão constante (RIBEIRO e ROSSI, 2000a). De acordo com os mesmos autores, as fáscias são também constituídas por tecido conjuntivo com elastina e fibras colágenas. Várias condições podem afetar sua integridade, uma vez que sua remodelação é constante. Entre elas, destacamse a idade, alterações hormonais, paridade, estado nutricional e exercícios físicos. A bexiga é o reservatório incumbido de armazenar temporariamente a urina. Sua capacidade normal gira em torno de 300 ml, mas há indivíduos que suportam bem 1 litro ou 1litro e meio de urina antes da sensação de repleção (CASTRO, 1985). Localiza-se atrás da sínfise púbica e posteriormente relaciona-se ao colo e à parede da vagina, lateral e inferiormente ao assoalho pélvico (THOMPSON et al., 1994). A bexiga feminina é um órgão oco composto pelo músculo detrusor que tem arranjo interligado de fibras que podem correr em todas as direções e quando contraídas podem aumentar a pressão em até 40 ou 60 mmhg. É constituída de duas partes principais: o corpo, porção maior na qual a urina se acumula; e o colo, extensão em forma de funil que se direciona, inferior e anteriormente, para o

18 triângulo urogenital e se conecta com a uretra. A parte inferior do colo também é chamada de uretra posterior devido à sua relação com a uretra (GUYTON e HALL, 1997). De acordo com os mesmos autores, o colo tem cerca de 2 a 3 cm de comprimento e sua parede é composta pelo músculo detrusor entrelaçado com grande quantidade de tecido elástico. O músculo nesta área é chamado de esfíncter interno e seu tônus normalmente mantém o colo da bexiga e a uretra posterior vazios de urina e, portanto, impede o esvaziamento da bexiga até que a pressão na porção principal desta suba acima de um limiar crítico. Segundo Castro (1985), a uretra feminina apresenta em média quatro centímetros de comprimento e também é composta por fibras musculares lisas. Estas fibras musculares, de acordo com Thompson et al. (1994), têm pouca variedade de contração espasmódica, possibilitando que se mantenha uma pressão de fechamento e, assim, a continência urinária por período prolongado sem fadiga. Depois do colo, a uretra passa através do diafragma urogenital, que contém uma camada de fibras musculares esqueléticas chamada de esfíncter externo (figura 02), o qual está sob o controle voluntário do sistema nervoso e pode ser usado para impedir conscientemente a micção, mesmo quando controles involuntários estão tentando esvaziar a bexiga (GUYTON e HALL, 1997). Figura 02 Esfíncter interno e externo. Fonte: RETZKY, S. S.; ROGERS, R. M. A incontinência urinária na mulher. Clinical Symposia, vol. 47, n. 3, p. 04, 1995.

19 Além dos esfíncteres interno e externo, a vasculatura submucosa da uretra se considera parte do mecanismo de continência. Este complexo arteriovenoso localizase entre a camada de musculatura lisa da uretra e seu revestimento epitelial. O enchimento desta vasculatura com sangue melhora a coaptação da mucosa, causando um colabamento das paredes da uretra, aumentando assim a pressão uretral de repouso prevenindo a perda da urina involuntária. O plexo submucoso e o epitélio da uretra são sensíveis ao estrógeno (figura 03) e, durante a menopausa, onde a falta de estrógeno causa redução da vascularização e conseqüente atrofia desta musculatura, a terapia de reposição hormonal pode melhorar o fluxo sangüíneo nessa área (RETZKY e ROGERS, 1995). Figura 03 Coaptação da mucosa uretral. Fonte: RETZKY, S. S.; ROGERS, R. M. A incontinência urinária na mulher. Clinical Symposia, vol. 47, n. 3, p. 05, 1995.

20 2.1 CONEXÕES NERVOSAS O músculo elevador do ânus é inervado pelo ramo S3-S4 e o músculo coccígeo pelo ramo S4-S5, enquanto que os músculos do diafragma urogenital são inervados pelo nervo pudendo (PUTZ e PABST, 1993). A inervação parassimpática da musculatura lisa tanto da bexiga quanto da uretra ocorre por meio dos nervos esplâncnicos pélvicos (nervos eretores) das divisões anteriores primárias do segundo, terceiro e quarto nervos sacros. A inervação simpática provém do plexo hipogástrico superior e do tronco simpático sacro. Ambos os sistemas nutrem a bexiga e uretra como fibras do plexo vesical, uma das divisões do plexo pélvico visceral. Os músculos estriados da uretra recebem inervação do plexo pudendo. As fibras aferentes trafegam com os nervos viscerais ou autônomos e com ramos do nervo pudendo, e ambos alcançam o sistema nervoso central através das raízes espinhais posteriores (BURNETT, 1990). De acordo com o mesmo autor, a inervação parassimpática está concentrada em grande parte na bexiga, e o neurotransmissor acetilcolina é responsável pela contração do músculo detrusor. As fibras simpáticas são distribuídas ao músculo liso tanto da bexiga como da uretra; o sistema alfa-adrenérgico é predominante na uretra e os impulsos produzem contração, já o sistema beta-adrenérgico é predominante na bexiga e os impulsos produzem relaxamento. O controle consciente da função vesical aparece na primeira infância através de um complexo sistema de arcos reflexos no cérebro e na medula raquiana (BURNETT, 1990).

21 3 FISIOLOGIA DA CONTINÊNCIA E DA MICÇÃO A palavra continência é usada para descrever a capacidade normal de uma pessoa para acumular urina, com controle consciente sobre o tempo e lugar para urinar. Os bebês não têm tal controle, mas desenvolvem a maturidade neurológica e formam os hábitos necessários por volta dos três anos de idade (POLDEN e MANTLE, 2002). De acordo com Storthers 1 et al. apud Rubinstein e Rubinstein (1999), a continência na mulher, normalmente, existe pelo equilíbrio de quatro fatores: a posição anatômica do colo vesical e da uretra; o comprimento funcional da uretra; a transmissão da pressão intra-abdominal à uretra; a pressão de fechamento uretral, que depende da sua musculatura lisa, da coaptação da mucosa e do esfíncter externo. Segundo Polden e Mantle (2002), a urina está sendo continuamente produzida e passa, por meio de peristaltismo, para a bexiga em quantidades variáveis mais durante o dia e menos à noite vinda dos rins através dos ureteres. A bexiga estável normal aumenta o seu volume para conter e armazenar o líquido que chega. A pressão atual na bexiga é uma mistura de pressão intra-abdominal na bexiga vinda de fora e a pressão exercida pela elasticidade do músculo detrusor. A capacidade elástica da bexiga para conter um volume crescente de líquido é chamada de admissão, sendo medida de modo objetivo em ml/cmh 2 O usando-se a seguinte fórmula: Admissão = Mudança de volume Mudança na pressão de detrusor As ondas peristálticas de contração muscular, de acordo com os mesmos autores, descem às paredes dos ureteres, e a sua entrada oblíqua na bexiga que as obstrui quando o detrusor se contrai, impede o refluxo da urina. A urina é também impedida de sair pela uretra por uma pressão de fechamento considerável, cerca de 1 STOTHERS, L.; CHOPRA, A.; RAZ, S. Vaginal reconstructive sugery for female incontinence and anterior vaginal-wall prolapse. Urol Clin North Am. vol 22, p. 641, 1995.

22 50 a 70 cmh 2 O nas mulheres antes da menstruação, e 40 a 50 cmh 2 O nas mulheres após a menstruação. Eventualmente, à medida em que continua o enchimento, o limite de distensibilidade da parede da bexiga é atingido e então a pressão começa a subir. A continência é mantida enquanto a pressão dentro da bexiga for inferior à pressão de fechamento da uretra; mesmo em uma pessoa normal e sadia, há um ponto, na medida em que sobe a pressão da bexiga, em que o controle da uretra pode ser superado e ocorrer um vazamento (POLDEN e MANTLE, 2002). Ainda de acordo com os mesmos autores, o ciclo da micção é a alternância das fases de enchimento com o esvaziamento da bexiga. Durante a fase de enchimento, a pressão do detrusor é geralmente menor que 15 cmh 2 O; no volume de 150 a 200 ml, o primeiro leve desejo de esvaziar é comumente sentido. Este desejo pode ser adiado por um tempo suficiente para a conclusão dos requisitos necessários para a micção como, por exemplo ter privacidade, pois a falta desta pode resultar em descargas do nervo simpático que favorecem o armazenamento em vez do esvaziamento. Durante a fase de esvaziamento, a bexiga libera seu conteúdo sob controle voluntário. Os distúrbios que afetam o armazenamento da bexiga causam incontinência urinária, enquanto que os distúrbios da fase de esvaziamento provocam retenção urinária parcial ou completa (RETZKY e ROGERS, 1995). Segundo Canalini (1999), tanto o armazenamento eficiente quanto o esvaziamento adequado são condições necessárias para que haja continência urinária. A continência é controlada neurologicamente a nível espinhal, pontino e cerebral, os quais interagem harmoniosamente através de uma combinação de vias autônomas e somáticas (BORGES et al., ). Durante o armazenamento urinário verifica-se fraca atividade parassimpática associada à estimulação simpática. No esvaziamento, a atividade parassimpática é ativa, associada e secundária à inibição simpática. O sistema nervoso central modula a atuação do sistema nervoso autônomo e periférico. Nesta fase, atuam mecanismos ativos e passivos propiciando adequada drenagem uretral e continência urinária (FIGUEIREDO, 2000). De acordo com Retzky e Rogers (1995), durante a fase de enchimento, o músculo detrusor está em repouso, em estado não contrátil. A bexiga tem

23 capacidade de segurar volumes crescentes de urina (acomodação), sem um aumento concomitante da sua pressão interna. A acomodação, segundo Figueiredo (2000), decorre da composição anatômica da musculatura lisa envolta por elastina e colágeno, associada à integração neural. Com o gradativo enchimento, a musculatura vesical vai se alongando e a bexiga assume forma esférica. Os meatos ureterais pela sua conformação anatômica alongam-se, aumentando a resistência ao refluxo vésicoureteral, tanto passivo como ativo. O fenômeno da acomodação é traduzido como complacência e definida como a manutenção da pressão intravesical com o aumento do volume urinário. Por sua vez, a continência urinária durante o enchimento é mantida através do aumento da pressão intra-uretral, suplantando a pressão intravesical. A essa diferença denomina-se pressão de fechamento uretral, sendo o mecanismo ainda não totalmente elucidado, pois a uretra em repouso apresenta pressões oscilando de 40 a 80 cmh 2 O, mas acredita-se que seja decorrente do tônus da musculatura lisa, dos músculos estriados e da musculatura estriada periuretral do diafragma pélvico e também das fibras elásticas e colágenas da parede uretral (ZINNER et al. 2 apud FIGUEIREDO, 2000). Segundo Rud 3 apud Figueiredo (2000), nos aumentos agudos da pressão intra-abdominal, como ocorre na tosse, espirro e atividade física aumentada, esta pressão é transmitida igualmente à bexiga e uretra, fazendo com que a sua diferença não seja alterada. Quando a acomodação é perdida ou prejudicada, as contrações vesicais espontâneas involuntárias, conhecidas como hiperatividade do detrusor, podem acontecer levando à perda involuntária de urina (RETZKY e ROGERS, 1995). Segundo os mesmos autores, a fase de enchimento é produzida pela estimulação simpática de receptores adrenérgicos dentro da parede vesical, causando o relaxamento do detrusor. Ao mesmo tempo, a atividade nervosa simpática inibe a atividade parassimpática, promovendo, ainda mais, um estado de relaxamento. O relaxamento do detrusor, nesta fase, é o componente-chave da 2 ZINNER, N. R..; STERLING, A. M.; RITTER, R. C. Role of inner wall softeness in urinary continence. Urology, vol. 16, p. 115, RUD, T. Urethral pressure profile in continent women from childhood to old age. Acta Obsttet Gynecolol. Scand, vol. 59, p. 331, 1980.

24 acomodação vesical. A estimulação simpática dos receptores adrenérgicos nos músculos do esfíncter interno causa a constrição, com concomitante aumento da pressão uretral. O esfíncter uretral externo e os músculos do assoalho pélvico servem de suporte ao mecanismo da continência. Com sensibilidade preservada pode-se perceber quando a bexiga está repleta, evitando que ocorra a hiperdistensão de sua parede, o que prejudicaria a contração do detrusor, além de provocar, a longo prazo, lesão irreversível desta musculatura (CANALINI, 1999). Para Polden e Mantle (2002), a parede da bexiga é ricamente suprida com receptor de estiramento cuja descarga é proporcional à tensão intramural. À medida que a bexiga começa a encher, as fibras aferentes parassimpáticas levam esses impulsos até o centro sacral da micção (S2-S4) de onde ascendem pelos tratos espinotalâmicos laterais, e são então enviados de volta até a ponte, onde existem áreas capazes de excitar ou inibir o centro sacral. Nos primeiros estágios do enchimento da bexiga, a contração do detrusor é inibida pela descida de impulsos inibidores até o centro sacral. À medida que aumenta o volume de urina acumulada, o mesmo acontece com as descargas do receptor da parede da bexiga, sendo transmitidos a várias áreas do córtex cerebral, de modo que o desejo de esvaziar possa ser percebido de modo consciente. Se a micção não se realizar, é geralmente possível suprimir a urgência e adiar o esvaziamento da bexiga (BORGES et al., ). Além disso, a entrada aferente simpática através dos nervos hipogástricos (T11-L3) da parede da bexiga, trígono e músculo liso da uretra é capaz de estimular impulsos eferentes simpáticos para reduzir a contratilidade da bexiga e aumentar a pressão uretral, segundo Polden e Mantle (2002). Uma vez que a bexiga atinja sua capacidade funcional, os receptores no interior do detrusor emitem sinais aos centros corticais cerebrais para iniciar a fase de esvaziamento (RETZKY e ROGERS, 1995). A fase de esvaziamento é desencadeada pelo reflexo da micção, iniciando-se pelo relaxamento dos músculos estriados uretrais e periuretrais, com queda na sua pressão basal, seguida de contração detrusora e aumento da pressão intravesical (BLAIVAS 4 apud FIGUEIREDO, 2000). 4 BLAIVAS, J. G. The neurophysiology of micturition. A clinical study of 550 patients. J. Urol., vol. 127, p. 958, 1982.

25 O reflexo miccional requer integração neurológica ao nível do centro pontino da micção. A neurofisiologia da estimulação do reflexo miccional parece não ser um simples estímulo, mas sim, uma sucessão de eventos neurológicos iniciados no córtex cerebral, passando pelo hipotálamo, ponte e medula (FIGUEIREDO, 2000). Segundo Retzky e Rogers (1995), a inibição dos nervos eferentes pudendos e sacrais produz relaxamento do esfíncter uretral externo e dos músculos do assoalho pélvico, enquanto o córtex inibe o relaxamento simpático da bexiga. A uretra se encurta, o que diminui a resistência ao fluxo. O relaxamento dos músculos do assoalho permite um posterior relaxamento da rede fascial. A ativação dos receptores colinérgicos parassimpáticos no músculo detrusor estimula a contração da bexiga e a micção começa (figura 04). No caso de mulheres jovens, a micção terá a velocidade de pelo menos 25 ml/s, mas pode ser inferior nas mulheres idosas (ABRAMS e TORRENS 5 apud POLDEN e MANTLE, 2002). A contração eficiente do detrusor, que depende da integridade desse músculo e de sua inervação, será responsável pela eliminação de todo o volume urinário, sem a presença de resíduo pós-miccional (CANALINI, 1999). Com a micção há uma queda acentuada na pressão do detrusor e no fluxo da urina. Uma vez completado o esvaziamento, os impulsos iniciados pela tensão na parede da bexiga não são mais produzidos, o assoalho pélvico e os músculos do esfíncter externo se contraem e o detrusor relaxa, e a seqüência toda começa novamente (POLDEN e MANTLE, 2002). Mahony et al. 6 (apud POLDEN e MANTLE, 2002) descreveram ser o reflexo inibidor períneo-detrusor o meio pelo qual a contratilidade da bexiga pode ser inibida em resposta a uma crescente tensão voluntária nos músculos do assoalho pélvico e do períneo. O modelo descrito não ocorre sempre, podendo haver contração do detrusor antes da queda da pressão uretral ou, então, pode-se ter a micção por aumento da pressão intra-abdominal sem contração do músculo detrusor (BORGES et al, ). 5 ABRAMS, P. H.; TORRENS, M. J. Urine flow studies. Urol. Clin. N. America, vol. 6, p , MAHONY, D. T.; LAFERTE, R. O.; BLAISE, J. D. Integral storage and voinding reflexes. Urology, vol. 9, p , 1977.

26 Figura 04 Função da bexiga. Fonte: RETZKY, S. S.; ROGERS, R. M. A incontinência urinária na mulher. Clinical Symposia, vol. 47, n. 3, p. 08, 1995.

27 Efeitos hormonais, segundo Batra e Iosif 7 (apud FIGUEIREDO, 2000), também ocorrem na fisiologia do trato urinário inferior. Estudos químicos demonstraram a presença de receptores estrogênicos e progesterogênicos no trígono e uretra. O detrusor apresenta receptores sensitivos ao estrógeno. A mucosa uretral atrofia e afina após a menopausa. A administração de estrógeno pósmenopausa produz aumento da vascularização local e da pressão uretral e aumenta a densidade dos receptores alfa-sensitivos e a sensibilidade dos alfa-agonistas, favorecendo a coaptação da mucosa, auxiliando no mecanismo de continência. 7 BATRA, S. C.; IOSIF, C. S. Female urethra: a target for strogen action. J. Urol., vol. 129, p.418, 1983.

28 4 INCONTINÊNCIA URINÁRIA (IU) A incontinência urinária na mulher está relacionada com alterações funcionais da bexiga e/ou uretra. Considera-se a incontinência urinária um sinal e um sintoma, não uma doença (D ANCONA, 1999). De acordo com a definição da Sociedade Internacional de Continência (ICS), entende-se por incontinência o estado no qual a eliminação involuntária de urina se constitui em problema social ou de higiene, podendo ser demonstrada de forma objetiva (TATA, 2002). A incontinência urinária é uma condição comum, é um sintoma que tem implicação social, causando desconforto, vergonha, perda da autoconfiança, e que pode ter efeito negativo na qualidade de vida (D ANCONA, 1999). Milsom et al. 8 (apud PRAUN Jr e BUSATO Jr, 1999) realizaram um estudo na Suécia, no qual avaliaram, através de um questionário, mulheres com idades entre 46 e 86 anos. Nesse estudo, verificou-se uma prevalência de incontinência elevando-se proporcionalmente com a idade. Sendo que mulheres na faixa dos 46 anos apresentavam prevalência de 12,1% e mulheres com 86 anos de 24,6%. Também pode ser verificado nesse estudo, que houve, de modo semelhante, um aumento similar com relação à história de incontinência relatada pelas pacientes. Estes dados podem ser melhor observados através da tabela 01. A incontinência urinária na mulher é muito freqüente e não necessariamente patológica. Em torno de 50% das mulheres nulíparas e jovens já experimentaram algum tipo de incontinência em uma ou mais situações. Multíparas entre 30 e 40 anos referem incontinência com mais freqüência (BORGES et al., ). 8 MILSOM, I.; EKELUND, P.; MOLANDER, U. ARVIDSSON, A. ARESKOUG, B. The influence of age, party, oral contraception, hysterectomy and menopause on the prevalence of urinary incontinence in women. J. Urol., vol. 149, p , 1993.

29 TABELA 01 PREVALÊNCIA DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA EM MULHERES DE ACORDO COM A IDADE Idade (anos) % prevalência de IU (7421 mulheres) % história de IU (7397 mulheres) 86 24,6 28, ,1 26, ,5 23, ,1 20, ,9 20, ,1 19, ,1 18,9 Fonte: The influence of age, party, oral contraception, hysterectomy and menopause on the prevalence of urinary incontinence in women, por Milson et al 8 apud PRAUN Jr, O. H.; BUSATO Jr, W. F. S. Epidemiologia da Incontinência Urinária de Esforço. In: In: RUBINSTEIN, I. Urologia Feminina. São Paulo: BYK, p De acordo com Chalker e Whitmore 9 (apud PALMA e RICCETTO, 1999), existem situações transitórias e definitivas que podem levar à incontinência urinária. Dentre as situações transitórias, responsáveis por cerca de 50% dos casos de incontinência urinária nas mulheres idosas, pode-se citar: Fármacos Existem vários medicamentos que interferem tanto na função vesical como na uretral. Alguns fármacos para a hipertensão arterial, por exemplo, podem levar à IU. Problemas mentais Alterações mentais graves nas quais o indivíduo perde o sentido da orientação podem levar à perda da consciência da plenitude vesical. Infecção urinária As cistites agudas são muito comuns nas idosas e podem levar à incontinência urinária somada à urgência. Deficiência hormonal A função uretral relacionada à contenção urinária está intimamente relacionada à produção hormonal ovariana (estrógeno), que é também fundamental para a menstruação. Após a menopausa, a produção de estrógeno diminui e, em algumas mulheres, o tecido uretral torna-se mais frágil e sujeito a lesões e infecções. 9 CHALKER, R.; WHITMORE, K. E. Overcoming bladder disorders. New York: Harper Perennial, p. 3.

30 Imobilidade no leito Doenças graves, como fratura de fêmur e doenças cardíacas, que confinam as pacientes ao leito, muitas vezes impedem que apresentem um hábito urinário normal. Ainda de acordo com os mesmos autores, dentre as situações definitivas que levam à incontinência pode-se citar: Gravidez A gestação aumenta a tensão sobre a musculatura da pelve feminina. Além disso, durante o parto pode haver estiramento e ruptura das fibras musculares do períneo, deslocando a bexiga e a uretra de suas posições normais e causando incontinência. Cirurgias abdominais ou pélvicas Destacam-se a histerectomia, as falhas das cirurgias para incontinência e as cirurgias para tratamento de tumores do cólon ou do reto, dentre outras. Acidente vascular cerebral (AVC), traumas e tumores medulares São situações nas quais pode haver comprometimento do controle do sistema nervoso sobre a micção. Doença de Parkinson, doença de Alzheimer, esclerose múltipla e diabete Tais doenças podem lesar as fibras nervosas que controlam a função uretrovesical, além de eventualmente determinarem uma alteração da consciência do desejo miccional. Obesidade Nas mulheres obesas existe acúmulo de gordura no interior do abdome, causando aumento da pressão intra-abdominal, que é transmitida à bexiga. Defeitos congênitos A mielomeningocele pode determinar alterações da função vesical e incontinência. Rubinstein e Rubinstein (1999) acrescentam outras causas como: a diminuição da síntese de colágeno tipo III e anomalias como a epispádia, por exemplo. De acordo com McGuire et al. 10 (apud D ANCONA, 1999), a incontinência urinária pode ser graduada segundo os sintomas da paciente em: 10 McGUIRE, E. J.; FITZPATRICK, C. C.; WAN, J.; BLOOM, D.; SANVORDENKER, A.; RITCHEY, M.; et al. Clinical assesment of urethral sphincter function. J. Urol., vol. 150, p , 1993.

31 Grau 0 continente. Grau I incontinência somente após esforço vigoroso e em pé. Grau II incontinência com esforço relativo. Grau III incontinência não relacionada ao esforço, posição ou atividade. A incontinência urinária pode ser classificada de acordo com diversos critérios, como: idade, etiologia ou pelo estudo urodinâmico (D ANCONA, 1999). Segundo Abrams et al. 11 apud D Ancona (1999), a Sociedade Internacional de Continência baseando-se nos sintomas e em alguns parâmetros urodinâmicos classifica a incontinência urinária em: Incontinência urinária de esforço (IUE) É a perda involuntária de urina quando a pressão vesical excede a pressão uretral máxima, na ausência de contração do detrusor. O aumento da pressão vesical está relacionado ao esforço. Urge-incontinência É a perda involuntária de urina associada com intenso desejo miccional. Incontinência reflexa É a perda involuntária de urina devido à hiperreflexia do detrusor e/ou relaxamento involuntário do esfíncter uretral na ausência de sensibilidade, geralmente associado com desejo miccional. Essa condição é observada somente em pacientes com alterações neurológicas da bexiga e/ou uretra. Incontinência por transbordamento É a perda involuntária de urina associada com hiperdistensão vesical, mas na ausência de contração do detrusor. Incontinência paradoxal A paciente apresenta retenção urinária crônica associada com contração involuntária do detrusor, levando à incontinência urinária. 11 ABRAMS, P.; BLAIVAS, J. G.; STATON, S. L.; ANDERSEN, J. T. The standardisation of terminology of urinary tract function. Scand J. Urol. Neprhol., vol. 114, p. 5-19, 1988.

32 5 INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO (IUE) A incontinência urinária de esforço é uma situação bastante comum, entre mulheres, particularmente durante e após as gestações. Ao contrário do que popularmente se acredita, a incontinência urinária não é incomum entre a população feminina com menos de 40 anos (WROCLAWSKI et al., 1999). A incontinência urinária de esforço é a perda involuntária da urina resultante de qualquer atividade que leve a um aumento da pressão intra-abdominal excedendo a pressão de fechamento uretral. O termo incontinência de esforço foi cunhado inicialmente por Sir Eardley, o qual definiu essa condição como perda de urina através da uretra intacta, sob certas condições que causam aumento da pressão intra-abdominal (WEI et al., 1999). Atualmente, esse termo é empregado para descrever tanto um sintoma quanto um diagnóstico. Como sintoma, se refere meramente à perda da urina associada a qualquer atividade que aumente a pressão intra-abdominal, tais como tosse, espirro ou realização de esforços. Quando se refere a um diagnóstico, pode significar qualquer tipo de disfunção miccional, incluindo a incontinência urinária de esforço verdadeira, a instabilidade do detrusor, a incontinência por transbordamento, a hipotonicidade do detrusor e a instabilidade uretral. O termo incontinência urinária de esforço verdadeira é utilizado nos casos em que existe dificuldade de enchimento da bexiga, cuja etiologia é unicamente uretral, ou seja, o enchimento da bexiga é impedido pela falha no mecanismo de fechamento uretral (WEI et al., 1999). 5.1 INCIDÊNCIA A incontinência urinária de esforço é a causa mais freqüente de incontinência urinária, com incidência variando de 14 a 52% (LOCHER e BURGIO 12 apud RIBEIRO e ROSSI, 2000b). 12 LOCHER, J. L.; BURGIO, K. L. Epidemiology of incontinence. In: OSTERGARD, D. R.; BENT, A. E. Urogynecology and Urodynamics Theory and Practice. 4 ed. Baltimore: Williams and Wilkins, p. 69.

33 Thomas et al. 13 (apud SAMPAIO et al., 1995) estimam que 50% das mulheres multíparas têm incontinência urinária a grandes esforços. Segundo Jeffcoate 14 (apud SAMPAIO et al., 1995), a incontinência urinária de esforço ocorreria em 30 a 50% das mulheres. Segundo Freitas et al. (1993), estima-se que cerca de 40% da população feminina apresenta algum tipo de incontinência urinária. Dentre estas, cerca de 50% tem incontinência urinária de esforço. A prevalência de incontinência urinária de esforço aumenta com a idade e paridade de forma independente, e diversos fatores podem contribuir para agravar o quadro, segundo Ribeiro e Rossi (2000b). As condições que produzem aumento crônico na pressão intra-abdominal predispõem a todas as formas de distúrbio do assoalho pélvico, sobrecarregando os tecidos já danificados. Os fatores de risco incluem constipação, tosse crônica do fumante ou doença pulmonar, obesidade e ocupações que exigem levantamento crônico de peso (RETZKY e ROGERS, 1995). Outro fator causador da incontinência urinária de esforço que tem sido proposto é a presença de um defeito genético no tecido conjuntivo (MENDONÇA et al., 1997). Mushkat et al. 15 (apud MENDONÇA et al., 1997) avaliaram a prevalência urinária entre parentes de pacientes com incontinência urinária de esforço. Encontraram ser a incontinência urinária de esforço três vezes mais prevalente entre parentes de primeiro grau. 5.2 CLASSIFICAÇÃO Segundo Wei et al. (1999), a incontinência urinária de esforço, historicamente, era classificada em duas categorias: congênita e adquirida. A grande maioria das pacientes se encaixava na última categoria, dentro de subgrupos tais como pósparto, pós-menopausa e pós-operatória. As causas congênitas da incontinência urinária de esforço são constituídas pelas raras deformidades uretrais. Mais 13 THOMAS, T. M.; PLYMAT, K. R.; BLANNIN, J.; MEAD, T. S. Prevalence of urinary incontinence. Br. Med. J., vol. 281, p , JEFFCOATE, T. N. A. urgence incontinence in the female. Am. J. Obstet. Gynaecol., vol. 94, n. 5, p , march MUSHKAT, Y.; BUKOVSKY, I.; LANGER, R. Female urinary stress incontinence Does it have familial prevalence? Am. J. Obstet. Gynaecol., vol. 174, n. 2, p , 1996.

34 recentemente, na tentativa de se criar uma classificação mais quantitativa e passível de reprodução, incorporaram-se os achados urodinâmicos a esses esquemas, como é o visto nas classificações de McGuire e de Blaivas e Olsson (ver tabela 02). TABELA 02 CLASSIFICAÇÃO DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO Tipo McGuire Blaivas e Olsson Tipo 0 Ausência de IUE verdadeira. Colo vesical e uretra abertos sem evidências objetivas de IUE. Tipo I Tipo II IUE com mínima hipermobilidade da uretra, pressão de fechamento uretral >20 cmh 2 O na posição supina em repouso, com ou sem a coexistência de cistocele. IUE com marcante hipermobilidade uretral, com prolapso e rotação, resultando em posicionamento horizontal da uretra durante o esforço, pressão de fechamento uretral >20 cmh 2 O na posição supina em repouso. IUE objetiva demonstrada, colo vesical e uretra abertos, que sofrem um prolapso de menos de 2 cm durante o esforço, cistocele mínima ou ausente. a) IUE objetiva demonstrada, colo vesical e uretra abertos, que sofrem um prolapso de mais de 2 cm durante o esforço, com cistocele. b) IUE objetiva demonstrada, colo vesical e uretra abaixo da sínfise em repouso, que podem ou não sofrer maior com o esforço. Tipo III Incapacidade prévia de suspensão do colo vesical, ou pressão de fechamento uretral <20 cmh 2 O na posição supina em repouso. IUE objetiva demonstrada, colo vesical e uretra abertos, em repouso e sem esforço. Fonte: WEI, J.; RAZ, S.; YOUNG, G. P. H. Fisiopatologia da Incontinência Urinária de Esforço. In: RUBINSTEIN, I. Urologia Feminina. São Paulo: BYK, p Raz et al. 16 (apud WEI et al., 1999) propuseram uma classificação mais clinicamente relevante para a incontinência urinária de esforço. Consiste de duas categorias: alterações anatômicas e disfunção esfincteriana intrínseca. No grupo anatômico estão as pacientes que apresentam mau posicionamento de uma unidade esfincteriana intacta, e no grupo da disfunção esfincteriana intrínseca estão as pacientes com disfunção do esfíncter, que pode ou não ser acompanhada de hipermobilidade. Para Wei et al. (1999), todas as pacientes apresentam algum componente de alteração anatômica e de disfunção esfincteriana intrínseca, mas alguns casos 16 RAZ, S.; STOTHERS, L.; YOUNG, G. P. H., SHORT, J.; MARKS, B.; CHOPRA, A.; WAHLE, G. R. Vaginal wall sling for anaomical incontinence and intrinsic sphincter dysfunction efficacy and outcome analysis. Journal of Urology, vol. 156, n. 1, p , 1996.

35 possuem predomínio do primeiro mecanismo e outros, do segundo. Toma-se como exemplo uma mulher que sofreu uma lesão pélvica inicial durante o parto. Na época, ela adquiriu essa alteração anatômica devido ao enfraquecimento pélvico, mas pôde não manifestar incontinência urinária de esforço durante várias décadas. Ocorrerá incontinência urinária de esforço quando houver progressão do componente de disfunção esfincteriana intrínseca. 5.3 FISIOPATOLOGIA Várias manobras de esforço, como a tosse, levantar peso ou subir escada, levam ao aumento da pressão intra-abdominal e, por continuidade anatômica, ao aumento da pressão na bexiga. Nestas situações de estresse, o aumento súbito e momentâneo da pressão do conteúdo vesical tem que ser correspondido por aumento concomitante e proporcional da pressão de fechamento uretral. Quando isso não ocorre, há perda involuntária de urina. Um dos mecanismos pelo qual a uretra procura compensar esse aumento pressórico súbito é com a rápida contração da musculatura estriada de seu esfíncter externo, porém na mulher esse mecanismo não tem tanta eficiência quanto no homem. A mulher se vale de outros mecanismos, dentre eles a transmissão da pressão intra-abdominal também à uretra, transmissão essa facilitada pela localização relativamente intra-abdominal da uretra. Dessa forma equilibram-se as pressões intravesical e de fechamento uretral, não permitindo a saída da urina (RUBINSTEIN e RUBINSTEIN, 1999). Quando esses mecanismos de compensação uretral não funcionam, segundo os mesmos autores, há desequilíbrio entre as pressões, permitindo haver escape da urina pela uretra e devido ao seu mecanismo esfincteriano uretral, a mulher é mais sujeita a ter esse tipo de disfunção do que o homem. A incontinência urinária de esforço ocorre em duas situações distintas, segundo Blaivas e Olsson 17 apud Palma e Riccetto (1999). Na primeira situação, que corresponde à grande maioria dos casos, a uretra conserva a função de esfíncter. Em repouso, a pressão uretral é maior que a pressão vesical, mantendo a 17 BLAIVAS, J. G.; OLSSON, C. A. Stress incontinence: classification and surgical approach. J. Urol., vol. 139, p , 1988.

36 continência. No entanto, durante os esforços ocorre um aumento da pressão intraabdominal que não é transmitido igualmente para a uretra e para a bexiga, de maneira que a pressão vesical torna-se maior que a pressão uretral, ocorrendo perda urinária. A transmissão desigual da pressão intra-abdominal ocorre devido à hipermobilidade do colo vesical e da uretra proximal, que decorre do relaxamento do assoalho pélvico ou defeitos do suporte pélvico. Ainda de acordo com os mesmos autores, na segunda condição, ocorre a lesão do mecanismo esfincteriano próprio da uretra. A pressão uretral é constantemente baixa e a perda da urinária ocorre geralmente aos mínimos esforços. Nesta situação, pode não existir hipermobilidade do colo vesical, que em geral se encontra fixo com a uretra fibrosada. De acordo com Ribeiro e Rossi (2000b), essa condição caracteriza-se por uma alteração no fechamento uretral, que pode ser diagnosticada por pressão de perda inferior a 60 cmh 2 O (ou pressão máxima de fechamento uretral inferior a 20 cmh 2 O). Várias condições podem determinar insuficiência esfincteriana: fibrose por cirurgias para correção de incontinência urinária de esforço, trauma, radiação, lesão congênita (meningomielocele, epispádias) e deficiência estrogênica. A hipermobilidade do colo vesical é a causa de incontinência urinária de esforço em 90% dos casos e o restante decorre da insuficiência esfincteriana associada ou não à hipermobilidade (RIBEIRO e ROSSI, 2000). A fonte mais comum de deficiência do suporte pélvico parece estar relacionada ao trauma na infância e/ou histerectomia (WEI et al., 1999). O parto está associado a 2-6% da taxa de incontinência de esforço a longo prazo de acordo com Meyer et al. 18 e Dimpfl et al. 19 (apud WEI et al., 1999), e o parto vaginal está relacionado a uma incidência significativamente maior de incontinência urinária de esforço em comparação ao parto cesáreo (SKONER et al. 20 apud WEI et al., 1999). Do mesmo modo, as mulheres que apresentam rupturas de períneo e episiotomias possuem chances 3,8 vezes maiores de desenvolver incontinência (WEI et al., 1999). 18 MEYER, S.; GRANDI, P.; KUNTZER, T.; HURLIMANN, P.; SCHMIDT, N. Birth trauma: its effect on the urine continence mechanisms. Gynakologish-Geburtshilfliche Rundschau, vol. 33, n. 4, p , DIMPFL, T.; HESSE, U.; SCHUSSLER, B. Incidence and cause of postpartum urinary stress incontinence. European Journal of Obstetrics, Gynecology & Reproductive Biology, vol. 43, n. 1, p , SKONER, M. M.; THOMPSON, W. D.; CARON, V.A. Factors associated with risk of stress urinary incontinence in women. Nursing Research, vol. 43, n. 5, p , 1994.

37 A cirurgia ginecológica e a cirurgia pélvica radical podem levar ao prolapso dos órgãos pélvicos ou à denervação da unidade esfincteriana (WEI et al., 1999). Snooks et al. 21 (apud WEI et al., 1999) enfatizaram a importância da denervação da musculatura do assoalho pélvico na gênese do relaxamento pélvico. De acordo com os estudos de Hebert et al 22 (apud WEI et al., 1999), tem-se atribuído a IUE à ausência de pulsações vasculares uretrais em um pequeno grupo de pacientes. Essa explicação é adicionalmente comprovada pelo achado de que o uso de estrogênio aumenta o diâmetro do lúmen vascular uretral e suas pulsações e esse pode ser em parte o mecanismo pelo qual esse hormônio pode diminuir a incontinência em algumas pacientes (FABER e HEIDENREICH 23 apud WEI et al., 1999). As mulheres nulíparas podem apresentar sintomas gênito-urinários relacionados ao relaxamento do assoalho pélvico devido à atrofia tecidual pósmenopausa. O fato de a incontinência urinária de esforço e outras manifestações do comprometimento do suporte pélvico ocorrerem com maior freqüência durante ou após a menopausa, ao invés de na época do trauma obstétrico ou ginecológico, implica adicionalmente alterações tróficas advindas de mudanças hormonais na perda do suporte pélvico (WEI et al., 1999). O reparo cirúrgico dos problemas uretrais pode por si só resultar em lesão do mecanismo esfincteriano. A uretrotomia interna e a uretroplastia são procedimentos que podem levar à incontinência (WEI et al., 1999). 5.4 DIAGNÓSTICO O diagnóstico da incontinência urinária de esforço é fundamentalmente clínico. Além da anamnese detalhada procura-se também demonstrar objetivamente a perda urinária (PALMA e RICCETTO, 1999). 21 SNOOKS, S. J.; SWASH, M.; HENRY, M. M.; SETCHELL, M. E. Injury to innervation of the pelvic floor sphincter musculature in childbirth. Lancet, vol. 2, p. 546, HEBERT, D. B.; FRANCIS, L. N.; OSTERGARD, D. R. Significance of urethral vascular pulsations in genuine stress urinary incontinence. American Journal of Obstetrics & Gynecology, vol. 144, n. 7, p , FABER, P.; HEIDENREICH, J. Treatment of stress incontinence with estrogen in postmenopausal women. Urologia Internationalis, vol. 32, n. 2, p , 1977.