Reunião Anual FMI/Banco Mundial

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1 O economista-chefe e sócio da Opus, José Marcio Camargo, esteve presente à Reunião Anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, realizada na semana passada em Lima, no Peru. Segue abaixo o resumo feito por ele com um panorama geral das discussões e os detalhes de algumas das seções de que participou. Visão Geral Após mais de seis anos desde o início da crise financeira em 2008, período durante o qual foram adotadas políticas monetárias extremamente agressivas, com taxas de juros próximas a zero e forte aumento de liquidez devido à compra de ativos financeiros pelos principais bancos centrais diretamente nos mercados, o cenário para os próximos dois anos continua a mostrar um crescimento medíocre no mundo desenvolvido. Por outro lado, as taxas de inflação continuam muito próximas a zero, e existem poucos indícios de que irá convergir para a meta de 2,0% dos bancos centrais destes países no futuro próximo. Diante deste cenário, o risco é de que, com a desaceleração das economias emergentes, estes países entrem em um novo processo recessivo, o que fatalmente levaria a uma deflação. Esta é a avaliação de praticamente todos os expositores na reunião do IMF/WB de Apesar deste cenário, os expositores mostraram resignação quanto à capacidade de se adotar medidas para revertê-lo. Exceto pelo presidente do Banco Central do Japão, H. Kuroda, que mostrou otimismo em relação à capacidade do QE japonês gerar uma aceleração do crescimento e da inflação naquele país, nenhum outro analista ou autoridade monetária se mostrou otimista quanto ao poder da política monetária de afetar este resultado. A discussão foi quanto às principais causas e por quanto tempo este cenário irá persistir. Este cenário é uma questão estrutural de longo prazo, que exigirá reformas importantes que sejam capazes de aumentar a produtividade, o fluxo de comércio e reduzir o nível de endividamento do setor público. Entretanto, o consenso termina aí. Quando a discussão passa para as causas, as divergências são significativas. Para uma parte importante dos analistas (Summers, De Long, etc.) o baixo crescimento e a baixa inflação estão relacionados a uma falta estrutural de demanda efetiva, resultado de um excesso de poupança principalmente na Ásia. Segundo esta avaliação, para evitar que o mundo desenvolvido caia em uma deflação, os bancos centrais deveriam manter as políticas monetárias frouxas por um longo período de tempo, evitar aumentar a taxa de juros e, se necessário, manter as políticas de aumento de liquidez que foram adotadas desde o início da crise em 2008, ainda que estas políticas não tenham se mostrado efetivas no sentido de aumentar o crescimento e a inflação. Uma explicação alternativa da origem deste cenário dá especial ênfase ao excesso de capacidade produtiva decorrente dos elevados níveis de investimento das últimas décadas, principalmente, mas não exclusivamente, na Ásia. Com a crise de 2008 e a redução do crescimento mundial daí decorrente, esta capacidade produtiva permanece com elevado grau de ociosidade, o que reduz o investimento e as pressões inflacionárias. Neste contexto, a manutenção de taxas de juros próximas a zero, na medida em que ajuda a preservar capacidade produtiva menos eficiente, pode prolongar ainda mais o período de ajuste das economias. 1 /

2 Em resumo, realismo quanto ao crescimento e resignação quanto à capacidade da política macroeconômica de reverter o cenário no curto prazo. Para os países emergentes, o consenso entre os analistas é de forte desaceleração da atividade econômica, com alguns grandes países emergentes (Brasil, Rússia, principalmente) caminhando para forte recessão, queda dos preços das commodities e pressão deflacionária. A questão é que como estes países hoje representam aproximadamente metade do PIB mundial, esta desaceleração irá reforçar o fraco desempenho dos países desenvolvidos. Para muitos analistas, esta desaceleração está relacionada a dois fatores particularmente importantes, a queda do crescimento da China e as incertezas geradas pela indefinição das políticas monetárias no mundo desenvolvido. Grexit Houve uma seção diretamente voltada para a questão da saída da Grécia da zona do euro, se é ainda um problema para a região. As conclusões não foram muito claras, mas uma coisa é certa, os analistas estão preocupados com a capacidade do país de cumprir com as condicionalidades e com o fato de que, apesar da aparente mudança de postura política do governo de Tsipras, a avaliação é que é mais uma questão de gerenciamento de expectativas do que de mudança política e ideológica efetiva. A questão é que, se isto for verdade, a implantação do programa se torna muito mais difícil. A questão é que o programa é bastante duro. Um exemplo que foi citado várias vezes se refere ao programa de privatizações. Um dos analistas foi muito pessimista quanto ao programa, exatamente porque existe uma resistência ideológica bastante forte a ele. Segundo os analistas, o grande problema a ser resolvido pelo BCE é a capitalização dos bancos, que estão totalmente descapitalizados e o setor privado não tem qualquer interesse em colocar dinheiro neste projeto. Vai custar caro e a pregunta é: quem vai pagar? De qualquer forma, a conclusão final é que, ainda que permaneça delicada, a situação é bem melhor do que na crise anterior e do que no início de 2014, quando o Syriza venceu as primeiras eleições e decidiu romper com a UE. China/ Economias Emergentes A China entrou em um claro processo de desaceleração da atividade, bem mais acentuado do que o esperado pelos mercados. O objetivo de gerar um novo balanceamento entre consumo e investimento na economia chinesa tem sido mais fácil de ser anunciado do que de ser executado. Além disso, a reação à crise financeira de 2008/2009, com o uso de endividamento das empresas estatais para aumentar os investimentos, principalmente em infraestrutura e no setor industrial, o que fez com que a proporção dos investimentos no PIB atingisse 45%, nível que persistir pelo menos até 2014, gerou elevados níveis de endividamento e de capacidade ociosa. De um lado, existe uma grande resistência dos agentes econômicos, principalmente das empresas estatais, cujas atividades estão ligadas ao processo de investimento, na medida em que o novo equilíbrio reduz o poder político e econômico destes agentes. Em segundo lugar, uma mudança desta ordem, está gerando um substancial aumento da capacidade ociosa em setores importantes da economia chinesa, em especial o setor industrial, e consequente deslocamento de recursos produtivos (capital e trabalho). Um fator adicional de conflitos e resistências internas é o abandono da taxa de crescimento do PIB como principal meta de política econômica, uma tradição dos sistemas de planejamento centralizado que está fortemente enraizado no processo político chinês. Com isto, o processo de aumentar a participação do consumo e reduzir a parcela do investimento no PIB do país, tem caminhado de forma muito mais lenta do que o esperado não apenas pelos analistas, mas pelas próprias autoridades chinesas. 2 /

3 Dois aspectos foram particularmente discutidos: a crise nas bolsas de valores e a mudança na política cambial do país. Segundo um analista, dado o elevado nível de alavancagem das empresas chinesas, principalmente as empresas estatais, o governo decidiu adotar uma política de incentivo ao investimento em ações como forma de criar uma alternativa para o financiamento das empresas. A forte queda recente nos preços das ações praticamente inviabiliza esta política. Por outro lado, a mudança da política cambial em agosto parece ter sido uma tentativa de flexibilizar a política cambial e tornar o setor industrial mais competitivo. Em princípio, esta parece ser uma mudança positiva, mas problemas de comunicação acabaram por gerar forte volatilidade e forçar o PBoC a adiar a execução da mudança. Segundo todos os analistas, o efeito da desaceleração da economia chinesa será muito importante para as economias emergentes, em especial as economias da América Latina. A principal questão é quais destes países terão espaço interno para executar políticas anticíclicas, tanto fiscal quanto monetária. Neste contexto, o Brasil está em situação particularmente negativa. Com taxas de inflação e déficits nominais do setor público próximos a dois dígitos, ao contrário do que seria desejável, o país terá de implementar políticas monetária e fiscal restritiva, o que deverá aprofundar a tendência recessiva vinda do exterior. Este cenário é agravado pela forte crise política. Em outras palavras, no caso do Brasil, as condições internas deverão tender a reforçar a evolução do cenário externo. O único fator positivo é o forte ajuste já em curso no setor externo, com forte queda do déficit em conta corrente. Entretanto, também neste caso, o aspecto negativo é que este ajuste está calcado em forte recessão. Uma das grandes preocupações dos analistas é com os elevados níveis de alavancagem, em dólar, do setor privado dos países emergentes. Com a tendência ao aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e a valorização do dólar, as dívidas corporativas deverão mostrar forte crescimento. Vários analistas se mostraram bastante preocupados com o desenrolar deste processo. Resumindo, o cenário para o mundo emergente é de desaceleração em alguns países, recessão naqueles sem espaço para adotar políticas monetária e fiscal anticíclicas, elevados níveis de endividamento e de capacidade ociosa. Brasil Christopher Garman (Cientista Político) Seção bastante interessante. O cenário do Chris tem dois componentes: de um lado, não acredita que a crise será solucionada no curto prazo e que irá prosseguir e aumentar ao longo do tempo. Entretanto, não acredita que o impeachment seja a solução para a crise, na medida em que não consegue perceber no vice Michel Temer condições para implementar as reformas necessárias para suplantar a crise. Por outro lado, após um período de aprofundamento, acredita que a crise deverá estabilizar na medida que, para se proteger contra o impeachment, a presidente vai acabar propondo algumas reformas estruturais importantes, como previdência, etc., que seriam aprovadas e a manteriam no poder até o final do mandato. Ou seja, para se salvar, a presidente seria forçada pela crise a promover algumas reformas estruturais, mesmo que em detrimento de sua própria base política (me parece uma conclusão pouco provável, mas não é impossível). 3 /

4 Em suma, segundo este cenário, os partidos irão manter a presidente sempre a beira do abismo, mas não vão empurrá-la abismo abaixo, mantendo-a refém todo o tempo. Neste cenário, segundo ele, a probabilidade de impeachment seria de 40%, que é bastante elevada. Segundo esta análise, os principais fatores que devem evitar a derrubada da presidente são: i. as preocupações quanto as incertezas decorrentes ao processo de impeachment, e ii. as divergências táticas entre os partidos oposicionistas quanto aos prós e contras do próprio impeachment. Para que este cenário seja viável, é fundamental que o ex-presidente Lula apoie abertamente a estratégia pois seria a única pessoa capaz de evitar que o PT e os movimentos sociais reajam contra a presidente. Neste caso, ela perderia o pouco apoio que ainda lhe resta na sociedade, o que tornaria o processo de impeachment quase impossível de evitar. Neste contexto, o desenvolvimento da Operação Lava-Jato é fundamental. Se pegar o Lula, torna a situação da Dilma insustentável. Além disso, ninguém sabe qual será o próximo a ser preso nesta operação e que políticos ainda vão aparecer. Por esta razão, ele avalia ser extremamente difícil conseguir algum equilíbrio político enquanto a Operação Lava-Jato estiver em andamento, o que é o mais provável. Se o aprofundamento da recessão levar o ex-presidente Lula a caminhar para a esquerda, o cenário muda completamente pois, neste caso, o equilíbrio apontado acima quebra completamente e a probabilidade de impeachment aumenta. Um ponto interessante, neste sentido, é que o fato de o PMDB estar totalmente envolvido no caso torna o apoio dos partidos de oposição, principalmente do PSDB, extremamente difícil e delicado, na medida em que não é pequena a probabilidade de que outros membros da cúpula do partido estejam diretamente envolvidos, como o Eduardo Cunha e o Renan Calheiros, o que acabaria por comprometer também a oposição. Isto dificulta a montagem de um governo pós impeachment e, portanto, dificulta o próprio processo. Finalmente, para ele, o impeachment será um longo, difícil e doloroso processo. Com muita incerteza e com dificilmente o PSDB apoiando integralmente um governo Temer, devido às ligações do partido com a corrupção dos governos Lula e Dilma. Mauro Leos (Analista Sênior de Risco Soberano da Moody s) Para a Moody s, o cenário para 2015 e 2016 é bastante difícil, com queda do PIB de 3% e 1%, respectivamente. Entretanto, a agência acredita que a situação deverá começar a se reverter em meados de 2016, o que levará a economia para um crescimento positivo de 2% em Com isto, a expectativa da agencia é que o governo seja capaz de gerar um superávit primário de 2% do PIB em 2017, o que em combinação com a redução dos juros reais deverá fazer com que a relação dívida bruta/pib estabilize a partir de então. Neste cenário, a agência não deverá tirar o grau de investimento do país. (sem dúvida, um cenário bastante otimista e de difícil efetivação). Para 2016, a Moody s não está esperando um déficit primário. Caso isto ocorra, terá de repensar a avaliação, o que não significa que necessariamente irá dar um downgrade na nota, mas terá de reanalisar. 4 /

5 Ao longo deste processo, a relação dívida/pib deverá apresentar uma trajetória de forte elevação, atingindo níveis próximos a 75% do PIB. Ainda assim o grau de investimento seria preservado caso o governo seja capaz de reverter esta trajetória a partir de Segundo ele, para a agência o mais importante é a trajetória esperada e não os números absolutos dos indicadores utilizados para avaliar os países. Neste sentido, caso o Brasil não consiga reverter a trajetória de deterioração em 2017, a agência terá de repensar a avaliação. Segundo ele, a figura do Joaquim Levy é fundamental para dar credibilidade ao cenário de ajuste fiscal e superávit primário em Caso ele saia, é outra situação na qual a agência terá de repensar o cenário. Na comparação com seus pares, o Brasil está particularmente ruim na questão fiscal, na verdade, na questão do gasto público. Uma condição mínima necessária para manter o grau de investimento é atuar para melhorar a questão do déficit primário. No curto prazo, devido a dificuldade de reduzir despesas rígidas, a aprovação da CPMF é muito importante. Em outras palavras, a Moody s está dando grau de confiança no Joaquim, dando um tempo para que ele consiga adquirir confiança e arrumar a casa. Mas se ele não conseguir dar alguns passos concretos na direção de produzir sinais de que vai conseguir produzir um mínimo indispensável de equilíbrio fiscal capaz de reverter a trajetória da relação dívida/pib, a boa vontade desaparece. Esta e a mensagem, a meu ver. Joaquim Levy (Ministro da Fazenda do Brasil) A palestra do Joaquim não trouxe nenhuma novidade interessante, nem uma tentativa de efetivamente convencer os ouvintes de que tem um plano de voo viável. A aprovação da CPMF é a única saída, no curto prazo. Segundo ele, está pensando em alguma proposta de reforma da previdência, mas não deu detalhes do que está sendo estudado. Da mesma forma, não se comprometeu com um superávit primário nem este ano, nem no próximo, mas também não descartou que possa ocorrer. Apresentou um cenário bastante otimista da atividade, no qual a reversão das expectativas dos agentes deverá levar a um aumento do consumo e do investimento, com retomada do crescimento. Não especificou quando irá ocorrer, mas sugeriu que pode ser em um prazo mais curto do que os agentes estão esperando. Não pareceu nada convincente e seguro do cenário proposto. Segundo ele, o problema no Brasil não é de demanda, mas de oferta. Portanto, para voltar a crescer será fundamental fazer reformas que melhorem a capacidade de oferta da economia brasileira. Citou explicitamente a previdência social, mercado de trabalho, simplificação tributária e investimento em infraestrutura. São, no entanto, reformas muito difíceis de serem aprovadas, dada a paralização no Congresso. O Ministro repetiu várias vezes que o primeiro passo terá de ser resolver o problema fiscal. Devido a problemas políticos, houve um atraso na solução da questão fiscal, mas quando isto for resolvido, segundo ele, o cenário começara a ficar claro para os agentes econômicos. Com isto, eles irão reagir e um cenário benigno passará a dominar. Nenhuma palavra sobre qual a estratégia que será seguida para que esta dinâmica se tornar dominante. Ao ser perguntado o que faz com que ele acredite que o tempo irá jogar a favor deste cenário, a reposta foi confiança. Enfim, parece um exercício puro de wishfull thinking. 5 /