Modelos de gestão de portfólio de crédito: um ensaio teórico sobre os modelos KMV e CreditRisk+

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1 Modelos de gestão de portfólio de crédito: um ensaio teórico sobre os modelos KMV e CreditRisk+ Autor: Rafael Felício Mileo Neto (Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo) Resumo Neste artigo, o crédito é abordado conforme sua evolução histórica, iniciando com os primeiros registros de concessão de financiamentos, na Antiguidade, até o passado recente, quando novos produtos foram criados para transferir o risco dos ativos de crédito em tempo real e em nível global. A evolução do mercado de financiamentos, aliada ao processo de globalização, gerou situações de grande fragilidade do sistema financeiro internacional ao risco de crédito, o que incentivou a criação de regulamentações, como os Acordos da Basileia I e II. Para adequarem-se às novas regulamentações, as instituições financeiras buscaram modelos de gestão de portfólios de crédito sofisticados, capazes de melhor mensurar o risco dos ativos de crédito. O foco da análise teórica realizada neste estudo são dois destes modelos avançados de gestão de carteiras de crédito: o KMV, baseado nos estudos de Merton (1974), e o CreditRisk+, criado pela Credit Suisse Financial Products. Palavras-chave: Risco de crédito, KMV, CreditRisk+, Basileia II. Abstract In this study, credit is dealt according to its historical evolution, starting with the first registers of financing in agricultural production, in Antiquity, until the last century, when new products were created to transfer the risk of credit assets in real time, in a global level. The evolution of financial markets, together with globalization process, has created situations of great fragility to credit risk in the international financial system, which has stimulated the creation of regulations such as Basel Accords I and II. To suit to new regulations, financial institutions started to search new sophisticated models of credit portfolio management, able to make a better measure of risk of loan assets. The focus of the theoretical analysis performed in this study are two of these advanced models of credit portfolio management: the KMV, based on studies of Merton (1974), and CreditRisk+, created by CreditSuisse Financial Products. Keywords: Credit risk, KMV, CreditRisk+, Basell II.

2 Introdução A criação de novas tecnologias de informação e comunicação, que reduziram o tempo das operações financeiras entre distantes pontos geográficos, foi um fator fundamental para a ampliação da interatividade entre os sistemas financeiros nacionais. A interação instantânea entre os sistemas financeiros dos diversos países, com o acréscimo de novos produtos, adequados para os diversos tipos de estratégias, foi positiva no sentido de aumentar dramaticamente o fluxo de recursos entre os países e dar mais flexibilidade aos mercados financeiros. Se os sistemas financeiros nacionais, desenvolvidos e interligados, possibilitaram uma aceleração do desenvolvimento das sociedades contemporâneas, ao mesmo tempo, a interatividade instantânea e o fluxo livre de ativos foi um fator negativo do ponto de vista da suscetibilidade ao risco de inadimplência, no caso de ativos de crédito. Dentro desse contexto, este artigo tem por objetivo principal apresentar um ensaio teórico sobre dois modelos de gestão de portfólio de crédito, tão grande é a importância destes modelos para evitar a suscetibilidade das instituições financeiras a riscos excessivos. 2. Revisão Teórica 2.1. Histórico A palavra crédito tem suas origens no termo do latim creditum que significa ter acreditado ou acreditar (Thomas, 2009). Em finanças, crédito pode ser definido como a concessão de um recurso financeiro, com a expectativa de recebimento do mesmo valor, mais um prêmio pela concessão, dentro de um espaço de tempo limitado (Caouette et al, 1998). Historicamente, o crédito desenvolveu-se aliado ao comércio de produtos, bens ou serviços. No ato da compra, a aquisição ocorria com pagamento apenas parcial do valor total do produto (Postan, 1928). Ao associar o termo do latim creditum ao significado financeiro de crédito, Thomas (2009) afirma que durante anos as pessoas acreditaram umas nas outras, emprestando entre si dinheiro ou bens. O autor menciona um código Sumário, de cerca de a. C., que continha registros de empréstimos em dinheiro feitos por agricultores que deram como contrapartida suas produções agrícolas. Caouette et al (1998) consideram o Código Hamurabi ( a. C) a primeira legislação referente a crédito, com as primeiras regras para a regulamentação de empréstimos a consumidores. Os autores comentam ainda que os primeiros bancos, hoje as principais instituições responsáveis pela concessão de empréstimos, foram fundados entre 1300 e 1345, em Siena e Piacenza, na Itália. O primeiro banco britânico, o Banco da Inglaterra, criado somente em 1694, antecedeu o processo de industrialização iniciado no século XVIII. Para Thomas (2009), a fundação do banco representou um prenúncio de uma revolução financeira capaz de ampliar consideravelmente o volume dos financiamentos. Nos 150 anos seguintes ao surgimento do Banco da Inglaterra, bancos emprestaram recursos para as diversas camadas da aristocracia britânica até que, finalmente, os empréstimos foram gradativamente sendo oferecidos também à incipiente classe dos industriais. Na década de 1920, Henry Ford e Alfred Pritchard Sloan, então presidente da GM, reconheceram não ser suficiente produzir bens de consumo, como carros, para o mercado de massa, se não houvesse meios para financiar a compra destes produtos. A produção de carros em massa iniciada naquele período induziu à criação de casas de financiamento, como a GE Capital e a GM Finance (Thomas et al, 2005).

3 O crescimento do mercado de crédito para o consumo nos últimos 50 anos nos Estados Unidos e Canadá foi espetacular. No ano 2000, o mercado de crédito ao consumidor nos dois países já era enorme, excedendo os débitos corporativos em cerca de 50%, com valores agregados nos Estados Unidos acima de US$ 7,2 trilhões no ano 2000, o dobro do contabilizado em 1990 (Thomas et al, 2005). Na Europa, o crédito ao consumidor também cresceu consideravelmente nos últimos anos. Em 2002, havia mais de 500 milhões de cartões de crédito no continente, com um número de transações aproximando-se de 20 trilhões. A utilização de cartões de crédito vem crescendo consideravelmente como meio para efetuar pagamentos (Thomas et al, 2005). O Brasil também vem experimentando um forte crescimento na oferta de crédito, tanto em valores absolutos quanto em números proporcionais ao Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com dados do Banco Central do Brasil (BCB), em dezembro de 2005, foram financiados R$ 403 bilhões, em operações somente na modalidade recursos livres, isto é, valores destinados a fins não específicos. Na mesma modalidade, em outubro de 2009, foram contabilizados pelo Banco Central R$ 931 bilhões em financiamentos, o que representa um crescimento de 131% no volume total de recursos financiados. O sistema financeiro internacional passou por uma grande expansão nas últimas décadas, tanto em tamanho, quanto em termos de complexidade. Novos produtos, como derivativos de títulos de dívida e de crédito concedido, por exemplo, foram criados. Muitos desses novos produtos estiveram no centro da ocorrência de algumas crises de inadimplência e fugas de capital massa. Um exemplo notório foi a crise dos Estados Unidos de 1990 e 1991, quando os índices de inadimplência atingiram valores próximos a 10% dos empréstimos nos Estados Unidos. Dada a interligação dos sistemas financeiros nacionais, as inadimplências em massa de episódios como esse tem reflexos nas instituições financeiras de diversos países. Caouette et al (1998) atribuem como uma das causas para os eventos de crise o fato de que, nas últimas décadas do século XX, o cerne das atividades bancárias deixou de ser a gestão do risco de crédito, transferindo-se para a atividade bancária de relacionamento. Os bancos passaram a preocupar-se menos com a lucratividade de um empréstimo, ou com o efeito de qualquer transação no conjunto de sua carteira de empréstimos, investindo mais na gestão do relacionamento com seus clientes. Segundo Caouette et al (1998), a experiência limitada das instituições na gestão do risco (já que assumiram atividades mais voltadas ao relacionamento), a pressão pela competitividade e a ausência de regulamentações contribuíram para a realização de muitos empréstimos imprudentes Regulamentações Com o objetivo de reduzir a fragilidade do sistema financeiro mundial ao risco financeiro, bancos centrais de diversos países iniciaram a criação de regulamentações para limitar o risco dos ativos e evitar problemas de segurança nas atividades financeiras. Em 1974, após a falência de uma série de organizações bancárias de grande porte, a Bank of International Settlements fundou o Comitê da Basileia para Supervisão Bancária com o objetivo de formular padrões de supervisão e linhas-guia para as atividades das instituições financeiras (Thomas, 2009). Uma segunda reunião internacional importante, realizada pelo Comitê da Basileia, ocorreu em 1988, também na Basileia, Suíca, com participação de instituições regulamentadoras nacionais de diversos países (Mohanty, 2008). Em 1992, o Comitê elaborou um documento, o Acordo de Capital da Basileia I, que definiu diferentes graus de riscos para diferentes categorias de ativos (Thomas, 2009).

4 Para Mohanty (2008), as regulamentações de 1988, previstas no Basileia I, continham muitas deficiências: 1) As mensurações de risco dos ativos não refletiam a crescente complexidade do verdadeiro perfil de risco dos bancos; 2) Os principais bancos internacionais passaram a usar recursos tecnológicos e ferramentas para mensurar e gerenciar todos os tipos de riscos, o que reduziu a importância das regulamentações; 3) As regras não focavam a avaliação da solidez dos mecanismos de gerenciamento do risco bancário e controles internos; 4) A estrutura do Acordo não capturava completamente a amplitude da redução do risco atingida pelo uso de técnicas de mitigação do risco modernas. Diante do ambiente de constantes mudanças, os governos nacionais buscaram novos ajustes nas regulamentações previstas no Basileia I, com o objetivo de adequar as regras à realidade da exposição das instituições financeiras aos riscos. Foi então que, em 2004, o Comitê de Supervisão Bancária da Basileia reuniu-se novamente para criar um arcabouço à adequação de capital, incluindo uma nova estrutura de securitização para determinar as requisições mínimas de capital regulamentar ajustado a três tipos de risco: crédito, operacional e mercado (Mohanty, 2008). O objetivo das regulamentações, em resumo, foi manter o sistema financeiro internacional saudável, livre de riscos excessivos causadores, no passado, de perdas exageradas. Com as regulamentações da Basileia II, risco de mercado, risco operacional e risco de crédito passaram a ser os três tipos de risco que as instituições financeiras precisavam mensurar para estabelecer o capital regulamentar mínimo, exigido para salvaguardar as instituições em caso de inadimplências em massa, crises de liquidez ou outros problemas financeiros. Tasche (2004) considera que, para o caso de fluxos de caixa negativos resultantes de inadimplências, a definição de um capital mínimo de segurança é necessária para servir como um amortecedor. Segundo o autor, neste caso, a alocação dos recursos pode ser especificada por medidas de mensuração do risco. O risco pode ser equiparado através de um capital econômico, uma reserva de capital salvaguardada pela instituição financeira para garantir sua solvência em caso de grandes perdas. Para Thomas et al (2005), além da segmentação em tipos de riscos, as regulamentações do novo Acordo da Basileia enfatizam a permissão dada para que as instituições bancárias adotem seus próprios modelos de classificação para avaliar a qualidade do crédito de seus empréstimos. Para o cálculo do capital regulatório mínimo requerido, a Basileia II recomenda três abordagens primárias (Mohanty, 2008): 1) A abordagem padrão, prevista integralmente no documento; 2) A abordagem fundamentada em classificações internas, mas auxiliadas por padrões previstos no Basileia II; 3) A abordagem fundamentada em classificações internas avançadas, criadas e fundamentadas pelas instituições financeiras. Nos Estados Unidos, supervisores notaram que as abordagens de mensuração do risco fundamentadas em classificações próprias avançadas eram mais sensíveis ao risco, sendo viáveis notadamente para as maiores, mais complexas e internacionalmente ativas instituições bancárias. Em Acordo instituído em 20 de julho de 2007, instituições bancárias norteamericanas e canadenses definiram que instituições depositárias com ativos consolidados acima de, no mínimo, 250 bilhões de dólares, ou com exposições internacionais iguais ou

5 superiores a 10 bilhões de dólares precisavam obrigatoriamente adotar abordagens próprias avançadas até final de 2007 (Mohanty, 2008). No Brasil, a situação foi um pouco diferente. Em seu Comunicado , de 08 de dezembro de 2004, a Diretoria Colegiada do BCB informou ao sistema financeiro suas recomendações sobre o capital regulamentar mínimo requerido: 1) Não utilizará ranqueamentos divulgados pelas agências externas de classificação de risco de crédito para fins de apuração do capital requerido; 2) A maioria das instituições financeiras ficará limitada a abordagem padrão simplificada; 3) Às instituições de maior porte, com atuação internacional, será facultada a utilização de abordagem avançada com base em sistema interno de classificação de risco. Thomas (2009) considera que as novas regulamentações, que estabelecem a necessidade de resguardar um capital regulamentar mínimo para evitar a insolvência, foram o fator fundamental para forçar as instituições bancárias a desenvolver modelos avançados internos de gestão de risco de crédito. O segundo fator estimulador, na opinião do autor, é o crescimento do mercado de securitização de portfólios de varejo. Schlottmann et al (2004), em contrapartida, consideram que o crescimento do comércio de instrumentos financeiros e de transferência do risco de crédito foi a razão fundamental para a crescente importância das análises de risco de portfólios de crédito. O fato é que, a partir da década de 1990, modelos de gestão de risco de portfólio de crédito começaram a ganhar espaço no mercado, com o objetivo de estabelecer medidas e mecanismos de mensuração das perdas esperadas de um conjunto de devedores (Caouette et al, 1998). Atualmente, as instituições financeiras buscam modelos internos para melhor apurar o risco de crédito com o objetivo de necessitar de um capital regulamentar menor e, consequentemente, dispor de quantidade maior de recursos para suas atividades principais. É um processo natural de um ambiente competitivo, em que os participantes buscam obter maiores lucros, com a menor exposição a riscos possível Modelos de gerenciamento de portfólio Na última década, bancos comerciais dedicaram muitos recursos para desenvolver modelos internos capazes de melhor quantificar os riscos de crédito e, consequentemente, mensurar de forma adequada o capital regulamentar necessário para o cumprimento das regras estabelecidas no Acordo da Basileia II (Lopez; Saidenberg, 2000). Na opinião de Saunders (1999), a busca é justificada porque os modelos internos fazem a melhor avaliação do risco de portfólios de empréstimos, criando instrumentos de risco de crédito sensíveis, capazes de melhorar a precificação de novos empréstimos. Saunders (1999) complementa afirmando que o campo da modelagem de risco de crédito desenvolveu-se rapidamente ao longo dos últimos anos, transformando-se em componente chave nos sistemas de gerenciamento de risco das instituições financeiras. Segundo Lopez e Saidenberg (2000), há basicamente dois tipos de modelos de gerenciamento de portfólio de crédito: 1) Modelos de default, cujos parâmetros são dados exógenos dos financiados integrantes da carteira; 2) Modelos marcados a mercado ou modelos multi-estado, que utilizam informações de cada financiado para gerar as probabilidades de eventos de inadimplência. Para Bröker e Schweizer (2004), enquanto os modelos marcados a mercado incorporam estados futuros diferentes de qualidade de crédito e mudanças no valor de mercado das empresas financiadas da carteira, os modelos de default adotam abordagem

6 binária (inadimplência ou adimplência) e utilizam valores comerciais ou nominais nas análises KMV Para Levy (2008), a sustentação teórica para o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas e de aplicações industriais pioneiras, como é o caso do modelo KMV, da Moody`s, somente foi possível após os estudos de Merton (1974). Segundo Crouhy et al (2000), o modelo KMV considera o inadimplemento um fenômeno endógeno, relacionado à estrutura de capital da empresa financiada. O risco de crédito é essencialmente direcionado pela dinâmica do valor dos ativos do financiado, o que permite afirmar, portanto, que o modelo KMV é um modelo marcado a mercado, ou modelo multi-estado. O processo de determinação da probabilidade de default de um financiado pode ser segmentado em três estágios (Crouhy et al, 2000): 1) Estimativa do valor de mercado e volatilidade dos ativos da empresa; 2) Cálculo da distância ao default, através de um índice de medida dos riscos de default; 3) Dimensionamento da distância ao default para probabilidades reais de default usando uma base de dados. O default ocorre, portanto, quando o valor dos ativos da firma cai abaixo de um nível crítico. Saunders (1999) explica o funcionamento do modelo KMV da seguinte maneira. Tecnicamente, ao longo do ano, a firma financiada investe os fundos emprestados em várias atividades, projetos e ativos. Assumindo que ao final do período o valor de mercado da firma financiada é χ, os proprietários da empresa têm um incentivo para pagar o empréstimo e ficar com o restante como lucro ou retorno sobre o investimento se o valor dos débitos totais for menor do que χ. Para valores de mercado dos ativos excedentes a χ, o banco receberá juros e principal integralmente. Para valores de mercado dos ativos da empresa financiada abaixo de χ, a instituição financiadora sofre perdas crescentes, em casos extremos, sem receber principal, nem juros (Saunders, 1999). A interpretação de Thomas (2009) é bem semelhante. Para o autor, o modelo estrutural de risco de crédito corporativo desenvolvido por Merton assume que uma empresa entrará em inadimplência quando o valor de seus débitos ultrapassar a mesma proporção de seus ativos. Saunders (1999) afirma que Merton foi o primeiro a perceber, em 1974, a relação de equivalência (isomorfia) entre os ativos de uma empresa e opções de venda sobre suas ações. Merton descobriu que o valor de uma opção e o valor de um empréstimo com risco são ambos dependentes de variáveis similares. Babbel (1989) complementa, explicando que se o financiador compra uma opção de venda sobre os ativos de uma empresa financiada, com um preço de exercício χ e tempo de expiração coincidente ao do empréstimo, a opção de venda funciona como uma segurança (ferramenta de hedge) contra qualquer inadimplência da empresa financiada. O financiador, assim, transforma empréstimos arriscados em financiamentos livres de risco. O declínio no valor das ações de uma empresa financiada pode ser ao menos em parte compensado com uma estratégia de hedge capaz de contrabalancear somente os riscos sistemáticos que afetam a riqueza da empresa financiada (Babbel, 1989). Para Babbel (1989), não é desejável realizar estratégias de hedge sobre o valor dos ativos de empresas com opções de vendas de somente uma commodity (para o caso da empresa financiada trabalhar com commodities, obviamente). Um programa de limitação dos riscos deve envolver a compra de opções de venda de uma cesta de instrumentos (ativos). A

7 alternativa da cesta, no entanto, provavelmente será uma estratégia mais cara e pode resultar em proteção excessiva. Bharath e Shumway (2008) consideram que, no modelo de Merton, o valor de mercado dos ativos é calculado através de uma base teórica que utiliza o valor de mercado das ações de uma empresa como informação de entrada. A triangulação entre informações dos mercados de ações e de débitos permite a geração da freqüência esperada de inadimplência (EDF), medida final do modelo KMV. Se as perspectivas do fluxo de caixa futuro de uma companhia diminuem, então o preço de suas ações deverá cair, aumentando o risco de crédito (mantendo-se todos os outros fatores constantes). Para Thomas (2009), o valor dos ativos de uma empresa pode seguir um processo aleatório, semelhante a uma distribuição geométrica browniana com algum grau de desvio. O valor das ações pode ser mensurado como: E o valor da volatilidade do valor das ações é igual a: Após o cálculo do valor das ações e de sua volatilidade, podem ser calculados valores dos ativos (A) e volatilidade do valor dos ativos ( ), através de valores B e τ previamente assumidos, para gerar frequências esperadas de inadimplência teóricas para cada financiado. As taxas de hedge mudam em cada alteração do valor dos ativos do portfólio. Se a taxa de hedge muda, o montante de posições vendidas (através de opções de venda) para cada ativo precisa mudar proporcionalmente ao novo peso assumido por cada ativo no novo portfólio. Em resumo, o modelo de gerenciamento de portfólio de crédito elaborado por Merton é um modelo de hedge dinâmico de carteira com risco (Babbel, 1989). Quando uma nova informação sobre um financiado é gerada, o preço e a volatilidade de suas ações reagirão, assim como o valor de seus ativos presumido (A) e o desvio padrão do valor de seus ativos ( ). Mudanças nos valores de A e provocam mudanças na freqüência de defaults esperada. Para empresas cujos ativos tem grande liquidez, é possível, em teoria, atualizar o seu valor EDF em questão de poucos minutos (Levy, 2008). Para Levy (2008), é possível visualizar facilmente que mensurações de risco de crédito de portfólio realizadas pelo modelo EDF, da KMV, são substancialmente mais dinâmicas que as de agências de ranqueamento. Em sua opinião, em situações em que a empresa financiada está em processo de deterioração de sua qualidade de crédito, a probabilidade de permanecer bem qualificada equivocadamente é muito maior em modelos de ranqueamento do que em abordagens como a EDF. A razão é simples: o modelo EDF precifica a qualidade do crédito em um ponto específico no horizonte de tempo, enquanto os modelos de ranqueamento qualificam a classe de crédito em ciclos de tempo, sem alterações muito frequentes. Kealhofer e Kurbat (2002) aplicaram um teste para verificar se os ranqueamentos Moody`s continham informação preditiva não contida na metodologia de mensuração de risco de inadimplência EDF. Concluíram que toda a informação preditiva dos ranqueamentos Moody`s e das variáveis contábeis já estavam presentes no modelo de EDF da KMV; e que considerável informação preditiva do EDF não estava contida nos ranqueamentos ou nas variáveis contábeis. Os resultados dos testes de Kealhofer e Kurbat (2002) demonstram que o modelo EDF KMV é uniformemente mais poderoso que os ranqueamentos e modelos de variáveis contábeis, acrescentando ainda que a combinação dos EDFs com outras informações contábeis ou de ranqueamento pode reduzir o poder preditivo das EDFs.

8 No que diz respeito a quantidade de grupamentos interiores aos portfólios, há diferentes adaptações dentro do próprio modelo KMV. O Riskfrontier, por exemplo, é mais granularizado e pode ser montado de acordo com a necessidade da instituição financeira. A granularidade é representada pela segmentação do portfólio em grupos (setores, por exemplo) menores, com menos instituições, produzindo um número maior de segmentos de mercado (Levy, 2008). Dwyer e Qu (2007) consideram o Riskfrontier uma evolução positiva, porque acreditam que os participantes do mercado desejam maior granularidade em suas medidas de risco de crédito. Na prática, a granularização permite uma diferenciação significativa do risco ao longo do espectro total da qualidade de crédito da carteira. Em estudo realizado com portfólios de crédito com dados até o final de 2005, Dwyer e Qu (2007) concluíram que a granularidade de um modelo produz uma larga quantidade de medidas EDF significativas, estimando um valor de mercado justo de risco de crédito. A probabilidade de default, em modelos mais granularizados, altera o capital econômico regulamentar requerido. Para portfólios de alta qualidade, os novos níveis EDF da carteira mais granularizada tem impacto menor no capital regulamentar requerido, enquanto para portfólios de baixa qualidade o capital regulatório caiu cerca de 10% (Dwyer e Qu, 2007). De uma forma geral, todos os modelos criados pela KMV adotam a simulação de Monte Carlo para estimar a qualidade de crédito das instituições financiadas do portfólio. A simulação consiste em um grande número de testes, no qual cada teste representa uma combinação de qualidades de crédito para o total de exposições da carteira (Levy, 2008). Em cada teste, a simulação de Monte Carlo roda amostras para a distribuição normal das qualidades de crédito. Isto é feito através da simulação de fatores básicos definidos pelo modelo de correlações adotado, associando os processos de fatores para cada financiamento, até chegar a porção sistemática de risco referente aquele financiado. Complementarmente, o choque específico é simulado para cada empresa até chegar à qualidade de crédito de cada financiamento. Se a qualidade de crédito cair abaixo da linha de default, taxas de recuperação aleatórias são geradas. Se não estiver em default, o valor da qualidade de crédito da instituição financiada é mapeado (Levy, 2008). Gordy (2000) complementa afirmando que, em cada modelo de portfólio de risco de crédito, a estrutura de correlações entre taxas de default é um importante determinante para a distribuição de perdas. Para Saunders (1999), os pontos fortes da abordagem de precificação de opções utilizada no KMV são: 1) Pode ser aplicada para qualquer companhia pública (com ações negociadas em mercados; 2) É baseada em dados de mercado de ações, não em dados contábeis históricos, ou seja, visa o futuro; 3) Tem fortes premissas teóricas, porque é um modelo estrutural, baseado na moderna teoria de finanças corporativas e opções, onde as ações são vistas como uma opção de compra sobre os ativos da companhia ; 4) Calibram suas classificações para as experiências de default dos últimos 20 anos ou mais. Para contrabalancear seus pontos fortes, Saunders (1999) considera quatro desvantagens: 1) A dificuldade em construir EDFs teóricos sem a premissa de normalidade do retorno dos ativos;

9 2) EDFs de empresas sem ações negociadas publicamente somente podem ser calculados com a utilização de análises baseadas em dados contábeis e outras características observáveis do financiado; 3) Não distingue entre diferentes tipos de títulos de longo prazo sobre suas características como: data de expedição, garantia adicional, convênios, e conversibilidade; e 4) É estático, já que o modelo de Merton assume que a estrutura de débito permanece imutável, mesmo que o valor dos ativos de uma companhia tenha dobrado. Sobre a desvantagem (3) acima mencionada por Saunders (1999), Levy (2008) considera que métodos contábeis podem ser muito úteis para avaliar a performance de financiamentos contratuais precificados, mas não se ajustam adequadamente a mudanças na qualidade do crédito dos financiamentos. A existência de dados de mercado disponíveis pode ser um fator decisivo em favor da escolha de abordagens financeiras, ao invés de métodos contábeis. As metodologias contábeis (normalmente de acesso difícil) não necessitam de informações de bolsas de valores, por exemplo, para concluir seus cálculos. O modelo KMV utiliza como base informações sobre o valor e a volatilidade das ações das instituições financiadas, para, assim, calcular o valor e a volatilidade dos ativos das empresas integrantes das carteiras. Segundo Cossin e Pirrotte (2001), se todos os créditos são negociados publicamente, o valor da empresa pode ser observado e os preços de todas as operações relativas ao valor da firma observada podem ser previstos. Por exemplo, o valor total de todos os créditos negociados podem ser usados para inferir o valor da empresa. O valor inferido da empresa pode, posteriormente, ser utilizado para prever preços de títulos de dívida da empresa. O primeiro procedimento é baseado na formação de uma série temporal mensal para o valor da empresa usando, por exemplo, 24 meses de dados. O valor da empresa é estimado como a soma do valor de mercado de suas ações, o valor de mercado de seus débitos negociados e o valor de mercado estimado de seus débitos não negociados (Cossin; Pirrotte, 2001). O valor de mercado dos débitos não negociados é estimado assumindo que a relação entre o valor contábil e o valor de mercado da empresa é a mesma para débitos negociados e não negociados (Cossin; Pirrotte, 2001). Saunders (1999) argumenta que o modelo teórico de Merton (1974) estabelece uma relação estrutural entre o valor de mercado das ações de uma companhia e o valor de mercado de seus ativos. A relação foi adaptada pela Moody`s KMV para gerar as seguintes equações: Onde: E = valor da ação é a taxa de juros livre de risco F = valor de face da dívida T = maturidade para o vencimento da dívida V = valor do ativo Segundo Cossin e Pirrotte (2001), o valor total dos débitos F é comumente estimado com informações contábeis, através da soma dos débitos de longo prazo já realizados e de provisões de longo prazo. A volatilidade do valor das ações é dada pela seguinte equação:

10 Com as duas equações não-lineares abaixo, é possível observar os valores de E, F, r, T, para estimar a volatilidade do valor das ações : Segundo Bharath e Shumway (2008), o modelo KMV não aplica uma resolução simultânea das duas equações porque o método gera resultados ruins. A melhor maneira de resolução, segundo os aut==ores, é através de iteração, por tentativa e erro, substituindo o valor de por dados aleatórios para chegar aos resultados de V e E. Com a série resultante de V, calcula-se um novo valor de e. De acordo com Cossin e Pirrotte (2001), o retorno total logarítmico sobre o valor da empresa, incluindo pagamentos e recebimentos em dinheiro, é calculado e o desvio-padrão desses retornos também é determinado. O segundo procedimento, para Cossin e Pirrotte (2001), é o da máxima verossimilhança baseado no relacionamento entre o desvio-padrão do retorno da empresa e o do patrimônio líquido. O desvio-padrão instantâneo do patrimônio líquido é dado por: Onde: A metodologia de Cossin e Pirrotte (2001) utiliza o desvio-padrão como informação base, portanto. Finalmente, o desvio-padrão do retorno do patrimônio líquido é calculado, usando dados de mercado de um período imediatamente anterior aos dos testes. Com os valores, E, V,, o modelo é reprisado usando as novas informações. Com base no valor estimado da empresa V, é possível estimar a distância ao default, dada pela seguinte equação: O resultado DD, referido como distância ao default, é substituído por uma função de densidade acumulada para estimar a probabilidade de que o valor da empresa venha a ser menor do que o valor de face de sua dívida no mesmo horizonte de tempo do vencimentos de seus débitos. Assim, no modelo KMV, a frequência esperada de inadimplência ou EDF de cada empresa é dada por (Bharath e Shumway, 2008):

11 Onde: é a função normal acumulada é a distância à inadimplência ou distance to default é o retorno esperado dos ativos da empresa Através do modelo KMV, o risco de crédito de uma empresa está associado a uma probabilidade de default obtida a partir de uma função normal acumulada que leva em consideração o valor da empresa,, a volatilidade do valor da empresa,, e o valor de face da dívida, (Stein, 2000). A probabilidade de default, portanto, varia conforme os seguintes parâmetros: valor das ações, volatilidade do valor das ações, valor dos ativos, volatilidade do valor dos ativos e variações no valor de face dos débitos da companhia (Bharath e Shumway, 2008). Dwyer e Qu (2007) argumentam que a sensibilidade do risco de crédito ao preço das ações depende da magnitude da alavancagem e da volatilidade dos ativos da companhia. Quanto maior for o endividamento e maior a volatilidade da empresa, maior será a sensibilidade da classificação de risco de crédito da empresa a um decréscimo do valor dos ativos. Para Saunders (1999), o valor de mercado do endividamento corporativo é difícil de ser estabelecido. Entretanto, o autor argumenta que a KMV utiliza como ponto de exercício da inadimplência, ou seja, do valor da dívida, o valor de todas as obrigações de curto prazo (um ano ou menos) mais a metade do valor contábil da dívida de longo prazo. Sobre os parâmetros, Crouhy et al (2000) pontuam algumas flexibilizações realizadas pelo modelo KMV, para permitir a estimativa da frequência esperada de inadimplência. Como somente o preço das ações e sua volatilidade são observáveis para a maioria das empresas e, em alguns casos, parte dos débitos é diretamente comercializado, o modelo KMV assume que a estrutura de capital é composta somente de ações, passivos de curto prazo líquidos, débitos de longo prazo assumidos como perpetuidades, e ações preferenciais conversíveis. Com essas premissas simplificadoras, então é possível derivar soluções analíticas a partir do valor das ações,, e sua volatilidade, CreditRisk+ Criado por Tom Wilde, da Credi Suisse Financial Products, o CreditRisk+ é um modelo único entre todos os outros disponíveis para gestão de portfólio de crédito, aplicando técnicas de matemática atuarial de uma forma reforçada para calcular a distribuição de perdas de um portfólio (Gundlach; Lehrbass, 2004). Para Gundlach e Lehrbass (2004), o CreditRisk+ assumiu um papel muito importante no mercado financeiro internacional, principalmente após a criação do novo Acordo de Capital da Basileia, em Gordy (2000) complementa informando que logo o modelo transformou-se rapidamente em um influente benchmark para as instituições financeiras. Gundlach e Lehrbass (2004) consideram que especialistas em crédito logo perceberam que o CreditRisk+ tinha um maior poder intuitivo e era mais adequado para as necessidades práticas de gerenciamento de portfólios do que outros modelos. Na opinião dos autores, o CreditRisk+ é uma abordagem de base analítica capaz de permitir a estimação rápida e inequívoca da distribuição das perdas de uma carteira.

12 Para Gundlach e Lehrbass (2004), em outras abordagens, se os portfólios tiverem grandes clientes com pequenas probabilidades de default, há dois problemas básicos para a estimação da distribuição das perdas: 1) O valor absoluto do número de ativos (capacidade de pagamento ou outras variáveis) a ser simulado será muito amplo; 2) Muitas das simulações geradas não resultam em qualquer evento de default, portanto, apenas uma pequena quantidade de resultados permite base para aproximação da distribuição das perdas freqüentes. O empréstimo, no CreditRisk+, assume a condição de uma variável aleatória de Bernoulli. Há apenas duas situações possíveis: ou o devedor paga o valor financiado, ou ocorre um evento de inadimplência. Lucros ou prejuízos decorrentes da migração de um devedor entre classificações de crédito não devem ser considerados. Cada financiamento do portfólio não tem a mesma distribuição Bernoulli porque a probabilidade de default de cada ativo é variada (Gundlach; Lehrbass, 2004). Crouhy et al (2000) complementam afirmando que no CreditRisk+, ao contrário do KMV, o risco de inadimplência não está relacionado a estrutura de capital da empresa. Não são feitos questionamentos sobre as causas do default: um financiado A está em default com a probabilidade ou não está em default com a probabilidade. Gundlach (2004) considera como características fundamentais do modelo: 1) Desinteresse pelas causas do default: o default é caracterizado apenas como um evento puramente aleatório, marcado por uma probabilidade de ocorrência. 2) Probabilidade de default estocástica: a probabilidade de default de um devedor não é vista como uma constante, mas como um valor aleatoriamente variado, direcionado por um ou mais fatores de riscos (sistemáticos e específicos). Conjuntamente, a distribuição das probabilidades de default dos financiamentos assume uma distribuição gamma. 3) Dependência linear dos fatores de risco: há uma relação de dependência linear entre os fatores de riscos sistemáticos e as probabilidades de default assumidas. 4) Independência condicional: dados os fatores de risco, os defaults de devedores são independentes entre si. 5) Correlações implícitas entre os direcionadores de risco: as correlações entre os devedores não são explícitas, mas originam-se implicitamente de fatores de risco comuns capazes de direcionar a probabilidade de defaults. 6) Perdas discretas: para agregar as perdas de um portfólio de forma confortável, as perdas são representadas como múltiplos de uma unidade de perda. 7) A função geradora de probabilidades é uma distribuição de Poisson para as perdas de um devedor. 8) A distribuição das perdas, resultado final do modelo, é derivada de uma função geradora de probabilidades, que pode ser usada se as perdas assumirem valores discretos. Para Reib (2004), a premissa da independência condicional é muito rigorosa do ponto de vista prático. É possível introduzir setores para classes gerais de negócios. Os setores podem estar correlacionados e serem dependentes, através de uma matriz de correlação. Para estimar estas correlações, podem ser utilizadas correlações aproximadas entre os índices de ativos das empresas. Boegelein et al (2004) compartilham da opinião afirmando que cada devedor de um portfólio de crédito pode ser alocado em uma série de setores, com fatores de risco independentes representados por uma variável aleatória contínua de distribuição conhecida.

13 As frequências de default de cada devedor de um mesmo setor são dependentes em um fator aleatório comum e permitem uma modelagem de eventos de default correlacionados. No CreditRisk+, para uma grande quantidade de financiamentos, a probabilidade de default de cada empréstimo é pequena, e a probabilidade de default em qualquer período é independente do número de defaults ocorrido em outros períodos (Crouhy et al, 2000). A exposição de cada financiado é ajustada por uma taxa de recuperação antecipada, com o objetivo de calcular a perda gerada em caso de default. As exposições ajustadas são exógenas ao modelo, sendo independentes do risco de mercado e de migração do financiado. Para derivar a distribuição das perdas para um portfólio bem diversificado, as perdas (exposições, ajustes de recuperação) são divididas em bandas, com nível de exposição em cada banda sendo semelhante a um único número (Crouhy et al, 2000). No modelo CreditRisk+, cada banda é vista como um portfólio de empréstimos independente. A função geradora de probabilidades para todo o portfólio é o produto da função de probabilidades de cada banda (Crouhy et al, 2000). No CreditRisk+, o default é modelado como uma variável aleatória contínua com uma distribuição de probabilidade. Uma analogia com medidas de segurança doméstica contra incêndios é esclarecedora. Quando um portfólio de casas é segurado, há uma pequena probabilidade de que cada casa será incendiada, e (em geral) a probabilidade de que cada casa queime pode ser vista como um evento independente do incêndio em outras residências (Saunders, 1999). Cada tipo de empréstimo, como hipotecas e empréstimos para pequenos negócios, pode ser visto da mesma maneira, no que diz respeito ao seu risco de default. Sob o CreditRisk+, cada empréstimo individualmente é visto como detentor de uma pequena probabilidade de default, e as probabilidades de default dos empréstimos são independentes entre si. Para Saunders (1999), esta premissa faz com que a distribuição da probabilidade de defaults de um portfólio de crédito assemelhe-se a uma distribuição de Poisson. Crouhy et al (2000) complementam afirmando que o foco do CreditRisk+ é a inadimplência. O CreditRisk+ assume que a frequência de inadimplências de empréstimos aproxima-se a uma distribuição Poisson. A migração do risco de crédito não é explicitamente modelada nesta análise. O CreditRisk+ permite taxas de default estocásticas com contribuição parcial para o risco de migração. Sobre as contribuições marginais de empréstimos adicionais de cada empréstimo adicional ao risco total da carteira, Crouhy et al (2000) afirmam que são facilmente calculáveis no modelo. O modelo CreditRisk+ foca somente o default, requerendo poucas variáveis de entrada para suas estimativas. Para cada instrumento, apenas a probabilidade de default e as exposições são requeridas (Crouhy et al, 2000). A exemplo das contribuições marginais, Crouhy et al (2000) afirmam que o modelo CreditRisk+ como um todo apresenta a vantagem de ser de relativamente fácil implementação. Primeiramente, expressões formais fechadas são derivadas para gerar a probabilidade de perdas em cada empréstimo/obrigação, o que faz do método CreditRisk+ computacionalmente atrativo. Para Gundlach (2004), as características básicas do CreditRisk+ resultam em uma distribuição de perdas descrita pela soma de variáveis aleatórias binomiais negativas e independentes. O CreditRisk+ é baseado em modelos de seguradoras para eventos de risco. Apesar das latentes variações, cada empréstimo tem uma probabilidade de default. As probabilidades de default não são constantes ao longo do tempo, mas podem crescer ou decrescer em resposta a um conjunto de fatores sistêmicos (Gordy, 2000).

14 A incerteza de uma taxa de default é apenas um tipo de incerteza modelada no CreditRisk+. O segundo tipo é o tamanho ou a severidade das perdas. Ao utilizar novamente a analogia do incêndio de imóveis, quando uma casa pega fogo, o grau de severidade da perda pode variar entre o telhado ou a completa destruição da casa, por exemplo. No CreditRisk+, sabe-se que as taxas de severidade são incertas, mas por causa da dificuldade em medir a severidade de cada empréstimo individualmente, as severidades das perdas ou das exposições de crédito são agrupadas (Gordy, 2000). A freqüência de defaults e a severidade das perdas produzem uma distribuição de perdas para cada grupo de exposições. A soma, ou o acúmulo, destas perdas ao longo do grupo de exposições produz uma distribuição de perdas para o portfólio de crédito (Gordy, 2000). O principal direcionador do risco no CreditRisk+ é o índice médio de inadimplência da economia. O índice médio de inadimplência pode ser visto como sistematicamente conectado ao estado da macro-economia. Quando a macro-economia deteriora-se, a taxa de default média tende a crescer, assim como as perdas em defaults. Uma melhora das condições econômicas tem o efeito oposto (Saunders, 1999). Os dados de entrada chaves são taxas de perdas principais e severidade das perdas para vários grupos de portfólios de crédito. Cada grupo de empréstimos pode ser entendido como um portfólio separado, e a distribuição das perdas totais é o agrupamento das distribuições de perdas individuais (Saunders, 1999). Para Tasche (2004), há duas maneiras de realizar o cálculo do capital requerido no CreditRisk+: desvio-padrão da distribuição das perdas, ou através de value-at-risk da distribuição das perdas. Tasche (2004) considera que mesmo que o value-at-risk alcance grande aceitação como medida de risco, há deficiências que o fazem questioná-lo. Em particular, o value-atrisk negligencia riscos com alto impacto, mas baixa freqüência. É uma conseqüência natural do fato de que, em sua definição, o value-at-risk não considera altas perdas que ocorrem com uma probabilidade menor do que 1 θ. Uma diferença marcante entre os modelos está na modelagem da função de distribuição de probabilidade de defaults no período de um ano. No KMV, a freqüência de default esperada varia com a chegada de novas informações impostas pelo mercado de ações. Mudanças nos preços das ações e a volatilidade dos preços das ações definem os escores EDF (Gordy, 2000). No modelo KMV mais simples, taxas de recuperação são constantes. Sob o CreditRisk+ as severidades das perdas são agrupadas em sub-portfólios e a severidade das perdas em cada sub-portfólio é vista como uma constante (Gordy, 2000). O CreditRisk+ captura essencialmente as características dos eventos de default de crédito, para calcular uma distribuição das perdas totais do portfólio. A técnica utilizada para chegar a esta distribuição de perdas é gerar duas distribuições anteriores: uma para a freqüência dos eventos de default e outra para a severidade das perdas. Em síntese, o CreditRisk+ considera as volatilidades nas taxas de default e análises setoriais muito mais do que utiliza correlações entre os eventos de default para gerar as taxas de default esperadas e a volatilidade destas taxas (que seria correspondente as perdas inesperadas). À geração das distribuições, o modelo considera as freqüências de eventos de default como variáveis aleatórias discretas e as severidades das perdas como variáveis aleatórias contínuas. Em seguida, são utilizadas metodologias estatísticas para compor uma distribuição final de perdas de um portfólio, dada pela conjunção entre freqüência e severidade dos eventos de default.

15 Frequência dos defaults O modelo CreditRisk+ assume que há um grande número de exposições a perdas em uma carteira de crédito e que a probabilidade de que cada financiado em particular entre em situação de default é pequena. Nestas circunstâncias, a distribuição do número de eventos de inadimplência de um portfólio será muito próxima a uma distribuição de Poisson. Se a probabilidade de que cada financiado individualmente torne-se inadimplente é pequena, a probabilidade de ocorrência de n eventos de default em um portfólio no período de um ano é dada por: Nota-se que a distribuição tem apenas um parâmetro, o número esperado de eventos de inadimplência μ. A distribuição não depende, portanto, do número de exposições do portfólio ou da probabilidade individual de cada financiado, já que esta probabilidade é uniformemente pequena. A distribuição de Poisson tem, portanto, uma esperança μ e um desvio-padrão dado por. Frachot et al (2003) afirmam que a frequência de eventos de inadimplência pode ser representada adequadamente por uma distribuição de Poisson. Para Fontnouvelle et al (2003), a distribuição de Poisson admite que a probabilidade de ocorrência dos eventos independe do tempo passado desde que o último evento ocorreu, de forma que os eventos podem inclusive ser bastante espaçados ao longo do tempo Severidade das Perdas À obtenção das distribuições das severidades das perdas ocasionadas pelos defaults em um portfólio, é necessário agrupar as exposições em segmentos menores. A segmentação do portfólio reduz significativamente a quantidade de dados que precisam ser incorporados no cálculo e na geração das distribuições. É possível estabelecer taxas de recuperação fixas nas perdas geradas pelos eventos de default de um segmento. Para a realização dos cálculos, uma unidade L do total da exposição precisa ser escolhida. Para cada financiado A, é preciso definir dois valores (exposição do financiado) e (perda esperada do financiado), expressos como múltiplos da unidade L. O passo principal é aproximar ao número mais próximo do total da exposição. O portfólio pode então ser dividido em m partes, indexadas por j, onde: 1 j m. Tabela 1: M partes do portfólio indexadas por j Referência Símbolo Exposição comum no segmento em unidades de L Perdas esperadas no segmento j em unidades de L Número esperado de defaults no segmento j

16 A perda esperada em termos de probabilidade de eventos de default é dada por: Como foi feita uma aproximação de ao valor total, a perda esperada total de cada financiado será afetada, a não ser que sejam realizados ajustes no número de eventos de default. Se não forem feitos ajustes, o processo de aproximação resultará num valor um pouco acima no total de perdas esperadas. Considerando cada segmento da carteira como um portfólio, a função geradora de probabilidades das perdas do portfólio é dada por: (1) A equação acima pode ser reescrita de diferentes maneiras. Primeiramente, é preciso definir um Polinomial P(z), como segue: Com o polinomial, para um número total de defaults μ de um portfólio, a função geradora de probabilidades da equação (1) acima pode ser expressa da maneira abaixo: A forma funcional para G(z) expressa matematicamente a composição de duas fontes de incerteza decorrentes da aleatoriedade da Poisson na incidência de eventos de default e da variabilidade de montantes de exposição no portfólio. A função G(z) depende unicamente dos dados υ e ε. Para obter a distribuição das perdas para um grande portfólio de risco de crédito, toda a informação necessária é conhecimento sobre os diferentes tamanhos de exposições υ do portfólio, junto ao valor ε de perdas esperadas para cada tamanho de exposição. Normalmente, a quantidade de informação necessária para o cálculo é baixa, mesmo para um grande portfólio. Cruz (2002) considera que as principais distribuições utilizadas para representar a severidade das perdas são: normal, log-normal, normal invertida, exponencial, weibull e pareto Distribuição das Perdas Para cada valor inteiro de n, temos como probabilidade de uma perda de n x L, ou n unidades do portfólio. Dada a equação para G(z) vista anteriormente, com a série de expansão de Taylor, temos: Usando a relação, a relação de recorrência é obtida:

17 Segundo Frachot et al (2003), após a calibração da frequência dos eventos e da severidade das perdas, é possível gerar a distribuição das perdas do portfólio através da simulação de Monte Carlo, determinando graus de confiança para o resultado. De acordo com Gordy (2004), é possível estabelecer taxas de recuperação na distribuição das perdas, mas o autor considera complicado introduzir as taxas porque cada perda é um múltiplo inteiro de uma unidade de perda. Fontnouvelle et al (2003) complementam afirmando que para a geração da distribuição total das perdas, caso as perdas totais não sejam extremamente altas, as distribuições mais adequadas são: gamma, lognormal, normal e Weibull. No caso de perdas extremas, a distribuição exponencial pode ser o método adequado. Ao final, com base nas distribuições de perdas geradas pelas simulações de Monte Carlo, poderão ser comparadas as distribuições das perdas totais dos diferentes cenários, para ver o comportamento do modelo em relação às condições de portfólios encontradas. 3. Bibliografia BABBEL, David F. Insuring Banks Againts Systematic Credit Risk. The Journal of Futures Markets, v. 9, n. 6, p , BENSTON, George J. Basel II and Banker`s Propensity to take or avoid Excessive Risk. Atlantic Economic Journal, v. 35, n. 4, , dez BHARATH, Sreedhar H.; SHUMWAY, Tyler. Forecasting Default with the Merton Distance to Default Model. The Review of Financial Studies, v. 21, n. 3, CAOUETTE, John B.; ALTMAN, Edward. I.; NARAYANAN, Paul; NINMO, Robert. Gerenciando o risco de Crédito: o grande desafio para os mercados financeiros globais. Wiley John & Sons, 1. Ed COSSIN, D; PIRROTE, H. Financial Approaches and Mathematical Models to Assess, Price, and Manage Credit Risk. New York John Wiley & Sons, Credit Suisse Financial Products (1997). CreditRisk+: A CreditRisk Management Framework. CROUHY, Michel; GALAI, Dan; MARK, Robert. A Comparative Analysis of Current Credit Risk Models. Journal of Banking & Finance, v. 24, n. 1-2, , jan DWYER, Douglas; QU, Shisheng. EDF 8.0 Model Enhancements. Moody`s KMV Company. Jan FONTNOUVELLE, Patrick; DEJESUS-RUEFF, Virginia; JORDAN, John; ROSENGREN, Eric. Capital and Risk: New Evidence on Implications of Large Operational Losses. Federal Reserve Bank of Boston, set FRACHOT, Antoine; MOUDOULAUD, Olivier; RONCALLI, Thierry. Loss Distribution Approach in Practice. Groupe de Recherche Opérationnelle Crédit Lyonnays, mai GIESE, Gotz. Enhanced CreditRisk+. In: GUNDLACH, Volker; LEHRBASS, Frank B. (Eds). CreditRisk+ in the Banking Industry. Alemanha: Springer-Verlag Berlin Heidelberg, p GORDY, Michel B. A Comparative Anatomy of Credit Risk Models. Journal of Banking & Finance, v. 24, n. 1-2, , jan GORDY, Michel B. In: GUNDLACH, Volker; LEHRBASS, Frank B. (Eds). CreditRisk+ in the Banking Industry. Alemanha: Springer-Verlag Berlin Heidelberg, p

18 GUNDLACH, Volker M. Basics of CreditRisk+. In: GUNDLACH, Volker; LEHRBASS, Frank B. (Eds). CreditRisk+ in the Banking Industry. Alemanha: Springer-Verlag Berlin Heidelberg, p GUNDLACH, Volker M.; LEHRBASS, Frank B. Birth of the Model. In: GUNDLACH, Volker; LEHRBASS, Frank B. (Eds). CreditRisk+ in the Banking Industry. Alemanha: Springer-Verlag Berlin Heidelberg, p MOHANTY, Sunil K. Basel II: Challenges and Risks. Academy of Banking Studies Journal, v. 7, n. 2, , KEALHOFER, Stephen; KURBAT, Matthew. The Default Prediction Power of the Merton Approach, Relative to Debt Ratings and Accounting Variables. KMV LLC, jan LEVY, Amnon. An Overview of Modeling Credit Portfolios. Moody`s KMV Company. Dez LOPEZ, Jose A.; SAIDENBERG, Marc R. Evaluating Credit Risk Models. Journal of Banking & Finance, v. 24, n. 1, , jan POSTAN, M. Credit in Medieval Trade. The Economic History Review, v. 1, n. 2, , jan REIB, Oliver. Dependent Sectors and an Extension to Incorporate Market Risk. In: GUNDLACH, Volker; LEHRBASS, Frank B. (Eds). CreditRisk+ in the Banking Industry. Alemanha: Springer-Verlag Berlin Heidelberg, p SAUNDERS, Anthony. Credit Risk Measurement: New Approaches to Value-at-Risk and other Paradigms. Wiley John & Sons, 1. Ed, p. 226, jun SCHLOTTMANN, Frank; SEESE, Detlef; LESKO, Michael; VORGRIMLER, Stephan. Risk-Return Analysis of Credit Porfolio. In: GUNDLACH, Volker; LEHRBASS, Frank B. (Eds). CreditRisk+ in the Banking Industry. Alemanha: Springer-Verlag Berlin Heidelberg, p STEIN, Roger M. Evidence on Incompleteness of Merton-Type Structural Models for Default Prediction. Moody`s KMV Company. Fev TASCHE, Dirk. Capital Allocation with CreditRisk+. In: GUNDLACH, Volker; LEHRBASS, Frank B. (Eds). CreditRisk+ in the Banking Industry. Alemanha: Springer- Verlag Berlin Heidelberg, p THOMAS, Lyn C. Consumer Credit Models: Pricing, Profit and Portfolios. United States of America: Oxford University Press, abr p. THOMAS, L. C.; OLIVER, R. W.; HAUD, D. J. A survey of the issues in consumer credit modelling research. Journal of the Operational Research Society, v. 56, , mai