"Oswego": Um Surto Epidêmico de Gastroenterite

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1 FA C U L D A D E D E S A Ú D E P Ú B L I C A U N I V E R S I D A D E D E S Ã O P A U L O Série Vigilância em Saúde Pública E X E R C Í C I O N º 5 "Oswego": Um Surto Epidêmico de Gastroenterite Exercício Tradução: Apoio: Fonte: Eliseu Alves Waldman Organização Pan-Americana de Saúde Universidade de São Paulo (Pró-Reitorias de Graduação e Pós- Graduação) Centers for Disease Control and Prevention

2 OSWEGO : UM SURTO EPIDÊMICO DE GASTROENTERITE * OBJETIVOS Após o término deste exercício o estudante será capaz de: definir uma epidemia; elaborar uma curva epidêmica; calcular e comparar taxas de ataque para identificar possíveis veículos de transmissão; listar as etapas de uma investigação de um surto PARTE I INFORMAÇÕES PRELIMINARES Em 19 de abril de 1971, o médico sanitarista da cidade de Lycoming, Oswego County, New York, notificou um surto de gastroenterite aguda, ao serviço de epidemiologia do Distrito Sanitário em Syracuse Ao iniciar a investigação do evento, o epidemiologista do Distrito Sanitário verificou que todos os casos identificados eram pessoas que haviam participado de um jantar, na noite anterior ao início do quadro diarréico As investigações foram então centralizadas com o objetivo de obter informações em torno desse evento Entrevistas buscando informações a respeito dos sintomas e da data e hora do seu início e dos tipos de alimentação ingeridos, no referido jantar, foram efetuadas em 75 das 80 pessoas que haviam estado presentes Foram identificados no total 46 casos de gastroenterite Questão 1 - Esse evento caracteriza-se como uma epidemia? Questão 2 - Revise as diversas etapas de uma investigação de um surto epidêmico Quadro Clínico O início de todos os casos foi agudo, caracterizado principalmente por náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal Nenhum dos pacientes referiu elevação da temperatura, e todos eles recuperaram-se após 24 a 30 horas Aproximadamente 20% dos atingidos submeteram-se a tratamento médico Nenhuma amostra de fezes foi colhida para exame * Fonte: Centers For Diseases Control and Prevention CDC-EIS Summer Course-1992 Material Didático Traduzido no Dep de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, pelo Prof Eliseu Alves Waldman Copyright 1999 da tradução em português: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo É autorizada a reprodução deste texto, desde que citada a fonte

3 bacteriológico Questão 3 - Se você fosse aplicar um questionário aos participantes do jantar, quais informações colheria? Descrição do Jantar O jantar foi oferecido no subsolo de uma igreja e diferentes pratos foram servidos; o seu início foi às 18:00 horas e o término às 23:00 horas Os pratos foram distribuídos numa mesa e os participantes serviram-se em diferentes momentos durante as 5 horas de duração do evento Dados relativos ao início da doença e aos pratos ingeridos pelos 75 participantes entrevistados foram colhidos para análise Através destes dados foi possível montar a tabela 1, que mostra os alimentos consumidos pelos participantes do jantar, e os gráficos 1 e 2, que representam a distribuição dos casos do tempo e a distribuição do período de incubação OBS: Em somente metade dos casos com gastroenterite foi possível obter a hora aproximada do jantar Casos abril, pm Data de Início 19 abril, am um caso Gráfico 1 Distribuição dos casos no tempo Caso s ,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 5 5,5 6 6,5 7 7,5 8 Período de Incubação (horas) Gráfico 2 Distribuição do período de incubação Questão 4 Que tipo de transmissão o gráfico 1 sugere?

4 Questão 5 - Existem dois casos para os quais o tempo de início da doença é inconsistente com o conhecimento disponível O primeiro caso é de um menino de 8 anos de idade que se alimentou mais cedo, às 11 horas da manhã, e o segundo caso é de uma mulher de 32 anos que não informou o horário da refeição e que teve início de sintomas as 10:30 Como você explicaria esses casos? Questão 6 Interprete o gráfico 2 Questão 7 O epidemiologista definiu que o período máximo de incubação foi de 7 horas, e o período mínimo foi de 3 horas e a mediana aproximada de 4 horas Calcule a amplitude do período de incubação e explique como o epidemiologista calculou a mediana Após entrevistar os participantes do jantar o epidemiologista elaborou a tabela abaixo Nº de pessoas que comeram os alimentos mencionados Nº de pessoas que não comeram os alimentos mencionados Presunto cozido Doente Sadio Total Doente Sadio Total Espinafre Maionese* Salada repolho Gelatina Pãezinhos Pão preto Leite Café Água Bolos Sorvete baunilha Sorvete chocolate* Salada fruta Tabela 1 Tabulação da história relativa aos alimentos ingeridos *Excluindo uma pessoa com história indefinida de consumo do alimento em questão

5 Questão 8 - Identifique, se possível, algum veículo comum de infecção Questão 9 Apresente outros aspectos que devem ser investigados Questão 10 Quais medidas de controle você sugere Questão 11 Por que foi importante investigar essa epidemia? Questão 12- Reveja o esquema de investigação que você elaborou na resposta da questão 2 Em relação ao planejado, comente o que foi efetivamente cumprido PARTE IV CONCLUSÃO Apresentamos, a seguir, parte do relatório elaborado pelo médico sanitarista responsável pela investigação da epidemia: O sorvete foi preparado pelas irmãs Petrie da seguinte forma: Na tarde de 17 de abril o leite cru vindo da fazenda família Petrie, situada em Lycoming, foi fervido em banho maria juntamente com ovos, açúcar e um pouco de farinha para dar consistência à mistura Os sorvetes de chocolate e de baunilha foram preparados separadamente Às 18:00 horas as duas misturas foram colocadas em dois recipientes fechados levadas para o subsolo onde permaneceram durante a noite Presumivelmente elas não foram tocadas durante esse período Na manhã de 18 de abril, o senhor Roberto adicionou 5 porções de baunilha e duas latas de leite condensado à mistura de baunilha, e três porções de baunilha e uma lata de leite condensado à mistura de chocolate Em seguida, o sorvete de baunilha foi transferido para um recipiente especial e colocado num freezer por 20 minutos, após o que foi removido do freezer e colocado em um outro recipiente previamente lavado com água a 100 o C Por sua vez, a mistura de chocolate foi colocada num recipiente especial para freezer que havia sido enxaguado com água de torneira e colocado no freezer por 20 minutos Concluídos esses procedimentos, os recipientes com os sorvetes de chocolate e de baunilha foram colocados num local especial Vale salientar que o sorvete de chocolate permaneceu em um único recipiente Todos os manipuladores dos sorvetes foram examinados Nenhuma lesão de pele ou

6 infecção de vias respiratórias superiores foi identificada Culturas de naso-faringe foram efetuadas nos dois indivíduos que prepararam os sorvetes Os exames bacteriológicos levados a efeito em ambos os sorvetes mostraram os seguintes resultados: inúmeras colônias de Staphylococcus aureus e Staphylococcus albus foram identificadas na amostra de sorvete de baunilha, enquanto que somente algumas colônias de estafilococos foram encontradas no sorvete de chocolate O resultado da cultura de naso-faringe da família responsável pela preparação do sorvete é a seguinte: A sragrace Petrie apresentou Staphylococcus aureus e estreptococos hemolítico na cultura de faringe, enquanto que de sua filha Mirian Petrie foram isoladas colônias de S albus de uma amostra de nariz O estreptococos hemolítico isolado não é comumente associado a infecções no homem DISCUSSÃO A RESPEITO DA FONTE DE INFECÇÃO A fonte de contaminação bacteriana do sorvete de baunilha não foi esclarecida Qualquer que tenha sido a forma de contaminação pelo estafilococos, é altamente provável que tenha ocorrido entre a tarde de 17 e a manhã de 18 de abril Nenhuma razão peculiar ao sorvete de baunilha pode ser apontada como causa de contaminação Durante o jantar utilizou-se a mesma concha para servir os sorvetes, o que torna pouco provável sua participação como veículo de contaminação As informações a respeito do período de incubação podem ser analisadas de forma articulada com os sintomas clínicos, com vistas ao estabelecimento do diagnóstico diferencial da doença Em geral, períodos curtos de incubação ( 6 horas) são típicos de doenças causadas por substâncias químicas ou toxinas bacterianas já elaboradas, enquanto que, períodos de incubação longos ocorrem quando a doença resulta de produção de toxinas in vivo, crescimento microbiano ou invasão tissular O período de incubação neste caso é muito curto para se pensar em agentes virais ou botulismo; muito longo para metais pesados (geralmente provocam sintomas em 15 a 30 minutos), e no intervalo da variação para toxinas de peixe ou alguma toxina de cogumelo, para enterotoxinas de S aureus e para a síndrome de curtao período de incubação causada pelo Bcereus O B cereus é quase exclusivamente transmitido por sobras de arroz Arroz, peixe ou cogumelo constavam do menu? (poderia haver cogumelos na salada de repolhos Toxinas de moluscos e peixes geralmente produzem sintomas sensoriais importantes

7 O curto período de incubação e as características anotadas na resposta da Questão 2 limitam consideravelmente o diagnóstico diferencial A mais provável causa é, então, intoxicação por S aureus; o B cereus é menos provável, e envenenamento por cogumelo é uma hipótese possível, caso tenha sido consumido CONCLUSÕES A fonte de infecção responsável por esse surto de gastroenterite foi o sorvete de baunilha A forma de contaminação não pôde ser claramente entendida A associação das culturas positivas de amostras de naso-faringe obtidas da família Petrie com esse surto devem ser aceitas simplesmente como uma hipótese Nota : O paciente n 0 52 era uma criança que experimentou uma taça de sorvete de baunilha às 11:00 horas da manhã de 18 de abril ADENDO Algumas técnicas de laboratório, não disponíveis à época dessa investigação, poderiam mostrarem-se úteis na análise de epidemias similares nos dias atuais Entre elas a fagotipagem, a identificação de enterotoxina estafilocócica em alimentos por imunodifusão ou ELISA Alguém poderia esperar que a fagotipagem do estafilococos, isolado do nariz da Grace Petrie, e do sorvete de baunilha fossem iguais à dos estáfilococos isolado dos vômitos ou das fezes de pessoas doentes, caso o sorvete ou a Grace fossem as origens da contaminação Caso essa hipótese não se confirmasse, seriam necessárias investigações complementares verificando a possibilidade de outras pessoas terem tido contato com o alimento, ou ainda o fato do leite utilizado ter origem de vacas com mastite, para citar algumas hipóteses a serem pesquisadas Caso o alimento contaminado tivesse sido aquecido suficientemente para destruir os estafilococos mas não a toxina, a análise desta toxina (com a adição de uréia) permitiria a identificação da causa da epidemia A utilização da coloração de Gram poderia também detectar a presença de estafilococos inativados no alimento contaminado