PLANTANDO SONHOS E COLHENDO CONHECIMENTOS: O SABER POPULAR DA FLORESTA NA CLASSE HOSPITALAR

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1 PLANTANDO SONHOS E COLHENDO CONHECIMENTOS: O SABER POPULAR DA FLORESTA NA CLASSE HOSPITALAR Resumo Roberto de Mendonça França Junior 1 - SEDUC/PA Grupo de Trabalho - Educação, Saúde e Pedagogia Hospitalar Agência Financiadora: não contou com financiamento O Núcleo de Acolhimento ao Enfermo Egresso NAEE, é um órgão atrelado ao hospital Ophir Loyola, referência nas regiões norte e nordeste no tratamento oncológico, seu objetivo é assegurar o atendimento humanizado aos pacientes oriundos de municípios distantes do Estado do Pará, As atividades desenvolvidas no NAEE enquadram-se na modalidade de Educação de Jovens e Adultos EJA. Diante desse desafio, tornam-se necessárias diversas metodologias, pois nas práticas de educação de jovens e adultos, a diversidade traz consigo a marca da singularidade é fato que cada indivíduo carrega suas experiências vividas, no espaço hospitalar este fato não seria diferente. A Educação de Jovens e Adultos no hospital tem um papel fundamental na socialização dos sujeitos, agregando elementos e valores que os levem à emancipação e à afirmação de sua identidade cultural, o objetivo deste trabalho concerne em integrar o conhecimento científico e o uso do conhecimento popular, através da utilização de recursos da floresta Amazônica como coadjuvante no tratamento. Fundamenta-se a proposta com autores como: Ming (1997) Shanley e Medina (2005) Cunha e Almeida (2002) são obras de forte forma de divulgação e informações para os povos oriundos ou com forte relação com a floresta. Freire (1975) propostas de EJA, Lakatos e Marconi, (1995) processos metodológicos e Matos e Muggiati, (2006) pedagogia hospitalar. Percebemos que, mesmo sendo executado um tratamento invasivo, sério e cheio de efeitos colaterais no período que estão na capital, ao retornarem aos seus locais de origem, ainda continuam utilizando raízes, folhas e cascas medicinais da floresta nativa. Conclui-se que que o uso dos recursos da floresta, pode ser entendido como uma integração entre o conhecimento tradicional e o conhecimento científico e o uso do conhecimento popular como coadjuvante no tratamento. Palavras-chave: Educação Hospitalar. Conhecimento Popular. Conhecimento Cientifico. Recursos da floresta. 1 Mestre em Ciências Ambientais: Ecologia Humana Universidade de Taubaté SP. Professor da Classe Hospitalar da SEDUC/PA. robertofrancajunior@yahoo.com.br ISSN

2 16179 Introdução Apesar de vários documentos em nível nacional que garantem o acesso do aluno ao processo educativo durante o tratamento de saúde, denominado de Classe Hospitalar, o tema ainda é desconhecido por grande parte da população; mais distante ainda é o atendimento de adultos. As classes hospitalares e o atendimento em ambiente hospitalar e domiciliar devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, adolescentes e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso á escola regular (BRASIL, 2001, p. 04). No estado do Pará, o Núcleo de Acolhimento ao Enfermo Egresso NAEE é um órgão atrelado ao Hospital Ophir Loyola, referência na região norte e nordeste, no tratamento oncológico; seu objetivo concerne em assegurar o atendimento humanizado aos pacientes oriundos de municípios distantes do Estado do Pará e de outros estados, que se encontram em atendimento hospitalar. Por consequência integra ainda um dos espaços de escolarização da Classe Hospitalar do Estado do Pará, por meio da Secretaria de Estado de Educação. As atividades desenvolvidas no NAEE enquadram-se na modalidade de Educação de Jovens e Adultos EJA; no espaço são realizadas atividades pedagógicas atreladas ao desenvolvimento de projetos como Valorização do conhecimento popular através dos saberes da Floresta Amazônica, aliado ao tratamento oncológico cujo objetivo consiste em integrar o conhecimento tradicional e o científico, além do uso do conhecimento popular como coadjuvante no tratamento. A Lei n. 9394/96, Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em seu artigo 37, prescreve que a Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental Médio na idade própria. É característica dessa Modalidade de Ensino a diversidade do perfil dos educandos, com relação à idade, ao nível de escolarização em que se encontram, à situação socioeconômica e cultural, às ocupações e a motivação pela qual procuram a escola. Desta forma, a referida lei incorpora uma concepção mais ampla e abre outras perspectivas para a Educação de Jovens e Adultos, desenvolvida na pluralidade de vivências humanas. Conforme aponta o artigo 1.º da Lei vigente: A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas

3 16180 instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social (BRASIL, 1996). Considerando o objetivo do projeto, as atividades desenvolvidas no cotidiano escolar no NAEE contribuem para o processo de letramento; neste espaço de tempo são valorizados os relatos, histórias e causos, trazidos pelos sujeitos. Nesta metodologia o diálogo e a escuta são as referências pedagógicas. A atenção pedagógica, mediante a comunicação e diálogo, é essencial para o ato educativo e se propõe a ajudar a criança, o adolescente e o adulto hospitalizado para que, imerso na situação negativa que atravessa no momento, possa se desenvolver em suas dimensões possíveis de educação como uma proposta de enriquecimento pessoal (MATOS e MUGGIATI, 2006, p. 69). Além disso, a reformulação de critérios de valoração social, aliada à adoção do referencial educacional, faz parte de um cenário mundial em que é conferida uma importância tanto científica quanto simbólica à Amazônia. Matos e Muggiati (2006) afirmam que, diante desse desafio, tornam-se necessárias diversas metodologias para tornar o ambiente hospitalar menos aversivo, frio e excludente, pois, nas práticas de educação de jovens e adultos, a diversidade traz consigo a marca da singularidade: é fato que cada indivíduo carrega suas experiências vividas e as leva para onde quer que vá; no espaço hospitalar este fato não seria diferente. A Educação de Jovens e Adultos tem um papel fundamental na socialização dos sujeitos, agregando elementos e valores que os levem à emancipação e à afirmação de sua identidade cultural. O tempo que um educando participa da EJA tem valor subjetivo e significativo, portanto, a escola mesmo no espaço hospitalar deve superar o ensino de caráter conteudista, enciclopédico, pautado mais na forma quantidade de ensino do que na relação qualitativa, dialógica com o conhecimento. Quanto aos conteúdos específicos de cada disciplina, deverão estar articulados à realidade, considerando sua dimensão sócio-histórica, articulada ao mundo do trabalho, à ciência, às novas tecnologias, dentre outros. (BRASIL, 1996). Ainda de acordo com a diretriz, outra demanda a ser atendida pela EJA é a de pessoas idosas que buscam a escola para desenvolver ou ampliar seus conhecimentos, bem como procurar oportunidades de convivência social e realização pessoal. No caso da classe hospitalar, são pessoas que apresentam uma temporalidade específica no processo de

4 16181 aprendizagem, o que as faz merecer atenção especial no processo educativo, pelo fato do tratamento invasivo ao qual são submetidas. Acreditamos que estas vivências devam ser objeto de estudo e início de diálogo objetivando temas ou assuntos que envolvam processos de ensino-aprendizagem por intermédio da valorização da cultura popular, além do uso de ervas da Floresta Amazônica como coadjuvante no tratamento oncológico. Segundo o Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva INCA, o tratamento do câncer pode ser feito por cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou transplante de medula óssea. Em muitos casos, é necessário combinar mais de uma modalidade, entre elas as mais utilizadas são: Radioterapia - tratamento no qual se utilizam radiações para destruir um tumor ou impedir que suas células aumentem. Estas radiações não são vistas, e durante a aplicação o paciente não sente nada. A radioterapia pode ser usada em combinação com a quimioterapia ou outros recursos no tratamento dos tumores. Quimioterapia - tratamento que utiliza medicamentos para combater o câncer. Eles são aplicados, em sua maioria, na veia, podendo também ser aplicados via oral, intramuscular, subcutânea, tópica e intratecal. Os medicamentos se misturam com o sangue e são levados a todas as partes do corpo, destruindo as células doentes, que estão formando o tumor, e impedindo, também, que elas se espalhem pelo corpo. (INCA, 2015). Os tratamentos são invasivos e as reações são diversas; é comum após o tratamento, os pacientes utilizarem outros medicamentos para amenizar as reações a que foram submetidos; para isso, recorrem ao uso do conhecimento popular. Segundo a equipe multidisciplinar do NAEE, é perguntado aos pacientes sobre o uso de outros medicamentos fora o usado no hospital; estas informações são importantes, pois, muitas das ervas, raízes, folhas e cipós, podem causar terríveis reações ao paciente, como é o caso do óleo de Andiroba após a radioterapia; segundo a enfermeira-chefa do NAEE, é inevitável a queimadura na pele, que fica muito sensível. No entanto, não descartam o uso, desde que com cautela, de outros produtos de origem natural, uma vez que essa prática é comum na comunidade Amazônica. De acordo com o Ministério da Saúde, através da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos e do Departamento de Assistência Farmacêutica. O uso da medicina tradicional (MT) e das plantas medicinais, em países em desenvolvimento, tem sido amplamente observado como base normativa para a manutenção da saúde (BRASIL, 2006).

5 16182 A medicina, nesses países, valendo-se de tradições e crenças locais, ainda é o suporte de cuidados com a saúde. Como definida pela Organização Mundial de Saúde - OMS, saúde é o estado completo de bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade. Até a primeira metade do século XX, o Brasil era essencialmente rural e usava amplamente a flora medicinal, tanto nativa quanto introduzida. Hoje, a medicina popular do país é reflexo das uniões étnicas entre os diferentes imigrantes e os inúmeros povos autóctones que difundiram o conhecimento das ervas locais e de seus usos, transmitidos e aprimorados de geração em geração (LORENZI e MATOS, 2002). O Departamento de Assistência Farmacêutica afirma que: uso de fitoterápicos com finalidade profilática, curativa, paliativa ou com fins de diagnóstico passou a ser oficialmente reconhecido pela OMS em 1978, quando recomendou a difusão mundial dos conhecimentos necessários para o seu uso. Considerando-se as plantas medicinais importantes instrumentos da Assistência Farmacêutica, vários comunicados e resoluções da OMS expressam a posição do organismo a respeito da necessidade de valorizar o uso desses medicamentos, no âmbito sanitário. É sabido que 80% da população mundial dependem das práticas tradicionais no que se refere à atenção primária à saúde, e 85% dessa parcela utiliza plantas ou preparações à base de vegetais. Ressalte-se aí que 67% das espécies vegetais medicinais do mundo são originadas dos países em desenvolvimento (BRASIL, 2006). Referencial Teórico Procurou-se pesquisar autores que versam sobre o conhecimento tradicional e o conhecimento científico sistematizado Ming (1997) Shanley e Medina (2005) Cunha e Almeida (2002) são obras de forte forma de divulgação e informações para os povos oriundos da floresta ou que mantêm forte relação com ela. Desta forma, há o rompimento da demarcação autoritária, rígida, histórica, excludente e muitas vezes repetida em vários espaços escolares, que não valorizam o conhecimento do povo, fundamentam-se na total dicotomia entre o conhecimento científico, dito verdadeiro, e o conhecimento popular, não científico e, por isso, visto como ingênuo ou errôneo. Partindo deste principio, vemos o aluno como um sujeito não neutro, mesmo em condição hospitalar, pois este fato não impede seu raciocínio e muito menos sua capacidade cognitiva, este traz para a escola-hospital seus conhecimentos de mundo e sua cultura, percebe-se também que o objeto do conhecimento (conteúdo escolar) também não é estanque, ou seja, seu significado é dinâmico (FREIRE, 1975).

6 16183 É com base no reconhecimento e valorização do conhecimento empírico do aluno que se deve iniciar o processo educativo. Este conhecimento é vivenciado pelo aluno, no processo dialógico, significativo, que lhe permite experimentar e superar o nível de consciência em primeiro lugar. Nesta perspectiva é possível que o educador apreenda o significado que o educando afere às situações; e ao estudante resulte em reflexões e aprendizagem, no nosso caso, embasados no conhecimento tradicional, memorial e tradicional (FREIRE, 1975). Para Andery (1998), o ser humano atua sobre a natureza em função de suas necessidades e não se reduz ao imediatismo das situações com que se depara; ultrapassa limites e produz um conjunto de conhecimentos que, ao se tornarem históricos, superam a simples sobrevivência individual. Esses conhecimentos produzidos são acumulados e ensinados de geração em geração, tornando-se elementos nucleares à cultura que, neste sentido, adquire o caráter de tradição. Metodologia Para fins metodológicos, utilizou-se em relação aos objetivos, uma Pesquisa Descritiva, a qual observa, registra, analisa e ordena dados, sem manipulá-los, isto é, sem interferência do pesquisador. Procura descobrir a frequência com que um fato ocorre, sua natureza, características, causas, relações com outros fatos. Assim, para coletar tais dados, utilizam-se de técnicas específicas, dentre as quais destaca-se a entrevista (LAKATOS e MARCONI, 1995, p. 104). Ainda fundamentado nas autoras, a pesquisa se configura como um Estudo de caso, pois consiste em coletar e analisar informações sobre um determinado indivíduo, família, grupo ou comunidade, a fim de estudar aspectos variados de sua vida, de acordo com o assunto da pesquisa (LAKATOS e MARCONI, 1995, p. 109). A metodologia utilizada consta ainda de aula-passeio, pautada nas teorias de Freinet (1988) em que afirma que os alunos aprendem com as relações do homem com o meio; para isso realizamos visita ao Complexo do Ver-o-Pêso, a maior feira ao ar livre da América Latina, onde os alunos puderam perceber a comercialização das ervas, cipós, cascas e produtos já beneficiados. Em seguida, relataram como utilizam as ervas, cipós e cascas de diversas árvores que auxiliam em seus tratamentos. Além do relacionamento espontâneo com o meio ambiente, Freinet (1988) também defendia as leis da natureza como corretas. Sua defesa era tão grande que suas metáforas, em sua maioria, utilizavam questões relacionadas à natureza para trazerem significados, como se observa a seguir: Se um dia os

7 16184 homens souberem raciocinar sobre a formação dos seus filhos como o bom jardineiro raciocina sobre a riqueza do seu pomar, deixarão de seguir os eruditos que, nos seus antros, produzem frutos envenenados que matam ao mesmo tempo quem os produziu e quem os come. Restabelecerá valorosamente o verdadeiro ciclo da educação: escolha da semente, cuidado especial do meio em que o indivíduo mergulhará para sempre as suas raízes poderosas, assimilação pelo arbusto da riqueza desse meio. A cultura humana será, então a flor esplêndida, promessa segura do fruto generoso que amadurecerá amanhã (FREINET, 1988, p. 7). Entendemos nas palavras de Freinet (1988) essa paixão pela natureza. Repassava isso aos seus alunos de forma natural, valorizava toda e qualquer possibilidade desse contato, além das "Aulas das Descobertas". Após a visita e com o objetivo de aproximar os conhecimentos populares oriundos das sociedades tradicionais e os conhecimentos científicos comumente aprendidos em situações de ensino-aprendizagem na Classe hospitalar do NAEE, fundamentamos as aulas seguintes no livro: Frutíferas e Plantas Úteis na Vida Amazônica dos autores Editores Patrícia Shanley e Gabriel Medina: a intenção deste é a de atrelar o conhecimento popular e saberes da mata, prática cultural da maioria dos alunos-pacientes atendidos no NAEE, ao tratamento oncológico e afirmar a relação ainda muito próxima entre o ser humano e a floresta, aliada ao tratamento médico; isso fica claro nos registros de memória e de vida, deixados por eles neste trabalho. Promoveu-se um diálogo entre docentes de áreas de conhecimentos distintos (Educação de Jovens e Adultos, envolvendo as disciplinas Artes, Língua Portuguesa e História); dessa integração foram investigados por meio de uma pesquisa qualitativa Lüdke e André (1986). Constituíram objetos de análise os diálogos com parte da equipe de enfermagem do NAEE. As orientações permearam em torno das dúvidas trazidas pelos alunos em relação à utilização do conhecimento popular por intermédio dos saberes da floresta, traduzido no uso de ervas, cascas de árvores, raízes entre outros, e seu possível uso aliado ao tratamento oncológico, cujo objetivo concerne em integrar o conhecimento tradicional e o conhecimento científico. Após o reconhecimento de algumas das espécies da floresta, os trabalhos produzidos pelos alunos expressam suas percepções individuais. Foram usados ainda, recursos tecnológicos como gravadores de voz e filmadora, depois transcrevemos as informações prestadas por eles com linguagem própria de nossos alunos. O material foi transcrito, porém mantido o original em vídeo.

8 16185 Resultados Este trabalho tornou-se veículo de divulgação de informações fundamentais para entender o universo de nossos alunos-pacientes fora do espaço do NAEE, pois ilustra a escuta da rotina, dos medos, dos anseios e da vontade de se obter a cura, mesmo que o uso de ervas da floresta seja algo condenado por muitos médicos. Percebemos que, mesmo sendo executado um tratamento invasivo, sério e cheio de efeitos colaterais, no período que estão na capital, os alunos pacientes, ao retornarem aos seus locais de origem, ainda continuam utilizando raízes, folhas e cascas medicinais da floresta nativa. Os relatos confirmam a relação das pessoas com os medicamentos da floresta, que, além de custarem menos, tratam de outras doenças como reumatismo, artrite e distúrbios do sistema nervoso, para os quais ainda não há remédio certo na farmácia. Cultura ecológica mitógena (advinda do mito) é aquela em que os elementos do ambiente natural são pensados segundo seu papel no mito e seu lugar no cosmo nativo. Esse tipo de cultura ecológica, eminentemente indígena, tem em comum com a cultura ecológica aqui chamada de tradicional cabocla : a transmissão oral de conhecimentos de uma geração para a outra. Mas à diferença da indígena, a cultura ecológica cabocla compõe-se de fragmentos de diversas tradições (principalmente indígenas e ibéricas), não se referindo a um cosmo único nem a um ciclo coeso de mitos (LIMA e POZZOBON, 2005). Voltando ao livro, este afirma a partir de seus autores que no mundo inteiro 80% das pessoas usam plantas para tratar doenças. Além disso, muitos remédios de farmácia contêm substâncias que foram descobertas originalmente em uma planta. Então, por que os cientistas não têm transformado outras plantas em pílulas? Porque muitas vezes eles não sabem como fazê-lo. O óleo de copaíba, o leite de Amapá, a sucuúba, a resina de jatobá e a casca de pau d arco são tão complexos quimicamente que suas substâncias ativas dificilmente podem ser isoladas, afirmam os autores. Por outro lado, e também, por causa dos novos usos da terra amazônica, a composição da floresta está mudando rapidamente. Para assegurar a produção de medicamentos no futuro é fundamental saber quais são as plantas mais importantes, onde elas crescem e qual é a sua abundância. Foram selecionadas as espécies medicinais mais usadas pelos alunos atendidos no NAEE.

9 16186 Tabela 1: Lista de produtos mais usados pelos pacientes. Nome comum Nome científico Usos Copaíba Copaifera spp. Feridas profundas, antibiótico natural; Andiroba Carapa guianensis Torções, reumatismo, repelente de insetos; Cumaru Dipteryx odorata Reumatismo, dores musculares; Sucuúba Himatanthus sucuuba Vermes, herpes, infecção uterina; Jatobá Hymenaea courbaril Tônico, gripe, expectorante; Amapá Parahancornia spp. Doenças respiratórias, tônico; Pau d arco Tabebuia spp. Inflamações, tumores, úlceras. Fonte: Shanley, Patricia Frutíferas e Plantas Úteis na Vida Amazônica. Belém: CIFOR, Imazon, Como atividade escolar, a partir das citações de alguns alunos, procurou-se identificar o nome científico de algumas espécies utilizadas no cotidiano fora do espaço hospitalar. Todo esse universo mexe com nossas emoções diante das verdades expressas nas figuras singelas e fortes de nossos alunos-pacientes, nossas plantas, nossos cheiros, nossos sabores. Emoção diante de nós mesmos, enfim, e de nossas vidas simples e tão orgulhosamente amazônicas, e mais ainda, como a educação realizada na Classe Hospitalar pode ser comparada a uma árvore, plantada em solo fértil e que ainda dará muitos frutos. Sendo assim, um recorte fundamental da abordagem proposta foi oferecer ferramentas para o entendimento das diferenças, das aproximações e das possíveis relações entre sistemas de conhecimento, como o científico e os saberes tradicionais dos povos da floresta. Dois aproveitamentos foram possíveis: primeiro, o originalmente previsto, ou seja, fundamentar as disciplinas ministradas pelos professores da EJA ao conhecimento popular dos alunos da classe hospitalar do NAEE, oriundos da região amazônica; segundo, a possibilidade de trazer esta diversidade cultural para contextualizar o ensino das disciplinas, havendo assim a troca de conhecimentos; muitos destes, tradicionais, ainda são guardados em comunidades urbanas, sobretudo na memória dos mais antigos (CHASSOT, 2008). Conclusão Com base nos relatos expressos pelos alunos-pacientes em seus trabalhos, pode-se inferir que, se devidamente estimulados, os referidos alunos têm interesse em compreender a importância das atividades pedagógicas desenvolvias na Classe Hospitalar, aliadas a seu tratamento; como as disciplinas dialogam com outros sistemas de saberes e em aplicar esse diálogo em suas vivências pedagógicas, possibilitando a valorização da diversidade cultural regional, fortalecendo o diálogo com as sociedades tradicionais.

10 16187 Percebe-se que o uso dos recursos da floresta, resultado de sua cultura, pode ser entendido como uma integração entre o conhecimento tradicional e o científico, e o uso do conhecimento popular como coadjuvante no tratamento quimioterápico e/ou radioterápico. Se bem explicado pela equipe multidisciplinar de saúde, pode contribuir de forma positiva no tratamento. Essas possibilidades são fomentadas na prática pedagógica desenvolvida pela Classe Hospitalar. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n de 20 dezembro de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, p , col. 1, 23 dez Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 set Seção IE, p Disponível em: < Acesso em: 22.jul Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica. A fitoterapia no SUS e o Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais da Central de Medicamentos / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica. Brasília : Ministério da Saúde, CHASSOT, A. Fazendo educação em ciências em um curso de pedagogia com inclusão de saberes populares no currículo. Química Nova na Escola, 27, pp CUNHA, M. C. da, ALMEIDA, M. B. de. Enciclopédia da floresta: o alto Juruá práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Companhia das Letras FREIRE, P. (1975) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra FREINET, C. Ensaio de Psicologia Sensível. São Paulo, Martins Fontes, INCA, Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. O que é câncer, disponível em: < Acesso: 02. Jul LAKATOS, E. & MARCONI, M. Metodologia do Trabalho Científico. 4. ed. São Paulo: Atlas, LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. (1986) Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU. MING, L. C. (1997) MATOS, E. L. M.; MUGGIATI, M. M. T de F. Pedagogia Hospitalar; a humanização integrando educação e saúde. Petropólis: Vozes, 2006.

11 16188 LIMA, D. e POZZOBON J. Amazônia socioambiental. Sustentabilidade ecológica e diversidade social estudos avançados, Disponível em:< Acesso em 23.jul LORENZI, H.; MATOS, F. J. A. Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas. Nova Odessa-SP: Instituto Plantarum, 544 p MING, L. C. Plantas Medicinais: uso popular na reserva extrativista «Chico Mendes» Acre. Botucatu: CEPLAM; UNESP OMS (Organização Mundial de Saúde) Constituição. Disponível em < Acesso em 11 de jun. de SHANLEY, P. e MEDINA, G. (2005) Frutíferas e plantas úteis na vida amazônica. Belém: CIFOR, Imazon, 2005.