2. ÁRVORES E FLORESTA URBANA: CONDIÇÕES QUE A CIDADE OFERECE

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1 2. ÁRVORES E FLORESTA URBANA: CONDIÇÕES QUE A CIDADE OFERECE 2.1. DEFINIÇÃO DE ESPAÇOS VERDES E FLORESTA URBANA Neste capítulo foi considerado útil clarificar alguns termos, relacionados com espaços verdes e arboricultura urbana, utilizados no presente trabalho, e sua relação com o conceito mais recente de floresta urbana. Já em 1879 Édouard André 1, na sua obra L art des jardins: Traité général de la composition de parcs et jardins que representa um importante marco na História da Arte dos Jardins apresenta um método de concepção e posterior construção de jardins e parques, bem como uma descrição exaustiva de todo o tipo de elementos que integram a paisagem natural e artificial, como é o exemplo da sua classificação de parques e jardins (Quadro 2.1.). QUADRO 2.1. CLASSIFICAÇÃO DE PARQUES E JARDINS POR ÉDOUARD ANDRÉ Paisagem PRIVADOS Florestal ou caça Agrícola PARQUES Jogos Água PÚBLICOS Lotes de urbanizações Cemitérios Paisagem (1 a 10 ha) Geométricos Prazer Urbanismo (Terraços, Hotéis, etc.) PRIVADOS Estufas, jardins de Inverno Pomar Utilitário Hortas Pomar - Horta Praças JARDINS Prazer Passeio Público Caminho-de-ferro Botânico PÚBLICOS Zoológico Aclimatização Utilitário Institucional Ginásio Exposições Adaptado de André, É., F., Ob. cit., p André, É., F., L art des jardins: traité général de la composicion de parcs et jardins. G. Masson, Paris. 5

2 A presença da vegetação na cidade surge sob várias formas, habitualmente como jardim, parque, enquadramento de vias e edifícios, etc. ocupando distintas áreas, e apresentando origem, morfologia e utilização diversas podendo ser considerada no âmbito abrangente do conceito de espaço verde. Até ao século XIX, os jardins e parques eram reconhecidos por apresentarem, como função principal, um local proporcionador de encontros, de estadia ou de passeio público. Terá sido a partir da era industrial que surgiu o conceito de espaço verde urbano, apresentando-se como o espaço que tinha como propósito recriar a natureza no meio urbano para além das já mencionadas funções sociais surgindo posteriormente o conceito de pulmão verde, como sendo o espaço verde com dimensão suficiente para produzir o oxigénio necessário à atenuação da qualidade do ar 2. Posteriormente, este conceito de espaço verde evoluiu para o de green belt, cintura verde a rodear a cidade antiga, separando-a através de zonas de expansão. Desenvolvendo-se no início do século XX para a teoria do continuum naturale. Permitindo que através do continuum naturale a paisagem envolvente penetre na cidade de modo tentacular e contínuo, apresentando-se sob diversas formas e funções, desde o espaço de lazer e recreio ao de enquadramento de infra-estruturas e edifícios, protecção e integração de linhas ou cursos de água, etc. Este objectivo é cumprido através da recuperação de espaços verdes existentes, criação de novos espaços, e da sua ligação através de corredores verdes 3. Os espaços verdes podem ser definidos como o conjunto de áreas livres, ordenadas ou não, revestidas de vegetação, e que exercem funções de protecção ambiental, integração paisagística ou arquitectónica, e/ou de recreio. Podem afigurar-se das seguintes formas: parques e jardins urbanos, públicos e privados; áreas de integração paisagística e de protecção ambiental de vias e outras infra-estruturas urbanas; taludes e encostas revestidos de vegetação; vegetação marginal dos cursos de água e de lagos; sebes e cortinas de protecção contra o vento ou a poluição sonora; zonas verdes de cemitérios; zonas agrícolas e florestais residuais no interior dos espaços urbanos ou urbanizáveis 4. Representam uma entidade que engloba a totalidade dos espaços ocupados com vegetação, constituindo o somatório das áreas e trechos naturais integrados ou integráveis no tecido urbano 5. A cidade apresenta-se como uma organização muito complexa constituída por um conjunto de edifícios e espaços livres. Os referidos espaços constituem uma rede articulada, onde as pessoas se movimentam, e apresentam-se ajustados às múltiplas funções que desempenham, 2 - Magalhães, R. M., 1992a. Espaços verdes urbanos. DGOT, Direcção-Geral do Ordenamento do Território, Ministério do Planeamento e da Administração do Território, Lisboa, p Idem, p Fadigas, L. S., A Natureza na Cidade, uma perspectiva para a sua integração no tecido urbano. Tese de Doutoramento, Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, p Idem, p

3 caracterizando-se por tipologias específicas, adaptadas a toda a espécie de necessidades e proporcionando vivências indispensáveis à vida equilibrada do homem 6. De seguida iremos apresentar os conceitos de espaços exteriores definidos e estudados para a cidade de Lisboa por Rego 7 : rua, «elemento de comunicação destinado a veículos e/ou pessoas, permitindo a circulação, o acesso aos edifícios e o passeio. É também um espaço largo ou estreito entre edifícios, separando-os, onde se apoiam as redes de infra-estruturas e toda a circulação de produtos, pessoas, etc. 8», pode também apresentar árvores dispostas em caldeira e/ou em faixa (árvores de arruamento 9 ); praça, «grande espaço público, enquadrado por edifícios, com um ou vários acessos, local de encontro, convívio e lazer, frequentemente suportando nós de distribuição na rede de tráfego 10»; jardim, «zona verde de dimensões razoáveis (até 10 ha), suficientemente, para permitir o recreio e o lazer. Geralmente constituídos por zonas arbustivas e alguma árvores de grande porte enquadrando pequenas clareiras relvadas, ou pequenas zonas de estadia pavimentada, e com caminhos de ligação às suas envolventes. Permitem o atravessamento de fuga ao grande trânsito. São espaços agradáveis, com funções de convívio, lazer e recreio, geralmente utilizados pelas populações residentes na envolvente urbana 11»; ajardinado, «zona essencialmente com funções estéticas de enquadramento; são essencialmente compostas de relvados, separados por pequenos caminhos e com alguns arbustos e herbáceas decorativas 12»; parque urbano, «zona onde se interpenetram a natureza na sua forma mais pura e a cidade na sua forma mais estereotipada. Exige um espaço suficientemente amplo, para nele se desenvolverem ecossistemas específicos que andarão associados às dimensões e tipos de árvores e arbustos instalados. ( ) Deverá possuir zonas diversificadas, que exigirão, de acordo com as suas funções, tratamento específico 13». Com a preocupação crescente da integração dos espaços verdes no ordenamento e planeamento urbano surge o conceito de estrutura verde, podendo esta ser classificada de principal ou secundária (Quadro 2.2.), de acordo com as seguintes características 14, 15,16 : 6 - Rego, J. L. E. S., Tipologias de espaços exteriores de Lisboa. Relatório final do Curso Livre de Arquitectura Paisagista, Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, p Idem, p Idem, ibidem. 9 - Árvores de arruamento são árvores em caldeiras e/ou árvores que, não estando em caldeira, constituem manifestamente alinhamentos Rego, J. L. E. S., Ob. cit., p Idem, p Idem, p Idem, p Magalhães, R. M., 1992a. Ob. cit.. p

4 estrutura verde principal: sistema de espaços de maior dimensão e impacto na cidade, constituindo pólos de articulação com a paisagem envolvente. Integra áreas como jardins, parques urbanos e suburbanos, zonas desportivas, recintos especiais (jardins zoológicos, parques de atracções e exposições) e áreas de hortas urbanas, etc. estrutura verde secundária: constitui a extensão da estrutura anterior no interior do contínuo urbano, abrangendo os espaços de menor dimensão mais directamente ligados à habitação e equipamento colectivo. Engloba espaços como pequenos jardins de bairro/ quarteirão, zonas de recreio infantil e juvenil, zonas verdes escolares, etc. QUADRO 2.2. ESTRUTURA VERDE (EV) URBANA ESTRUTURA VERDE URBANA TIPO DE UTILIZAÇÃO RECOMENDAÇÕES GLOBAIS DE PLANEAMENTO Utilização máxima Parque da cidade (zonas verdes especiais, EV didácticos, feiras, exposições, etc.) Parque urbano (EV ligado ao equipamento escolar de saúde, desportivo, cultura, etc.) Parque sub-urbano ESTRUTURA VERDE PRINCIPAL (integrada no contínuo natural) Utilização média Desporto livre Hortas urbanas Parques de campismo Zonas de merendas 20 m 2 / habitante Utilização mínima Zonas de protecção (em relação às zonas industriais, às infra-estruturas de transporte, aos ventos, etc.) Zonas de protecção às linhas de drenagem natural das águas pluviais Matas de protecção Zona agrícolas Cemitérios ESTRUTURA VERDE SECUNDÁRIA (integrada no contínuo construído) Utilização máxima Espaços para recreio infantil (0-5 anos) Espaços para recreio infantil (6-9 anos) Espaços para recreio juvenil (10-16 anos) Espaços para idosos e adultos Espaços para convívio e encontro (praças arborizadas, alamedas, jardim público, etc.) 10 m 2 / habitante TOTAL 30 m 2 / habitante Fonte: Magalhães, R. M., 1992a. Ob. cit. p Saraiva, M.G. A.N., Estrutura Verde da Região de Lisboa. In: Sociedade e Território, vol. 10 e 11: , p. 101 e Magalhães, M.R. 1992b. O Clima e o Microclima como Factores de Ordenamento do Território. Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. 8

5 No caso da cidade de Lisboa, os espaços arborizados, constantes do Relatório publicado em 1996 pela Câmara Municipal de Lisboa sob o título Plano de arborização de Lisboa, são classificados em três categorias 17 : 1. rede de corredores verdes, com particular incidência no sistema de eixos e entradas principais da cidade; 2. povoamentos florestais integrados na Estrutura Verde Principal, incluindo o Parque Florestal de Monsanto, e restantes parques incluídos na mesma estrutura; 3. parques e jardins incluídos na Estrutura Verde Secundária. No Plano Verde de Lisboa, coordenado pelo Professor Ribeiro Telles, surge ainda a terminologia de Estrutura Verde Contínua, Semi-Contínua e Descontínua 18. A primeira corresponde a um sistema de espaços abertos predominantemente verdes, que se inserem de uma forma contínua no tecido edificado descontínuo e muito disperso, e a última constitui um sistema de espaços abertos, que se inserem no tecido urbano contínuo, e se articulam entre si de uma forma descontínua. O termo floresta urbana foi utilizado pela primeira vez em 1965, na América do Norte, como título de um estudo sobre os sucessos e os fracassos das plantações de árvores municipais numa zona da área metropolitana de Toronto 19. De realçar que o referido conceito incluía uma perspectiva integradora, decorrente da participação de profissionais com diferentes formações, tais como: silvicultores, arquitectos paisagistas, agrónomos. O termo de silvicultura urbana é hoje amplamente aceite e encontra-se definido por Miller como: «a arte, ciência e tecnologia de gestão das árvores e dos recursos florestais dentro e próximo do ecossistema urbano facultando à sociedade os benefícios das árvores ao nível ecológico, psicológico, sociológico, económico e estético» 20. Esta definição torna claro que a floresta urbana é mais do que apenas silvicultura dentro (ou próxima) de áreas urbanas. A densidade da floresta urbana varia o seu padrão de acordo com a ocupação do solo (Figura 2.1) Cardoso, M.; Cruz, R.M.V. (Eds), Plano de Arborização de Lisboa (PAL), programa de intervenções 1996/ º Relatório, Setembro Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, p Telles, G.R. (Ed.), O plano verde de Lisboa. Edições Colibri, Lisboa, p Konijnendijk, C. C A decade of urban forestry in Europe. In: Forest Policy and Economics 5 (2003): , p Miller, R. W., Urban Forestry, planning and managing urban greenspaces. Prentice Hall, New Jersey, p Idem, p

6 Figura 2.1. Ocupação do solo e floresta urbana numa região florestada e numa região agrícola (Miller, Ob. cit., p. 30). A ocupação do solo, de dentro para os arredores da cidade, pode ser dividida em quatro zonas: urbana, suburbana, periurbana e rural. A zona urbana caracteriza-se pela área comercial e de escritórios, local de antigas indústrias, e com uma densidade de zonas residenciais elevada a média. Geralmente esta zona apresenta um reduzido número de árvores e uma percentagem inferior de área dedicada aos parques e jardins (é nesta zona que de uma forma geral se encontra a vegetação mais antiga) 22. A zona suburbana caracteriza-se geralmente por baixa densidade residencial, com amplas áreas dedicadas a áreas comerciais, novas áreas industriais, densas redes viárias. Usualmente, apresenta mais parques e jardins do que a zona urbana, bem como outras áreas verdes com vegetação mais recentemente plantada e estabilizada, localizando-se as árvores e floresta, principalmente, ao longo das zonas húmidas não agricultadas 23. A zona periurbana estabelece a interface entre a área suburbana com a rural. Geralmente nesta zona encontram-se as quintas de recreio, áreas residuais de agricultura e áreas florestais, terrenos baldios 24. A Europa, de facto, antes de 1980 nunca mostrou uma tradição consistente de investigação no âmbito da Floresta Urbana, em contraste com a América do Norte 25. A gestão da sua floresta e dos seus espaços verdes foram sempre tratados como campos independentes; e, em geral, as Ciências Florestais não concederam prioridade às florestas urbanas. Contudo, a situação tem vindo a alterar-se designadamente na Europa, através do desenvolvimento de numerosos trabalhos de investigação multidisciplinares dedicados às florestas urbanas. Como exemplo 22 - Idem, ibidem Idem, ibidem Idem, ibidem Johnston, M., The early development of urban forestry in Britain: part I. Arboricultural Journal 21: (cit. Konijnendijk, C. C., 2003, p. 15). 10

7 relevante cite-se a acção europeia COST E12 Urban forests and trees 26, que se desenrolou entre 1997 e 2002, com a participação de 22 países, sendo Portugal representado pelos Professores Francisco Castro Rego e Cristina Castel-Branco, e que colocou a floresta urbana entre os tópicos da agenda científica europeia, tendo culminado com a publicação da primeira obra europeia de referência sobre a aludida matéria 27. O reforço da atenção dispensada nas últimas décadas à floresta urbana parece poder justificarse pelas seguintes razões principais: 1. decréscimo crescente entre a área ocupada pela floresta urbana e a população citadina; 2. deteriorização evidente da qualidade da paisagem urbana, devido, nomeadamente, à ocupação cada vez maior dos espaços vazios, quintais e logradouros por betão e asfalto, e à crescente poluição atmosférica e sonora; 3. emergência crescente de grupos de interesses com preocupações no âmbito do ambiente e paisagismo; 4. melhoria do nível de vida e aumento do tempo livre, o que induz nos cidadãos uma maior exigência de espaços de bem-estar e qualidade de vida que os espaços verdes oferecem em meio urbano CONDIÇÕES QUE A CIDADE OFERECE ÀS ÁRVORES E FLORESTA URBANA INTRODUÇÃO «A rua arborizada do século XIX, que tem a sua expressão clássica nos Boulevards do Paris de Haussman, nasceu do aumento de trânsito de veículos que se verificou depois da invenção do novo tipo de estradas devido a Mac Adam. A rua passou a ser de macadame com ou sem calçada, mas as árvores eram plantadas em passeios de terra batida ( ) As árvores destinavam-se a dar sombra e sobretudo a alegrar a monotonia das cidades que começavam a crescer ( ). As condições são hoje bem diversas. A rua foi asfaltada, o pavimento dos passeios tornou-se impermeável e compacto e a atmosfera das cidades foi poluída pelos gases dos motores a gasolina ( ). A aglomeração de gente foi tal que não só se modificou a temperatura da cidade mas também a qualidade das radiações solares. As árvores, como os homens, têm cada vez piores condições de vida na cidade moderna, o que torna cada vez mais urgente o desenvolvimento de uma política séria de espaços verdes que permitam conservar condições razoáveis de vida. Mas ao passo que o homem se pode deslocar nos fins-de-semana e no Verão, a árvore não tem férias, está sempre no seu posto» 28. As fortes alterações que se verificam em meio urbano, suburbano e até rural, são motivadas pela actividade humana, sendo aquelas inquestionavelmente mais frequentes nos centros 26 - Konijnendijk, C.C.; Nilsson, K.; Randrup, T. B.; Schipperijn, J. (Eds), Urban forests and trees. Springer, Berlin Idem Cabral, F.C.; Telles, G. R., A Árvore. Centro de Estudos de Urbanismo em colaboração com o Centro de Estudos de Arquitectura Paisagista do Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, p

8 urbanos onde, nomeadamente, levam à impermeabilização da superfície do solo, devido à construção de edifícios e à pavimentação de passeios, estradas e parques de estacionamento. Enquanto que nas áreas rurais, a regeneração florestal se encarrega geralmente de repor o ambiente natural, numa área urbana as perdas são irreversíveis: os solos apresentam-se compactados, resultantes de terras de escavação e aterro, e por vezes contaminados devido à impermeabilização da superfície do solo, a qual vai alterar a qualidade das águas de escoamento superficial 29, na medida em que estas dissolvem ou arrastam muitas substâncias óleos, poeiras, lixos, etc. e podem infiltrar-se nos solos urbanos. Para além disso, as condições ambientais que as árvores encontram na cidade apresentam outras adversidades, incluindo modificações no clima, na qualidade do ar, etc., quando comparadas com ambientes não urbanizados. Para além destas diferenças, encontram-se sujeitas a alterações registadas ao nível da luz e do ruído urbano 30. A gestão e manutenção do arvoredo urbano é por tudo isto uma tarefa que constitui um desafio não apenas pelas condições difíceis que a cidade oferece ao crescimento das árvores, mas também pelos frequentes conflitos urbanos com que a localização das árvores se depara. No presente capítulo iremos abordar sumariamente as condições que as árvores encontram na cidade: factores abióticos e bióticos. Apresentando posteriormente uma sugestão de critérios de selecção de espécies arbóreas para a cidade FACTORES ABIÓTICOS No presente ponto descrevem-se sinteticamente os factores abióticos condicionantes das condições de crescimento das árvores em áreas urbanizadas e decorrentes da alteração artificial das qualidades do habitat natural, as quais contribuem para o stresse e ameaças da vegetação urbana. As referidas condicionantes incluem o impacte qualitativo e quantitativo dos diferentes factores locais: clima urbano, poluição do ar, alterações do ciclo hidrológico urbano, e das condições dos solos urbanos 31 tais como, propriedades físicas do solo desfavoráveis, desequilíbrio na quantidade de nutrientes disponíveis, poluição do solo e constituem uns dos factores limitantes na selecção da vegetação arbórea, bem como desencadeiam diversos sintomas nas árvores como se pode sintetizar nas Figuras 2.2. e FACTORES CLIMÁTICOS As cidades criam o seu próprio clima. Um dos principais factores que contribui para tal alteração consiste na substituição das características da superfície natural por estruturas 29 - Varennes, A., Produtividade dos solos e ambiente. Lisboa, Escolar Editora, p Paolletti, E.; Karnosky, D.; Percy, K., Urban trees and air pollution. In: Konijnendijk, C.; Schipperijn, J.; Hoyer, K. (Eds) Forestry Serving urbanised societies. IUFRO World, Vienna. Series Vol. 14: , p Sieghardt, M.; Mursh-Radlgruber, E.; Paoletti, E., Couenberg E.; Dimitrakopoulus, A.; Rego, F.; Hatzistahis, A.; Randrup, T.B., The abiotic urban environment: Impact of urban growing conditions on urban vegetation. In: Konijnendijk, C.C.; Nilsson, K.; Randrup, T. B.; Schipperijn, J. (Eds), Urban forests and trees, Springer, Berlin, p

9 artificiais com materiais igualmente artificiais. Estas intervenções do Homem apresentam como consequência uma alteração da biosfera, com menos cobertura de superfície verde, de que decorre uma pronunciada modificação das condições ambientais físicas, nomeadamente: radiação, vento, temperatura e humidade (Figura 2.4.). Conforme referido anteriormente, as árvores e floresta urbana desempenham um papel relevante modificando e amenizando um pouco os factores climáticos alterados pelo Homem Radiação A luz é um dos factores limitantes do processo fotossintético. Muitas plantas adaptam-se a diferentes intensidades de radiação, contudo, as árvores, na maioria dos casos, são as plantas mais altas da paisagem, requerem pleno sol estimando-se em cerca de 6 horas por dia nas estações de crescimento. O ambiente urbano com edifícios altos pode criar horizontes artificiais, limitando o número de horas de luz solar que as árvores recebem directamente por dia 32. A sombra, ao diminuir a actividade fotossintética, pode induzir uma redução dos sistemas aéreo e radicular. Em consequência, em certos locais mais ensombrados, pode ser preferível não plantar. No entanto, a radiação solar reflectida, quer das paredes dos edifícios quer das superfícies do solo, contribui para moderar certos efeitos do ensombramento. A iluminação pública pode estimular ligeiramente um maior crescimento Temperatura As grandes superfícies urbanas são conhecidas pelo seu efeito de ilha de calor. Geralmente este efeito não constitui um problema para a maioria das plantas, permitindo as referidas elevações de temperatura dilatar o período de crescimento das árvores, bem como facultar liberdade para a selecção de espécies mais meridionais. No Verão, elevadas temperaturas, associadas à forte intensidade de radiação solar reflectida, quer pelas fachadas dos edifícios quer por outras superfícies, podem causar queimaduras nas folhas e no tronco. Por vezes, para prevenir esse efeito de queimadura, colocam-se ligaduras de tecido de juta, enroladas ao longo dos troncos das jovens árvores com casca frágil (e.g. Tilia spp., Aesculus spp., Acer spp.) 34. O efeito de microclima pode também provocar uma perda rápida de água e, em casos extremos, danificar directamente as folhas. Para além disto, as árvores encontram condições de solo restritas, e desta forma pode ser possível que as raízes não consigam assegurar o fornecimento da água requerida pelas plantas Trowbridge, P.J.; Bassuk.L., Trees in the urban landscape, site assessment, design, and installation. John Willey & Sons, Inc., New Jersey, p Mailliet, L.; Bourgery, C., L Arboriculture Urbaine. Institut pour le Dévelopment Forestier, Paris, p Idem, ibidem Trowbridge, P.J.; Bassuk.L., Ob. cit., p

10 Figura 2.2. Influência dos factores abióticos sobre o desenvolvimento das plantas (Adaptada de Agrios, Ob. cit., p. 359). 14

11 Figura 2.3. Influência dos factores abióticos sobre o desenvolvimento das plantas (Adaptada de Agrios, Ob. cit., p. 360). 15

12 A zona das raízes pode igualmente ser afectada pela alteração do microclima urbano. Quando o sistema radicular se encontra fora do solo, as raízes também são afectadas pela flutuação da temperatura do ar e frequentemente não estão adaptadas a estas variações extremas Vento Nas cidades, os golpes de vento apresentam frequentemente um efeito de turbilhão provocando vários estragos. No conjunto, os efeitos do vento fazem-se sentir sobre os povoamentos mais densos de árvores, mais envelhecidos e ao nível de todos os pontos mais fracos de uma árvore: antigas feridas de poda, zonas fragilizadas associadas às ligações dos tutores que não se vão adaptando ao crescimento da árvore, zonas de enxerto, zonas de bifurcação, etc. Deve-se evitar a plantação de espécies de crescimento rápido, consideradas frágeis, em zonas mais expostas (e.g. Robinia spp., Populus spp., Salix spp.) FACTORES HÍDRICOS Excesso de água no solo Quando os solos estão saturados e os poros preenchidos com água, o arejamento é afectado e o potencial redox do solo baixa 38. Por conseguinte, altera-se a atmosfera do solo e a consequente falta de oxigénio inibe a respiração das raízes e dos microrganismos aeróbios. Por exemplo, um alagamento prolongado na Primavera compromete a actividade da árvore e, consequentemente, a sua sobrevivência 39 (fenómeno designado asfixia radicular). Adicionalmente, se o potencial redox descer muito, o ião nitrato é reduzido a ião nitrito e depois a outros compostos azotados, podendo haver mesmo libertação de gás metano, prejudicial por contribuir para o efeito de estufa Secura A ocorrência de murchidão, durante as horas de maior calor, e o aparecimento de necroses foliares marginais, traduzem a insuficiência de armazenamento de água num solo. Como reacção ao stresse hídrico, certas espécies perdem as folhas até ao fim do mês de Julho (como, por exemplo, o Castanheiro-da-Índia). 41 A repetição de tais fenómenos enfraquece a árvore e pode conduzir à sua decadência ou mesmo ao seu fim. Os efeitos de uma secura climática assumem particular acuidade nas cidades pelas razões seguintes (Figura 2.5.): Trowbridge, P.J.; Bassuk.L., Ob. cit., p Mailliet, L.; Bourgery, C., Ob. cit., p Varennes, A., Ob. cit., p Mailliet, L.; Bourgery, C., Ob. cit., p Varennes, Ob. Cit., p Mailliet, L.; Bourgery, C., Ob. cit., p Idem, ibidem. 16

13 ocorre escoamento directo das águas das chuvas para as redes de saneamento de águas pluviais sem penetrar no solo; os solos urbanos apresentam uma fraca capacidade de penetração e retenção de água; existe dificuldade em aceder à toalha freática pelo sistema radicular. Figura 2.4. Incidência sobre o desenvolvimento das árvores do microclima urbano versus ambiente florestal (Adaptada de Mailliet, L.; Bourgery, C., Ob. cit., p. 75). 17

14 A secura dos solos urbanos é difícil de compensar, sobretudo nas árvores de alinhamento em que não se tenha previsto rede de rega. Em compensação, nos parques, a instalação de um sistema de rega automático pode contribuir para manter uma humidade adequada e suprir uma eventual carência hídrica das árvores. No entanto, a instalação de sistemas de rega nem sempre é considerada e, além disso, a água é cada vez mais um recurso raro e caro. 43 A plantação de árvores de arruamento (em caldeira) deve prever um sistema de rega (nem que seja provisório) pelo menos durante os primeiros 3 a 5 anos para as jovens plantações desenvolverem o seu sistema radicular em profundidade 44. Próximo de Lisboa, numa propriedade (Quinta do Brejo) onde se regista uma pluviosidade média anual próxima de 750 mm, foram registados dados de crescimento confirmando-se esta situação: plátanos com rega localizada, nomeadamente rega gota a gota, ao terceiro ano atingiram um porte manifestamente superior ao de outros plátanos de igual idade e plantados na mesma propriedade, mas não regados. Embora posteriormente se tenha dispensado a rega, agora com doze anos de idade é ainda mais notória a diferença no que respeita à altura e ao DAP (DAP 30 vs 11 cm, respectivamente) FACTORES ATMOSFÉRICOS Efeitos gerais Os efeitos dos diferentes poluentes atmosféricos sobre as árvores são difíceis de colocar em evidência, porque os fenómenos são complexos e os sintomas das patologias derivadas de cada poluente são próximos 45. Pode-se observar na Figura 2.6. a comparação entre o ambiente urbano e o natural no que à composição atmosférica diz respeito. Distinguem-se geralmente os poluentes inerentes à cidade (dióxido de enxofre, óxidos de azoto, azoto molecular, monóxido de carbono, partículas e aerossóis) e os que provêm dos desperdícios industriais (derivados de flúor e de cloro, poeiras das fábricas de cimento, etc.). 46 Segundo estudos canadianos, os veículos automóveis contribuem com ca. 30% da poluição urbana 47. A combustão dos resíduos urbanos privados e públicos é igualmente um dos maiores contribuintes da poluição. A resistência das árvores à poluição varia com: i) a natureza dos gases e o tipo de emissão; ii) o estado de desenvolvimento da árvore (uma árvore jovem é mais sensível à poluição); e iii) as condições do meio (sol, clima, nutrição e disponibilidade de água). No entanto, é raro que a concentração individual de cada poluente ultrapasse os limites de toxicidade (nestas circunstâncias e segundo os conceitos adoptados por Varennes 48, 43 - Mailliet, L.; Bourgery, C., Ob. cit., p Idem, ibidem Idem, p Idem, ibidem Idem, ibidem Campos, L.S Entender a bioquímica. Escolar Editora, Lisboa, p

15 deveríamos talvez referirmo-nos a contaminantes substâncias em concentração superior ao que seria de esperar, sem que no entanto causem necessariamente danos). Todavia, a acumulação de diferentes contaminantes pode induzir a um enfraquecimento crónico das árvores, cuja resistência varia de acordo com o meio e o estado fisiológico geral Dióxido de carbono O dióxido de carbono constitui o gás essencial para a síntese de glúcidos durante a fotossíntese (Ciclo de Calvin ciclo fotossintético de redução do dióxido de carbono a glúcidos, à custa do ATP e do NADPH formados a partir da energia luminosa durante a fase luminosa da fotossíntese) 50. O dióxido de carbono e o vapor de água atingem o interior das folhas através dos estomas. Caso as plantas se encontrem sob stresse devido à falta de água, os seus estomas fecham-se com o intuito de evitar grandes perdas de água 51. Nesta situação, a referida síntese glucídica é afectada negativamente e, por conseguinte, também o crescimento das plantas FACTORES EDÁFICOS Os solos urbanos devem ser objecto de uma atenção especialmente cuidada. A sua preservação e o melhoramento da sua fertilidade condicionam o futuro das árvores das cidades. Na arborização das cidades, mais do que noutras situações, o solo representa um verdadeiro capital sem o qual as árvores não se podem desenvolver. No entanto, na cidade o referido capital está sujeito a muitos factores negativos (Figura 2.7.), sendo de destacar: secura; desmoronamento de terras; compactação; carências minerais e salga. 52 Acrescem as contaminações, quer com substâncias inorgânicas quer com compostos orgânicos. Perto de 80% dos problemas enfrentados pelas árvores nas cidades têm as suas causas nos solos. As características e potencialidades dos solos urbanos dependem da sua origem e das condições em que conseguirem conservar as suas qualidades iniciais. 53 Consoante a história do centro da cidade (depende da intensidade de intervenção), o solo tem a capacidade de conservar as características do solo de campo podendo-se denominar de solos naturais redescobertos. No entanto, a maioria dos casos apresenta solos muito descaracterizados relativamente aos originais, como por exemplo: i) provenientes de aterros heterogéneos de terras e substratos transportados; ii) solos compactados; iii) solos secos; iv) solos pobres em matéria orgânica; v) solos de composição mineral desequilibrada; e vi) solos contaminados ou poluídos Mailliet, L.; Bourgery, C., Ob. cit., p Campos, Ob. Cit., p Trowbridge, P.J.; Bassuk.L., Ob. cit., p Mailliet & Bourgery, Ob. cit., p Idem, ibidem. 19

16 Figura 2.5. Incidência do factor hídrico sobre o desenvolvimento das árvores em ambiente urbano versus ambiente florestal (Adaptada de Mailliet, L.; Bourgery, C., Ob. cit., p. 76). 20

17 Figura2.6. Incidência da poluição sobre o desenvolvimento das árvores em ambiente florestal versus ambiente urbano (Adaptada de Mailliet, L.; Bourgery, C., Ob. cit., p. 78). 21

18 Um solo compactado apresenta um pequeno diâmetro médio dos poros o que, por um lado, dificulta a penetração das raízes e, por outro, afecta o movimento de gases, água e nutrientes tudo concorrendo para prejudicar o crescimento vegetal. Recomenda-se 54 que os solos destinados ao uso recreativo, nomeadamente se são muito susceptíveis à compressão, sejam protegidos com coberturas protectoras como casca de pinheiro ou passeios elevados de modo a minimizar ou mesmo eliminar a compactação resultante do tráfego de pessoas e/ou de máquinas. Regra geral é complexo e dispendioso tratar os contaminantes presentes no solo, mas considerando a gravidade de algumas situações, é por vezes imperioso proceder à remediação dos solos. Utilizam-se múltiplos métodos de remediação in situ ou ex situ, dependendo a escolha do método das circunstâncias, nomeadamente da natureza e do grau de contaminação e risco que representa. 55 É interessante assinalar que entre os principais métodos de remediação in situ inclui-se a fitorremediação, designadamente a utilização de determinadas plantas para remover os contaminantes inorgânicos do solo (chumbo, urânio, selénio, etc.) ou para estimular a degradação dos contaminantes orgânicos OUTROS FACTORES Outro dos factores negativos para a manutenção da árvore na cidade refere-se aos problemas estruturais de uma cidade, nomeadamente a proliferação de infra-estruturas nos solos: gás, água, cabos eléctricos, redes telefónicas, TV cabo, saneamento, etc. A agravar a situação acrescem as agressões devido a obras municipais e outras a manutenção de uma árvore raras vezes é motivo quer para se alterar a implantação de um projecto e respectiva obra, quer para se aplicarem as medidas cautelares necessárias para a sua correcta preservação e conservação Varennes, Ob. cit., p Idem, p Idem, ibidem Câmara Municipal de Lisboa, s/ data. A árvore no espaço urbano. Câmara Municipal de Lisboa, Divisão de Formação, Lisboa, p

19 Figura 2.7. Incidência das características dos solos sobre o desenvolvimento das árvores em ambiente florestal versus ambiente urbano (Adaptada de Mailliet, L.; Bourgery, C., Ob. cit., p. 83). 23

20 FACTORES BIÓTICOS As condições ecológicas impostas pelo estilo de vida urbana, bem como pelas actividades urbanas, e os seus efeitos desfavoráveis, influenciam fortemente o desenvolvimento das árvores. A presença e o comportamento dos agentes patogénicos afectam também as árvores, através das pragas e doenças. A adaptação das árvores ao ambiente urbano é responsável, muitas vezes, pelo desenvolvimento das árvores em condições de stresse, provocadas por agentes abióticos que desencadeiam nas árvores processos fisiológicos anormais seguidos, por vezes, de alterações morfológicas irreversíveis, tornando-as vulneráveis ao ataque de parasitas. As referidas influências de factores abióticos devem-se, muitas das vezes, a alterações das condições ambientais (temperaturas elevadas ou muito baixas, excesso de sais, fugas de gás, etc.) ou a factores de origem mecânica (danos devidos a automóveis, valas de construção, utilização incorrecta de tutores, etc.) 58. A presença de doença ou praga, quer em ecossistema agrícola quer em ambiente urbano, aparece devido a um conjunto de situações que propiciam a presença do parasita, tais como a existência do hospedeiro susceptível e a ocorrência de condições edafo-climáticas oportunas. A intervenção do homem também pode contribuir para a ocorrência de doenças ou pragas, designadamente 59 : i) ao intervir na introdução de espécies vegetais novas (de referir a actual facilidade de importação de material vegetal, que pode trazer parasitas até então desconhecidos na área de intervenção); ii) ao alterar as condições edafo-climáticas (e.g. composição do solo, disponibilidade em água e em luz). As lesões causadas por factores abióticos e bióticos nas árvores, nem sempre são de fácil identificação, traduzindo-se por sintomas (necroses e cloroses das folhas, cancros nos troncos, podridões e cavidades dos troncos, podridões das raízes, etc.) e sinais (micélio no ritidoma, carpóforos nos troncos e ramos, etc.) 60. A adaptação das árvores ao ambiente urbano induz, frequentemente, o aparecimento de plantas debilitadas que, quando são atacadas por fungos ou insectos, ficam lesadas estética e estruturalmente 61. A acção directa dos parasitas sobre as árvores ocorre sob diversas formas, de destacar: as deformações de folhas ou ramos, a queda prematura de folhas, a diminuição do seu valor estético e da sua longevidade. No que respeita aos efeitos indirectos da ocorrência de pragas e doenças são de um modo geral mais difíceis de enumerar e de quantificar, causando alterações profundas nas funções desempenhadas pelas árvores, tais como uma intensa 58 - Ramos, P.; Caetano, F.F., A importância da fitossanidade na selecção, na gestão e manutenção das espécies arbóreas. In: 1º Congresso da Sociedade Portuguesa de Arboricultura, Lisboa, p Idem, ibidem Idem, ibidem Idem, p

21 queda da folha na época estival e.g., acontece com alguma frequência nos alinhamentos de castanheiros-da-índia, que são alvo de mancha angular (micose causada pelo fungo Guignardia aesculi (Peck) Stewart) no início do Verão, perdendo parte da sua folhagem interferindo nas diversas funções desempenhadas pelas árvores, tais como: fixar os poluentes atmosféricos, servir de barreira à poluição sonora 62. Os inimigos das árvores por vezes limitam a biodiversidade no espaço urbano, uma vez que podem assumir proporções de epífitia, impedindo que determinadas espécies possam ser utilizadas. De destacar o caso da grafiose dos ulmeiros (agente causal Ophiostoma ulmi (Buisman) Nannf.) que reduziu 70% da população de ulmeiros no Sul de Inglaterra no final da década de Em Lisboa, a doença foi assinalada em 1933 em ulmeiros do Jardim Zoológico, por um investigador do Laboratório de Patologia Vegetal Veríssimo de Almeida 64, do Instituto Superior de Agronomia. As doenças e pragas também podem trazer efeitos indirectos, tais como a quebra de ramos, podendo causar acidentes com inúmeros prejuízos (e.g. queda sobre uma viatura) 65. Outros tipos de problemas podem ser os determinados por: i) pragas de hemípteroshomópteros (como os afídeos) que produzem uma intensa melada que é corrosiva e pode danificar viaturas, mobiliário urbano, etc., apresentando-se, a título de exemplo, o caso da psila da olaia ou da psila da tipuana 66 ; ii) insectos que provocam problemas do foro da saúde pública, sendo de destacar a processionária dos pinheiros (Thaumetopoea pityocampa Schiff.) e da galerucela dos ulmeiros (Xanthogaleruca luteola (Müler), cujas larvas possuem pêlos urticantes que provocam reacções alérgicas nas pessoas e nos animais 67 (no caso da referida processionária, têm-se registado situações, nomeadamente em estabelecimentos escolares, que obrigam a intervenção médica e são amplamente difundidas pelos órgãos de comunicação social, o que não raro leva ao arranque dos pinheiros, não obstante existirem no mercado insecticidas eficientes); iii) podridões do lenho provocadas por fungos basiomicetas, tal como o aparecimento do fungo Inonotus rickii (Pat.) Reid em alinhamentos de Celtis australis L. 68, que pode limitar a plantação de novos alinhamentos, visto que o referido fungo provoca uma podridão branca do lenho conduzindo à morte das árvores (sendo facilmente transmitido através dos instrumentos de poda) 69. De facto, o conhecimento dos problemas fitossanitários deve ser uma componente relevante na selecção, gestão e manutenção das espécies arbóreas, uma vez que as doenças e pragas 62 - Idem, ibidem Mittempergher, L.; Fagnani, A.; Ferrini, F., 1998 (cit. Ramos, P.; Caetano, F. F., 2003, p. 75) Câmara, E.S., 1936 (cit. Ramos, P.; Caetano, F.F., 2003, p. 75) Ramos, P.; Caetano, F.F., 2003, Ob. cit., p Idem, ibidem Idem, ibidem Melo, I., Ramos, P.; Caetano, M.F.F., First record of Inonotus rickii (Basiodiomycetes, Hymenochaetaceae) in Portugal. Portugaliae Acta Biol. 20: (cit. Ramos, P.; Caetano, F.F., 2003, p. 78) Ramos, P.; Caetano, F.F., Ob. cit., p

22 podem comprometer a longevidade das plantas, impedindo que estas cumpram as funções a que estão destinadas 70 (Anexo 2.1.). Além disso, o facto das pessoas viverem nas áreas urbanas restringe o uso de certos métodos de controlo de pragas ou doenças. Por exemplo, é bastante difícil podar ou pulverizar árvores altas em ruas estreitas ou em avenidas muito movimentadas, quando é necessária a utilização de grandes guindastes, ou é difícil efectuar pulverizações com produtos fitofarmacêuticos que apresentem um certo risco de toxicidade para os seres humanos 71. Geralmente a função ornamental das árvores, bem como o tipo de estrutura de uma cidade, determinam a forma das árvores, e subsequentemente o tipo de poda, algumas vezes drástica e prejudicial, o que contribui para o enfraquecimento das árvores e favorece a entrada e ataque de agentes patogénicos 72. Em Portugal, nos meios urbanos é comum sujeitar os plátanos a atarraques severos, o que tem implicações no âmbito da fitossanidade e, adicionalmente, descaracteriza as árvores, causando-lhes uma alteração estética. A protecção sanitária das árvores em ambiente urbano não se deve apoiar apenas em práticas terapêuticas, devendo privilegiar os aspectos profiláticos, a começar pela escolha de espécies reconhecidamente bem adaptadas aos condicionalismos a que vão ser submetidas, com o aumento de diversidade de espécies arbóreas na cidade bem como pelo recurso a práticas culturais conducentes a um bom vigor das árvores Idem, p Tello, M.L.; Tomalak, M.; Siwecki, R.; Gáper, J.; Motta, E.; Mateo-Sagasta, E., Biotic urban growing conditions threats, pests and diseases. In: Konijnendijk, C.C.; Nilsson, K.; Randrup, T. B.; Schipperijn, J. (Eds), Urban forests and trees. Springer, Berlin, p Idem, ibidem. 26

23 2.3. SELECÇÃO E ADAPTAÇÃO DAS ESPÉCIES ARBÓREAS NA CIDADE Apresentamos de seguida uma orientação para o estabelecimento de critérios para a selecção de espécies arbóreas para a cidade, seguindo-se dois exemplos de programas para selecção de espécies arbóreas para a cidade de Lisboa. No primeiro exemplo apresentam-se os critérios considerados por Andresen 73, em 1982, para avaliar as árvores de arruamento da cidade de Lisboa. O segundo constitui um exemplo prático de plantações experimentais coordenadas por Rego & Castel-Branco 74, por ocasião da EXPO 98 para testar a adaptabilidade de algumas espécies botânicas ao local de estudo CRITÉRIOS PARA SELECÇÃO DAS ESPÉCIES ARBÓREAS Uma das fases mais importantes para o sucesso de um programa de plantação do arvoredo de arruamento consiste na selecção cuidadosa de espécies botânicas. Por um lado, tendo em atenção as condições climáticas do local, o tipo de solo, a disponibilidade de água, o vento, etc. Por outro lado, tendo em conta também o tipo de manutenção que estará disponível para assegurar o futuro sucesso das plantações, bem como a função lhe está atribuída (enquadramento, ensombramento, etc.). Na Figura 2.8. apresenta-se um modelo desenvolvido por Miller 75 para orientar a selecção de espécies arbóreas na cidade. Um dos critérios importantes para a selecção da espécie arbórea é a disponibilidade dos viveiros comerciais ou das autarquias. A este propósito, parece relevante citar o Professor João de Carvalho e Vasconcellos, que já em 1943 preconizava a urgência de estudar, propagar e comercializar a nossa flora e aplicá-la na composição florística dos espaços verdes: «Urge, pois, que os viveiros do Estado e das Câmaras Municipais criem e propaguem as plantas da nossa flora, dignas de serem reproduzidas ou multiplicadas e que os viveiristas particulares sejam convidados a terem, a par de árvores e arbustos exóticos dos mais variados países, as espécies portuguesas, muitas delas, como dissemos, de rara beleza, para que elas passem a aparecer com mais frequência nos nossos jardins e parques e não sejam substituídas por outras, muitas vezes de inferior aspecto e com certeza muito menos rústicas e adaptadas ao ambiente.» Andresen, M.T.L.M.B., Árvores de arruamento de Lisboa, contribuição para a sua classificação. Relatório Final do Curso Livre de Arquitectura Paisagista, Instituto Superior de Agronomia, Lisboa Rego, F., Castel-Branco, C., A escolha das espécies: da lista referencial às plantações experimentais. In: Castel-Branco, C.; Rego, F.C. (Eds). O Livro Verde. Expo 98, Lisboa Miller, R. W., Ob. cit., p Vasconcellos, J.C., O jardim regional. Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, p

24 Figura 2.8. Modelo sugerido para se seleccionarem as espécies botânicas a utilizar em arruamento (Adaptada de Miller, Ob. cit., p. 231). De facto, cada vez mais se exige o termo espaço verde sustentável pretendendo uma excelente integração na paisagem urbana e onde os custos de manutenção, quer ambientais quer económicos, sejam o mínimo possível. Para se alcançar este propósito um dos requisitos fundamentais assenta na correcta selecção do material vegetal. Para o efeito cabe aos viveiros comerciais e municipais desempenhar um papel fundamental na disponibilização de material vegetal que cumpra esses requisitos valorização estética, biofísica e ambiental do espaço verde urbano PRIMEIRO EXEMPLO: Á RVORES DE ARRUAMENTO DE L ISBOA CONTRIBUIÇÃO PARA A SUA CLASSIFICAÇÃO 77 No referido relatório Andresen desenvolveu uma metodologia para atribuir uma classificação para o património arbóreo da cidade de Lisboa, com principal destaque para as árvores de arruamento considerando as árvores que se encontram em caldeira. O estudo foi estruturado em três fases: na primeira parte analisaram-se os problemas da cidade, o funcionamento fisiológico do arvoredo bem como as técnicas existentes de plantação, manutenção e diagnóstico do arvoredo; na segunda parte foram realizados e comentados os levantamentos do arvoredo existente na cidade de Lisboa nos anos 1929, 1939 e 1981; por último, desenvolveu-se uma metodologia para atribuir uma classificação a cada uma das espécies arbóreas e estabeleceu-se um critério para classificar as ruas arborizadas. De seguida iremos apresentar a forma como Andresen avaliou as espécies arbóreas utilizadas em arruamento na cidade de Lisboa Andresen, M.T.L.M.B., Ob. cit. 28

25 Classificação das espécies arbóreas Foram considerados cinco critérios de classificação das espécies, a saber: beleza; crescimento; inconvenientes; vantagens ambientais; resistências. Para cada um dos critérios foram considerados os seguintes valores: 0,0 (situação menos favorável); 0,2; 0,4; 0,6; 0,8; 1,0 (situação mais favorável). Estes valores aplicaram-se a todos os critérios, com excepção das quedas de órgãos que receberam uma pontuação negativa (- 0,4). Ao somatório dos diversos valores correspondeu um total que foi considerado o coeficiente potencial de cada espécie 78. Estes coeficientes foram posteriormente utilizados para a classificação dos arruamentos. O facto de nesta classificação não se entrar com o factor idade, levou a que a classificação fosse considerada potencial. De facto, a idade da árvore apresenta um grande peso no seu funcionamento. Ou seja, quanto mais idosa for maior a sua susceptibilidade a doenças e menores os seus crescimentos. A título de exemplo apresentamos no Quadro 2.3. as grelhas de avaliação propostas por Andresen para as espécies arbóreas de arruamento contendo a avaliação atribuída a quatro das espécies avaliadas. Da consulta do Quadro 2.4. pode-se observar a classificação atribuída às principais espécies arbóreas de acordo com o coeficiente potencial de cada espécie. Da referida consulta concluise que o lodão-bastardo (Celtis australis) foi a espécie que obteve a maior classificação, destacando-se de seguida as seguintes espécies: Tipuana tipu, Grevillea robusta, Aesculus hippocastanum, Platanus hybrida, Robinia pseudoacacia, Zelkova serrata, Jacaranda ovalifolia, Sophora japonica e Ginkgo biloba. Dos resultados obtidos Andresen tece os seguintes comentários 79 : de entre as primeiras espécies classificadas há três que demonstram grande aptidão para a cidade de Lisboa mas que, no entanto, por observação dos registos do inventário de 1981, apresentam pouca representatividade. Estamo-nos a referir à Grevillea robusta, Zelkova serrata e Ginkgo biloba. Os referidos resultados provavelmente devem-se ao facto de: a Grevillea robusta ser uma espécie de folha persistente; em algumas árvores da espécie Zelkova serrata já se registou a ocorrência da grafiose; em relação à Ginkgo biloba, apesar de ser um exemplar muito bonito, mas apresentando um crescimento bastante lento Andresen, M.T.L.M.B., Ob. cit., p Idem, p

26 QUADRO 2.3. GRELHA DE AVALIAÇÃO DAS ÁRVORES DE ARRUAMENTO PROPOSTA POR ANDRESEN Fonte: Andresen, M.T.L.M.B., Ob. cit., p

27 QUADRO 2.4. CLASSIFICAÇÃO FINAL DAS ESPÉCIES ARBÓREAS PROPOSTA POR ANDRESEN Espécie botânica Classificação final Celtis australis 11,0 Tipuana tipu 10,4 Grevillea robusta 10,0 Aesculus hippocastanum 9,6 Platanus hybrida 9,6 Robinia pseudoacacia 9,6 Zelkova serrata 9,6 Jacaranda ovalifolia 9,4 Sophora japonica 9,4 Ginkgo biloba 9,2 Gleditsia triacanhtus 9,2 Juglans regia 9,2 Tilia spp. 9,0 Acer pseudoplatanus 9,0 Fraxinus angustifolia 9,0 Paulownia tomentosa 9,0 Ulmus spp. 9,0 Cercis siliquastrum 8,6 Catalpa bignonioides 8,4 Magnolia grandiflora 8,4 Prunus cerasifera atropurpurea 8,4 Acer negundo 8,2 Melia azedarach 8,2 Koelreuteria paniculata 8,0 Populus canescens 7,2 Populus nigra 6,6 Populus alba 6,4 Fonte: Andresen, M.T.L.M.B., Ob. cit., p. 96). 31

28 SEGUNDO EXEMPLO: PLANTAÇÕES EXPERIMENTAIS EXPO 98 «As plantações experimentais da EXPO 98 criaram saber ( ) As plantas tiveram de saltar as barreiras do clima, do solo, dos transplantes, etc ( ). As espécies, que após a corrida de quatro anos ( ), estão neste momento nas primeiras posições demonstraram já qualidades suficientes para merecerem ser seleccionadas, sem dúvidas, para outras maratonas na grande Lisboa. É esta consagração e descoberta de espécies de sucesso que constitui a oferta que a EXPO 98, com o Instituto Superior de Agronomia, fez a si própria e à cidade.» 80 A área de intervenção para a EXPO 98 ocupa 330 ha e insere-se numa unidade de paisagem marcada por uma linha de festo paralela ao rio Tejo, no sentido norte-sul, ocupando uma distância média de 3 km da margem do rio. Podendo-se caracterizar, antes da intervenção, da seguinte forma: i) terreno de relevo plano, devendo-se esta planura à actividade industrial que ocorreu durante 40 anos nesta zona cidade de Lisboa, e para o qual contribuíram os aterros que se foram realizando durante esse período e que puxaram a linha de terra, ganhando cerca de 300 m de largura ao rio; ii) em relação à geologia nos seus terrenos de formação muito recente, predominam os aluviões e os aterros, sendo as únicas formações geológicas naturais genuínas que se apresentavam no Cabeço das Rolas e na área de Sapal na entrada do Tejo; iii) sendo a zona mais a norte (limitada pelo rio Trancão) constituída por lamas (aluvião/ sapal) e a área mais a sul (limitada pela Avenida Marechal Gomes da Costa), até à construção do aterro, constituída por formações de areias, areolas e arenitos, bordejados por estreitos cordões aluvionares 81 ; iv) no que à vegetação diz respeito, é de referir a presença do zambujeiro na Encosta do Cabeço das Rolas revelando a vegetação natural da zona antes da sua industrialização o zambujeiro (Olea europaea sylvestris) é uma árvore da associação vegetal de Lisboa e, em consociação com a carvalhiça (Quercus faginea), dominava as zonas de bosque das colinas arborizadas da paisagem que envolvia o Castelo de S. Jorge 82 e a zona de sapal; v) apresentando-se os seus solos contaminados, constituindo este facto uma das grandes preocupações nesta intervenção (a descontaminação dos solos foi encarada como uma das acções prioritárias, tendo tido esta acção uma importância preponderante para a arborização do local, uma vez que a má qualidade dos solos é sem dúvida uma das causas do deficiente crescimento vegetal). 83 No Plano de Urbanização para os 330 ha entregues à EXPO 98 desagregaram-se três zonas distintas: os terrenos da Exposição (60 ha); uma área de renovação urbana e de desenvolvimento de complexos urbanísticos (190 ha) e um amplo parque público (80 ha) 84. Em 80 - Rego, F., Castel-Branco, C Ob. cit., p Castel-Branco, C A visão. In: Castel-Branco, C.; Rego, F.C. (Eds), O Livro Verde. Expo 98, Lisboa, p Idem, p Idem, p Walker, V.; Castel-Branco, C O concurso internacional para o Parque do Tejo e Trancão. In: Castel-Branco, C.; Rego, F.C. (Eds), O Livro Verde. Expo 98, Lisboa, p