Palavras chave: Identidade, lei /03, cotidiano escolar.
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- Osvaldo Beretta Salgado
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1 CONSTRUINDO PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM REFERENCIAIS DE IDENTIFICAÇÃO NEGRO POSITIVOS EM UMA ESCOLA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO: ALGUMAS REFLEXÕES Resumo Luciana Santiago da Silva (UERJ-FFP/IFRJ) O trabalho em tela é fruto da dissertação que venho desenvolvendo no Mestrado em Educação: Processos formativos e desigualdades sociais (UERJ-FFP). Algumas pesquisas mostram que, por vezes, os currículos escolares não abarcam a temática da história e das culturas africana e afro-brasileira (SOUZA; CROSO, 2007). Por compreender que o problema na sociedade brasileira não se encontra nas diferenças étnico-raciais e na diversidade, mas sim, na hierarquização e anulação das mesmas é que esse trabalho tem por objetivo trazer ao diálogo a importância de se oferecer referenciais de identificação positivo a crianças negras no cotidiano escolar. Consolidou-se, por tempos, a ideia de que as crianças são puras e inocentes e por isso entre elas não haveria discriminação e preconceitos étnico-raciais. Entretanto, compreendo que crianças vivem situações conflituosas com relação a suas identidades étnico-raciais dentro e fora da escola. Dessa forma, trago a tona uma situação ocorrida em sala de aula no primeiro segmento do Ensino Fundamental de uma escola pública do município de São Gonçalo, situação esta que está imbricada com a questão da identidade e das relações étnico-raciais no espaço escolar. Por reconhecer o cotidiano escolar como importante espaço-tempo para se oferecer referenciais igualitários de identificação positivos a todas as crianças, com especial interesse a crianças negras, é que esse estudo se alicerça em autores/as como: Gomes (2006), Munanga (1999) e Silva (1999). Compreendo que dessa maneira possamos refletir acerca da construção de identidades étnico-raciais negras positivas em articulação com a obrigatoriedade da lei /03 que institui o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas instituições públicas e privadas de educação no âmbito do Ensino Fundamental e Médio. Palavras chave: Identidade, lei /03, cotidiano escolar. Livro 1 - p
2 2 Este trabalho é oriundo da dissertação que venho desenvolvendo no Mestrado em Educação: Processos formativos e desigualdades sociais, na Faculdade de Formação de professores da UERJ. Tem como temática as relações étnico-raciais e educação. Temática esta que venho alicerçando-me na discussão por meio da pesquisa Microações afirmativas no cotidiano de escolas públicas no município de São Gonçalo, em que participei como bolsista de iniciação científica ( ); de minha monografia que recebeu o título de Relações étnico-raciais na escola a criança negra e a construção da identidade no cotidiano da Educação Infantil. E da Especialização em processo em Ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). Assim, esse trabalho objetiva trazer ao diálogo a importância de se oferecer referenciais de identificação positivos para as crianças, com maior interesse a crianças negras, no cotidiano de uma escola pública no município de São Gonçalo. Por tempos consolidou-se a ideia de que as crianças são puras e inocentes e por isso entre elas não haveria discriminação e preconceitos étnico-raciais. Entretanto, compreendo que crianças vivem situações conflituosas com relação a suas identidades étnico-raciais dentro e fora da escola. Crianças negras, por vezes, interiorizam um sentimento de inferioridade e as brancas, por vezes, um sentimento de superioridade (SOUZA; CROSO, 2007, p. 22). Por compreender com Gomes (2006), Silva (1999) e Hall (2006) que as identidades não são inatas, mas sim, construídas histórica e culturalmente é que percebo que parte da construção identitária das crianças se baseia na visão que o adulto tem delas. Pelas relações e interações que vão construindo. Silva (2000, apud VIEIRA, 2009) fala sobre uma definição simplista de identidade como sendo meramente aquilo que se é : sou mulher, sou brasileira. Para ele essas identidades, de forma essencialista, se esgotam em si mesmas. Assim, essa maneira de conceber a identidade apenas como positividade, como um fato autónomo, ou seja, que somente tem referência em si mesma tende a esconder a relação de dependência entre a identidade e a diferença. Segundo Vieira (2009) as identidades são cada vez mais multiculturais. Ninguém é meramente isso ou aquilo. Estamos sendo a cada dia. Vamos nos tornando isso e aquilo. As identidades não são fixas, elas estão sendo (re)construídas, Livro 1 - p
3 3 (res)significadas a cada dia. Dessa maneira, a identidade é tida enquanto processo e não como essência. Hall (2009) descreve três conceitos de identidades: a do sujeito do Iluminismo, a do sujeito sociológico e a do sujeito pós-moderno. Explica que a identidade do sujeito do Iluminismo estava alicerçada num sujeito centrado com um núcleo interior, de uma essência que estava posta desde seu nascimento. Esse núcleo se desenvolvia durante a vida do sujeito, mas ele continuava com seu núcleo que era sua identidade fixa e inalterável. O autor disserta acerca da complexidade da modernidade e sob esse contexto a identidade do sujeito sociológico. Essa noção de sujeito sociológico compreende que o núcleo interior do sujeito não é independente e sim desenvolvido numa interação com o outro. Entretanto, mesmo trazendo esse viés da interação entre o eu e o outro e a relação entre o sujeito e a estrutura social essa concepção ainda se fundamenta numa essência interior. Já com relação à concepção de identidade do sujeito pós-moderno, Hall (2009), diz que essa identidade que se alicerça numa essência está se fragmentando. Essa concepção traz a noção de identidades plurais. Identidades que se formam e se transformam sucessivamente com as mudanças estruturais e institucionais. Compreendo que há identidades pessoais e coletivas, o que não significa, pelo contrário, que elas se contrapõem (VIEIRA, 2009). Elas são faces de uma mesma moeda, se complementam. Entendo as identidades pessoais no sentido de não precisarem de um grupo que reconheça o indivíduo como parte. São características e aspectos que o indivíduo vai assimilando e (res)significando para si próprio, para sua vida em sociedade. É o que acontece no interior do sujeito, sua subjetividade, que ocorre de maneira singular em cada um. Nas identidades coletivas não só a pessoa se reconhece parte, como também, o grupo a reconhece. Há um reconhecimento mútuo entre as partes. Dessa maneira, o modo como cada pessoa vê a si mesma também depende do modo como é visto pelos outros. A identidade é construída pela significação não só da semelhança, mas também da diferença. Aquilo que sou muitas vezes se define por aquilo que não sou. A definição de minha identidade é sempre dependente da identidade do Outro. A identidade é definida num processo de significação: é preciso que, socialmente, lhe seja atribuído um significado (SILVA, 1999, p.106). Livro 1 - p
4 4 Esse processo de significação fabrica a diferença alicerçado em relações de poder. São as relações de poder que fazem com que a diferença adquira um sinal, que o diferente seja avaliado negativamente relativamente ao não-diferente (SILVA, 1999, p.87). Isso demonstra as relações de poder imbricadas nesse processo que se baseia na significação. Esse processo discursivo da produção da diferença é uma perspectiva muito importante, entretanto, não é a única. Existem os processos econômicos, institucionais e estruturais que também produzem a diferença e as desigualdades ao priorizarem uma única forma de ser e agir em sociedade. Assim, compreendo que a criança vai assimilando o que as pessoas ao seu redor sinalizam positiva e/ou negativamente a respeito de suas características como, por exemplo, cor de pele e tipo de cabelo e, muitas vezes, o que poderia ser visto como potencial é tido como inferioridade. Assim, ter características consideradas negativas pode fazer com que a criança negra internalize desde pequena que é diferente negativamente, pois tem atributos como cor de pele e tipo de cabelo que a inferioriza perante crianças não-negras (FONSECA, 2000). A identidade negra, assim como as demais identidades, implica a construção do olhar do grupo étnico-racial sobre si mesmo por meio da relação com o outro. A identidade negra vem enfrentando um grande desafio, pois historicamente, e ainda hoje, nós negros aprendemos, por vezes, que para sermos aceitos é preciso negarmos a nós mesmos. Para Munanga (1999), é importante compreender que a população negra, representada muitas vezes pelos movimentos negros, busca o reconhecimento público de sua identidade para a construção de uma imagem positiva impossibilitada pela alienação étnico-racial construída social e ideologicamente por meio das teorias racialistas do século XIX que partiam de supostas afirmações biológicas, por meio de características como, por exemplo, tamanho da cabeça e cor de pele para determinar raças, em seu sentido biológico, inferiores e superiores. Essas teorias racialistas do século XIX tinham a concepção de raças biológicas alicerçando-se na suposta superioridade do branco e na suposta inferioridade do índio e, principalmente, do negro como, por exemplo, a ideologia do branqueamento que via na mestiçagem o meio para se voltar aos traços de origem. De acordo com essa ideologia os traços de origem são os traços do homem branco. Um exemplo dado pelas teorias racialistas era que bastariam quatro gerações de cruzamentos sucessivos com o branco para que o mulato perdesse os traços degenerativos do negro (MUNANGA, p. 26, Livro 1 - p
5 5 1999) Ou seja, para essa ideologia a tendência era a população negra ir branqueando até que desaparecesse. Munanga (1999) ressalta outro ideal centrado no branqueamento construído pela sociedade brasileira: a Democracia racial oriunda da década de 30 do século XX. O autor traz em sua obra intitulada: Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra, intelectuais da época que ajudaram a construir esse ideal como, por exemplo, Oliveira Viana, que exaltou em seus estudos uma suposta igualdade e a harmonia existente entre os grupos étnico-raciais da sociedade brasileira. O mito da democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e cultural entre as três raças originárias, tem uma penetração muito profunda na sociedade brasileira: exalta a idéia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular as desigualdades e impedindo os membros das comunidades não-brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de exclusão da qual são vítimas na sociedade (MUNANGA, 1999, p.80). Esse mito teve, e ainda tem grande relevância para a dissimulação do racismo brasileiro que se caracteriza por um preconceito muito mais de marca do que de origem. O conceito de preconceito de marca, cunhado por Oracy Nogueira, ressalta que quanto mais características da aparência negra, mais o indivíduo sofrerá preconceito e discriminação racial. Diferentemente dos EUA, onde o preconceito é de origem: se o indivíduo for fenotipicamente branco, mas tiver um ancestral negro reconhecido, por mais remota que seja essa ancestralidade, é considerado negro, e sofre preconceito e discriminação racial por sua origem (MUNANGA, 1999). Desse modo, a perspectiva da democracia racial nega os preconceitos e discriminações étnico-raciais entre os povos, fazendo-se acreditar que a mistura racial torna todos iguais, possuidores de direitos e possibilidades igualitárias reservando aos próprios sujeitos a responsabilidade pelas suas melhores ou piores condições de vida. E é essa visão hegemônica de uma democracia racial possuidora de direitos iguais para todos que ainda chega às escolas quando, por exemplo, se culpabiliza meramente a criança ou sua família pelo fracasso escolar. Essa culpabilização se alicerça em perspectivas que veem as famílias pobres, em sua maioria negra, como desestruturadas e incapazes de oferecer uma boa base educacional e moral a seus filhos dentro e fora da escola. Em seu artigo denominado: Cenas do cotidiano de uma escola pública: olhando a escola pelo avesso, Silva (2003) fala do processo de alfabetização de crianças das Livro 1 - p
6 6 classes populares compreendendo que ainda existe, por vezes, uma desvalorização dos conhecimentos e dos valores da(s) história(s) e culturas africanas e afro-brasileiras. Para a maioria das crianças pobres, afro-descendentes, moradoras das periferias, o processo de alfabetização, de uma forma geral, tem representado uma forte desqualificação de seus saberes, valores, linguagens. Na escola, além de aprender a ler e escrever, elas também são desafiadas a aprender outra variante linguística, outra lógica, outra relação com o corpo, novos valores estéticos, outra religião, que não se identificam com o seu grupo sociocultural. O que são apenas diferenças culturais, tratadas pela escola como deficiências, se transformam, inúmeras vezes, em fatores de discriminação, contribuindo para produzir o fracasso escolar dessas crianças (SILVA, 2003, p. 2) Compreendo esse processo de desqualificação dos saberes e valores dos afrodescendentes dos quais fala a autora e, por meio desse processo, entendo que a alegação de muitos profissionais e estudiosos da Educação de que as famílias das classes populares, em sua maioria negra, não estão preocupadas com a educação de seus filhos é frágil, e, muitas vezes não se sustenta. Pois, por vezes, essas famílias vivem outras lógicas, outras maneiras de compreender, de ser e agir diferentes das pensadas e (re)produzidas pela ideologia hegemônica que rege a sociedade brasileira. Entretanto, entendo que a escola não é, somente, reprodutora dessa lógica dominante que desvaloriza o segmento negro da população brasileira ela é, também, um importante espaço-tempo de produção de saberes, de representações e significados. Assim, percebo a importância de desvelarmos o mito da democracia racial brasileira, de debatermos as relações étnico-raciais na escola e oferecermos referenciais de identificação positivos as crianças, principalmente as crianças negras, pois são essas que vem sofrendo historicamente um processo de inferiorização, de anulação, da construção de identidades étnico-raciais positivas. Venho tentando, por meio da prática pedagógica, trabalhar com referenciais negros positivos com alunos negros e não-negros. Pois compreendo a importância de alunos não-negros terem uma visão positiva do grupo étnico-racial abordado, para que não venham nutrir um possível sentimento de superioridade com relação a população negra. Dessa maneira, trago uma situação ocorrida em salada de aula numa escola pública do município de São Gonçalo onde atuo como professora. Ao chegar à sala de aula me deparei com a imagem de uma princesa da Disney. Era a princesa Bela do filme A Bela e a Fera. A imagem da princesa estava afixada em minha mesa. As crianças Livro 1 - p
7 7 gostavam muito da mesa por ela estar adornada com essa imagem, diferentemente das demais mesas das outras salas de aula, que nada tinham a enfeitar. Com a obra de reforma que se realizava na escola trocávamos várias vezes de sala de aula durante uma única semana. Hoje numa sala, amanhã em outra e até na sala de vídeo ficamos. Sala apertada e sem quadro. Nessa cansativa movimentação acabamos perdendo de vista a tão adorada mesa, que depois ficamos sabendo que foi servir de suporte na obra. Ao voltarmos a nossa sala as crianças sentiram falta da mesa. Percebi que elas já estavam muito sensibilizadas, pois as trocas de sala de aula, a nova professora (assumi a turma de 2º ano do Ensino Fundamental, em meados de agosto de 2011) e a falta da mesa mexeu emocionalmente com muitas delas. O que eu como professora poderia fazer para amenizar a falta que as crianças sentiam da imagem? Reconheci na reivindicação das crianças uma oportunidade de fazer algo que pudesse lhes oferecer outro referencial de identificação. Como meu processo de formação sobre as relações étnico-raciais e educação me alicerçam, pensei em substituir a imagem. Procurei pôsteres de princesas que eu pudesse colar na mesa. Como nossas ações não são isentas de intencionalidades filtrei minha procura e fui em busca de uma princesa negra. Encontrei a princesa Diana, também da Disney, do Filme A princesa e o sapo. Comecei a colar etiquetas com a imagem da princesa Diana na pasta de diário de frequência, bem como, em outros materiais de uso em sala de aula. Naquele momento só pensava em trazer uma imagem que eu como professora negra e envolvida com a temática de relações étnico-raciais compreendia ser mais potencializadora para esse cotidiano que compreendo visualmente negro, pois grande parte das crianças tem características como, por exemplo, cor de pele e tipo de cabelo, semelhantes aos negros africanos e que, no entanto vem, por vezes, priorizando uma estética mais eurocêntrica, ou seja, uma estética branca em detrimento de outras estéticas. Pois, o que temos visto é a priorização de imagens, que enfeitam a sala de aula e ilustram livros didáticos, de pessoas de pele branca, olhos claros e cabelos loiros. Compreendo que essa questão vem aos pouco mudando, mas ainda não é suficiente, pois: a estética que predomina no imaginário social, produzido pela mídia e difundidos por todos equipamentos produtores de sentido, é a ênfase e o predomínio absoluto de uma Livro 1 - p
8 8 estética branca. Desse ponto de vista a criança negra não se vê representada em nenhum lugar, nem mesmo nos livros didáticos (GOMES, 2006, p.46). Comprometida em desenvolver o que Jesus (2004) denomina como micro-ação afirmativa, ou seja, ação oriunda da prática pedagógica de professores comprometidos com a superação do racismo na sociedade brasileira, nem parei para refletir que também minha ação poderia estar sendo autoritária para aquele grupo de crianças. Tinha acabado de chegar à escola, no terceiro bimestre, ainda conhecendo muito pouco as crianças e já fui substituir a imagem que tanto gostavam sem nenhuma conversa e acordo com elas. Creio que para algumas crianças essa troca de uma princesa branca por uma princesa negra foi importante em alguma medida para sua autoestima, identidade. Entretanto, para outras crianças pode ter surtido efeito contrário e até mesmo não ter provocado efeito algum. Assim, entendo com Freire (1996, p. 39) que é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. Dessa maneira, (re)pensando criticamente minha prática comecei a perceber com mais clareza os desafios de construção de novos referenciais políticos-pedagógicos no cotidiano escolar e compreender a importância de ouvir as crianças e reconhecê-las como sujeitos atuantes nesse processo. Depois de algum tempo algumas crianças começaram a se identificar com a imagem da princesa negra. A partir desse interesse comecei a trabalhar com a turma um livro chamado: Meninas negras, de Madu Costa (2005). Algumas meninas negras gostaram bastante desse livro e começaram a se identificar com a imagem das meninas negras das histórias. Esse livro de Literatura infantil traz as histórias de três meninas negras: Mariana, Dandara e Luanda. Essas histórias valorizam uma estética negra positiva como podemos perceber nos trechos que seguem: Mariana é negra, alegre e sonhadora, e gosta de sua cor (2005, p. 2); Dandara é uma linda menina: negra, olhos grandes e espertos, sorriso aberto (2005, p. 7). Assim, ao contrário do que temos, por vezes, visto a construção da identidade negra por meio da oposição da identidade branca, ou seja, feiura, ignorância e subserviência, esse livro traz a valorização do negro investindo nas características e possibilidades do ser negro sem contraposição ao ser branco. Dessa maneira, livros como este trazem outras identidades negras: valorizadas, protagonistas de histórias positivas. Livro 1 - p
9 9 O livro aborda também, de forma sutil e indireta, um pouco sobre a história da escravização no Brasil sempre fazendo um contraponto com ensinamentos veiculados na escola: Na escola, a professora conta que os negros vieram lá da África. Foram trazidos como escravos (2005, p.4); Na escola, a professora fala do povo e da cultura dos que vieram da África. (2005, p. 18). Creio que muito pouco se fala de África nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois pesquisas vêm mostrando que mesmo com a obrigatoriedade da lei /03 a temática das relações étnico-raciais não tem sido contemplada no âmbito escolar, principalmente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental (SOUZA e CROSO, 2007). Assim, acredito que este livro tenha sido produzido, dentre outras possíveis motivações, pela obrigatoriedade da lei /03 que institui o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas instituições públicas e privadas de educação no âmbito do Ensino Fundamental e Médio. Dessa forma, creio que livros como este quase não sejam utilizados nas escolas, principalmente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Algumas pesquisas mostram que muitos professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental desconhecem essa lei e os poucos que a conhecem, por vezes, tem uma leitura equivocada com relação à mesma, de que somente os professores de História, Literatura e Artes devem tratar desse conteúdo. Ou seja, por vezes, não se compreende a necessidade e importância de se abordar a história e cultura africana e afro-brasileira nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O livro de Costa (2005) valoriza, também, o continente Africano ao trazer trechos como esses a seguir: A menina sonha com a liberdade. Seu sonho atravessa o oceano Atlântico e encontra a mãe-áfrica linda e livre. (2005, p. 5); Na escola, a professora fala da África, das suas terras... (2005, p.14). Apesar da visão um tanto quanto romantizada do continente Africano e, por vezes, estereotipada ao reforçar uma das visões hegemônicas que se tem de África e de seus povos como, por exemplo, representa-la meramente pelos animais selvagens e vendo as mulheres negras como tendo corpos fortes o que pode levar a perspectivas simplistas e preconceituosas de África e de seus povos, a autora não traz a visão mais difundida no imaginário social, de um continente miserável, assolado por doenças. Considero esse livro e outros que tratem da temática das relações étnico-raciais e da valorização da população negra, um avanço na Literatura infantil brasileira, pois visa Livro 1 - p
10 10 romper com essa visão do continente Africano como um continente de absoluta pobreza e não possuidor de História(s) diferente desta que nos vem sendo contada há tempos pela história oficializada. Em suma, compreendo que minhas ações como professora negra que visa fazer uma relação mais aproximada dos estudos realizados na universidade acerca das relações ético-raciais e educação com minha prática pedagógica não alcançarão a todos os alunos e, muito menos, provocarão uma mudança de mentalidade na sociedade brasileira. Mas, é no espaço micro, no cotidiano, que pequenas ações podem fazer a diferença na vida de algumas pessoas, que pode mais tarde se transformar em tantas outras ações que criem possibilidades de crianças negras terem referenciais positivos de identificação dentro e fora da escola. REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICAS: ARAÚJO, Mairce da Silva. Cenas do cotidiano de uma escola pública: olhando a escola pelo avesso. In: GARCIA, R.L. (org.). Método: pesquisa com o cotidiano. Rio de Janeiro, DP&A Editora, COSTA, Madu. Meninas negras. Belo Horizonte: Mazza Edições, FONSECA, Maria Nazareth Soares. Visibilidade e ocultação da diferença: imagens de negro na cultura brasileira. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares (org.). Brasil afrobrasileiro. Belo Horizonte: Autêntica, GOMES, Nilma Lino. Diversidade cultural, currículo e questão racial: desafios para a prática pedagógica. In: ABRAMOWICS, Maria de Assunção Barbosa e SILVÉRIO, Valter Roberto. (org.). Educação como prática da diferença. Ed. Armazém do Ipê (Autores associados LTDA) SP, HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução por SILVA, Tomaz Tadeu; LOURO, Guaracira Lopes. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, JESUS, Regina de Fatima. Mulher negra alfabetizando Que palavramundo ela ensina o outro a ler e escrever? Tese de Doutorado em Educação, Campinas: Unicamp, MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, RJ: Vozes, SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, SOUZA, Ana Lúcia Silva; CROSO, Camila (org.). Igualdade das relações étnicoraciais na escola: possibilidades e desafios para implementação da Lei /2003. São Paulo: Peirópolis: Ação Educativa, Ceafro e Ceert, VIEIRA, Ricardo. Identidades pessoais. Lisboa, Ed. Calibi, Livro 1 - p
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