ILUSTRÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO GETÚ- LIO VARGAS - FGV. Ref.: Procedimento nº /
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1 ILUSTRÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO GETÚ- LIO VARGAS - FGV Ref.: Procedimento nº / RECOMENDAÇÃO MPF/PRMS/PRDC Nº 007/2011 Ementa: recomenda que, nos processos seletivos que organizar, seja facultado aos(as) candidatos(as) com deficiência visual utilizarem programa leitor e programa de processamento ou edição de texto, recebendo suas provas em meio digital e em formato que permita sua edição em programa de processamento ou edição de texto. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de Mato Grosso do Sul, com fundamento no artigo 127 da Constituição da República e no artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar n.º 75/1993, vem muito respeitosamente perante Vossa Excelência formular a presente Recomendação. O Procedimento Administrativo em epígrafe foi instaurado com a finalidade de apurar eventual irregularidade na adaptação de provas de concursos públicos destinadas a candidatos deficientes visuais usuários de programas leitores, consistente em disponibilizar a esses can-
2 didatos provas em formatos digitais que não permitem a edição de seu conteúdo. Requisitadas informações, a Fundação Getúlio Vargas FGV Projetos informou ao Ministério Público Federal, através do Ofício FGV Projetos 1064/11, de 13/06/2011, que, no que diz respeito aos procedimentos que utiliza por quando da realização de concursos públicos, nos quais estão inscritos deficientes visuais (...) Quanto aos meios digitais, não é feito uso de tais ferramentas, uma vez que a utilização de ledores soluciona os problemas da impossibilidade de edição de arquivos fechados, uma vez que o próprio ledor auxilia o candidato na localização dos elementos no texto. Essa prática tem se mostrado eficiente, sendo o ledor a melhor opção, diferentemente dos programas de computador. Esses leitores de tela e a disponibilização do texto da prova no momento de sua realização em formato editável são práticas já adotadas por outras instituições que organizam concursos públicos, as quais fornecem as provas em arquivos editáveis através de programas de computador e não encontram nenhum óbice para a fiscalização em relação à vedação de utilização de corretor gramatical automático. É o caso da Escola de Administração Fazendária (ESAF) do Ministério da Fazenda, a qual informou, através do Ofício nº 365/2011/ESAF/MF-DF, que as provas são fornecidas em arquivo nos formados.doc (Word) e.txt
3 (formato texto), permitindo-se a edição do texto pelos candidatos. Assim também a Fundação Carlos Chagas (FCC), que informou, através do Ofício P-100/11, que o candidato poderá acessar a prova através do Office WORD, podendo fazer anotações de quaisquer tipos em sua prova digital, como anotar, deletar uma alternativa etc., e (...) que mesmo com as alterações feitas pelo candidato, o arquivo original da prova não será alterado, ou seja, o candidato não poderá em hipótese alguma salvar ou copiar a prova. O Governo Federal, através do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Ministério da Educação, editou em 2009 o manual Leitores de Tela: Descrição e Comparativo - e-mag Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico 1, com a finalidade de apresentar informações básicas a respeito dos leitores de tela Jaws, NVDA, Orca, Virtual Vision e CpqD, bem como sobre a interface especializada DOS-VOX, além de abordar sua interação com os principais aplicativos utilizados por usuários com deficiência visual. Esses leitores de tela disponibilizam ao candidato com deficiência visual funcionalidades que lhe permitem ter pleno acesso ao conteúdo da tela do computador, seja para leitura, seja para digitação. Segundo o mencionado manual editado pelo Governo Federal, os programas Jaws e Virtual Vision, por exemplo, muito utilizados por candidatos 1 %2F%2Fwww.governoeletronico.gov.br%2Fbiblioteca%2Farquivos%2Fs&ei=RUlzTvzxF4rz0gHe6- y_dq&usg=afqjcnfss15xs86vsinbqrl4t2aspiqshg
4 em diversos concursos públicos, oferecem as seguintes funcionalidades: verbaliza as letras e palavras digitadas; a leitura pode ser feita por letra, palavra, linha, parágrafo ou a totalidade do texto; permite verbalizar o que está embaixo do cursor do mouse em movimento; fornece indicação da fonte, tipo, estilo e tamanho da letra que está sendo utilizada, dentre diversas outras. Para ambos os leitores de tela Jaws e Virtual Vision, nos editores de texto Microsoft Office Word 2007, WordPad e Bloco de notas, é possível abrir um arquivo, realizar sua leitura, editá-lo através das ferramentas de edição, navegar pela sua interface e utilizar as opções dispostas na barra de menus. A faculdade oferecida ao candidato com deficiência visual de realizar as provas através de computadores com programa leitor de tela é indispensável para aquele candidato que habitualmente utiliza esses programas, pois o candidato depende desse instrumento para uma dinâmica normal de trabalho. Impor-lhe outro meio de acessibilidade como auxiliar ledor, por exemplo seria diminuir sua capacidade de trabalho durante a realização da prova. O programa ledor possibilita à pessoa com deficiência visual a configuração da dicção e da velocidade de expressão (em geral bastante acelerada) do programa leitor, tal como comumente está habituado seu usuário. É possível configurar a velocidade da leitura no programa leitor para que seja igual à velocidade da leitura mental feita por uma
5 pessoa sem deficiência visual, como o faz habitualmente qualquer usuário de programa leitor de tela. A situação mais plausível é que uma pessoa que auxilie como ledora não consiga realizar a leitura com tal precisão e velocidade. A escrita de texto através de auxiliar ledor, por outro lado, obriga o candidato com deficiência visual a uma revisão de texto menos detalhada e também mais demorada, sendo possível escapar à revisão a detecção de erros ortográficos cometidos pelo auxiliar ledor e não pelo candidato com deficiência visual, sem que haja como comprovar, em recurso futuro, a autoria do erro. A tecnologia assistiva do programa ledor de tela é, portanto, imprescindível meio de remoção de barreiras de comunicação para aqueles candidatos habituados a utilizá-la. Nesses casos, entretanto, o fornecimento do texto da prova, durante sua realização, em formato que não seja editável, coloca o candidato com deficiência visual que dependa de programa leitor de tela em situação de inferioridade em relação aos demais candidatos. De fato, esses candidatos ficam impossibilitados de fazer anotações em sua prova e restam prejudicados, especialmente em questões extensas cujo texto tenha de ser lido diversas vezes. Inegável que as questões de assinalação
6 de múltiplas alternativas com frequência apresentam textos longos e complexas concatenações de assertivas, cuja resolução exige que o candidato lance anotações ou risque palavras no texto. A prática de fornecimento da prova em texto editável tampouco pode ser recusada sob o argumento de que o candidato poderia utilizar programas corretores de gramática ou de vocabulário, pois é possível à organização do concurso configurar os programas que serão utilizados pelo candidato (seja o programa leitor de tela, seja o programa editor de texto) para inviabilizar recursos e funções não permitidas. Ademais, toda a realização da prova deve ser acompanhada por fiscal, que poderá impedir assim a utilização de quaisquer expedientes vedados. O fornecimento do texto, durante a realização das provas, em formato não editável, ou a vedação de utilização de programa leitor impõem aos candidatos com deficiência, portanto, condições de realização da prova mais restritivas que as impostas aos demais candidatos. Incorre-se, como se vê, em prática discriminatória, infringindo direito constitucional social do trabalhador. Como prevê a Constituição da República: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:(...) XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
7 Nessa mesma linha, a título de exemplo, no âmbito da Administração Pública Federal a Lei nº 7.853/1989, que estabeleceu normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência e sua efetiva integração social, determinou, no artigo 9º, que: Art. 9º. A Administração Pública Federal conferirá aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social. Como se vê, o sistema jurídico pátrio tem como princípio desde a Lei Maior até as normas infraconstitucionais - o oferecimento de tratamento diferenciado e apropriado a situações vivenciadas por pessoas com deficiência de modo a lhes garantir o exercício de seus direitos, inclusive o direito à integração social através do acesso adequado à educação e ao trabalho. A utilização da tecnologia assistiva a que está habituado o candidato com deficiência visual como único meio adequado de garantir a acessibilidade na realização das provas também se impõe em decorrência do princípio de hermenêutica constitucional conhecido como princípio da máxima efetividade: Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da Constituição, em relação ao qual configura um subprincípio, o
8 cânone hermenêutico-constitucional da máxima efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem as suas normas em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o seu conteúdo De igual modo, veicula um apelo aos realizadores da Constituição para que em toda situação hermenêutica, sobretudo em sede de direitos fundamentais, procurem densificar os seus preceitos, sabidamente abertos e predispostos a interpretações expansivas. [Gilmar Ferreira Mendes et alii, Curso de Direito Constitucional] 2 Impõe-se ainda aplicar a norma e sua interpretação mais favorável à pessoa humana, sobretudo no caso de grupos sociais mais vulneráveis, como são as pessoas com deficiência. No caso presente, trata-se de aplicar o princípio constitucional da isonomia e do concurso público, levando-se ainda em conta um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a construção de uma sociedade solidária (art. 3º da Constituição da República). Esse é o entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 96772/SP, julgado em 09/06/2009, Relator o Ministro Celso de Mello: HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. 2 3ª edição, 2008, Editora Saraiva, p. 118.
9 - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. Nos termos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinada em Nova York, em 30/03/2007, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, a fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida, 3 entendida a adaptação razoável como as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em 3 Artigo 5º, Item 3.
10 igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. 4 Dispõe ainda a referida Convenção de Nova York que a fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. ( ) 2.Os Estados Partes também tomarão medidas apropriadas para: ( ) b) Assegurar que as entidades privadas que oferecem instalações e serviços abertos ao público ou de uso público levem em consideração todos os aspectos relativos à acessibilidade para pessoas com deficiência. 5 Destacadamente, a Convenção determina que os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seu direito à liberdade de expressão e opinião, inclusive à liberdade de buscar, receber e compartilhar informações e ideias, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e por intermédio de todas as formas de comunicação de sua escolha, conforme o disposto no Artigo 2 da presente Convenção, entre as quais: ( ) b) Aceitar e facilitar, em trâmites oficiais, o uso de 4 Artigo 2º. 5 Artigo 9º, caput e Item 2, b.
11 línguas de sinais, braille, comunicação aumentativa e alternativa, e de todos os demais meios, modos e formatos acessíveis de comunicação, à escolha das pessoas com deficiência. 6 E por fim, a Convenção dispõe em seu artigo 2º que 'Discriminação por motivo de deficiência' significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável. A Lei nº /2000, artigo 20 c/c artigo 2º, dispõe que o Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação, isto é, qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa, e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer. 6 Artigo 21.
12 Como se vê, o sistema jurídico pátrio tem como princípio desde a Lei Maior até as normas infraconstitucionais - o oferecimento de tratamento diferenciado e apropriado a situações vivenciadas por pessoas com deficiência de modo a lhes garantir o exercício de seus direitos, inclusive o direito à integração social através do acesso adequado à educação e ao trabalho. Isso posto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RESOLVE, com fulcro no inciso XX do artigo 6º da Lei Complementar nº 75/93, RECOMENDAR muito respeitosamente a Vossa Senhoria que, nos processos seletivos que organizar, seja facultado aos(as) candidatos(as) com deficiência visual utilizarem programa leitor e programa de processamento ou edição de texto, recebendo o texto de suas provas em meio digital e em formato que permita sua edição em programa de processamento ou edição de texto. Campo Grande, 16 de setembro de Felipe Fritz Braga Procurador da República
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